Coragem espartana

Opinião Pública | 07/08/2019 | | IFE CAMPINAS

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“Em 480 a.C., as forças do império persa, comandadas pelo rei Xerxes, com cerca de dois milhões de homens, transpuseram o Helesponto para invadir e dominar a Grécia. Em uma ação desesperada, quase suicida, uma tropa seleta de trezentos espartanos foi despachada para o desfiladeiro de Termópilas, ao norte da Grécia, onde as estreitas fronteiras rochosas acabariam por neutralizar a avassaladora superioridade dos persas. Trezentos espartanos e seus aliados conseguiram conter, durante sete dias, dois milhões de homens. Trezentos espartanos e a força de um ideal resistiram bravamente, até que suas armas fossem destroçadas e passassem a lutar, segundo o historiador Heródoto, ‘com mãos vazias e dentes’. Trezentos homens corajosos foram, enfim, dominados e massacrados”.

Perdi a contagem das vezes que li e reli, a ponto de decorar cada letra, esse trecho extraído da orelha do livro “Portões de fogo”, de Steven Pressfield. A obra relata, em uma mistura de ficção e história, a batalha de Termópilas, que, em minha modesta visão de historiador, consagra-se como um dos embates mais marcantes do Mundo Antigo. Mais do que um relato seco sobre um acontecimento histórico, o livro desenvolve, com rara sensibilidade de seu autor, uma narrativa envolvente sobre a sociedade espartana e a natureza da coragem humana.

Um soldado pode ser tecnicamente habilidoso, mas se lhe faltar destemor, fraquejará, e até mesmo sua destreza será inútil perante o inimigo. Com base nesta premissa, os espartanos, no relato de Steven Pressfield, exercitavam incansavelmente corpo e mente. O corpo era levado à exaustão através de treinos físicos descomunais, que iniciavam desde a tenra idade e se prolongavam até o final da vida adulta. Por sua vez, a mente era trabalhada em uma disciplina específica chamada de phobologia, a ciência do medo.

Segundo essa disciplina fobológica dos espartanos, o medo na mente deve ser combatido com o corpo. Se a carne for tomada, um circuito de medo pode ter início, alimentando a si mesmo e se tornando uma corrente incontrolável de terror. Por isso, colocando o corpo em uma situação de aphobia, destemor, a mente o acompanhará, mesmo diante de uma situação naturalmente desesperadora.

Apesar da engenhosidade da narrativa, é tanto incerto quanto impossível determinar o quanto da ficção criada por Steven Pressfield retratava a realidade da vida dos espartanos e o modo como trabalhavam o medo. Por outro lado, analisando o fato histórico, seria ingenuidade, até mesmo do ponto de vista lógico, supor que tão poucos homens conseguiram fazer frente, durante dias, a um inimigo exponencialmente superior sem estarem psicologicamente forjados para o desafio.

Os tempos mudaram e, com os anos, nossos problemas. Não é natural temer, ainda que verdade em algumas regionalidades do planeta, uma iminente invasão por outro povo. Não por isso nossas preocupações diminuíram. Hoje, o medo e o desafio se apresentam em situações mais sutis, mas não menos potencialmente aterrorizadoras, das quais não somos incentivados e ensinados a enfrentar, como a escolha de um curso, de um emprego, de um casamento, da maternidade/paternidade, de defender a verdade… Os cenários são infinitos.

É curioso, os séculos passam, mas nossa natureza não varia. É humano sentir medo e impressiona como o terror, se não lutarmos contra, pode tomar conta do corpo e desestabilizá-lo completamente. Nessas situações, pode ser útil recordar da coragem espartana, que ensina que corpo e mente devem trabalhados e forjados a não vacilarem perante o imenso desafio. Felizmente, não somos espartanos. Não marcharemos livremente a um desfiladeiro para combater um inimigo absolutamente superior até a morte literal. Mas certamente nos depararemos com situações que exigirão uma postura digna de um combatente de primeira linha: firme e destemida.

Marcos Moraes é bacharel em história pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição de 07 de Agosto de 2019, página A2 – Opinião.