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Quem tem razão?

Opinião Pública | 28/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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— Bom, mais importante agora é garantir o controle da inflação — diz o jovem ao cobrador do ônibus, repetindo o que ouvira no telejornal.

— Ah, o povo quer mais é bandido da cadeia — foi a resposta.

O leitor, a essa altura, já está tomando consciência que o debate político que tomou conta do País vai começar a diminuir no cotidiano das pessoas, e conversas como a transcrita, tão comuns nas últimas semanas, vão cada vez ter menos espaço. Muita gente pode ter se surpreendido com o alcance que tiveram as ideias, propostas e acusações lançadas durante a corrida presidencial, na qual cada um queria ter a razão. Não era pra menos, dada a temperatura dos embates e a importância das eleições.

Entretanto o que faz com que as pessoas entrem em discussões tão complexas não é o calor do momento ou a relevância de uma escolha. A tomada de posições tem raízes mais profundas, ligadas diretamente à natureza dos homens. Cada pessoa, dotada de inteligência e vontade possui uma irresistível atração pela busca da verdade. São Tomás de Aquino, ilustre pensador do século 13 e proclamado pela Igreja Doutor Angélico ensina, na sua Suma Contra os Gentios, que a busca citada é o fim último de cada homem,ou seja, aquilo que nossa alma aspira em última instância.

Com isso em mente, vejo que o momento atual pelo qual passa nossa pátria não poderia ser mais oportuno para uma breve reflexão sobre o tema. Antecipo, caro leitor, o meu prognóstico: se continuarmos a fazer uso de nossa capacidade racional da maneira que estamos fazendo, a sociedade vai de mal a pior.

Ao meu ver, uma maneira muito simples de chegar a essa conclusão é observar a relação das pessoas com a mídia. Acostumadas à velocidade do tempo da internet e da pressa que se impõe aos cidadãos do século 21, cada vez mais as pessoas se contentam em ler apenas manchetes. Com isso, não somente exaurem sua busca sobre determinados assuntos em fontes pouco abrangentes e duvidosas (como a linha do tempo do facebook, por exemplo), mas, ainda mais preocupante, é que não dedicam tempo nenhum à reflexão sobre as informações que recebem.

Começarei citando como exemplo o que foi veiculado sobre os relatórios do Sínodo dos Bispos, que aconteceu em Roma e tratou sobre os desafios pastorais relativos à família. Os mais antenados irão concordar comigo que os mais sérios e respeitados veículos de comunicação do Brasil e do mundo noticiaram que os pastores da Igreja, como aval do Papa, promulgaram um documento que mudava a visão dos católicos sobre o homossexualismo, dando a aprovação e a benção. Ora, é fato que o pontificado de Francisco pode ser considerado um pouco mais liberal que o de seu antecessor, mas o que saiu da mídia extrapola o limite da interpretação e passa a ser uma mentira deslavada. O relatório do sínodo publicado pelo Vaticano, se lido na íntegra, jamais deixa espaço para tal entendimento. Qualquer pessoa que se dignou a ler os não mais que 70 parágrafos verão que esses — inclusive os não aprovados pelos bispos — reafirmam a doutrina católica,como fez a Igreja nos últimos 2.000 anos.

Para citar outro exemplo abrirei espaço novamente à política. Na última semana, uma enxurrada de pesquisas foi divulgada, apontando resultados que conseguiam agradar gregos e troianos. Em meio a essa confusão, o número de eleitores que não queriam “perder seu voto” e acabaram por escolher o candidato que estava à frente segundo o instituto X ou Y foi assustador. Quem agiu assim não foi diferente da criança que, ao ver o colega relutando em fazer o que lhe foi ordenado, não resiste e cai, inocentemente, no mesmo erro.

Não quis nas linhas acima criticar as pessoas que não possuem um conhecimento mais profundo sobre certos temas. O que pretendi tomando o tempo do leitor (que estava,inclusive, buscando um texto de autoria de outra pessoa) foi deixar um aviso. Buscar a verdade, estudar, refletir, não é fácil, é custoso. Toma tempo, atenção e, sobretudo, a nossa disposição, que poderia ser gasta em algo mais prazeroso. Todavia, se entregar à preguiça não trará como consequência apenas uma pequena chateação por não poder rebater os argumentos daquele nosso amigo que crê estar sempre com a verdade, ou o breve incômodo de ficar na dúvida sobre em qual notícia acreditar.Se entregar a essa preguiça representa uma renúncia da busca mais nobre do homem ante a um vício da carne, o que seria a negação da própria natureza humana.

Pedro Toledo é estudante de Direito da USP e colaborador do IFE – Instituto de Formação e Educação.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 28 de outubro de 2014, Página A2.