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Brasileiros, armai-vos! (Flávio Quintela)

Opinião Pública | 09/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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Muitos brasileiros têm pavor de armas, como se fossem uma coisa do mal. Infelizmente, nos últimos 25 anos o estado e a mídia conseguiram colar nas armas a culpa pela violência, quando na verdade foi o banimento delas que deixou os brasileiros indefesos e à mercê de criminosos que atacam com a certeza de que não haverá resistência da vítima. Quando eu tinha meus dez anos de idade lembro muito bem que meu tio andava armado, e meu pai sempre falava em comprar a dele. Lembro de ter entrado numa loja com ele e ver as armas expostas, armas que podiam ser compradas por cidadãos obedientes à lei. Isso soa hoje como fantasia no Brasil, depois que o governo conseguiu desarmar grande parte da população, e não tirou uma pistola sequer das mãos dos criminosos.

Eu tenho estudado o assunto a fundo, pois nos últimos meses traduzi alguns livros excelentes e extremamente bem fundamentados sobre armas e suas consequências para a sociedade. Quando escrevo aqui, não é com o achismo desses grupos de “defesa dos direitos humanos”, que pegam meia dúzia de reportagens e acham que têm informação suficiente para tentar educar as pessoas. Não, estou falando baseado em centenas de tabelas estatísticas, de dados dos últimos 400 anos, de países diferentes, de estudos sérios feitos por professores de grandes universidades. Eu entendo que essa é a maneira correta de alguém se informar sobre um assunto, e não lendo três reportagens tendenciosas num jornal qualquer.

A mídia engana demais. Como exemplo posso citar os casos de tiroteios em escolas americanas, que são tratados como a coisa mais absurda do mundo. Pois bem, se você pegar qualquer ano como exemplo, de 1995 até hoje, o número de estudantes mortos em ataques como esse é menor do que o número de estudantes mortos por esforço excessivo nas práticas de educação física. Mas ninguém vai ver uma reportagem sobre isso, porque o que interessa é pintar as armas como vilãs supremas. Em casa é a mesma coisa: quando uma criança morre por um disparo acidental da arma de seus pais, vira notícia no mundo inteiro; mas não há uma menção sequer às mortes por ingestão de produtos de limpeza, que acontecem NOVENTA vezes mais do que as mortes com armas. E aí? O que pensar sobre isso?

Para mim é bastante óbvio. Se existisse um interesse do governo e da mídia de evitar mortes infantis, por exemplo, eles deveriam se preocupar muito mais em instruir os pais sobre como guardar seus produtos de limpeza do que tentar tirar o instrumento de defesa de suas mãos. Deveriam alardear os riscos de se andar de bicicleta, atividade que mata mais jovens do que todos os atiradores dementes juntos. Mais do que isso, deveriam mostrar os inúmeros casos documentados de pessoas que estão vivas hoje porque alguém próximo, ou elas mesmas, tinha uma arma numa situação de confronto com um criminoso.

Perceba a diferença: muitas pessoas morrem de bicicleta, mas não se tem notícia de que uma bicicleta tenha salvo uma vida, e ninguém sai por aí pedindo o banimento das bicicletas. Muitas pessoas morrem pelo uso de armas, mas muitas mais vivem por causa delas; as armas que matam são as que estão nas mãos de criminosos, que as obtêm diretamente do contrabando, e todo mundo sai pedindo seu banimento generalizado. Um estudo recente da Universidade de Chicago, sobre o uso defensivo de armas, mostrou que em 99% dos confrontos com criminosos a pessoa só precisa sacar a arma para assustar o bandido e impedir o crime, e que menos de 0,1% dos crimes com armas de fogo foram cometidos por cidadãos que possuem uma arma legalizada.

A quem tem um preconceito infundado sobre as armas de fogo, convido a conhecer mais sobre o assunto. Ainda que você nunca compre uma arma para si, é importante saber que o direito de tê-las deve ser garantido a todos os cidadãos de bem, e que seu bairro será mais seguro se você ou alguns dos seus vizinhos tiverem uma arma em casa. Lembre-se que a polícia chega, quase sempre, depois do crime. Está na hora de apoiar os esforços que estão sendo feitos para a derrubada do estatuto do desarmamento, uma excrescência que ajudou o Brasil a atingir o recorde de 60 mil mortes violentas por ano, nos dando uma taxa per capita maior do que a de muitos países em guerra.

Brasileiros, armai-vos!

Flavio Quintela é bacharel em Engenharia Elétrica, escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”. (flavio@quintelatranslations.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 09 de dezembro de 2014, Página A2.

Monopólio da cidadania

Opinião Pública | 22/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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A esquerda sempre teve um cacoete muito grave: o de se enxergar como detentora do monopólio das virtudes. Os pensadores e filósofos que construíram o socialismo e suas vertentes o fizeram de suas casas amplas e aristocráticas, amparados pela riqueza de suas famílias. O mundo dos pobres e dos desfavorecidos nunca lhes foi nada além de um mundo imaginado, de uma realidade extremamente distante, razão pela qual suas soluções para os problemas de desigualdade social sempre geraram cada vez mais pobreza em todos os lugares onde foram implementadas.

Mas, a despeito do fracasso prático dessas soluções e ideias, o simples fato de declararem uma preocupação para com os mais pobres parece ser mais que suficiente para inflar o ego de grande parte dos militantes de esquerda. Aqui no Brasil o fenômeno é facilmente identificável entre os membros do partido governista, o PT, desde o seu surgimento até os dias de hoje. Sua fundação foi auto-aclamada como a de uma agremiação até então jamais vista, composta de “salvadores da pátria”, gente que iria injetar uma dose cavalar de ética e honestidade na política brasileira. Muitos que participaram desse início dificilmente poderiam ser considerados representantes dos trabalhadores que se propunham defender; os que o poderiam fazer com alguma legitimidade, caso do próprio Lula, se transformaram, durante os muitos anos no poder, em exemplos máximos da nova aristocracia brasileira, vivendo um estilo de vida que nem os homens mais bilionários do planeta costumam viver. Cruzam o país em jatos particulares, bebem garrafas de vinho mais caras que um automóvel, e continuam dizendo que são do povo, e contra a elite.

Do alto de sua pseudo-humildade megalômana acusam todos os que não concordam com suas posturas, ideias e ações de serem contra os pobres, transformando-os em bodes expiatórios da nação. Sim, todos aqueles que não querem o governo do PT e que estão se manifestando contra ele nas ruas estão sendo difamados e caluniados pela liderança petista. Manifestantes que marcam suas passeatas no final de semana, pois não podem se dar ao luxo de perder um dia de trabalho, que não vandalizam o patrimônio público e nem o privado, que não colocam máscaras para esconder seus rostos, que não colocam fogo em pneus para bloquear estradas, esses são chamados de golpistas, de antidemocráticos, de elite branca, de burguesia inconformada. A diferença entre o discurso e a realidade é tão gritante que chega a ser ofensiva à inteligência. Quando o MST invade os gramados de Brasília e agride policiais, a presidente da república os chama para dialogar. Quando milhares de pessoas tomam pacificamente as avenidas de São Paulo num sábado à tarde, o partido da presidente da república os chama de golpistas, fascistas e reacionários.

O que nos resta? A quem não faz parte das minorias agraciadas pelo PT foi reservada uma categoria diferente: a de cidadão de segunda classe. Os que não se qualificam para nenhuma bolsa, para nenhuma ajuda governamental, que não se beneficiam por conta de seus antepassados negros ou indígenas, que não são filiados ao partido, que não têm cargos comissionados na máquina estatal petista, esses todos, que compõem a maioria dos brasileiros, não podem sequer exercer seu direito de expressão, pois qualquer opinião ou ação contra o governo é rapidamente classificada como quase criminosa, como um atentado à democracia. Não que isso seja algo espantoso – o PT sempre deixou claro em seus documentos e congressos que tinha como objetivo a hegemonia, e isso significa massacrar toda e qualquer oposição, mesmo a de ideias. O próprio Lula já comemorou em público a ausência de candidatos de direita nas eleições presidenciais, como se isso fosse a coisa mais saudável do mundo. Pluralidade não é uma palavra muito querida por ele e seus companheiros de partido, a não ser quando aplicada a reais, dólares ou euros.

Já passou de hora de desmascarar esses “homens do povo”. É isso que nos resta, expor suas contradições, sua hipocrisia e suas mentiras. Eles têm o poder do estado e do dinheiro farto, mas não têm ao seu lado a verdade. Enquanto houver espaços a ocupar onde se possa falar a verdade, ela acordará pessoas e libertará mentes. Assim eu espero.

Flavio Quintela é bacharel em Engenharia Elétrica, escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”. (flavio@quintelatranslations.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 22 de novembro de 2014, Página A2.

Procriação e bioética – por Adriana Zanolini Moisés

Opinião Pública | 11/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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A procriação sempre foi um fenômeno natural relevante na vida do ser humano, por ser forma de sua realização pessoal, bem como por garantir sua perpetuação. Tal busca levou a ciência, diante dos problemas da infertilidade e esterilidade, a intervir nesse processo natural, gerando a possibilidade de reprodução de seres humanos por meios artificiais, em laboratório. Nota-se, todavia, que, desde esta conquista pela engenharia genética, o deslumbramento diante dessas práticas inovadoras e sua deificação pelas mídias globais muitas vezes ocultam riscos e consequências negativas, dentre o que a ausência de reflexão e o vazio ético no qual elas veem sendo praticadas.

Exemplo disso são as notícias em torno do caso do Dr. Roger Abdelmassih, antes um dos mais renomados especialistas em reprodução humana no país, que por muitos anos foi aplaudido por seus estudos e pelo trabalho pioneiro nessa área. Mas, apenas quando acusado por crimes sexuais, é que se passou a questionar o teor de suas pesquisas e as práticas em torno da reprodução artificial e da manipulação do material genético de seus pacientes.

Suspeita-se, pelo relato de vítimas, que ele implantava no útero da futura mãe, sem o conhecimento do casal, embriões formados a partir de óvulos e espermatozóides de outras pessoas, acreditando-se, por isso, que muitos dos bebês gerados, em sua clínica, não seriam filhos biológicos daqueles que forneceram o material genético. E, se comprovados tais fatos, ele teria não apenas cometido um crime de violência sexual contra suas pacientes, mas também violado a dignidade dessas mulheres e mesmo do filho a ser artificialmente gerado. É preciso considerar que o óvulo não fecundado, embora ainda não seja um ser humano, carrega a possibilidade de se tornar um, enquanto o embrião humano já é um ser vivo em desenvolvimento, e, portanto, já lhe são resguardados direitos. Não se pode ignorar, também, que muitas dessas mulheres, para as quais o Dr. Roger prometia trazer de volta a alegria da concepção, foram submetidas a todo um sofrimento físico que o próprio tratamento muitas vezes impunha, além da dor psíquica em razão da frustração causada pela não obtenção da gravidez.

Não é de hoje que as novidades trazidas pelo avanço da ciência, principalmente na área da reprodução humana, envolvem dúvidas e perigos que nem sempre são considerados, até pela dificuldade de se ter respostas para muitas das questões envolvidas. É preciso, por isso, aproveitar a exposição desses fatos pela mídia para refletir sobre as consequências da utilização desenfreada das técnicas de reprodução artificial, pois o benefício e o malefício de suas aplicações dependerão do destino para o qual elas são usadas.

Essa, todavia, é uma problemática que não se limita apenas ao consultório do Dr. Abdelmassih, já que a manipulação do material genético é uma prática cada vez mais frequente e disseminada, até por força do aumento de casais que recorrem às técnicas reprodutivas artificiais como alternativa à reprodução natural e como meio de realizar o desejo de ter filhos. Por isso mesmo, tal fato não deve impedir o enfrentamento das diversas questões éticas e jurídicas que envolvem esse assunto, dentre as quais a própria necessidade de satisfazer a vontade de ter filhos a qualquer custo e por qualquer meio.

Nesse quadro, faz-se imprescindível um norte ético a orientar o profissional da área médica, evitando o uso indiscriminado dessas técnicas. Consequências negativas de um acelerado e desenfreado desenvolvimento da ciência na área da reprodução humana é a transformação do gene em mercadoria, o que nada mais é que a própria manipulação da vida em sua origem e a consequente coisificação da vida humana. E o perigo das novidades sem refreamento consiste na possibilidade de ser violados valores humanos fundamentais. O grande desafio, portanto, é escolher o caminho, determinar o rumo do progresso científico sem impedir seu desenvolvimento e sem violar primados éticos tão caros ao próprio homem.

Adriana Zanolini Moisés é advogada, mestre em Direito de Família pela PUC/SP e colaboradora do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 11 de novembro de 2014, Página A2 – Opinião.

Quem tem razão?

Opinião Pública | 28/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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— Bom, mais importante agora é garantir o controle da inflação — diz o jovem ao cobrador do ônibus, repetindo o que ouvira no telejornal.

— Ah, o povo quer mais é bandido da cadeia — foi a resposta.

O leitor, a essa altura, já está tomando consciência que o debate político que tomou conta do País vai começar a diminuir no cotidiano das pessoas, e conversas como a transcrita, tão comuns nas últimas semanas, vão cada vez ter menos espaço. Muita gente pode ter se surpreendido com o alcance que tiveram as ideias, propostas e acusações lançadas durante a corrida presidencial, na qual cada um queria ter a razão. Não era pra menos, dada a temperatura dos embates e a importância das eleições.

Entretanto o que faz com que as pessoas entrem em discussões tão complexas não é o calor do momento ou a relevância de uma escolha. A tomada de posições tem raízes mais profundas, ligadas diretamente à natureza dos homens. Cada pessoa, dotada de inteligência e vontade possui uma irresistível atração pela busca da verdade. São Tomás de Aquino, ilustre pensador do século 13 e proclamado pela Igreja Doutor Angélico ensina, na sua Suma Contra os Gentios, que a busca citada é o fim último de cada homem,ou seja, aquilo que nossa alma aspira em última instância.

Com isso em mente, vejo que o momento atual pelo qual passa nossa pátria não poderia ser mais oportuno para uma breve reflexão sobre o tema. Antecipo, caro leitor, o meu prognóstico: se continuarmos a fazer uso de nossa capacidade racional da maneira que estamos fazendo, a sociedade vai de mal a pior.

Ao meu ver, uma maneira muito simples de chegar a essa conclusão é observar a relação das pessoas com a mídia. Acostumadas à velocidade do tempo da internet e da pressa que se impõe aos cidadãos do século 21, cada vez mais as pessoas se contentam em ler apenas manchetes. Com isso, não somente exaurem sua busca sobre determinados assuntos em fontes pouco abrangentes e duvidosas (como a linha do tempo do facebook, por exemplo), mas, ainda mais preocupante, é que não dedicam tempo nenhum à reflexão sobre as informações que recebem.

Começarei citando como exemplo o que foi veiculado sobre os relatórios do Sínodo dos Bispos, que aconteceu em Roma e tratou sobre os desafios pastorais relativos à família. Os mais antenados irão concordar comigo que os mais sérios e respeitados veículos de comunicação do Brasil e do mundo noticiaram que os pastores da Igreja, como aval do Papa, promulgaram um documento que mudava a visão dos católicos sobre o homossexualismo, dando a aprovação e a benção. Ora, é fato que o pontificado de Francisco pode ser considerado um pouco mais liberal que o de seu antecessor, mas o que saiu da mídia extrapola o limite da interpretação e passa a ser uma mentira deslavada. O relatório do sínodo publicado pelo Vaticano, se lido na íntegra, jamais deixa espaço para tal entendimento. Qualquer pessoa que se dignou a ler os não mais que 70 parágrafos verão que esses — inclusive os não aprovados pelos bispos — reafirmam a doutrina católica,como fez a Igreja nos últimos 2.000 anos.

Para citar outro exemplo abrirei espaço novamente à política. Na última semana, uma enxurrada de pesquisas foi divulgada, apontando resultados que conseguiam agradar gregos e troianos. Em meio a essa confusão, o número de eleitores que não queriam “perder seu voto” e acabaram por escolher o candidato que estava à frente segundo o instituto X ou Y foi assustador. Quem agiu assim não foi diferente da criança que, ao ver o colega relutando em fazer o que lhe foi ordenado, não resiste e cai, inocentemente, no mesmo erro.

Não quis nas linhas acima criticar as pessoas que não possuem um conhecimento mais profundo sobre certos temas. O que pretendi tomando o tempo do leitor (que estava,inclusive, buscando um texto de autoria de outra pessoa) foi deixar um aviso. Buscar a verdade, estudar, refletir, não é fácil, é custoso. Toma tempo, atenção e, sobretudo, a nossa disposição, que poderia ser gasta em algo mais prazeroso. Todavia, se entregar à preguiça não trará como consequência apenas uma pequena chateação por não poder rebater os argumentos daquele nosso amigo que crê estar sempre com a verdade, ou o breve incômodo de ficar na dúvida sobre em qual notícia acreditar.Se entregar a essa preguiça representa uma renúncia da busca mais nobre do homem ante a um vício da carne, o que seria a negação da própria natureza humana.

Pedro Toledo é estudante de Direito da USP e colaborador do IFE – Instituto de Formação e Educação.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 28 de outubro de 2014, Página A2.

O povo mais justo do planeta

Opinião Pública | 06/09/2014 | | IFE CAMPINAS

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Um dos textos mais conhecidos do evangelho cristão é aquele em que Jesus se dirige a uma turma prestes a apedrejar uma prostituta, e lhes diz: quem não tiver pecado que atire a primeira pedra. A lição, que deveria ser óbvia, é a de que somos todos imperfeitos, e portanto incapazes de fazer julgamentos sobre os outros. A narrativa bíblica confirma que os envolvidos no episódio captaram a mensagem, já que se retiraram um a um, deixando a cena do quase-linchamento.

O episódio envolvendo a torcedora gremista, Patrícia, e o goleiro do Santos, Aranha, é a prova de que nossa sociedade está profundamente adoecida. Não seria correto defender a atitude da torcedora, já que ela estava errada. Houve o xingamento, o xingamento foi racista, e a coisa toda foi gravada. Mas a sequência de fatos deflagrados por esse acontecimento pontual tomou proporções irracionais e absurdas, envolvendo desde pessoas comuns até entidades como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

O Código Penal brasileiro prevê penalidades proporcionais para cada tipo de crime, aplicáveis apenas através do poder Judiciário. Ele, portanto, veta o linchamento, ato que é criminoso e também passível de punição. Ora, se a torcedora ofendeu o goleiro, se foi configurado ato racista por parte dela, que sejam tomadas as ações judiciais cabíveis. Além disso, seria de se esperar que ela perdesse alguns colegas, até mesmo algum amigo, e que sofresse algum revés profissional por conta de seu comportamento. Tudo isso seria normal e previsível.

O que não é normal, e nem aceitável, é uma reação absolutamente desproporcional e insana contra a gremista. Ameaças de morte, apedrejamento de sua residência, perseguição, terror — tudo o que não se faz nem aos piores assassinos, se fez com a referida torcedora. Os “justos” não só atiraram a primeira pedra, como também a segunda, a terceira, e mais um caminhão delas. A sabedoria, a maturidade e a sensatez deram lugar a um comportamento animalesco, desonroso e hipócrita. Não é difícil imaginar que entre os acusadores de Patrícia haja canalhas, mentirosos, racistas, golpistas e ladrões, gente que talvez tenha desgraçado muito mais vidas, sem jamais ter recebido uma pedrada de reprimenda. Muitos o devem ter feito em oculto, e um bom tanto deles com certeza já usou a mesma palavra, “macaco”, para se referir a algum outro esportista negro de um time rival. Mas nesse momento todos se acham melhores do que ela, porque suas falhas não foram pegas por uma câmera, e nem espalhadas pelas redes sociais.

Para completar a loucura que se instalou no Brasil, o STJD resolveu punir um time inteiro e seus milhões de torcedores por causa da falha de uma pessoa. Todo pai ou mãe sabe que a pior coisa que se pode fazer é colocar os dois filhos de castigo por causa das travessuras de um deles. Assim como os méritos têm de ser reconhecidos individualmente, as punições devem atingir somente os autores dos delitos. Só assim se desenvolve a noção de responsabilidade. A coletivização da sociedade é uma desgraça que mata os talentos, impede o amadurecimento das pessoas, e não faz nada além de criar subcidadãos tutelados por um estado cada vez mais gigantesco e patronal.

Quem assiste à sociedade brasileira de hoje assiste a um misto de terror com ficção. Os brasileiros convivem com sessenta mil mortes violentas por ano como se fosse algo normal, mas revoltam-se com um xingamento acontecido dentro de um estádio de futebol, no meio de um jogo onde o juiz, sozinho, é mais xingado em noventa minutos do que muitos de nós numa vida inteira. É uma sociedade que aceita a desonestidade e abraça a malandragem, ao mesmo tempo que condena a virtude e ridiculariza o honesto. É o lugar onde os criminosos são tratados como vítimas, e as vítimas como opressoras. A inversão de valores é tão brutal que os parâmetros e padrões já não codificam mais nada na mente das pessoas. Estamos colhendo os frutos de décadas de plantio de relativismo moral e de sucateamento da intelectualidade.

O Brasil precisa de pessoas extraordinárias, e não de massas ordinárias. Precisa de indivíduos bem educados, e não de grupos inflamados. Menos “justos”, e mais justiça. E quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra.

■■ Flavio Quintela é bacharel em Engenharia Elétrica, escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”

Publicado no jornal Correio Popular, dia 06 de setembro de 2014, Página A2 – Opinião