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Bom senso em extinção

Opinião Pública | 11/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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No meio acadêmico e até mesmo nas rodas de conversa é lugar comum afirmar que a educação é algo essencial para mudar um país. Muita gente até se arrisca a fundamentar essa afirmação utilizando o caso de países do pós-guerra. Nesse quesito não há nada de criativo ou inovador nos autores e especialistas que defendem essas receitas prontas para solucionar os problemas da sociedade. Precisamos de educação, mas de quê “educação”?

O Iluminismo, no século XVIII já propunha a redenção do gênero humano pela ampliação do uso da razão. Durante a Revolução Francesa (movimento que se apropriou dos ideais iluministas), os rebeldes jacobinos invadiram e profanaram a Catedral de Notre Dame, em Paris, substituindo a imagem de Nossa Senhora pela imagem da voluptuosa deusa da Razão. Este foi um movimento que se pretendia racional, mas que na prática não gozava do mínimo de lógica, pois fundamentava-se nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade sem respeitar a liberdade dos católicos franceses, igualando-os à força ao que a revolução desejava, sem os considerar como irmãos. Para constatar isso tudo não é necessário ser especialista em História ou Sociologia, basta usar o bom senso, o que, diga-se de passagem, está se tornando artigo de luxo numa sociedade como a nossa que é tão habituada a reproduzir, mas pouco afeita a produzir conhecimento.

O Iluminismo de ontem continua a ser requentado nas ideologias de hoje. Um professor ou qualquer pessoa em condição de ensinar alguém, pode facilmente juntar meia dúzia de argumentos e metê-los goela abaixo de seus ouvintes, os quais sequer se darão conta de que estão aderindo a ideias risíveis, pueris e sem fundamento algum. Não se aperceberão do que fazem, e, aliás, talvez nem mesmo o transmissor desses conhecimentos se dê conta disso, o que se deve ao fato de provavelmente ser mais um idiota útil na ciranda da confusão de ideias impostas pela Revolução Gramsciana. Isso explica, ao menos em parte, a atual tendência e se acreditar em tudo sem que se analise absolutamente nada. Um exemplo corriqueiro é a cifra de um milhão de abortos por ano, no Brasil. Somos o único país onde “existe” estatística para algo que é ilegal! Como se chega a números dessa espécie se o aborto é ilegal e, portanto, realizado de forma clandestina? Outro exemplo foi a recente pesquisa, publicada e depois desmentida, que afirmava que mais da metade dos homens brasileiros seriam favoráveis ao estupro. Essa pesquisa gerou o massivo e ignorante (porque partiu de um pressuposto falso) protesto pelas redes sociais, nos quais moças quase sempre seminuas postavam suas fotos com um cartaz contendo os dizeres: “eu não mereço ser estuprada”.

Mas há quem diga que esse discurso de Marxismo Cultural ou de Revolução Gramsciana seja balela, e em geral os que assim pensam, negam aquilo para o que trabalham sem se darem conta de que o fazem. Negam o que praticam e se creêm “iluminados”, “esclarecidos” pela razão que pensam usar bem.

Pensar exige em primeiro lugar bom senso e uma capacidade desapaixonada de analisar as coisas buscando conhecê-las. Nesse processo, o primeiro elemento a ser desvendado somos nós mesmos. O antigo e famoso Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga tinha em seu frontispício uma sentença que resume toda a filosofia e toda busca do ser humano por resolver suas questões e inquietações mais íntimas: “Conhece-te a ti mesmo”!

Se começarmos por nós mesmos desenvolveremos uma outra virtude muito escassa: a honestidade intelectual! Se conhecemos nossos limites e reconhecemos as coisas tais como elas são não iremos romantizar a realidade dos fatos e poderemos conhecê-las objetivamente. No entanto, se defendemos uma ideologia e manipulamos a realidade para produzir um ambiente artificial, a fim de que a realidade caiba dentro dos critérios que criamos, então já foi inaugurado um novo “país das maravilhas” do qual dificilmente nos desfaremos.

Luiz Raphael Tonon, professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 03 de Julho de 2014, Página A2 – Opinião.

O povo mais justo do planeta

Opinião Pública | 06/09/2014 | | IFE CAMPINAS

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Um dos textos mais conhecidos do evangelho cristão é aquele em que Jesus se dirige a uma turma prestes a apedrejar uma prostituta, e lhes diz: quem não tiver pecado que atire a primeira pedra. A lição, que deveria ser óbvia, é a de que somos todos imperfeitos, e portanto incapazes de fazer julgamentos sobre os outros. A narrativa bíblica confirma que os envolvidos no episódio captaram a mensagem, já que se retiraram um a um, deixando a cena do quase-linchamento.

O episódio envolvendo a torcedora gremista, Patrícia, e o goleiro do Santos, Aranha, é a prova de que nossa sociedade está profundamente adoecida. Não seria correto defender a atitude da torcedora, já que ela estava errada. Houve o xingamento, o xingamento foi racista, e a coisa toda foi gravada. Mas a sequência de fatos deflagrados por esse acontecimento pontual tomou proporções irracionais e absurdas, envolvendo desde pessoas comuns até entidades como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

O Código Penal brasileiro prevê penalidades proporcionais para cada tipo de crime, aplicáveis apenas através do poder Judiciário. Ele, portanto, veta o linchamento, ato que é criminoso e também passível de punição. Ora, se a torcedora ofendeu o goleiro, se foi configurado ato racista por parte dela, que sejam tomadas as ações judiciais cabíveis. Além disso, seria de se esperar que ela perdesse alguns colegas, até mesmo algum amigo, e que sofresse algum revés profissional por conta de seu comportamento. Tudo isso seria normal e previsível.

O que não é normal, e nem aceitável, é uma reação absolutamente desproporcional e insana contra a gremista. Ameaças de morte, apedrejamento de sua residência, perseguição, terror — tudo o que não se faz nem aos piores assassinos, se fez com a referida torcedora. Os “justos” não só atiraram a primeira pedra, como também a segunda, a terceira, e mais um caminhão delas. A sabedoria, a maturidade e a sensatez deram lugar a um comportamento animalesco, desonroso e hipócrita. Não é difícil imaginar que entre os acusadores de Patrícia haja canalhas, mentirosos, racistas, golpistas e ladrões, gente que talvez tenha desgraçado muito mais vidas, sem jamais ter recebido uma pedrada de reprimenda. Muitos o devem ter feito em oculto, e um bom tanto deles com certeza já usou a mesma palavra, “macaco”, para se referir a algum outro esportista negro de um time rival. Mas nesse momento todos se acham melhores do que ela, porque suas falhas não foram pegas por uma câmera, e nem espalhadas pelas redes sociais.

Para completar a loucura que se instalou no Brasil, o STJD resolveu punir um time inteiro e seus milhões de torcedores por causa da falha de uma pessoa. Todo pai ou mãe sabe que a pior coisa que se pode fazer é colocar os dois filhos de castigo por causa das travessuras de um deles. Assim como os méritos têm de ser reconhecidos individualmente, as punições devem atingir somente os autores dos delitos. Só assim se desenvolve a noção de responsabilidade. A coletivização da sociedade é uma desgraça que mata os talentos, impede o amadurecimento das pessoas, e não faz nada além de criar subcidadãos tutelados por um estado cada vez mais gigantesco e patronal.

Quem assiste à sociedade brasileira de hoje assiste a um misto de terror com ficção. Os brasileiros convivem com sessenta mil mortes violentas por ano como se fosse algo normal, mas revoltam-se com um xingamento acontecido dentro de um estádio de futebol, no meio de um jogo onde o juiz, sozinho, é mais xingado em noventa minutos do que muitos de nós numa vida inteira. É uma sociedade que aceita a desonestidade e abraça a malandragem, ao mesmo tempo que condena a virtude e ridiculariza o honesto. É o lugar onde os criminosos são tratados como vítimas, e as vítimas como opressoras. A inversão de valores é tão brutal que os parâmetros e padrões já não codificam mais nada na mente das pessoas. Estamos colhendo os frutos de décadas de plantio de relativismo moral e de sucateamento da intelectualidade.

O Brasil precisa de pessoas extraordinárias, e não de massas ordinárias. Precisa de indivíduos bem educados, e não de grupos inflamados. Menos “justos”, e mais justiça. E quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra.

■■ Flavio Quintela é bacharel em Engenharia Elétrica, escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”

Publicado no jornal Correio Popular, dia 06 de setembro de 2014, Página A2 – Opinião