Segundo alguns entendidos, a ”teoria de gênero” seria uma forma bem concreta de tutela das minorias e sua adoção, como proposta pedagógica, consistiria num avanço civilizacional em respeito aos direitos humanos. Contudo, a ”teoria de gênero” é tão arbitrária quanto o esforço teórico que procura favorecê-la, já que divorciado de qualquer base empírica.
A ”teoria de gênero” defende a total irrelevância do dado biológico, com seus componentes neurológicos, fisiológicos, psíquicos e psicossomáticos, na constituição da identidade sexual do indivíduo. Ela simplesmente elimina, sem qualquer critério científico sustentável, esse dado como premissa epistemológica no estudo da sexualidade humana.
Nesse sentido, não haveria um gênero só (humano), fundado em dois sexos (feminino e masculino), mas tão somente uma infinidade de gênero, entendido como os papéis sexuais exercidos pelos indivíduos na sociedade no curso da história (heterossexual, homossexual, bisexual, transexual, pansexual, assexual e outros).
O gênero do indivíduo seria uma elaboração estritamente pessoal e cambiável ao longo de sua existência, toda vez que ele se ˜descobrisse” pertencente a esse ou àquele papel sexual. Então, como efeito, o dado biológico seria uma dimensão aprisionante, da qual o indivíduo deveria libertar-se histórica e culturalmente em prol de sua emancipação sexual.
Ao ignorar, solenemente, o dado biológico, a aludida teoria começa a deixar a cair a máscara pedagógica para mostrar sua faceta ideológica, porque, além de carecer de cientificidade, ainda atua em favor do proselitismo de uma concepção única da sexualidade, a sustentar que a base do gênero não é mais o componente biológico aliado ao sociocultural, mas tão somente a vontade individual, alçada ao grau de total absolutização, a ponto de poder não só negar os aportes positivos da herança natural, social e cultural, mas de poder transgredi-la totalmente.
Assim, cada indivíduo poderia desconstruir, fazer e desfazer livremente sua própria identidade de gênero, a qual restaria convertida a uma criação ativa e autodeterminante individualmente, seguindo a lógica do “atuo, logo sou”, segundo o vai-e-vem de sua vontade desejante. Cada um passaria a ser o deus de si mesmo. Ao fim, diante dessa neutralidade dos inúmeros e incontáveis gêneros, o império da igualdade social finalmente chegaria à sua plenitude.
Percebemos claramente que, se o combate à toda forma de injusta discriminação impõe-se em nossa realidade social, por outro lado, não é por intermédio da instituição legal ou acadêmica de um único modo de pensar, ver ou sentir é que isso será superado.
Essa postura tem o nítido aroma da intolerância, tal como tudo que namora com o autoritarismo político: as notações desse aroma são a mordaça ao pensamento contrário, a mobilização do patrulhamento inquisitório e a ridicularização do adversário na arena dialógica.
Na base desse aroma, notamos que seus artífices são incapazes de lidar com a diversidade intelectual, bem avessa à canga da prosápia que sustentam, porque um verdadeiro e próprio estudioso deveria apenas pensar que posicionamentos opostos nada mais são que outros modos de pensar de outros cidadãos, os quais têm tantos direitos quanto ele.
Heidegger afirmava que cada época tem um tema para o pensamento se debruçar. Quando a distinção entre o biológico e o sociológico degenera para uma oposição entre natureza e existência, o gênero transforma-se num projeto com pretensões de transformação social, a desconstruir a linguagem, a educação e a cultura.
Então, em resposta ao filósofo, a pauta para reflexão de nosso tempo – para todos, todas e, sobretudo, para todxs – é a do fato biológico humano “irrevogável”: nasça homem ou mulher, você irá morrer como homem ou mulher, porque, no nível celular humano, só há espaço para verdade biológica e não para construções mentais inverossímeis.
André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 19/04/2017, Página A-2, Opinião.
Imagem do Slider: cena do documentário “Lavagem cerebral”, Parte 1 – “Gênero: O paradoxo da igualdade”. Disponível <online> em <https://www.youtube.com/watch?v=G0J9KZVB9FM&index=1&list=PL7wMiNA1tIPjx1hud4oWunVbEF2B4M1jh>