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Bienal 2014 – Uma Prova; Uma Provocação (por Iura Breyner Botelho)

Artes | 16/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Bienal - 2Dia 06 de setembro do mês passado deu-se a abertura da 31ª BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera, evento que perdura até o dia 07 de dezembro deste ano.

Segundo consta no site da Wikipédia, “a Bienal de São Paulo (ou ainda Bienal Internacional de Arte de São Paulo) é uma exposição de artes (em geral de grandes proporções) que, como o nome indica, ocorre a cada dois anos na cidade de São Paulo, mais propriamente no chamado Pavilhão da Bienal, do Parque Ibirapuera. (Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo – acesso em 06/10/2014)”.

Marca registrada deste evento, como na maior parte dos que o antecederam, é a polêmica de cunho religioso e/ou moral, gerada pela presença de trabalhos abertamente acintosos para a religião e a moral cristã,  mais especificamente católicas. Constam entre elas:

– Estruturas de armação, tulhe vermelho e fita cinza com os dizeres: “útero: mi boca cerrada y mi útero abierto” sob o título de “Espaço para abortar” evocando o tema sobre a liberação total do aborto;

– Uma imagem barroca da Virgem da Conceição e o Menino Jesus em uma redoma de vidro com baratas e escorpiões;

– Um Cristo crucificado, sendo devorado por corvos;

– A Santa Ceia dentro de uma frigideira, para ser fritada, e uma imagem de Nossa Senhora, prestes a ser triturada por um ralador de cozinha;

– Outra imagem da Virgem com uma serpente totalmente enrolada em seu corpo, esmagando-a;

– Duas figuras transexuais de mãos dadas, numa foto, unidas por uma espécie de “veia comum”, ligando o coração de um ao de outro sob o titulo “Deus é maricas”;

– Corpos andrógenos e relações homoeróticas em frente a imagens religiosas, como a da Virgem de Guadalupe”;

– Uma Virgem barbada num quadro com moldura dourada”;

– Uma petição a que os grupos são convidados a assinar no final da visita endereçada ao Papa Francisco, para que ele decrete o “fim do conceito de inferno”; entre outras.

Os grupos de militância das causas feministas e homossexuais usualmente tomam posturas radicalmente anti-cristãs/católicas em suas manifestações; isto já é esperado, especialmente quando o assunto é cultura e arte. O discurso comum é que “o Cristianismo e a Igreja Católica inventaram uma crença sobre um Deus Patriarcal e Machista, que só escolhe homens para o seu serviço, que domina as mulheres com a desculpa de que foi Eva ‘quem caiu na tentação e ofereceu o fruto proibido a Adão’ e a imposição do duplo “tabu” sobre a virgindade/maternidade sagradas, únicas opções válidas para a mulher”, etc, etc, etc…

Que sua produção cultural reflita tais idéias e “ideais” é mesmo coisa previsível; o inaceitável numa sociedade chamada pluralista e democrática é a exposição e promoção pública de obras que agridam crenças e valores – quaisquer que sejam – intrínsecas a outros grupos humanos co-habitantes da mesma sociedade. Afinal, se as palavras-chave desta são convivência e respeito mútuo“toda fobia será castigada…” – por que não valeria a regra quando a cultura objeto da fobia é a cristã ou católica?

O título do evento deste ano – “Como (…) coisas que não existem” – é, segundo a explicação do texto do site oficial, “uma invocação poética do potencial da arte e de sua capacidade de agir e intervir em locais e comunidades onde ela se manifesta.”. Neste parêntesis leem-se os seguintes verbos: ouvir, sentir, ler, entender, usar, imaginar, encontrar, lutar com, sonhar com, aprender com, falar sobre, viver com.  Seu logotipo se baseia em um desenho comissionado e uma estrutura tipográfica. O desenho, espécie de carapaça em espiral no formato de uma torre de Babel carregada por um conjunto de pernas e pés humanos, simboliza o esforço conjunto da equipe curatorial unida num caminhar – ainda que incerto (?)* – na mesma direção.

Neste sentido, a equipe caminhou para uma conclusão comum em relação à proposta do trabalho, que é a tangibilidade de tais coisas – que não existem, segundo eles – em ocasiões de confronto entre o que se experimenta como realidade e o que se deseja na vida humana. Tais situações provocam o ser humano no sentido de uma resposta, que pode ser uma fuga ou uma mudança radical – uma “virada” – necessária, urgente, mas nem sempre linear e/ou progressiva.

Para que tal “virada” de fato se dê na mostra como um todo sendo ela mesma uma provocação de “virada” para cada expectador, a equipe curatorial se propõe analisar diversas maneiras de gerar conflito através das obras, já muitas vezes contraditórias em si, bem como através do diálogo e o confronto entre elas. Neste caso a equipe teria alcançado seu intento, antes mesmo de abrir a mostra à visitação pública, na medida em que as temáticas anti-católicas são radicalíssimas e tremendamente agressivas.

Segundo o texto oficial do site “as dinâmicas geradas por esses conflitos apontam para a necessidade de pensar e agir coletivamente, modo mais poderoso e enriquecedor do que a lógica individualista que nos é geralmente imposta (31ª Bienal – Como (…) coisas que não existem. – http://www.31bienal.org.br/pt/information/754; último acesso em 08.10.2014)”. Muito bem, belo intento! Imperou, pois na equipe o respeito mútuo e as opiniões e valores de todos! Pena que tal sentença não foi considerada em relação às comunidades externas ao evento; pelo que esqueceram a regra de ouro: “não fazer para os demais o que não se quereria que se fizesse consigo”.

Em outro desenho, um desdobramento do principal, uma espécie de tronco recortado por linhas espirais multiplica-se em raízes que tocam o “chão” e o “céu” do espaço em pontos diversos. Esta figura, pode talvez representar melhor a proposta deste evento que se funda, segundo o texto explicativo, não em objetos de arte, mas em pessoas que trabalham intrincadamente com projetos colaborativos de grupos, implicando numa espécie de espiral humana aberta que desemboca dinamicamente em diversos setores da sociedade, incluindo os visitantes e seus próprios grupos sociais.

“Essa abertura do processo precisa ser entendida como um meio de aprendizagem: uma troca educacional estabelecida ao longo e em cada um dos níveis e que é, por conseguinte, não resolvida e experimental. (idem; Bienal 2014)” – diz o texto curatorial e nos faz pensar. Diz o refrão que a crítica, para ser válida, tem que ser construtiva e não o oposto. É educativo ridicularizar e menosprezar publicamente crenças e valores morais alheios? A pergunta é lançada à equipe curatorial e ao público leigo, qualquer que seja sua posição em relação ao ponto citado, simultaneamente, através deste artigo, que pretende chegar a uns e a outros.

A expectativa da equipe curatorial é de que todos os que entrem em contato com esta Bienal possam explorar algumas das possibilidades que ela oferece através dos trabalhos, levando consigo algo novo e transformador. Um dado interessante neste sentido é que os trabalhos – instalações, obras e performances – são “itinerantes”, isto é, mudam de lugar constantemente até o fim da exposição. Assim, por meio do que o texto explicativo denomina de “atos artísticos da vontade”, “espera-se desta Bienal que as coisas que não existem possam ser trazidas à existência, contribuindo para uma visão diferente do mundo – potencial provável da arte”.

Neste sentido espera-se que a própria equipe seja provocada, não por uma resposta escandalizada e esparsa à polêmica criada, mas pela pressão da opinião pública em geral que, talvez possa, com ajuda dos profissionais ligados à Arte e à Imprensa abrir-se ao novo e ao inusitado, mas sem gratuitamente engolir fezes humanas a ela lançadas.

Bienal - 1

*A figura em si mesma é dúbia, pois, se por um lado os pés apontam para uma direção que pode mudar em algum momento, por outro, a “cabeça” aponta indubitavelmente para frente e para cima – para o céu e/ou contra ele.

 

por Iura Breyner Botelho, especialista em História da Arte e Crítica de Arte.

31ª Bienal de Artes de São Paulo: a Beleza existe?

Artes | 09/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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De 6 de setembro a 7 de dezembro acontece a 31ª edição da Bienal de Arte de São Paulo, com o sugestivo tema: “Como falar de coisas que não existem”. Caminhar pelos corredores do prédio do Parque do Ibirapuera é se deparar com a típica “arte niilista” do nosso século, repleta de feiura, desalento, desprezo e transgressão. Mais do que mero “mau gosto”, o evento é uma mostra da decadência cultural que nos cerca, com a consequente perda do senso ético e estético.

Para entender melhor esta questão, sugerimos o documentário “Por que a beleza importa?” dirigido pelo filósofo inglês Roger Scruton e veiculado pela BBC em 2009 (e já mencionado aqui no site).  Neste vídeo, Scruton analisa a importância da beleza na existência humana e mostra como esta percepção está sendo perdida em nossos dias:

Em qualquer tempo, entre 1750 e 1930, se se pedisse a qualquer pessoa educada para descrever o objetivo da poesia, da arte e da música, eles teriam respondido: a beleza. E se você perguntasse o motivo disto, aprenderia que a beleza é um valor tão importante quanto a verdade e a bondade. Então, no séc. XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, gradativamente, se focou em perturbar e quebrar tabus morais. Não era beleza, mas originalidade, atingida por quaisquer meios e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios. Não somente a arte fez um culto à feiúra, como a arquitetura se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso entorno físico que se tornou feio: nossa linguagem, música e maneiras, estão cada vez mais rudes, auto centradas e ofensivas, como se a beleza e o bom gosto, não tivessem lugar em nossas vidas. Uma palavra é escrita em letras garrafais em todas estas coisas feias, e a palavra é: EGOISMO. “Meus lucros”, “meus desejos”, “meus prazeres”. E a arte não tem o que dizer em resposta, apenas: “sim, faça isso”! Penso que estamos perdendo a beleza e existe o perigo de que, com isso, percamos o sentido da vida.

Sou Roger Scruton, filósofo e escritor. Meu trabalho é fazer perguntas. e durante os últimos anos, venho fazendo perguntas sobre a beleza. A beleza tem sido essencial para a nossa civilização por mais de 2.000 anos. Em seu inicio, na Grécia antiga, a filosofia refletiu sobre a arte, música, arquitetura, e a vida cotidiana. Filósofos argumentaram que, através da percepção da beleza, moldamos o mundo como um lar. Também passamos a entender sua própria natureza, sua essência espiritual. Mas nosso mundo virou as costas para a beleza. E, por este fato, nos encontramos rodeados de feiúra e alienação. Quero persuadí-lo de que a beleza importa, de que não é somente algo subjetivo, mas uma necessidade universal do ser humano. Se ignoramos esta necessidade, nos encontramos em um deserto espiritual. Quero te mostrar a rota de fuga deste deserto. Este é um caminho que nos leva de volta ao lar”.

Vídeo: Por que a beleza importa? (Roger Scruton)