Arquivo da tag: Teologia

image_pdfimage_print

The end of the modern world (resenha)

Sem Categoria | 03/12/2014 | |

image_pdfimage_print

 

Sem título

 

 

The End of The Modern World

Intercollegiate Studies Institute (ISI Books), New York, 2008, 220 págs., US$ 13,62

Translated from the original “Das Ende der Neuzeit. Ein Versuch zur Orientierung” by Joseph Theman and Herbert Burke

 

 

 

Esta nova edição da famosa obra de Guardini, datada de 1956, O fim do mundo moderno (1956), é, na verdade, a soma de dois livros em um. A primeira parte, intitulada A procura por orientação, é uma vasta apreciação da história da cultura, concretamente, do Cristianismo, trazida para a realidade de nossos dias, terminando com uma densa questão sobre nosso futuro. A segunda parte, subintitulada Poder e Responsabilidade, começa por sugerir uma resposta a esta questão, delineando um esboço rudimentar do que “o novo arquiteto humano” do (nosso) novo mundo deve parecer.

Muito da análise de Guardini, agora com quase sessenta anos de idade, é profética. Nós agora estamos numa posição histórica de decidir se as esperanças por ele expressadas têm algum potencial para serem realizadas em nossos dias e se o seu novo homem pode ser encontrado em algum lugar.

Na primeira parte, Guardini dá uma análise teológica do suceder das culturas desde a Idade Média até os Tempos Modernos, tendo a Idade Média como um cume.  A questão central de cada época é a questão central frente ao indivíduo: é aquela de proferida por Cristo, “Quem vós dizeis que eu sou?”. A questão é tão antiga quanto o próprio homem ou quanto a escolha catastrófica de Adão e Eva, os quais, movendo seus olhos para longe de Deus e para dentro deles mesmos, procuraram ser iguais a Ele.

A Idade Média foi caracterizada por um movimento cultural próprio, longe da visão de mundo clássica (inerente aos gregos) e radicalmente voltada para uma visão centrada na fé: “Nesta fé, o mundo nasceu de novo, mas não nasceu da mitologia nem da filosofia. Os vínculos míticos que ligavam o homem ao universo foram destruídos. Na história, raiou uma nova liberdade para o espírito humano.

Desvinculado agora do mundo, o homem estaria apto, pela primeira vez, a encarar todas as coisas a partir de uma nova perspectiva, de um ponto privilegiado que não dependia nem da superioridade intelectual nem da cultura. Assim, estava forjada uma transfiguração do ser totalmente impossível para o velho mundo pagão.”.

Assim, a Idade Média, diferenciada de uma cultura clássica que era definitivamente incapaz de transcendência (no sentido cristão da palavra), foi um ponto alto da história. Guardini discute este ápice do Cristianismo em termos de várias sínteses que compilam este tempo irrepetível. A Suma de Teologia, de São Tomás de Aquino, foi um exemplo notável entre aquelas várias sínteses, mas não foi a única.

O período posterior que Guardini delineia é separado da cultura medieval por uma extensa fissura. Com o século XIV, uma perceptível Sturm und Drang (do alemão, chuvas e trovões, uma forte turbulência existencial, no sentido proposto pelo autor) entra em cena. Guardini assinala um certo “anseio germânico em abarcar a totalidade do ser”, o qual ele então identifica com o “dirigir-se para a transcendência” que veio a ser historicamente associado a Göethe.

Segundo a visão de Guardini, Göethe personifica o movimento do Romantismo, cuja primeira característica é uma mudança de foco: o homem, não Deus, é agora o centro da cultura. O Zeitgeist – ou espírito do tempo – do Romantismo equivale a nada mais do que o desejo humano primordial de onipotência divina: é um prelúdio para um Götterdämmerung ou crepúsculo.

“Para o novo homem da Idade Moderna, as insuspeitadas regiões deste mundo seriam um desafio a ser encontrado e conquistado. Dentro de si, ele ouvia o chamado à aventura sobre o que parecia uma terra sem fim, para tornar-se o seu dono. Mas o diabo tem suas regras e, como um Prometeu, faz o homem perder seu lugar na ordem criacional: “Angústia, violência, ganância, rebelião contra a ordem – mais imperiosos do que nunca – estes primitivos impulsos incitaram a alma humana…”.

Começamos a encontrar de frente todas estas familiaríssimas feições do nosso próprio tempo e suas raízes se inserem na história (de certa forma) recente: a era moderna (com nossa era pós-moderna) não foi nem a era de Deus nem a do homem, mas da máquina. Guardini nota que o referente à pessoa é um dom que o homem descobre quando ele se antepõe a Deus; nosso desenvolvimento longe de Deus tem dado lugar ao homem moderno, que não é humano, e à uma natureza moderna, que não é natural.

Alienação e ansiedade existencial (angústia niilista) marcaram a visão de mundo da primeira metade do Século XX, ao menos tão longe quanto a inteligência podia conceber. E, na análise de Guardini, o mais horrendo cume destas forças culturais (e psicológicas) foi a Segunda Grande Guerra Mundial. A história tem mostrado que o profundo sentido do homem (e de sua própria humanidade) deteriorou-se e o homem moderno está suscetível à escravização do poder bem mais do que os seus ancestrais. O homem está incapaz de dar conta de seu próprio progresso e ele é agora estranho a si mesmo, exatamente como a criação que ele habita não mais harmoniza com ele. O que – se algo – podemos fazer?

A resposta a esta questão, ou melhor, abordagem de Guardini para uma resposta preliminar, vem na segunda metade do trabalho aqui resenhado. Ele observa que nossos espíritos estão doentes e que nosso mal é um mal religioso. Mas ele diz: “Exatamente neste ponto, a esperança emerge, a qual não pode ser facilmente definida. Pois, numa coisa sua forma é puramente religiosa: ela expressa que Deus é maior do que todos os processos históricos; que estão em Suas Mãos, portanto em Sua Graça…”.

Guardini então postula que uma verdadeira metanóia (conversão) é obrigatória. Mas deve ser uma conversão apropriada à situação na qual nos encontramos. “O que, então, deve parecer, o novo arquiteto humano deste mundo emergente?”. “(Ele) terá que redescobrir que o poder está no autocontrole; que o sofrimento aceito interiormente transforma o sofrimento; e todo aquele crescimento existencial depende do sacrifício livremente oferecido.”.

A mais descritiva é, talvez, a seguinte passagem: “O novo homem estaria apto para ver através das ilusões que imperam no meio científico e no desenvolvimento tecnológico: a decepção por trás da idolatria da cultura “liberal”, por trás das utopias totalitárias, do pessimismo tragicista; por trás do misticismo moderno e do mundo hermafrodita da psicanálise. Ele verá e saberá por si mesmo (que) a realidade não é tão simples assim!”.

Guardini prescreve para o nosso mal (pós) moderno a única verdade e a derradeira cura que o espírito pode experimentar, seja ele o espírito do homem ou o espírito da era. Ele chama por um retorno a Cristo em profunda humildade e fé, ainda que nós carreguemos conosco a pesada bagagem de nosso passado cultural. Guardini finalmente nos implora a responder à questão de Nosso Senhor (“Quem vós dizeis que eu sou?”) com a réplica de São Pedro: “Tu és O Cristo, O Filho do Deus Vivo.”.

Escrito há tempos, Guardini sugere como devemos nos conduzir nesta importante tarefa de redescobrir nosso destino religioso e que carismas serão exigidos de nossa liderança. Hoje, podemos ler a análise de Guardini à luz da liderança oferecida por alguém que nunca cessou de nos implorar a sermos sinais de contradição em meio à loucura do nosso tempo: João Paulo II.

O papa polonês certamente encontrou os requisitos esboçados acima, porque ele, em vida, soube, como poucos, personificar a condição de que “o sofrimento interiormente aceito transforma o sofrimento”. E, na encíclica Veritatis Splendor, por exemplo, ele propõe uma correta relação para a verdade das coisas. Mas, já passados alguns anos, estaríamos ainda abertos à oitiva dos ecos daquele documento pastoral?

Damos a vida, mas não a honra!

Teologia | 13/10/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Hamilton-burr-duel

Em época de eleições os discursos prontos e as opiniões politicamente corretas reinam absolutas e não admitem qualquer interferência democrática de pensamento que ouse elaborar teses de forma diversa da sua.

Falas bem treinadas, argumentos de impacto, discursos que trazem em seu bojo conceitos pseudo ético-morais e toda a parafernália própria desta época em que vivemos a cada quatro anos nos cercam diariamente. E depois disso, o que resta? Pouquíssimos cidadãos monitoram seus candidatos e observam se seus interesses estão ou não sendo atendidos pelas propostas dos candidatos a cargos públicos. Fala-se muito de política, mas pouca gente se interessa de fato em conhecer o que fazem seus candidatos nos quatro anos em que não aparecerão tanto assim. Esse quadro todos conhecemos porque sempre se repete, mas há algo de interessante nisso. Cada candidato busca um nicho eleitoral e para conquistá-lo, não é raro que abrace causas politicamente corretas (mas que não necessariamente correspondem ao que de fato pensam), transitando entre a defesa dos animais, a “causa gay”, discursos religiosos, causa operária, direitos da mulher… Há uma infinidade de opções que visam obter ou quase negociar um voto que garantirá o emprego do candidato em questão pelos próximos quatro anos, período em que as coisas podem mudar muito e não raro, os que faziam campanha ontem defendendo a vida humana, poderão amanhã votar a favor de uma nova legislação sobre o aborto e mesmo que lhe cobrem a postura anterior e exibam provas materiais de que ele votou contra aquilo para que foi eleito, ainda assim não será estranho vê-lo negando solenemente que jamais fizeram isso, mesmo diante de provas categóricas.

Mas este não é um problema ético exclusivo da política, mas sim algo latente na própria sociedade brasileira de um modo muito mais abrangente e entranhado. Trata-se de uma dificuldade em firmar-se em opiniões claras e objetivas e lutar por elas.

Heródoto, conhecido sábio grego, escreveu em sua obra História uma passagem singular que tratava das relações entre persas e espartanos. Num dado momento dos vários conflitos entre espartanos e persas, os soldados de Esparta acabaram matando um arauto persa e rompendo uma regra elementar em tempos de guerra: jamais ferir ou matar os mensageiros inimigos, pois eles é que poderiam portar notícias capitais para o fim ou desenvolvimento da guerra. Por conta desse incidente, os persas exigiram uma reparação à altura do dano causado. Compadecidos pela situação embaraçosa em que sua pátria se encontrava, dois nobres espartanos se apresentaram e se ofereceram para resgatar o crime dando suas vidas. Chamavam-se Espértias e Bulis. A oferta foi aceita pelo governo espartano e os valentes cidadãos se dirigiram à costa da Ásia e se apresentaram a Hidarnes, governador persa. Frente tamanha coragem e valor, o governador admirou-se por encontrar homens tão valorosos e lhes propôs um “jeitinho” de não morrerem, ficarem amigos do soberano e ainda serem premiados na corte com o governo de uma província, sendo incorporados à própria cultura persa. De início, o “jeitinho” não parecia ser uma má saída a nossos corajosos espartanos, porém, durante as negociações os dois espartanos deveriam praticar um ritual de prostração diante do soberano persa e julgaram isso extremamente humilhante e terminantemente decidiram não cumpri-lo respondendo: “Viemos aqui, para dar a nossa vida; não a nossa honra! Temos um costume, uma lei, e esta nos impede de adorar um homem”. E ainda prosseguiram justificando aos persas: “Sugeris que assim procedamos… Porque sabeis ser escravos, mas nunca experimentastes a liberdade, ignorais, assim, se ela é doce ou não. Se já a tivésseis conhecido, estimular-nos-íeis a lutar por ela, não somente com lanças, mas até com machados” (Cf. História. L.VII-135,36).

O emblemático encontro entre o líder persa e os valorosos gregos tem muito a nos dizer ainda hoje, pois nos revela a grandeza de uma sociedade em que os cidadãos invocam sua dignidade de homens que vivem sob a égide da lei e que pautam suas relações por esta mesma lei, diferindo-se fundamentalmente de outros povos, como os próprios persas, sujeitos aos sátrapas, servindo-os como escravos e adoradores, abrindo mão da própria liberdade em troca de uma submissão que em nada lhes beneficiava. Os gregos não se submetiam cegamente ou adoravam a um homem, mas relacionavam-se com eles a partir da lei, reconhecendo direitos e deveres inalienáveis. Só se pode afirmar que existe civilização se houver uma consciência da lei expressa racionalmente e traduzida em atos concretos.

No século V o Império Romano ruiu sob pressão das invasões bárbaras e a civilização reformulou-se graças à ação profícua da Igreja. Essa ação da Igreja teve nos mosteiros, em especial os beneditinos, lugares privilegiados de reconstrução social e não seria absurdo dizer que essas mosteiros gestaram a nova civilização ocidental.

Com a avassaladora invasão bárbara muitos vestígios da decadente civilização romana foram redimidos pela sábia ação dos discípulos de São Bento que mesclaram o que havia de bom na civilização romana, com o que havia de bom no modo de vida bárbaro, plasmando uma nova civilização revitalizada pelos valores do Evangelho. Na Alta Idade Média nem tudo eram flores, mas a consciência de se viver de acordo com a lei que está dentro de cada homem (lei natural) e a lei que é elaborada visando o bem comum fora de nós, fez com que a luz da civilização voltasse a brilhar.

Em nossa realidade atual somos confrontados a todo tempo com o relativismo, a falta de clareza intelectual, a desonestidade dos manipuladores, a inocência dos idiotas úteis, a covardia dos bons, a audácia dos maus, o relativismo moral e tantos outros males que de forma inequívoca comprovam que a noção verdadeira de “lei” vai se apagando. Não obstante, isso não se constitui num motivo para desânimo ou desespero, mas para uma santa ousadia, como a dos beneditinos da Alta Idade Média que não consideravam os bárbaros como “incivilizados”, mas apenas como “ainda não civilizados”, tanto que apostaram naqueles que os romanos desprezavam e o fruto foi a organização de uma sociedade imperfeita, sim, mas coesa em sua fé, valores e ações. Como tudo, essa sociedade teve seu desenvolvimento, ápice e declínio, e hoje nos serve como exemplo inspirador para cultivar a esperança frente à neo-bárbarie em que vivemos. A História, aliás, serve para isso: olhamos para o passado a fim de compreender o presente e alterar o futuro evitando os mesmos erros. Nem sempre nossa visão é lúcida o suficiente para evitar o mal, porém, vale o princípio de São Bernardo de Claraval: “Esforçar-se para ser perfeito já é um sinal de presença da perfeição em si”. Jamais conseguiremos atingir perfeição social, cultural, espiritual ou de qualquer natureza que seja nesta vida e neste mundo, porém, isso não nos exime de buscá-la incessantemente.

Luiz Raphael Tonon é professor de História e Filosofia e gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas (raphael.tonon@ife.org.br).

Apresentação Núcleo de Teologia

Teologia | 21/04/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Numa sociedade marcada pelo imanentismo, estudar o fenômeno transcendente de Deus parece algo desafiador na medida em que leva o homem contemporâneo a refletir sobre sua própria existência, reconhecendo-se como ser humano integral, ou seja, que compreende e admite o eixo corpo-espírito como base para suas reflexões.

Partindo da dialética entre o imanente e o transcendente, o Núcleo de Teologia do IFE-Campinas tem como propósito desenvolver uma ampla reflexão ético-antropológica que possibilite o estudo histórico da fé cristã em diálogo com as demais expressões religiosas e com a cultura humana como um todo, buscando reconhecer na sociedade atual as bases lançadas pela tradição judaico-cristã e sua importante herança que marca a edificação da sociedade ocidental.

Para concretizar esse intento, partiremos do estudo da história do Cristianismo e da Igreja, da teologia litúrgica e sua aplicação na celebração da fé; passando pelo estudo da teologia moral e suas conseqüências para uma vivência da fé, seguido pelo estudo dos princípios básicos da teologia espiritual, da teologia pastoral e do Direito Canônico, visando sempre aprofundar a partir da fé o sentido último da existência humana, investigando, postulando e aprofundando de maneira sistemática os dados da fé contidos na Revelação, de acordo com a Tradição e o Magistério. Os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Teologia pretendem fornecer o instrumental teórico necessário para interpretar os dados da sociedade à luz da fé revelada.