As férias escolares são época em que recebemos – de primeira ou segunda mão – grande quantidade de notícias da Europa. Como incluo-me no segundo grupo e a filosofia não tira férias, partilho algumas reflexões – possivelmente surpreendentes – sobre o paralelo que podemos traçar entre a presente situação no velho continente e no Brasil.
À primeira vista, pode parecer que a Europa seja um mar de civilidade, segurança e cultura, enquanto nós, com nossos quase setenta mil homicídios anuais, escândalos de corrupção, consumo desenfreado de drogas e vergonhosos índices de iletramento estancamos nossa marcha civilizacional na idade da pedra. Com efeito, se compararmos nossas estatísticas em cada um desses setores com as de qualquer país da União Europeia, certamente teremos motivos de sobra para corar de vergonha.
Contudo, se analisarmos o quadro social europeu e tentarmos traçar um prognóstico de longo prazo, perceberemos que a Europa entrou há muitos anos em uma das piores crises de sua história e que – tudo leva a crer – dela não sairá tão cedo. A causa dessa crise é complexa, mas, se quisermos atribuir-lhe um nome, podemos utilizar o de “cultura da morte”. Assim entendo uma visão de mundo ancorada no relativismo moral e que inclui aberrações como ideologia de gênero, legitimação do uso de entorpecentes, proliferação da prática do aborto e da eutanásia e – conseguintemente –, desagregação da instituição familiar. Soma-se a isso o problema da crise migratória, com a qual a maior parte das autoridades europeias tem lidado de maneira completamente inábil e que, no longo prazo, contribuirá para a ruptura do tecido social de muitos países.
Também é verdade que o Brasil encontra-se em uma das piores crises de sua história e seria enfadonho listar novamente nossos principais problemas. Mas, se tivermos mais atenção, descobriremos que há por aqui algo de novo: um grupo cada vez maior de jovens está se dedicando com afinco ao estudo e ao resgate de nossas raízes culturais que, segundo a feliz imagem oferecida por Bento XVI, remontam a Jerusalém, Atenas e Roma. Diferentemente da prática universitária – que muitas vezes encara seu objeto de estudo com o distanciamento de um antiquário – esses jovens buscam cultura antes de tudo para tornarem-se pessoas melhores e plasmarem o resultado de seus estudos em obras valiosas. Em resumo: não nos interessamos em ler (nos originais) Cícero, Virgílio, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e tantos outros movidos por um vão pedantismo, mas para aprendermos a pensar como eles e para que – subindo nos ombros de gigantes – sejamos capazes de ver mais longe e, finalmente, colocar o Brasil no lugar que tantos grandes homens do passado desejaram: o de grande centro formador de cultura.
Ainda é cedo para dizer que a atual geração e as seguintes terão o vigor necessário para debelar nossos gravíssimos problemas, mas alguns sinais animadores já se fazem visíveis: diferentemente dos saudosistas do maio de 68, esses jovens já possuem uma consciência clara do certo e do errado e não hesitam em fomentar aquele enquanto combatem este. Prova disso tivemos na enérgica mobilização nacional contra a ideologia de gênero nas câmaras municipais e contra as múltiplas tentativas empreendidas por certos grupos para legalizar o aborto e ampliar sua prática. Paralelamente, muitos jovens têm percebido o inestimável valor do casamento e da família e que acudir aqueles que passam por necessidades materiais e perda do rumo existencial não é meramente questão política, mas dever individual de todos que possam fazê-lo.
Segundo o filósofo francês Rémi Brague, a marca fundamental da civilização europeia é a capacidade de produzir renascimentos culturais voltando ao tesouro de suas origens. Façamos votos e esforcemo-nos para que – diante das fraquezas da Europa – o palco do novo renascimento seja o Brasil.
Fabio Florence é professor de filosofia e membro do IFE Campinas (florenceunicamp@gmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 10/01/2018, Página A-2, Opinião.