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Debate ou combate? – por Flávio Quintela

Opinião Pública | 21/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Ano eleitoral é ano de campanha política. E não há brasileiro, por mais ingênuo que seja, que acredite piamente nas peças publicitárias dos candidatos. Há um consenso geral na população de que os políticos mentem, e que mentem ainda mais quando estão em campanha. Chavões como “promessa de campanha dura só até a eleição” e “só estão interessados no meu voto” são frequentemente  ouvidos da boca de pessoas dos mais diversos extratos sociais, nas mais diversas situações de convívio social.

Mas tem um momento que todo mundo aguarda ansioso: o debate entre os presidenciáveis. Ah, o debate é quando os candidatos falam abertamente, um com o outro, sem marqueteiros, sem produções cinematográficas, uma oportunidade única de se avaliar as propostas e a preparação de cada um deles para ocupar o cargo político mais importante do país. Pelo menos é assim que deveria acontecer. No entanto, não é o que temos visto em todo o período de campanha presidencial, especialmente nos debates de segundo turno, entre Dilma e Aécio.

Eu acompanhei todos os debates entre os presidenciáveis, desde os de primeiro turno, e também a cobertura da mídia sobre cada um deles. Como a lei eleitoral brasileira impede que sejam feitos debates apenas com os candidatos mais bem colocados nas pesquisas, os de primeiro turno se tornaram, muitas vezes, plataformas de autopromoção para candidatos “nanicos”, e verdadeiras peças de comédia em alguns momentos. Diante dos diversos eventos desse tipo que foram televisionados, muitos analistas políticos e jornalistas disseram que se tivéssemos apenas os três candidatos com chances de chegada ao segundo turno, teríamos outro nível de discussão. A história os provou errados rapidamente.

Com a chegada dos debates de segundo turno pudemos ver que não há o menor interesse de se discutir as propostas de cada candidato, principalmente do lado da candidata governista. Está muito clara a intenção e estratégia da campanha petista, de usar os debates como plataforma para desconstrução da candidatura e pessoa de Aécio. Durante suas falas, entrecortadas por pausas estranhas e falhas de raciocínio, Dilma Rousseff utiliza-se de dados falsos a todos os momentos, dados que aqueles que assistem ao evento munidos de um computador conectado à internet, podem verificar imediatamente que são manipulados ou inventados. Além disso, ela abusa do subjetivismo, com seus chavões “eu acredito que” e “eu tenho certeza”, os quais aplica a assuntos extremamente objetivos como os índices de inflação e de crescimento econômico. Por último, pode-se notar que, durante o andamento de cada evento, Dilma vai tratando Aécio cada vez menos respeitosamente: ela geralmente começa chamando-o de candidato e senhor, para terminar com você, ferindo a etiqueta básica de comportamento num evento desse porte.

As perguntas que vêm à mente são:

  • Qual é o benefício de se debater com alguém que sempre escolhe não responder às perguntas ou respondê-las com mentiras?
  • Como tirar proveito de uma estrutura de debate onde quem tem a tréplica sempre sai na vantagem, já que fica com a última palavra?

Sobre a primeira pergunta, tenho claro comigo que os eleitores que têm o trabalho e o cuidado de verificar o que é dito pelos candidatos, e que além disso conseguem fazê-lo sem a paixão irracional por um dos lados, podem sim tirar proveito das duas horas que gastam ao assistir a esses eventos. Ou seja, para esses eleitores, a performance de cada candidato faz diferença, e há a possibilidade de se ganhar um voto que até então estava perdido. O problema é que esse tipo de eleitor é a minoria de uma minoria, ainda que seja uma minoria geralmente formadora de opinião.

Sobre a segunda pergunta, eu realmente creio que um novo modelo de debate deva ser proposto, um que suplante os defeitos do atual, e que permita ao eleitor receber um conteúdo mais factual e mais próximo à realidade. Não sei se isso passa por um uso maior de tecnologia de informação durante o evento, se passa por regras mais rígidas quanto ao conteúdo das respostas dos candidatos, mas entendo que a mudança do modelo seja necessária.

A continuar assim, estaremos mais bem servidos se gastarmos nossas noites assistindo a uma luta de boxe ou de vale-tudo. Nesses, pelo menos, os golpes baixos são punidos.

Flavio Quintela é escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”. (flavio@quintelatranslations.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, em 21 de Outubro de 2014, Página A2 – Opinião.

Ressentimento e delação – por Gregorio Marañón

História | 21/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Gregorio_Marañón_-_retrato

Retrato de Gregorio Marañón

 

O ensaísta Gregorio Marañón, curiosamente pouco conhecido por aqui, é uma das grandes figuras, se não um clássico, das letras espanholas, tanto pelo estilo sereno e equilibrado como pela altura com que analisa as idéias. A sua ampla visão humanística apóia-se em uma vasta experiência de vida: foi médico “praticante”, além de professor universitário, ao longo dos quase cinqüenta anos de vida profissional; deputado das Cortes Constituintes, por ocasião da queda da monarquia; e exilado por seis anos durante a Guerra Civil espanhola, por denunciar os abusos cometidos pelos dois lados. Isso, para não falar dos trabalhos de pesquisa e títulos acadêmicos acumulados, e das obras publicadas, que são legião.

Inovou, se não criou, algo que é quase um gênero literário, e a que ele mesmo chamava o “ensaio biológico”: um tipo de livro de análise em que examina as grandes paixões humanas, das suas características fisiopatológicas e psíquicas até o mistério da decisão livre, por meio da biografia de um personagem histórico. Um desses é Tiberio, de 1939, em que Marañón estuda o ressentimento que consumiu a vida do segundo imperador romano; e o artigo que traduzimos aqui complementa essa obra.

Hesitamos um pouco ao selecioná-lo, porque pressupõe certo conhecimento de história. Por outro lado, representa muito bem o que há de mais original no autor, além de continuar a ter enorme atualidade na análise de pessoas, movimentos sociais e políticos e dos panoramas históricos de todos os tempos. Tentamos suprir esse problema com um brevíssimo resumo da biografia de Tibério César, que, esperamos, fornecerá ao leitor os dados que lhe possam faltar.

Tibério Júlio César Augusto (42 a.C.-37 d.C.) foi o segundo imperador romano. Plínio o Velho o chamou de tristissimus hominum, “o mais melancólico dos homens”. Criado na família imperial, por imposição de Augusto – que pensava fazê-lo seu sucessor –, foi obrigado a divorciar-se de Vipsânia, a quem amava, e a casar-se com Júlia, filha do imperador, a quem aprenderia a detestar, entre outras coisas pelo desprezo que ela ostentava em público pela sua virilidade. Mais tarde, para garantir a linha sucessória, o velho césar ainda o obrigaria a adotar Germânico, que ao menos era também um sobrinho biológico.

Depois de uma brilhante carreira de general na fronteira norte do Império, tornou-se imperador em 14 d.C. Relutou muito em aceitar a responsabilidade que o Senado (que considerava formado por “homens feitos para serem escravos”) havia confirmado após a morte de Augusto, e depois de muitas e vindas ainda rejeitou alguns dos títulos associados. O seu governo foi moderado e prudente no início.

No ano 19, Germânico foi envenenado na Síria. O governador daquela província, Calpúrnio Pisão, foi acusado do assassinato, mas antes de morrer ameaçou implicar o imperador. Nada, porém, ficou provado.

O governo de Tibério começou a declinar mais acentuadamente depois da morte misteriosa do filho, Druso, em 23. Em 26, o imperador, que já estava desleixando boa parte das suas obrigações, auto-exilou-se em Capri, deixando praticamente o governo nas mãos dos prefeitos militares Sutório e, principalmente, Sejano. Este parece ter-se valido da posição para se aproximar do ramo juliano da família imperial (Tibério era do outro, o ramo claudiano), com vistas a ser adotado como membro dela e assim tornar-se um possível sucessor à dignidade imperial. Com o fracasso dessas tentativas, parece ter-se envolvido em uma conspiração para matar o imperador e pôr Calígula, filho de Germânico, em seu lugar.

Seja como for, em 31 Sejano foi julgado e condenado à morte pelo Senado, impulsionado por uma carta de Tibério. Esse foi o início de uma época de terror que dizimou todos os parentes próximos do imperador e as famílias nobres da cidades, especialmente as que tinham alguma relação com os julianos, e depois o Senado e os próprios magistrados imperiais.

O isolamento do imperador tornou-se completo nessa época. Com exceção das ordens de execução, nada vinha de Capri; Tibério mesmo parece ter mergulhado em um delírio paranóide em torno da morte do filho. Calígula sucedeu-lhe após a morte, que pelos vistos acelerou.

 

I

Analisamos em outro lugar a personalidade de Tibério: no anverso, a sua retidão de administrador, o seu amor à ordem, as suas virtudes de comando; no reverso, as paixões sombrias da sua alma. Se queremos julgá-lo em uma linguagem mais moderna, poderíamos dizer que foi um excelente técnico com uma alma perversa, combinação que, como é evidente, não é nada rara. A sua glorificação recente é uma expressão típica da ética contemporânea que, diante do homem útil, esquece todo o restante.

Esta dupla personalidade de Tibério interessa-nos porque explica muito bem a ambivalência da sua alma: o seu respeito de cidadão e de filho por Augusto e Lívia, e o seu ódio por eles, pelos que tinham edificado a virtude e a glória do lar imperial sobre a dor do seu pai; a compaixão por Júlia, a sua mulher legal, quando foi desterrada, e o seu rancor implacável por ela diante do ridículo com que o cobriu; as alternâncias de proteção e perseguição contra Germânico, Agripina e os seus filhos; os seus gestos de amizade e de hostilidade mortal para com Sejano, amigo e inimigo ao mesmo tempo; e assim por diante. A cada instante, vemos escapar pelas frestas da perfeita armadura oficial o mau cheiro do rancor, emprestando à sua vida esse aspecto equívoco que os contemporâneos interpretavam como hipocrisia e os cronistas posteriores não conseguem encaixar no esquema do caráter íntegro.

II

Ao longo da vida de Tibério, vê-se claramente como, à medida que o seu ressentimento fermentava, o reverso passional da sua personalidade vai pouco a pouco superando o claro anverso da sua vida política. Por isso, os antigos o consideravam um homem desconcertante, que mudava sem cessar: recordemos as palavras de Plínio, que o considera um príncipe austero e sociável que, com o passar dos anos, se tornou severo e cruel. Alguns até apontam uma data fixa para essa “mudança do bem para o mal”, relacionando-a com a morte do filho, Druso, ou a de Germânico.

Estas desgraças foram, com efeito, impulsos bruscos no caminho da sua paixão. Mas, ainda mais do que elas, precipitaram-no no delírio final a traição de Sejano e a descoberta do pretenso assassinato do filho.

Também influiu nesta explosão dos seus últimos anos a embriaguez do poder. É típico do ressentido, e sobretudo do ressentido tímido, que, quando adquire um poder forte e cheio de recursos como o que o governo proporciona, faça dele um uso barbaramente vindicativo. A prova do poder divide os homens que o atingem em dois grandes grupos: o dos que são sublimados pela responsabilidade do governo, e o dos que são pervertidos. A razão desta diferença reside somente na capacidade dos primeiros para serem generosos e no ressentimento dos segundos.

Para não citar senão alguns exemplos historicamente próximos de Tibério, podemos recordar, entre os grandes chefes que o exercício do poder enobreceu, Júlio César, nos começos da carreira mero demagogo imoral e grande príncipe na segunda parte da sua breve existência oficial. E o próprio Augusto, cuja juventude cheia de profundos e vergonhosos vícios morais se transformou, sob a responsabilidade imperial, em uma maturidade equilibrada, patriarcal e com indubitáveis resplendores de grandeza. Exemplos da perturbação degenerativa do poder são, em contrapartida, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Domiciano. Ao contrário do que diz Ferrero, não é mania dos historiadores antigos, mas absoluta realidade, esta mudança que a embriaguez do mando causa nos espíritos fracos e, sobretudo, nos ressentidos, e que efetivamente empresta aos seus reinados a nítida aparência de duas etapas: uma inicial, boa; e uma segunda, péssima.

É preciso ter em conta, ao mesmo tempo, o que o sumo poder representava na época dos césares. Nada o mostra tão bem como o que Nero diz por boca de Sêneca ao atingir o principado: “Eu sou o árbitro da vida e da morte dos povos. O destino de todos está nas minhas mãos. O que a fortuna quer atribuir a cada um, cabe à minha boca exprimi-lo. De uma resposta minha depende a felicidade das cidades, e sem o meu consentimento nenhuma delas pode prosperar”. Compreende-se que os semideuses pudessem resistir a este poder quase sobrenatural sem que lhes subisse à cabeça, mas não os homens de carne e osso.

Também não há certeza, por fim, de que a razão de Tibério ancião, ferido por tantos infortúnios, talvez adoentado, mantivesse a normalidade nos seus anos finais. A sua fuga e o ir e vir incessantes entre o seu retiro em Capri e Roma fazem suspeitar fortemente de insensatez. Só o bom senso de Antônia o atava à normalidade, mas era um laço fraco demais para fazer frente às forças que o impulsionaram sem tino nem justiça àquele terror tiberiano que fez estremecer os séculos e tem todas as características do rancor do ressentido; porque não se dirige – como o rancor do ódio ou da inveja – contra as pessoas que o provocaram, mas contra tudo e todos, porque todos – a humanidade e os deuses – são seus inimigos.

III

Típico também da vingança do ressentido é o uso de predileção que, para levá-la a cabo, Tibério fez da delação. O ressentido no poder recorre imediatamente aos seus irmãos de ressentimento, que são os delatores. A um gesto seu, mil almas ressentidas abrem a válvula da sua paixão. Chovem então os anônimos e as delações explícitas. Umas vezes, são expressão cínica de um vício, mas quase sempre mero alívio do ressentimento, talvez impessoal, mesmo que seja impelido a sacrificar a sua vítima.

Suetônio descreve “o furor das delações que se desencadeou sob Tibério e que, mais que todas as guerras civis, esgotou o país em plena paz”. “Espiava – disse – uma palavra que escapasse em um momento de embriaguez ou a brincadeira mais inocente, porque todo pretexto era suficiente para denunciar. E não era necessário perguntar pelo destino dos acusados: era sempre o mesmo. Paulo, o pretor, assistia a um banquete; usava um anel com um camafeu em que estava gravado o retrato de Tibério César, e nessa mão – não usemos de palavras ambíguas – tomou um urinol. O fato foi observado por um certo Marão, um dos delatores mais conhecidos da época. Um escravo de Paulo percebeu que o delator espiava o seu amo e, rapidamente, aproveitando-se da embriaguez deste, tirou-lhe o anel do dedo no mesmo momento em que Marão tomava os comensais como testemunhas da injúria que se ia fazer ao imperador, aproximando a sua efígie de um urinol. Naquele instante, o escravo abriu a mão e mostrou a todos o anel”.

O interesse desta história está em que, sem a argúcia do escravo, Paulo teria sido encarcerado e morto; e Marão, como delator, teria recebido parte da sua herança.

É preciso ler um a um os processos desses anos da perseguição tiberiana para dar-se conta da sua infâmia e do seu horror. Muitos casos, como o que acabamos de referir, começavam comicamente e acabavam em tragédia; outros eram trágicos desde a nascença. Os filhos denunciavam os pais. Tramavam-se as mais ignóbeis ciladas para justificar a perdição de um inimigo ou o proveito indigno do delator. Não somente homens infames, como Marão, mas pessoas ilustres, advogados e oradores famosos faziam da delação o seu ofício e enriqueciam à custa dela. “Até os senadores condescendiam com as mais baixas delações”. Mas, sem dúvida, a maioria eram os que denunciavam por um fim mais saboroso do que o dinheiro: o prazer de vingar ressentimentos antigos.

Tibério contemplava as delações com o gesto de Pilatos, habitual nele. Se algum homem corajoso, como Calpúrnio Pisão, protestava contra os denunciantes, não tardava a morrer.

Nada mais eficaz para destruir o moral de um povo que o medo da delação, que é o medo mais inesperado, o mais sutil, o mais difícil de combater e de vencer. Quem tiver vivido épocas parecidas não considerará exageradas umas palavras de Tácito. Depois de umas delações que ficaram famosas, diz o historiador: “Jamais como então reinaram a consternação e o sobressalto em Roma. Tremia-se até entre os parentes mais próximos. Ninguém se atrevia a aproximar-se de ninguém, nem muito menos a falar. Conhecido ou desconhecido, todo ouvido era suspeito. Até as cosas inanimadas e mudas inspiravam receio: os olhares percorriam sempre os muros e tabiques”. Com efeito, quando a justiça cala as paredes têm ouvidos.

Assim foi o terror tiberiano, ignóbil como todas as violências dos fracos ensoberbecidos pelo mando. Terror de ressentido, sustentado pela delação, que é sintoma da arbitrariedade do poder, com a mesma certeza com que o fedor e as manchas lívidas do cadáver denunciam a morte.

 

Título original “Resentimiento y delación”. Publicado originalmente em La Nación, Buenos Aires, 19.06.1939, e traduzido a partir do texto recolhido em Obras completas, t. IV, “Artículos e otros trabajos”. Madrid: Espasa-Calpe, 1976, pp. 567-570.

Gregorio Marañón y Posadillo (1887-1960) foi um dos maiores médicos do seu tempo – um pioneiro da endocrinologia –, cientista, historiador, escritor e pensador. Doutor pela Sorbonne, membro de cinco das sete Reais Academias espanholas, publicou, além de mais de setecentos artigos de jornal, monografias científicas e prólogos de livros, cerca de trinta livros de Medicina, dezoito de História e onze de Pensamento. As obras mais conhecidas e de interesse permanente são as que considerava “ensaios biológicos”: além do Tibério (1939), em que faz uma “anatomia” do ressentimento, as principais são Amiel (1932), sobre a timidez; El Conde Duque de Olivares (1936), sobre o poder; Antonio Perez (1947), sobre a intriga e a traição política; e Don Juan (1940), sobre o “donjuanismo”.

Tradução de Henrique Elfes.

Texto originalmente publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, edição nº3, Julho/2009.

Bienal 2014 – Uma Prova; Uma Provocação (por Iura Breyner Botelho)

Artes | 16/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Bienal - 2Dia 06 de setembro do mês passado deu-se a abertura da 31ª BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera, evento que perdura até o dia 07 de dezembro deste ano.

Segundo consta no site da Wikipédia, “a Bienal de São Paulo (ou ainda Bienal Internacional de Arte de São Paulo) é uma exposição de artes (em geral de grandes proporções) que, como o nome indica, ocorre a cada dois anos na cidade de São Paulo, mais propriamente no chamado Pavilhão da Bienal, do Parque Ibirapuera. (Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo – acesso em 06/10/2014)”.

Marca registrada deste evento, como na maior parte dos que o antecederam, é a polêmica de cunho religioso e/ou moral, gerada pela presença de trabalhos abertamente acintosos para a religião e a moral cristã,  mais especificamente católicas. Constam entre elas:

– Estruturas de armação, tulhe vermelho e fita cinza com os dizeres: “útero: mi boca cerrada y mi útero abierto” sob o título de “Espaço para abortar” evocando o tema sobre a liberação total do aborto;

– Uma imagem barroca da Virgem da Conceição e o Menino Jesus em uma redoma de vidro com baratas e escorpiões;

– Um Cristo crucificado, sendo devorado por corvos;

– A Santa Ceia dentro de uma frigideira, para ser fritada, e uma imagem de Nossa Senhora, prestes a ser triturada por um ralador de cozinha;

– Outra imagem da Virgem com uma serpente totalmente enrolada em seu corpo, esmagando-a;

– Duas figuras transexuais de mãos dadas, numa foto, unidas por uma espécie de “veia comum”, ligando o coração de um ao de outro sob o titulo “Deus é maricas”;

– Corpos andrógenos e relações homoeróticas em frente a imagens religiosas, como a da Virgem de Guadalupe”;

– Uma Virgem barbada num quadro com moldura dourada”;

– Uma petição a que os grupos são convidados a assinar no final da visita endereçada ao Papa Francisco, para que ele decrete o “fim do conceito de inferno”; entre outras.

Os grupos de militância das causas feministas e homossexuais usualmente tomam posturas radicalmente anti-cristãs/católicas em suas manifestações; isto já é esperado, especialmente quando o assunto é cultura e arte. O discurso comum é que “o Cristianismo e a Igreja Católica inventaram uma crença sobre um Deus Patriarcal e Machista, que só escolhe homens para o seu serviço, que domina as mulheres com a desculpa de que foi Eva ‘quem caiu na tentação e ofereceu o fruto proibido a Adão’ e a imposição do duplo “tabu” sobre a virgindade/maternidade sagradas, únicas opções válidas para a mulher”, etc, etc, etc…

Que sua produção cultural reflita tais idéias e “ideais” é mesmo coisa previsível; o inaceitável numa sociedade chamada pluralista e democrática é a exposição e promoção pública de obras que agridam crenças e valores – quaisquer que sejam – intrínsecas a outros grupos humanos co-habitantes da mesma sociedade. Afinal, se as palavras-chave desta são convivência e respeito mútuo“toda fobia será castigada…” – por que não valeria a regra quando a cultura objeto da fobia é a cristã ou católica?

O título do evento deste ano – “Como (…) coisas que não existem” – é, segundo a explicação do texto do site oficial, “uma invocação poética do potencial da arte e de sua capacidade de agir e intervir em locais e comunidades onde ela se manifesta.”. Neste parêntesis leem-se os seguintes verbos: ouvir, sentir, ler, entender, usar, imaginar, encontrar, lutar com, sonhar com, aprender com, falar sobre, viver com.  Seu logotipo se baseia em um desenho comissionado e uma estrutura tipográfica. O desenho, espécie de carapaça em espiral no formato de uma torre de Babel carregada por um conjunto de pernas e pés humanos, simboliza o esforço conjunto da equipe curatorial unida num caminhar – ainda que incerto (?)* – na mesma direção.

Neste sentido, a equipe caminhou para uma conclusão comum em relação à proposta do trabalho, que é a tangibilidade de tais coisas – que não existem, segundo eles – em ocasiões de confronto entre o que se experimenta como realidade e o que se deseja na vida humana. Tais situações provocam o ser humano no sentido de uma resposta, que pode ser uma fuga ou uma mudança radical – uma “virada” – necessária, urgente, mas nem sempre linear e/ou progressiva.

Para que tal “virada” de fato se dê na mostra como um todo sendo ela mesma uma provocação de “virada” para cada expectador, a equipe curatorial se propõe analisar diversas maneiras de gerar conflito através das obras, já muitas vezes contraditórias em si, bem como através do diálogo e o confronto entre elas. Neste caso a equipe teria alcançado seu intento, antes mesmo de abrir a mostra à visitação pública, na medida em que as temáticas anti-católicas são radicalíssimas e tremendamente agressivas.

Segundo o texto oficial do site “as dinâmicas geradas por esses conflitos apontam para a necessidade de pensar e agir coletivamente, modo mais poderoso e enriquecedor do que a lógica individualista que nos é geralmente imposta (31ª Bienal – Como (…) coisas que não existem. – http://www.31bienal.org.br/pt/information/754; último acesso em 08.10.2014)”. Muito bem, belo intento! Imperou, pois na equipe o respeito mútuo e as opiniões e valores de todos! Pena que tal sentença não foi considerada em relação às comunidades externas ao evento; pelo que esqueceram a regra de ouro: “não fazer para os demais o que não se quereria que se fizesse consigo”.

Em outro desenho, um desdobramento do principal, uma espécie de tronco recortado por linhas espirais multiplica-se em raízes que tocam o “chão” e o “céu” do espaço em pontos diversos. Esta figura, pode talvez representar melhor a proposta deste evento que se funda, segundo o texto explicativo, não em objetos de arte, mas em pessoas que trabalham intrincadamente com projetos colaborativos de grupos, implicando numa espécie de espiral humana aberta que desemboca dinamicamente em diversos setores da sociedade, incluindo os visitantes e seus próprios grupos sociais.

“Essa abertura do processo precisa ser entendida como um meio de aprendizagem: uma troca educacional estabelecida ao longo e em cada um dos níveis e que é, por conseguinte, não resolvida e experimental. (idem; Bienal 2014)” – diz o texto curatorial e nos faz pensar. Diz o refrão que a crítica, para ser válida, tem que ser construtiva e não o oposto. É educativo ridicularizar e menosprezar publicamente crenças e valores morais alheios? A pergunta é lançada à equipe curatorial e ao público leigo, qualquer que seja sua posição em relação ao ponto citado, simultaneamente, através deste artigo, que pretende chegar a uns e a outros.

A expectativa da equipe curatorial é de que todos os que entrem em contato com esta Bienal possam explorar algumas das possibilidades que ela oferece através dos trabalhos, levando consigo algo novo e transformador. Um dado interessante neste sentido é que os trabalhos – instalações, obras e performances – são “itinerantes”, isto é, mudam de lugar constantemente até o fim da exposição. Assim, por meio do que o texto explicativo denomina de “atos artísticos da vontade”, “espera-se desta Bienal que as coisas que não existem possam ser trazidas à existência, contribuindo para uma visão diferente do mundo – potencial provável da arte”.

Neste sentido espera-se que a própria equipe seja provocada, não por uma resposta escandalizada e esparsa à polêmica criada, mas pela pressão da opinião pública em geral que, talvez possa, com ajuda dos profissionais ligados à Arte e à Imprensa abrir-se ao novo e ao inusitado, mas sem gratuitamente engolir fezes humanas a ela lançadas.

Bienal - 1

*A figura em si mesma é dúbia, pois, se por um lado os pés apontam para uma direção que pode mudar em algum momento, por outro, a “cabeça” aponta indubitavelmente para frente e para cima – para o céu e/ou contra ele.

 

por Iura Breyner Botelho, especialista em História da Arte e Crítica de Arte.

Elogio do jeitinho – por Henrique Elfes

Filosofia | 11/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Não posso mais calar-me.

Tenho suportado a injustiça em silêncio ao longo de todos estes anos. Assisti sem dar um pio às calúnias e vilipêndios que choviam sobre uma das mais nobres instituições da brasilidade, verdadeiro esteio do caráter nacional. Não mexi um dedinho perante a feroz campanha promovida pela mídia contra essa qualidade ímpar e maravilhosa do brasileiro.

Mas não mais: antes que a pobrezinha seja escorraçada do cenário nacional, proponho-me empreender a sua defesa, reabilitá-la perante a opinião pública e, se for possível, devolver-lhe o lugar que merece na nossa visão de mundo.

O fato é que ela já anda severamente debilitada: esgueira-se envergonhada pelo canto da calçada, como os ratos, tem receio de elevar a voz e de olhar as pessoas nos olhos, e evita ao máximo sair em público. Essa nossa rejeição é a melhor maneira de empurrá-la realmente para a marginalidade a que de maneira tão injusta a vimos relegando.

Ela tem sido acusada de fomentar a corrupção, e é preciso reconhecer que às vezes foi usada indevidamente como desculpa pelos delinqüentes; mas nego enfaticamente que ela e qualquer tipo de desonestidade tenham a mesma raiz. Também tem sido identificada, sem a menor razão, com o que ficou conhecido maldosamente como “lei de Gérson”, o desejo de “levar vantagem em tudo”. E, pior ainda – porque neste caso a acusação tem algum fundamento -, tem sido considerada como a fonte dessa outra característica tão difundida do caráter nacional, a marretagem, a “lei de nascoxov”, a tendência à instalação no provisório e a viver de remendos.

Vários sentidos

Como descendente de alemães, sou daqueles que tendem a escrever Breves introduções ao tema do amor em dezoito volumes de duas mil páginas cada, e serei obrigado a controlar-me violentamente aqui (outra manifestação da injustiça reinante é que o editor só me concedeu quatro páginas para falar de um tema que, evidentemente, exige pelo menos 257; mas, que se há de fazer?). Mesmo assim, terei de pedir ao leitor que seja indulgente com a minha imperiosa necessidade de ser systematisch e me permita entrar no tema por meio de uma classificação.

A palavra “jeitinho”, pelo seu caráter popular e difuso, é das que têm vários significados aparentados entre si. Tentemos uma diferenciação entre três que parecem ser os principais:

– primeiro, um sentido que poderíamos chamar “metafísico”, que implica uma tomada de consciência da limitação da realidade como um todo e o respeito pelas características únicas de cada coisa;

– depois, um sentido “moral”, que aplica essa mesma tomada de consciência àlimitação da sociedade em geral e da lei e da justiça humanas em particular; tomado neste sentido, o jeitinho está muito próximo, e talvez se identifique, com uma das virtudes clássicas mais esquecidas, a epiquéia;

– e, em terceiro lugar, um significado “relacional” ou “comunicacional”, vá lá, que aplica essa consciência às relações entre as pessoas, e pode ser entendido também como senso de oportunidade ou sentido das conveniências.

Examinemos um pouco mais de perto cada um.

O jeitinho “metafísico”

Conta uma tradição familiar que, nos descuidados anos cinqüenta, os meus pais tomaram certa vez um avião da falecida Varig para ir de Maceió ao Rio de Janeiro. Como havia poucas estradas, e estas em geral não estavam em nível nem condições de Autobahn, andar de avião pinga-pinga era bastante comum. Antes da decolagem, porém, surgiu um problema: a porta do avião não fechava. Depois de algumas tentativas frustradas para resolver a falha, o piloto não teve dúvida: arrumou com um dos passageiros um barbante, desses de sisal para embrulhos reforçados, e amarrou a porta no lugar. E a viagem prosseguiu sem mais.

Imaginemos a mesma situação hoje: depois de esforços inúteis para convencer a porta obstinada, o comandante se entrincheira na cabine com ar de fim-de-mundo; meia hora depois (por não achar um mecânico), convida os passageiros a descerem; estes esperam tensos e sem notícia alguma mais duas ou três horas numa sala vip qualquer; e, no fim, talvez sejam convidados a passar a noite num hotel apertado e desconfortável. Os mais estressados, depois da décima quinta espera na fila do balcão de diversas companhias aéreas, talvez consigam transferir a passagem para outro vôo daí a mais umas três horas. Resultado: todos chegam ao destino com pelo menos cinco horas de atraso, e os inconformados provavelmente ainda se dedicarão a processar a companhia aérea por lucros cessantes (perderam aquela reunião importantíssima).

Tudo bem, de acordo, naquelas idades da pedra não havia ainda todos os avanços tecnológicos de que dispomos hoje – pense na pressurização dos aviões modernos!, na altitude de vôo!, na velocidade de transporte! -, os modernos padrões de segurança exigem isso, etc. etc. etc. Mas é inegável que, no primeiro caso, os passageiros tiveram de esperar bem menos e, se insistimos no tema da “velocidade”, também chegaram bem antes; e igualmente é inegável que o cenário moderno tem algo de neurótico, de muito mais tenso, desconfortável e desumano, que o “primitivo”. Ah, e quanto aos “critérios de segurança”, não parece que tenham impedido os aviões de cair; até que seria interessante um estudo estatístico desta questão, com um título do tipo “evolução da mortalidade por acidentes aéreos ao longo da linha cronológica”.

Não, não proponho retornos saudosistas ao passado, nem o abandono da ciência e da tecnologia. Só sugiro humildemente que relativizemos um pouco os nossos cânones do momento para tentarmos apreciar com justiça o jeitinho dado pelo velho piloto da Varig.

Façamos uma primeira constatação, que pode apoiar-se, penso, na experiência de todos e cada um: por mais que pretendamos enquadrar a realidade por meio de tecnologias e leis e padrões e regras perfeitos e absolutos, ela simplesmente se recusa a entrar no esquema. E isso porque é inesgotável, ou seja, sempre surge e sempre surgirá aquele ponto que não tínhamos previsto e não teríamos podido prever, aquela exceção que põe tudo a perder. E também porque ela, tal como os nossos esquemas e os seus autores – que por sinal também fazem parte dessa mesma realidade, ou por acaso não? -, é limitada, imperfeita, falível; ou seja, sempre há aquele processo ou aquele elemento ou aquele indivíduo que, por razões insondáveis e misteriosas, falha, não chega lá, não produz os resultados esperados.

Dizia-me um engenheiro eletrônico competente e experimentado: “Não sei por que dizem que a eletrônica é uma ciência exata; eu acho que ela está é na linha da feitiçaria! A gente faz um projeto perfeito; confere, tudo perfeito; roda uma simulação no computador, e funciona perfeitamente; monta na prática, no protoboard, e… não funciona! A gente quebra a cabeça, refaz o projeto, tenta daqui e dali e… nada. Chega o técnico, olha, dá uma cheirada, diz: ‘Acho que a gente podia pôr uma resistência de uns 2 ohm… aqui‘. E funciona!!!”

Em suma, o jeitinho “metafísico” (talvez fosse mais correto dizer “físico”, uma vez que se refere propriamente à realidade de um mundo material, intrinsecamente limitado) parte de uma aceitação simples dos limites do nosso conhecimento e da própria realidade. E leva assim à conclusão de que as soluções “perfeitas” e “definitivas” (a última versão do SAP ou dos computadores, o equipamento exatamente adequado e preciso e projetado para realizar a tarefa x ou y, etc.) às vezes podem ser descabidas ou desproporcionadas, e que bastam soluções provisórias, imperfeitas, parciais (basta uma volta da chave, não são necessárias duas; é melhor não apertar a torneira até o último, porque rompe a vedação de borracha e provoca o vazamento que se quer evitar, e assim até o infinito ou a náusea), até porque as “perfeitas” também são imperfeitas e as “definitivas”, no longo prazo, provisórias.

Trata-se, enfim, de aceitar o sub-ótimo no que fazemos, porque num mundo limitado não é possível ter o ótimo. Isso é o que indica também um provérbio popular que não é só brasileiro: “O ótimo é inimigo do bom”.

Tolerância zero?

Um corolário moral disto é que o perfeccionismo não é virtude, ao contrário do que indicam alguns comentários cheios de admiração sobre diretores de cinema, literatos, artistas diversos, empresários etc.: “Mel Gibson mandou refazer vinte e três vezes a cena tal do filme qual. É um perfeccionista”. Nas entrevistas de emprego, parece que é moda o candidato indicar com certa hesitação levemente hipócrita, quando lhe pedem que fale de alguns defeitos seus: “Eu… bem, eu sou perfeccionista… Dedico-me demais a que o meu trabalho saia perfeito… Não tolero imperfeições. Sabe aquilo da ‘tolerância zero’?”

O erro do nosso candidato está em confundir desejo ou esforço de perfeição com perfeccionismo; se o esforço é bom – sob pena de nos reduzirmos ao ideal de passar a vida como donos de um barzinho de beira de praia em Iguape (nada contra os barzinhos e muito menos contra a bela Iguape, mas há ideais, como dizer, talvez mais altos) -, o seu excesso em busca do inatingível é nocivo. Como estamos quase carecas de saber, a virtude é o ponto médio racional entre dois extremos irracionais, por excesso e por defeito; neste sentido, o perfeccionismo é um excesso irracional de esforço, um esforço exagerado aplicado a metas que não o merecem: às metas limitadas, parciais e relativas de um mundo material, e não ao fim, à felicidade, nem aos meios que a ela conduzem. Mas isso é outra história e fica para outra ocasião.

A questão está, pois, em que esse esforço, para ser racional, precisa ser moderado pela prudência, pelo realismo, e proporcionado às metas parciais e limitadas. Ora, o jeitinho “metafísico” (e essa é a minha tese central) é precisamente parte da virtude cardeal da prudência, base de todas as outras, o “olho” que enxerga o bem, o “auriga” (condutor) do carro da personalidade puxado pelas demais virtudes cardeais, na velha imagem platônica. É sabedoria prática, savoir-vivre. Usado neste sentido, consiste em contentar-se com o bom, aplicando apenas o esforço suficiente para atingi-lo (como no provérbio popular citado por Guimarães Rosa: “Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão”), e renunciando a um ótimo completamente desnecessário.

Por outro lado, já vimos que jeitinho não significa marretagem, que seria o extremo irracional, o vício por defeito, o fazer apenas “para inglês ver”, que consiste em usara aceitação da provisoriedade e da limitação como desculpa para a mera preguiça, a “tristeza diante do bem árduo” dos clássicos ou, em termos mais nossos, a fuga desvairada de tudo o que represente esforço. Bem é verdade que esse defeito sempre foi considerado característico, também, do caráter nacional (basta que nos lembremos da conhecidíssima piada sobre o “inferno brasileiro”), e que se abrigou muitas vezes sob o mesmo guarda-chuva do jeitinho; mas igualmente é preciso dizer que o vício oposto é ainda pior: ao que parece, o “inferno brasileiro” é bem mais suportável do que o suíço ou o japonês. Os índices de suicídio que o digam.

Fidelidade e flexibilidade

O segundo corolário e, ao mesmo tempo, a segunda característica do homem com jeitinho, é o respeito perante a unicidade e as peculiaridades individuais do real concreto.

O perfeccionista é um racionalista, isto é, pensa no mundo como uma série de abstrações teóricas (tecnicamente, diríamos: de essências ou naturezas e de outras formas lógicas) que por assim dizer flutuam numa espécie de espaço ideal, desligado do concreto (os “consumidores”, os “capitalistas”, o “mercado”, o “Estado” etc.), e por isso pretende aplicar-lhe as leis universais e gerais deduzidas a partir dessas mesmas abstrações.

Já o nosso homem do jeitinho sabe que ele mesmo e as coisas têm, sim, uma natureza; e que essa natureza estabelece para cada coisa limites objetivos além dos quais não pode passar, sob pena de se destruir a si mesmo ou às coisas (há falsos “jeitinhos” que não me posso permitir: “dar uma ligadinha” na televisão de 110 V em 220 V, levar a palm para “dar uma estudadinha” enquanto faço a ressonância magnética, “dar uma roubadinha” ou “uma interrompidinha” numa gravidez, etc.). Mas sabe também que essa natureza ou essência não existe in abstracto, e sim sempre individualizada em substâncias, em seres individuais e concretos (literalmente, não existem consumidores da classe A, B, etc. a não ser nos estudos marquetingológicos, e sim a Lindolfina, o Ubirajara, a Crislene, o Saturnino; não existe “o Estado”, a não ser em trabalhos de ciências políticas e jurídicas, etc., e simeste governo integrado por estes homens que pensam assim e assado e fazem isto e aquilo).

Portanto, também não há regras absolutas em tudo e para tudo (“as portas se fecham assim”); dentro dos limites definidos pelas relativamente poucas leis ou regras gerais que garantem a sobrevivência e o bom estado de conservação de nós mesmos e das coisas, há apenas uma infinidade de casos particulares, que precisam ser estudados até se dar com o jeito preciso para que funcionem perfeitamente (“esta porta precisa de atenção especial, porque a lingüeta não prende direito; depois de fechar, é preciso dar um puxão até ouvir um clique, porque, se não, ela abre de novo mais tarde”).

Isso é enormemente importante porque condiciona todo o nosso modo de olhar para a realidade, a tal “visão do mundo”: o que exigimos ou esperamos do nosso trabalho, de nós mesmos, dos outros, de Deus, das coisas, tudo. Num mundo que não é perfeito (que é contingente, diriam os clássicos), não faz sentido querer pautar a nossa vida e a dos outros, e sequer o trabalho com coisas materiais, por leis ou regras perfeitas e aplicáveis a todos os casos. A perfeição humana no trabalho, no quotidiano, na convivência familiar e social, a perfeição humana em si, e a própria vida, não consistem em cumprir ou seguir regrinhas, “o manual”, “as técnicas indicadas”, a “lei do mercado” ou “os cambau” que sejam, com precisão cada vez mais absoluta; consistem antes em encontrar os objetivos ou ideais certos, e dirigir-se a eles “surfando” sobre uma realidade sempre mutável e variada.

É mais ou menos o que dizia o saudoso quase-ex-presidente Tancredo Neves: que procurava agir “com completa fidelidade aos princípios e absoluta flexibilidade nos meios”. Só seria preciso lembrar que – e parece que Tancredo lembrava, como fica evidente pela sua ilibada reputação (sem ironia) – a flexibilidade não podia ultrapassar o âmbito das leis e regras mínimas que protegem a natureza das coisas.

Um terceiro corolário é que, enquanto o perfeccionista quer enfiar a realidade na camisa-de-força dos esquemas, e mergulha no desânimo e na amargura quando ela obstinadamente se nega a caber, o homem do jeitinho mantém sempre uma grande flexibilidade perante o real imperfeito. Para o perfeccionista, todas as coisas são concebidas em absolutos, em termos de “ou tudo, ou nada”; já para o flexível, não: há matizes suaves intermediários – muitos tons de cinza entre o branco e o preto -, meios-termos, “panos-quentes”… Por isso, o primeiro oscila entre a arrogância do conquistador triunfante (durante algum tempo, pelo menos) e o desespero depressivo ou cínico (a longo prazo), ao passo que o segundo mantém sempre portas abertas, saídas possíveis, uma esperança no fim do túnel: “Tem jeito para tudo, meu nego”, típica declaração das tias Anastácias do nosso interiorzão besta.

O jeitinho “moral”

Alegrou-me enormemente ver escrito, no alto da fachada de um típico prédio romano oitocentesco às margens do Tibre, Ministero di Grazia e Giustizia. Acho que não é preciso traduzir. Alegrou-me, sobretudo, porque me pareceu ver encarnado neste nome (ou “institucionalizado”, vá lá) – e por aqueles comoventes positivistas do Risorgimento, ancestrais não muito remotos dos nossos perfeccionistas! – o clássico aforismo summum ius, summa iniuria – “a justiça estrita é a pior das injustiças”. Ao lado da justiça pura e simples, diz esse nome, é preciso pôr sempre a “graça”: o perdão, o indulto, a exceção, a anistia…

Há alguma esperança de que, diante deste paradoxo, um dos meus dois leitores acorde e diga: “Hããã?” E terei de pedir-lhe que se lembre da sua infância, dos ardentes sentimentos de injustiça que experimentou quando lhe era aplicada a pura e simples justiça (- “Um doce para cada um, e pronto!” – “Aah, mas a Lindolfina foi ao cinema, e eu não!”) e do cálido senso de compreensão e acolhimento quando era objeto de “exceções” (meio veladas para não despertar o senso de injustiça dos irmãos…). É que a justiça das mães, atenta ao caso concreto de cada filho, levando em consideração as circunstâncias de cada um, talvez seja a única justiça, com perdão, realmente justa que experimentaremos em toda a vida.

Isso nos leva ao próprio centro do jeitinho “moral”, que consiste na consciência da relatividade das leis gerais. Se o jeitinho “metafísico” tem em conta a limitação constitucional da realidade, o “moral” tem sempre presente a inevitável limitação das leis humanas. (Advirto que, neste artigo, uso “lei” não apenas no sentido das leis escritas de um determinado país, mas de todos os regulamentos, códigos de ética, regras etc. de qualquer corpo social, família, turma, condomínio, escola, empresa, nação, o que o leitor quiser. E quando digo “sociedade”, refiro-me a todos esses grupos de seres humanos).

Não me canso de admirar a capacidade (talvez ingenuidade, inocência?) de alguns “nobres causídicos” e “batalhadores em outras lides públicas” de cantar indefinidamente as loas da “Lei” (usam audivelmente maiúsculas), como se “a Lei” fosse absolutamente intocável, irretocável e perfeita; e contrastá-la com as opiniões que eles mesmos costumam ter sobre os autores e aplicadores dessa mesma “Lei”. Esse contraste entre o caráter pessoal dos legisladores e a necessária obrigatoriedade das leis não é um problema apenas nacional ou de época: pensemos na frase de Bismarck acerca das leis e das salsichas (só recordando: “melhor não saber como são feitas”), ou leiamos Suetônio sobre os césares.

O que significa apenas que não se pode nem de longe partir do pressuposto de que as leis de qualquer país sejam moralmente justas e corretas, ou seja, estejam de acordo sequer com aquelas regras mínimas da natureza humana já mencionadas. Ou seja, a lei humana, embora seja necessária às vezes e geralmente útil para a convivência em sociedade, não pode nem muito menos deve substituir uma boa formação ética pessoal (como se vê, não estou exortando à revolução, à ruptura institucional, nem à desobediência civil, etc.). E mesmo no melhor dos casos, o de um legislador justo, não se pode pressupor que ele seja perfeito em todos os sentidos, e que as leis que “emane” possam servir para orientar sempre e satisfatoriamente a infinita variedade do agir humano.

Os direitos da alface

A figura que, neste âmbito, corresponde à do perfeccionista é o legalista, isto é, o homem que exige de si e dos outros um cumprimento literal e burro de toda a lei, até os seus mais recônditos intríngulis. Opõe-se aqui a um tipo virtuoso de que os clássicos ainda falavam (veja a Ética a Nicômaco, V, 10, 1137a-1138a), mas para o qual nem temos mais nome, tão esquecida anda a virtude em questão: a epiquéia, definida como aquela qualidade pela qual alguém deixa de cumprir o significado literal da lei para ser fiel ao sentido profundo dessa mesma lei, ou àquilo que alguns dos meus amigos juristas chamariam a “(boa) intenção do legislador”.

– “Ah, mas isso de um particular qualquer poder considerar-se acima da lei é muito perigoso. Daqui a pouco, qualquer um vai achar que pode fazer o que bem quiser. Isso é a anarquia! Além de que o império da lei, e não a vontade de qualquer particular, é a própria essência da democracia!” Realmente; talvez seja por isso que as sociedades democráticas vão começando a ficar tão sufocantes como algumas tiranias (Brasil, 1998: um pobrezinho qualquer é preso por crime inafiançável, porque matou uma garça para comer (sic); Suíça, 2008, lei para proteger os direitos das plantas domésticas (SIC!): não se pode mais, por exemplo, polinizá-las contra…, contra…, ia dizer “contra a sua vontade”…).

Mas, comentários ácidos à parte, sim, é preciso reconhecer que a anarquia é ainda muito pior que o pior governo. O que não tira o fato de que o legalismo, o furor legislandi (“empenho desorbitado por legislar”), o desejo de ABNTizar tudo e todos na sociedade, a ponto de pretender substituir a moral e a ética pela lei positiva, escrita, é simplesmente nefasto, porque afoga a liberdade humana. E aqui tocamos a sua fonte: medo, puro e simples medo da liberdade, da própria (não são o medo de errar, a insegurança, a tensão, características muito salientes da sociedade moderna?) e da alheia.

Certo cronista clamava, em um dos grandes jornais de São Paulo (não guardei o recorte, por isso terei de citar mais ou menos, de memória), por mais regulamentação; gostaria de que todos os aspectos da vida estivessem enquadrados em leis, dizia, todos os crimes e erros tipificados, tudo claro. Tudo claro? Tudo escuro. Por um lado, isso leva a um mundo kafkiano em que todo burocratelho vira um tiranete, sentindo-se na obrigação de normatizar o seu “reino”. Por outro, a uma multidão de cidadãos ou indivíduos infantilizados, que se eximem de responsabilidades desde que cumpram a Lei (a desculpa padrão dos carrascos nazistas em Nuremberg era: “Não cometi crime nenhum, segui as leis de meu país“); ou, em âmbito mais caseiro, se dedicam a prolongar indefinidamente a infância, morando na casa da supermamãe legisladora até os quarenta e, daqui a pouco, até os cento e dez anos.

Como sempre, não há soluções fáceis. Sim, a falta de lei lança na anarquia, no mar sem referências da ausência total de balizas; só que a lei “perfeita” (sempre pseudo-perfeita), hipertrofiada, infantiliza, gera infra-homens. Sim, a flexibilidade na aplicação serve de desculpa para a pura sem-vergonhice; só que o furor normativo sufoca e infantiliza.

Não escapamos, mais uma vez, do ponto médio racional, da virtude, que na verdade é um ideal, um ótimo comportamental sempre por atingir. O único jeito (eis que o nosso jeitinho retorna triunfante!) de salvaguardar e educar a liberdade é o critério ético racional pessoalmente formado – à base de estudo e observação, não do “chute”, que é outra característica nefasta, mas bem nossa; e levando em consideração que esse critério, para ser formado, exige um aprendizado experimental, tentativa e erro, ou seja, a tolerância de certa dose de “sub-ótimo”, de erros e pecados próprios e alheios no comportamento humano.

Critério e jeito “moral” virtuoso

A prudência – sabedoria – do legislador está, aqui, em reduzir a lei ao mínimo necessário para salvaguardar a natureza humana e a convivência, estabelecendo dentro dos limites mínimos amplos âmbitos de liberdade em que o legislador renuncia a intervir. Em quem aplica a lei aos outros, a prudência consiste naeqüidade, isto é, no reconhecimento da prioridade do indivíduo com relação à sociedade e aos seus construtos teóricos. E, em quem está sujeito à lei, essa sabedoria se traduz… em jeitinho, na nossa epiquéia, uma flexibilidade de aplicação que mostra inteligência, captação do sentido da lei.

O Brasil tinha uma instituição social única e maravilhosa, puro bom senso, que espero que não caia em desuso: as leis que “não pegam”, uma espécie de veredicto popular que dava a conhecer aos legisladores que aquela lei simplesmente estava sobrando. É evidente que o habitual para o “epiquéico” (horrível, mas passe) será o cumprimento das leis, e não uma revolta adolescentóide por princípio (“Hay gobierno? Soy contra!“) contra todas elas. A diferença virtuosa está em cumpri-las não com espírito servil (como se as leis de trânsito ou o horário da empresa fossem decretos emanados tão diretamente do Altíssimo como as leis sobre o homicídio), mas sim com espírito de liberdade. Umas, porque são importantes mesmo; outras, porque são úteis e práticas; esta ou aquela, para evitar discussões e perdas de tempo inúteis…

É evidente que a primeira preocupação tem de ser distinguir que peso tem a lei a cuja letra se desobedece. Nem toda desobediência é epiquéia: se for uma desobediência às leis que protegem a natureza (humana, não a da alface), é crime mesmo, puro e simples; mas uma obediência como a dos mencionados carrascos nazistas é igualmente criminosa. Se a desobediência for a meras convenções práticas, de utilidade, e não há pessoas reais lesadas, e de fato há um benefício real… bem, o bom senso sempre admitiu certa flexibilidade. Em tempos mais felizes, por exemplo, todos os guardas de trânsito brasileiros sabiam que havia horas em que não era o caso de reparar em todas as infrações…

Nesse sentido, a moça do caixa da padaria que, de vez em quando, dá um bombom de graça ao cliente, totalmente imerecido, sem qualquer necessidade, faz muito mais para fidelizá-lo (aaargh!, perdão por esse sacrifício do bom português sobre o altar da modernidade) do que todas as atendentes de sorriso padronizado do McDonald’s (suponho que usem régua durante o treinamento para medir a extensão permissível dos cantos da boca). Obedece, não à letra da regra do padeiro, mas ao seu sentido: aumentar os lucros.

O jeitinho “relacional”

Uma brevíssima pincelada sobre o jeitinho “relacional”, que também é virtuoso e parte da prudência, e terminamos. Como vimos, esse jeitinho aplica o senso da limitação e da prioridade do concreto à comunicação e, mais amplamente, a todas as relações entre as pessoas. Todos experimentamos, em maior ou menor grau, a enorme dificuldade de transmitir idéias e ideais a pessoas com todo um conjunto de experiências e convicções diferentes das nossas. Como dizia uma velha e venerável professora da USP (da Poli, não da ECA!), “Se a gente pensar bem, a comunicação é no fundo um milagre, não é mesmo?”…

Ora, o racionalista costuma considerar apenas se o que tem para dizer é verdade ou não, importante em si mesmo ou não; se tem ou deixa de ter razão. Por isso, as conversas entre racionalistas tendem a degenerar em conversas de surdos, cada qual falando daquilo que lhe interessa e nenhum deles produzindo a menor impressão ou mudança no outro…

O realista, por sua vez, sabe que ter razão não basta nem de longe; para que a mensagem chegue ao seu destino, o outro tem de querer ouvi-la e estar preparado para entendê-la. Há um momento adequado para falar de cada coisa a cada um, isto é, é preciso ter senso de oportunidade; e é necessário saber apresentar as idéias de uma maneira que não fira e não choque sem necessidade, usar um tom de voz adequado, que conecte com as preocupações e interesses do interlocutor, usar as palavras certas, atrair a atenção, etc.; em resumo, ter o senso das conveniências.

Tenho a impressão de que nestes dois sensos está aquilo que distingue uma pessoa com jeito para convencer, “diplomática” ou “política” no bom sentido destas palavras, daquelas outras, talvez inteligentíssimas e cobertas de razão da cabeça aos pés naquilo que defendem, mas que nunca terminam de realizar nada porque não sabem angariar as vontades alheias para as suas causas.

E penso também que aqui está o clássico “jeitinho feminino”, aquele das mães, eternas mediadoras entre maridos cabeçudos e filhos teimosos. Tem-se dito e escrito muito que nós, os homens, tendemos para a abstração e a generalidade racionalistas, e tentamos impor-nos pelas ordens e pela birra; já as mulheres, mais voltadas para o concreto, para as necessidades de cada pessoa, tendem a conseguir muito mais. Penso que há muita razão nisto. Talvez seja por isso que às vezes se define a família bem constituída como “aquela em que o homem manda… tudo aquilo que a mulher sugere”…

Bem, espero que as mulheres tenham reparado que, pouco mais ou pouco menos, eu as entronizei mais de uma vez nada menos que nos próprios cumes do jeitinho virtuoso, como paradigmas e modelos. Espero que se sintam devidamente elogiadas e envaidecidas por esse fato, por mais que tenha sido feito com aquela completa falta de jeito típica dos racionalistas e dos homens. Mas espero sobretudo que não percam o seu maravilhoso jeitinho por causa de algumas manias feministas, que parecem não exigir delas senão uma imitação servil dos homens.

*

Muito bem, encerremos este panegírico (sei que passei longe do número de páginas permitido, mas confio que o editor… dará um jeitinho). Espero ter conseguido mostrar quanto há de realismo, sabedoria e virtude nessa característica tão popular e despretensiosa da brasilidade. Defendamo-la com unhas e dentes – na sua parte virtuosa -, porque é vital. Numa sociedade que, como todos podemos experimentar com certa facilidade, mergulha pouco a pouco numa complexidade burocrática e numa rigidez impessoal e mecânica infernalmente fria, o bom e velho jeitinho suaviza e mantém humana a convivência, porque nos reduz – e reduz tudo o que nos cerca – à nossa verdadeira e precária e… confortável estatura.

Já que começamos com aviões, terminemos com aviões. Um amigo meu, comissário da Swissair, mudou-se certa vez para a Suíça (sei que a Suíça já compareceu antes aqui, mas não é birra, é pura coincidência mesmo), dizendo que “lá é muito melhor, tudo funciona”. Menos de um ano depois já estava de volta, morando aqui; quando lhe perguntei por que, confessou: “Não agüentei. Lá é horrível: tudo sempre funciona”…

Henrique Elfes é tradutor e editor de Dicta&Contradicta.

Texto originalmente publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, nº 3, Jul/2009.