Debate ou combate? – por Flávio Quintela

Opinião Pública | 21/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Ano eleitoral é ano de campanha política. E não há brasileiro, por mais ingênuo que seja, que acredite piamente nas peças publicitárias dos candidatos. Há um consenso geral na população de que os políticos mentem, e que mentem ainda mais quando estão em campanha. Chavões como “promessa de campanha dura só até a eleição” e “só estão interessados no meu voto” são frequentemente  ouvidos da boca de pessoas dos mais diversos extratos sociais, nas mais diversas situações de convívio social.

Mas tem um momento que todo mundo aguarda ansioso: o debate entre os presidenciáveis. Ah, o debate é quando os candidatos falam abertamente, um com o outro, sem marqueteiros, sem produções cinematográficas, uma oportunidade única de se avaliar as propostas e a preparação de cada um deles para ocupar o cargo político mais importante do país. Pelo menos é assim que deveria acontecer. No entanto, não é o que temos visto em todo o período de campanha presidencial, especialmente nos debates de segundo turno, entre Dilma e Aécio.

Eu acompanhei todos os debates entre os presidenciáveis, desde os de primeiro turno, e também a cobertura da mídia sobre cada um deles. Como a lei eleitoral brasileira impede que sejam feitos debates apenas com os candidatos mais bem colocados nas pesquisas, os de primeiro turno se tornaram, muitas vezes, plataformas de autopromoção para candidatos “nanicos”, e verdadeiras peças de comédia em alguns momentos. Diante dos diversos eventos desse tipo que foram televisionados, muitos analistas políticos e jornalistas disseram que se tivéssemos apenas os três candidatos com chances de chegada ao segundo turno, teríamos outro nível de discussão. A história os provou errados rapidamente.

Com a chegada dos debates de segundo turno pudemos ver que não há o menor interesse de se discutir as propostas de cada candidato, principalmente do lado da candidata governista. Está muito clara a intenção e estratégia da campanha petista, de usar os debates como plataforma para desconstrução da candidatura e pessoa de Aécio. Durante suas falas, entrecortadas por pausas estranhas e falhas de raciocínio, Dilma Rousseff utiliza-se de dados falsos a todos os momentos, dados que aqueles que assistem ao evento munidos de um computador conectado à internet, podem verificar imediatamente que são manipulados ou inventados. Além disso, ela abusa do subjetivismo, com seus chavões “eu acredito que” e “eu tenho certeza”, os quais aplica a assuntos extremamente objetivos como os índices de inflação e de crescimento econômico. Por último, pode-se notar que, durante o andamento de cada evento, Dilma vai tratando Aécio cada vez menos respeitosamente: ela geralmente começa chamando-o de candidato e senhor, para terminar com você, ferindo a etiqueta básica de comportamento num evento desse porte.

As perguntas que vêm à mente são:

  • Qual é o benefício de se debater com alguém que sempre escolhe não responder às perguntas ou respondê-las com mentiras?
  • Como tirar proveito de uma estrutura de debate onde quem tem a tréplica sempre sai na vantagem, já que fica com a última palavra?

Sobre a primeira pergunta, tenho claro comigo que os eleitores que têm o trabalho e o cuidado de verificar o que é dito pelos candidatos, e que além disso conseguem fazê-lo sem a paixão irracional por um dos lados, podem sim tirar proveito das duas horas que gastam ao assistir a esses eventos. Ou seja, para esses eleitores, a performance de cada candidato faz diferença, e há a possibilidade de se ganhar um voto que até então estava perdido. O problema é que esse tipo de eleitor é a minoria de uma minoria, ainda que seja uma minoria geralmente formadora de opinião.

Sobre a segunda pergunta, eu realmente creio que um novo modelo de debate deva ser proposto, um que suplante os defeitos do atual, e que permita ao eleitor receber um conteúdo mais factual e mais próximo à realidade. Não sei se isso passa por um uso maior de tecnologia de informação durante o evento, se passa por regras mais rígidas quanto ao conteúdo das respostas dos candidatos, mas entendo que a mudança do modelo seja necessária.

A continuar assim, estaremos mais bem servidos se gastarmos nossas noites assistindo a uma luta de boxe ou de vale-tudo. Nesses, pelo menos, os golpes baixos são punidos.

Flavio Quintela é escritor, tradutor de obras sobre política, filosofia e história, e membro do IFE Campinas. É o autor do livro “Mentiram (e muito) para mim”. (flavio@quintelatranslations.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, em 21 de Outubro de 2014, Página A2 – Opinião.