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Biologia roubada

Opinião Pública | 19/04/2017 | | IFE CAMPINAS

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Segundo alguns entendidos, a ”teoria de gênero” seria uma forma bem concreta de tutela das minorias e sua adoção, como proposta pedagógica, consistiria num avanço civilizacional em respeito aos direitos humanos. Contudo, a ”teoria de gênero” é tão arbitrária quanto o esforço teórico que procura favorecê-la, já que divorciado de qualquer base empírica.

A ”teoria de gênero” defende a total irrelevância do dado biológico, com seus componentes neurológicos, fisiológicos, psíquicos e psicossomáticos, na constituição da identidade sexual do indivíduo. Ela simplesmente elimina, sem qualquer critério científico sustentável, esse dado como premissa epistemológica no estudo da sexualidade humana.

Nesse sentido, não haveria um gênero só (humano), fundado em dois sexos (feminino e masculino), mas tão somente uma infinidade de gênero, entendido como os papéis sexuais exercidos pelos indivíduos na sociedade no curso da história (heterossexual, homossexual, bisexual, transexual, pansexual, assexual e outros).

O gênero do indivíduo seria uma elaboração estritamente pessoal e cambiável ao longo de sua existência, toda vez que ele se ˜descobrisse” pertencente a esse ou àquele papel sexual. Então, como efeito, o dado biológico seria uma dimensão aprisionante, da qual o indivíduo deveria libertar-se histórica e culturalmente em prol de sua emancipação sexual.

Ao ignorar, solenemente, o dado biológico, a aludida teoria começa a deixar a cair a máscara pedagógica para mostrar sua faceta ideológica, porque, além de carecer de cientificidade, ainda atua em favor do proselitismo de uma concepção única da sexualidade, a sustentar que a base do gênero não é mais o componente biológico aliado ao sociocultural, mas tão somente a vontade individual, alçada ao grau de total absolutização, a ponto de poder não só negar os aportes positivos da herança natural, social e cultural, mas de poder transgredi-la totalmente.

Assim, cada indivíduo poderia desconstruir, fazer e desfazer livremente sua própria identidade de gênero, a qual restaria convertida a uma criação ativa e autodeterminante individualmente, seguindo a lógica do “atuo, logo sou”, segundo o vai-e-vem de sua vontade desejante. Cada um passaria a ser o deus de si mesmo. Ao fim, diante dessa neutralidade dos inúmeros e incontáveis gêneros, o império da igualdade social finalmente chegaria à sua plenitude.

Percebemos claramente que, se o combate à toda forma de injusta discriminação impõe-se em nossa realidade social, por outro lado, não é por intermédio da instituição legal ou acadêmica de um único modo de pensar, ver ou sentir é que isso será superado.

Essa postura tem o nítido aroma da intolerância, tal como tudo que namora com o autoritarismo político: as notações desse aroma são a mordaça ao pensamento contrário, a mobilização do patrulhamento inquisitório e a ridicularização do adversário na arena dialógica.

Na base desse aroma, notamos que seus artífices são incapazes de lidar com a diversidade intelectual, bem avessa à canga da prosápia que sustentam, porque um verdadeiro e próprio estudioso deveria apenas pensar que posicionamentos opostos nada mais são que outros modos de pensar de outros cidadãos, os quais têm tantos direitos quanto ele.

Heidegger afirmava que cada época tem um tema para o pensamento se debruçar. Quando a distinção entre o biológico e o sociológico degenera para uma oposição entre natureza e existência, o gênero transforma-se num projeto com pretensões de transformação social, a desconstruir a linguagem, a educação e a cultura.

Então, em resposta ao filósofo, a pauta para reflexão de nosso tempo – para todos, todas e, sobretudo, para todxs – é a do fato biológico humano “irrevogável”: nasça homem ou mulher, você irá morrer como homem ou mulher, porque, no nível celular humano, só há espaço para verdade biológica e não para construções mentais inverossímeis.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 19/04/2017, Página A-2, Opinião.

Imagem do Slider: cena do documentário “Lavagem cerebral”, Parte 1 – “Gênero: O paradoxo da igualdade”. Disponível <online> em <https://www.youtube.com/watch?v=G0J9KZVB9FM&index=1&list=PL7wMiNA1tIPjx1hud4oWunVbEF2B4M1jh>

Bioética: Fundamentos

Sem Categoria | 26/12/2014 | |

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A bioética descobre seus fundamentos quando chega a uma série de questões que, implícita ou explicitamente, cada um responde ao longo de sua vida. Às vezes, são como as tranquilas águas profundas de um oceano agitado e, em outros casos, agem na pessoa como um tsumani que arrebata a tudo que está em seu caminho.

Estas perguntas tocam em questões fundamentais: a vida humana, sua dignidade, o amor humano, seu sentido e alcance, o nascimento, o sofrimento, a doença, a morte e as relações com outros seres vivos e o meio ambiente. São temas muito amplos e que não podem ser abordados com pressa. As respostas dadas a cada uma daquelas perguntas, consciente ou inconscientemente, moldam cada um de nossos comportamentos.

As ações que empreendemos diariamente influem sobre a própria vida e sobre as daqueles que vivem ao nosso redor. Num certo sentido, não existem atos indiferentes, pois mesmo as omissões podem ser danosas, como por exemplo, deixar de praticar exercícios, o que favorece a obesidade e “hibernar” aos finais de semana, quando se poderia aproveitar o tempo com os outros.

O estudo da bioética pretende orientar e avaliar nossas ações de maneira a promover um mundo mais saudável, mais solidário e justo, mais atento para os indefesos, para aqueles que sofrem e mais preocupado com a proteção adequada da pessoa e do ambiente.

Isso implica, em primeiro lugar, na elaboração de uma antropologia dotada de validade, a qual deve estar em diálogo constante com as mais sólidas propostas filosóficas elaboradas ao longo dos séculos, fruto destilado de uma longa e contínua investigação e teorização da natureza humana, bem como com as descobertas da psicologia moderna e das ciências biológicas e médicas, sem prejuízo dos trabalhos sociológicos e pedagógicos.

Ao mesmo tempo, a antropologia confronta com a visão particular da identidade própria e da alheia. É impossível, como em qualquer área das humanidades, um estudo neutro da antropologia, pois, por intermédio deste ramo do saber, pomos em claro as próprias ideias sobre o que somos como seres humanos.

Em segundo lugar, a bioética depende de uma série de princípios éticos fundamentais. A ética, como a antropologia, é apresentada segundo diferentes formas e teorias, por vezes, absolutamente contraditórias, o que dificulta o estudo da bioética.

Diante deste panorama pluralista, faz falta ter uma noção das principais teorias bioéticas em suas relações com as linhas éticas do passado ou do presente. Concomitantemente, a reflexão sobre os desafios éticos interpela a consciência de cada ser humano, seja leigo ou intelectual, pois o conhecimento do bem e do mal permite o julgamento de nossas ações e daquelas realizadas pelos outros.

Em terceiro lugar, o estudo da bioética está em estreita relação com outras áreas afins, especialmente com a medicina, a biologia, a filosofia e o direito. De fato, ao se estudar a bioética, não pode encarar tantas disciplinas simultaneamente. Felizmente, o mundo contemporâneo difunde numerosas e ricas ideias sobre estas áreas do conhecimento, de forma que resulta possível a elaboração de uma visão pessoal sobre o que seja mais adequado para preservar a própria saúde, a dos outros, sobre a importância da proteção do indivíduo e assim por diante.

Em quarto lugar, a bioética questiona e julga as distintas formas de organização da sociedade, bem como a correção das leis estabelecidas por escrito ou de modo habitual nos povos. Evidente que isso acarreta o domínio do Direito, a fim de que o estudioso possa analisar quais os segmentos da vida são dignos de atenção e de tutela legal pelas autoridades e quais outros podem ser objeto de uma livre escolha dos indivíduos.

Por fim, a bioética deve ter um matiz metafísico, buscando os princípios primeiros e as razões últimas do valor da pessoa, sua concepção, sua relação de prioridade e de complementaridade para com a sociedade, a fim de que não seja mais ameaçada de instrumentalização pelo próprio homem. Em suma, a busca dos fundamentos da bioética encerra uma urgente tarefa e um enorme desafio.