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A família na encruzilhada

Opinião Pública | 24/05/2017 | | IFE CAMPINAS

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Todos nascemos do ventre de uma mãe, que foi fecundado por um pai. Pai, mãe e filho formam uma unidade única, que jamais compreenderemos completamente, mesmo com todo o avanço da ciência. É esta unidade misteriosa e fundamental, que não é negada a ninguém, que está no germe do que chamamos família. Não é exagero dizer que a família está inscrita em nosso DNA, e que tendemos a ela como o rio tende ao mar. Todavia, ela não brota por geração espontânea, antes de tudo é uma tarefa dada a nós. Precisa de cultivo e proteção, senão se degenera e não cumpre sua vocação.

Hoje, mais do que nunca, diante do que se chama “crise da família”, conhecemos duramente esta verdade. Não seria exagero dizer que todas as grandes dificuldades que estamos enfrentando em nossa sociedade passam necessariamente por esta questão. É intuitivo perceber que a vitalidade de uma sociedade depende do que se passa com as famílias, porque este é o ambiente em que cada um de nós recebe (ou deveria receber) tudo aquilo que precisa para se tornar um ser humano maduro, preparado para a vida social e os desafios da existência.

Proteger a família não significa sustentar um arranjo qualquer de pessoas que vivem sob o mesmo teto. A família compõe uma unidade orientada a um mesmo fim, unida por uma mesma história e uma identidade que se transmite de geração em geração. É marcada pela intensidade de afetos e, principalmente, pela experiência da gratuidade e do valor da vida cotidiana. O lugar onde se ensina e se vive aqueles rituais diários que nos educam e nos humanizam. Não, por acaso, um dos seus símbolos é a mesa das refeições, tida, em outros tempos, como lugar sagrado dentro da casa.

Esta é a riqueza da vida familiar, que depois se transmite ao restante da sociedade, como que em círculos concêntricos, transformando os bairros, as cidades, os países em verdadeiras comunidades, guiadas por um “espírito familiar” que as anima e vivifica. Uma comunidade também não é um mero agrupamento de pessoas, mas uma unidade que, por si mesma, transcende as partes que a compõe. Possui uma história própria, valores e referenciais comuns que a guia e formam o que podemos chamar de cultura. Por isso, é possível dizer que o homem é, por natureza, familiar e, portanto, comunitário.

É claro que, no exercício de nossa liberdade, podemos nos afastar deste modelo essencial, razão pela qual as sociedades sempre procuraram proteger e valorizar a organização familiar e comunitária. No entanto, a cultura contemporânea assiste, com um misto de assombro e impotência, talvez, a maior crise que já se abateu sobre a instituição da família. Há muitas causas para esta crise, desde o estilo de vida moderno, que não propicia a convivência pessoal e a construção de vínculos fortes, até mudanças provocadas pela engenharia social das ideologias que predominam no mundo ocidental nas últimas décadas.

São mudanças que atingem diretamente o relacionamento entre homem e mulher, a vivência da sexualidade, a formação e manutenção do vínculo matrimonial, o exercício da paternidade e da maternidade, o papel dos pais na educação dos filhos, entre outros aspectos, que tiveram um impacto sem precedentes sobre as famílias, resultando numa fragmentação social jamais vista e que ameaça a própria perpetuação da nossa civilização. Por exemplo, países desenvolvidos enfrentam uma séria crise demográfica, que aos poucos também atingem países como o Brasil, pois as pessoas simplesmente não têm mais filhos.

Nossa sociedade tem diante de si uma encruzilhada que definirá o rumo que tomaremos nos próximos anos. É preciso reconhecer que a “crise da família” não é uma fatalidade dos tempos, mas uma consequência das idéias que orientaram decisões tomadas, com maior ou menor consciência, no passado recente. Ter a coragem de reconhecer nossos erros é o primeiro passo para consertar a rota e dar início a um longo trabalho de regeneração cultural. Precisamos superar os preconceitos ideológicos que se impõem de modo tão agressivo sobre a sociedade e reassumir nossa responsabilidade na proteção deste modelo essencial, sem o qual iremos perecer impotentes diante de uma lenta e atroz barbárie.

João Marcelo Sarkis, analista jurídico, gestor do núcleo de Direito do IFE Campinas. (joaosarkis@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 24/05/2017, Página A-2, Opinião.

Adultos adolescentes, família fragilizada e sociedade esfacelada

Direito | 12/05/2017 | | IFE CAMPINAS

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RESUMO

Assistimos, neste começo de século, à interdição das diferenças: tudo parece organizar-se para que o indivíduo, no afã de buscar a igualdade entre os sexos, acabe por achar que somos todos parecidos. A sociedade, fascinada por si mesma, olha-se num espelho quebrado pela ausência de alteridade. Nessa realidade despedaçada, reconhecer a diferença torna-se inaceitável, porque se induz a encerrar o outro na representação de si para fazê-lo existir socialmente no prolongamento da própria imagem.

No seio familiar, esse fenômeno provoca o enfraquecimento ou a negação de uma série de funções simbólicas que permitem ao indivíduo vincular-se socialmente com os outros e, como efeito, o indivíduo dessocializa-se até tornar-se desinstitucionalizado. Uma vez fragilizada, a família perde sua insubstituível aptidão de formar indivíduos socializados, criando as bases para uma sociedade esfacelada.

Palavras-Chave: Família, Sociedade, Diferença, Ruptura, Crise.

ABSTRACT

TEENAGERS ADULTS, WEAKENED FAMILY AND SHATTERED SOCIETY

In the beginning of this century, we have witnessed an interdiction of differences: everything seems to be disposed in order to lead the individual, in his eagerness to seek gender equality, to believe that we are all alike. Fascinated by itself, society looks into a mirror broken by the lack of otherness. In this scattered reality, the acknowledgement of differences becomes unacceptable, because the individual is lead to believe that the recognition of others is limited to its own reflection, in order for them to socially exist only as an extended image of one’s self.

Within the family, these events cause the weakening or denial of numerous symbolic functions that allow an individual to socially relate with others and as a result the individual dissocializes until he becomes noninstitutionalized. Once it’s weakened, the family loses its irreplaceable faculty to form socialized individuals, creating the foundation of a scattered society.

Keywords: Family, Society, Difference, Break, Crisis.

INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, a palavra-chave nas relações sociais é a diversidade. A reivindicação das identidades próprias que, no fundo, definem as diferenças, nunca foi tão significativa: desde as relações entre nações e a autodeterminação dos povos até a adoção de novos papéis sexuais tomados a partir de novas visões da sexualidade.

Embora a reivindicação das diferenças não seja um fenômeno estritamente novo, é inquietante observar que, paralelamente a partir dos anos sessenta, mas, sobretudo, depois de Maio de 1968, fala-se, cada vez mais, de “comunidades”, sejam elas locais, periféricas, sexuais, etnográficas, de estilos de vida, tanto mais quanto se enfatiza o rompimento com o vínculo social.

Ao se multiplicarem os grupos minoritários, muitos por intermédio de ficções identitárias, nossa sociedade dá a ilusão de tolerar a diferença, quando, na verdade, acaba por anulá-la: ser idêntico na tribo social e não se sentir ligado socialmente ao conjunto da sociedade. A diferença exaltada no parágrafo anterior resta aqui ofuscada justamente por sua negação.

Nesse amálgama estandartizante proporcionado pela interdição da diferença, o indivíduo tem dificuldade em se socializar e, em muitos casos, recorre à solidariedade ou prefere ser assistido e, se puder, até ser desresponsabilizado socialmente.

O indivíduo só é capaz de apreender, de forma narcisista, aquilo que se assemelha a ele e, sem possibilidade de inscrever-se numa história de vida, prefere viver o aqui e o agora, o imediato, sem se preocupar com as consequências, em relação aos outros e à sociedade, de suas ações e omissões.

Os efeitos dessa onda desinstitucionalizante estão em oferecer para a sociedade modelos incompletos nas dimensões socializantes da família. O casal, a sexualidade, a família propriamente dita, a educação familiar e os quadros simbólicos que acompanham tais dimensões são particularmente atingidos pelos influxos desse mundo indiferenciado.

Como se dão os efeitos da interdição da diferença na órbita familiar? Essa indiferenciação porta nuances negativas para o ente familiar? Caso afirmativo, como superar esse quadro fático, a fim de que não criemos as condições para o advento de um sociedade esfacelada?

A partir dos detalhes do cotidiano familiar, veremos que brota o implícito que estrutura o comportamento familiar, onde são vincadas muitas das representações sociais e das linguagens discursivas que circulam atualmente. Nosso caminho desenvolve-se desde este ponto de partida empírico.

DESENVOLVIMENTO

Historicamente, os anos sessenta foram tempos de questionamento social, cujo ápice deu-se em Maio de 1968. Nesta data, aquilo que começou com uma greve geral de trabalhadores acabou por se transformar numa revolta popular, liderada por estudantes universitários, ocasião em que, nesse barril de pólvora político, novas barreiras étnicas, culturais, etárias e classistas procuraram-se impor, como efeito de ideias inspiradas por postulados marxistas e anarquistas.

Muitos estudantes viram o evento como uma oportunidade para sacudir os valores da “velha sociedade”, contrapondo ideias progressistas sobre a educação, a sexualidade e o prazer. No campo pedagógico, Maio de 1968 pretendeu emancipar-se do sistema educativo instaurado no século anterior que, de fato, já havia se esgotado em muitos de seus postulados epistemológicos. Contudo, Maio de 1968 foi além: era preciso destruir e negar o passado, a fim de surgir um admirável mundo novo. Aliás, como tudo na retórica progressista, cuja beleza consiste em sabermos como começa e ignorarmos como termina.

Nesse caso, já não mais: um movimento formado por adolescentes significou a expressão da recusa da entrada na sociedade dos adultos. De lá para cá, as ditas ideias progressistas permaneceram no mundo juvenil e, indiretamente, influenciaram outras dimensões da realidade, mormente a familiar. Sem que seus defensores sequer desconfiassem disso.

Maio de 1968 consagrou, sob o manto do posteriormente denominado pós-modernismo, o indivíduo-rei em prejuízo do senso social, a sexualidade divorciada da afetividade, a confusão entre sexo e gênero, a recusa do dado parental, o império da subjetividade, a abolição do sentido da lei de Édipo, o eclipse ou a indiferença da função paterna no seio familiar e o declínio da racionalidade em prol da irracionalidade no pensamento.

Jean-François Lyotard destacou, no âmago dessa visão de mundo pós-modernista, o abandono das precedentes metanarrativas fundacionais e a deserção de concepções genéricas, no dizer de Giddens (2005:536), idôneas a dar uma vazão de sentido universal ao homem, à história e à sociedade. “Numa excessiva simplificação, tem-se por ‘pós-moderno’, a incredulidade quanto às metanarrativas”1 (LYOTARD, 1994:7).

Em outras palavras, equivale dizer que a pós-modernidade consiste na falta de crença em fundamentos reais para o mundo e para os discursos humanos. É uma espécie de contrafundacionismo ou antiessencialismo e nisso repousa seu traço distintivo em relação às visões de mundo que a antecederam.

Poderia ser dito que, se para o modernismo, a verdade é relativa, para o pós-modernismo, a verdade é irrelevante. O abandono das metanarrativas propiciou a avulsão de uma série de grandes teorias (pós-estruturalismo, teoria crítica, teoria do discurso, holística), com a diferença de que estas, em relação às metanarrativas pretéritas, buscam uma autoafirmação resignada à autorreferencialidade: a regressão infinita de enunciados nada mais é o tributo que se presta à abdicação do amparo numa verdade ou bem fundacionais.

A circularidade interna de tais teorias é, ao cabo, sua fonte de “legitimação epistemológica”. Seus defensores são presas de sua própria armadilha intelectual. Na carona de tais teorias, assistimos, quarenta anos depois de Maio de 1968, ao crescente império do “cada qual faça o que quiser”, perfeitamente legítimo, porém, no mais das vezes, sem qualquer interesse pelas consequências desse postulado sobre o tecido social, como se fosse possível atacar a estrutura do quadro simbólico questionado pelo movimento em foco dessa maneira. Salvo se, conforme já dissemos, suas ideias tiverem permanecido aprisionadas na primavera da vida. Então, a ingenuidade dessa postura explica-se por completo.

A atual atomização social já esgarça os poucos vínculos sociais ainda resistentes. O pensamento débil dá livre curso às mais arcaicas representações do ente familiar, tratando seus principais protagonistas – sobretudo a figura paterna – como se fossem crianças adultas: indivíduos que recusam viver a realidade, em nome de um imaginário social, preferencialmente desligado das correlatas responsabilidades que as tarefas familiares sempre demandaram em qualquer época histórica.

Cada um faça o que quiser!” é um lema que solapa as bases de qualquer tentativa de uma sólida constituição do ente familiar, cujos reflexos são sentidos na órbita comunitária em termos de sociabilidade. Ou melhor, da falta desta. Como efeito prático desse lema, as questões familiares vêm cada vez mais solicitar a proteção do juiz ou mesmo do médico. O lema de Maio de 1968 pretendeu ignorar, a partir de suas próprias visões sobre educação, sexualidade e prazer, uma certa estrutura antropológica objetiva do ente familiar.

A operação teve sucesso, mas sobre as ruínas que restaram constrói-se muito pouco ou mesmo nada, porque muitas das propostas do movimento de Maio de 1968 representam o testemunho de carências de uma sociedade esfacelada por não saber articular a dimensão conjugal com a pessoal e mesmo demonstrar algum apreço pelo sentido de sociabilidade do ente familiar.

Essa dissonância é uma das razões que explicam muitas das dificuldades com as quais se confronta a família contemporânea. Com efeito, a família, na imensa maioria das pesquisas de opinião, ainda representa um valor muito caro para os indivíduos, prova das várias expectativas que o ente familiar suscita entre nós.

Entretanto, a família parece trilhar por sendas experimentais que podem levar a precipícios existenciais e vivencia fortes tensões que, longe de serem sequer abordadas, são reiteradamente negadas, em prejuízo da solidez estrutural desta instituição natural, anterior mesmo à qualquer religião monoteísta: correspondem, a partir de nossa experiência forense no direito de família, à banalização das rupturas conjugais pela mentalidade divorcista, à desvalorização do matrimônio em prol de outras conformações conjugais , à estandardização dos novos arranjos familiares e à aversão ao recâmbio geracional. Trataremos de cada uma dessas sendas e tensões daqui por diante.

Banalização das rupturas conjugais

Desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66/10, que possibilitou o divórcio direto, sem necessidade de separação judicial prévia, o número de divórcios nos tribunais tem aumentado vertiginosamente2. Desnecessário concluir que, a longo prazo, os divórcios, que têm um enorme peso sobre uma sociedade, podem alimentar um sentimento de insegurança, a ponto de o indivíduo duvidar não apenas do empreendimento familiar, mas também do êxito de qualquer projeto pessoal num seio conjugal. Por que a tônica das rupturas?

A crescente instabilidade dos vínculos familiares testemunha antes de mais nada as dificuldades de inserção do indivíduo na existência social. Já não se consegue tratar mais das crises, salvo se pelo caminho espinhoso da ruptura. Em muitas audiências conciliatórias em processos de família, parece que o mínimo problema ou acúmulo de ressentimentos ou de questões mal resolvidas ao longo da relação conjugal só pode ser resolvido pela petição de divórcio, potencializada pela norma contida na Emenda Constitucional 66/10.

Essa válvula de escape divorcista influencia os comportamentos sociais na medida em que, agora, basta solicitar junto a um cartório extrajudicial a petição de divórcio, sem que os envolvidos tenham a possibilidade ou os meios de compreender o que se passa em suas vidas.

Um problema que poderia ser restrito à uma escolha equivocada de parceiro ou à evolução divergente de personalidades transforma-se, com o tempo, num problema social, inclusive econômico, a julgar pelos altos custos financeiros do divórcio, assunto que tem sido objeto de estudo por muitos institutos de economia americanos, dado o elevadíssimo número de divorciados naquela nação: para cada americano casado, existe um divorciado.

A facilitação do divórcio só se presta ao fim utilitarista de alívio dos tribunais da pletora de processos: uma série de problemas não percebidos por ocasião do divórcio somente aparecerão mais tarde. Então, esses novos problemas serão transformados, muito provavelmente, em outros processos. Essa pulsão desagregadora – diante de um conflito conjugal, o indivíduo sequer cogita a chance de tratamento – foi alçada à condição de dominante psicótica no direito de família.

Aceitar essa morbidez existencial equivale a se fechar na própria impotência de agir diante dos contratempos e a fazer vista cega para os problemas que irão aflorar mais cedo ou mais tarde. O indivíduo realista é aquele que aceita enfrentar as interrogações da vida para dar-lhes respostas e, como efeito, viver melhor.

Também contribui para essa pulsão desagregadora a ideia de que a afetividade entre o casal terá as respostas para os problemas e as crises da vida conjugal. “Basta que se gostem muito e tudo se resolverá!”, costumava ouvir de uma psicóloga judicial que me auxiliou por muito tempo nas audiências de conciliação. Respondia para ela, em tom jocoso, que, se fosse muito ingênuo, acreditaria nisso.

O amor, no sentido objetal do termo, não é, de início, um sentimento, mas, sobretudo, o desejo de se construir uma relação comum que se inscreve na duração temporal. Os sentimentos, por mais nobres que sejam, constituem um dos elementos da relação de amor, mas não a definem por si só. Dessa maneira, confundem os afetos com a relação amorosa, que lhe serve de base. Os afetos não gozam de sentido em si mesmos. São relativos à natureza da relação e dependem, em muito, de um projeto de vida no âmago do qual adquirem sentido e alcance.

Mas os sentimentos não influenciam apenas os mecanismos de resolução dos conflitos conjugais. Alimentam a imaturidade que se vê na maioria das audiências de instrução em matéria de família e enfraquecem o vínculo conjugal, predispondo-o, com maior envergadura, à ruptura. Em relacionamentos cujos afetos assumem o reinado existencial, as demandas daí decorrentes detêm um tal controle que seria conveniente que seus protagonistas pudessem refletir sobre a própria personalidade e história pessoal, a fim de saber discernir entre sentimentos, desejos e sinais distintivos de uma autêntica relação amorosa.

Contudo, não o fazem, mormente porque, contemporaneamente, os indivíduos não são portadores de uma gama de recursos interiores, cujo efeito reside em deixá-los desprovidos diante das legítimas expectativas que um amor verdadeiro é capaz de produzir nas vontades de indivíduos enamorados. Prova disso é o baixo interesse das pessoas no cultivo da interioridade: preferem, cada vez mais, canalizar um esmerado esforço para cursos de capacitação, especialização e reciclagem profissionais.

Esquecem a máxima aristotélica de que o agir segue o ser. Se o aprimoramento é focado somente no agir (aqui, no sentido de fazer), ele não se solidifica no indivíduo, pois não foi cultivado na dimensão anterior, o ser, a qual dá fundamento, alcance e sentido para o agir, porque lhe é precedente.

Quando os afetos ditam uma realidade tão rica e profunda como o vínculo conjugal, outro inconveniente notado é justamente a perda do gosto por projetos em comum de longo prazo. Então, a primeira vítima desse dado sociológico é a criança. O divórcio é uma constante ameaça a solapar sua personalidade.

Muitos dos problemas de identidade sexual e de socialização têm, como causa direta, conforme pode ser lido nos estudos psicossociais, os problemas de filiação. O menor sofre com a quebra do vínculo conjugal. Defender o contrário é querer jogar o problema que surgirá, anos depois, para debaixo do tapete.

Ouço, com frequência, nas audiências, o advogado proclamar para a criança que “seus pais se divorciam, mas continuam a amá-la”. É um bom exemplo da afirmação feita no parágrafo anterior. Tais palavras ignoram a irracionalidade afetiva do menor, porque, para ele, o amor dos pais passa, essencialmente, pela relação conjugal deles, que significa uma espécie de amor parental: porquanto os pais se amam em sua relação conjugal é que a criança sente-se amada e, a partir dessa relação parental, ela constrói sua identidade. Quando o divórcio surge em seu horizonte, o amor parental dá lugar ao amor de sedução.

A continuidade na multiplicação das rupturas ainda provocará outros problemas sobre o tecido social, o equilíbrio dos indivíduos e a economia nacional: dificuldades escolares, instabilidade juvenil, perda de autoridade dos pais, falta de pontos de referência na existência, empobrecimento decorrente da divisão de renda familiar (o sujeito constitui uma segunda família, mas ainda está amarrado pela pensão alimentícia da família anterior), sem contar o fato de que a lei, ao invés de tutelar a família, resolve inscrever normativamente situações relacionais problemáticas.

A criança, depois de um lapso temporal, torna-se adolescente e, a partir de então, descobre outros modelos afetivos vividos por outros adultos e valorizados nas representações sociais e na mídia, a ponto de experimentar inconscientemente uma incerteza diante da imaturidade do ambiente, preferindo a falsa tranquilidade de uma relação mais sentimental que amorosa. Ao cabo, consegue, no máximo, buscar a si mesmo por meio do outro.

Torna-se um adulto, já entrado em idade, inseguro afetivamente, como efeito perverso da alteração generalizada do vínculo de confiança que tradicionalmente unia os parceiros conjugais entre si, o amor. Hesita em dar sua fidúcia ao outro e, por isso, a fidelidade é, hoje, uma garantia muito comumente exigida do outro como condição de adesão numa vida em comum.

Desvalorização do matrimônio

O aumento de divórcios leva a uma atitude pessimista ou, pelo menos, cética, em relação ao matrimônio. Esse fenômeno não é novo na história da humanidade. Todavia, nos dias em que vivemos, isso é agravado pela tendência legiferante de valorização das práticas minoritárias em todos os domínios da vida social.

Terminamos por modelizar as representações coletivas, muitas delas problemáticas, como uma perspectiva de futuro. Sem prejuízo desse agravamento, de algumas décadas para cá, resolvemos separar o amor do sexo e, depois, o sexo da procriação. Com esse quadro sociológico, repleto de problemas e contradições daí decorrentes, o vínculo entre relação amorosa e matrimônio, como diz o bardo português, tende a padecer de todo fenecer.

A questão do matrimônio surge, segundo nossa experiência forense nas lides alimentares e declaratórias de paternidade, porque elas acabam por obrigar os envolvidos à reflexão sobre o sentido e o alcance da dimensão conjugal que, habitualmente, precede tais demandas. É uma espécie de tributo que o erro presta ao acerto.

Mesmo assim, aquela atitude pessimista leva muitos a se perguntar qual seria o liame entre os afetos e a necessidade de um matrimônio. Creem, honestamente, ser suficiente um forte apego sentimental recíproco, sem qualquer exigência de publicização ou institucionalização social da relação consolidada empiricamente a dois. Eis uma forma muito comum de se confundir amor com afeto até que o casal resolva ter filhos.

Nesse momento, muitos ainda pensam em convolar matrimônio, o que demonstra que os elementos conjugal e parental ainda estão estreitamente associados à órbita social daquele vínculo. Com efeito, enquanto a relação permanece num plano unicamente sentimental, a questão da identidade conjugal não vem à tona.

Os indivíduos sentem-se muito bem juntos e permanecem no âmbito de uma afetividade vivenciada sem muita necessidade de comprometimento recíproco, porque, no máximo, os envolvidos trilham por uma jornada individual de busca das próprias gratificações afetivas.

Em outras palavras, não se cuida primordialmente de construir uma história de vida juntos, mas de experimentar a si mesmo por meio do outro, por intermédio de uma resposta imediata dos sentimentos na interioridade existencial de cada envolvido. Sem essa sensação de completude afetiva, os indivíduos, se meros conviventes, separam-se. Se casados, divorciam-se.

O matrimônio, então, não deixa de adquirir psicologicamente uma certa dimensão psicossomática e mesmo histórica. Uma vez adquirida a maturidade temporal pelo indivíduo enredado nessa situação, a variável temporal deixa de ser reduzida à fugacidade dos afetos: surge o desejo de se construir uma existência comum, uma coexistência, que não seja mais fundada na provisoriedade e na precariedade de uma coabitação.

Alcança-se o sentido conjugal da relação a dois e, como consequência, tenciona-se criar uma comunidade de vida que se inscreve no tempo e passa pelo vínculo geracional: a maternidade e a paternidade. Aqui, inevitavelmente, põe-se o problema do matrimônio.

No entanto, para que se institucionalize a união de fato – a inscrição na existência e a socialização da vida afetiva-sexual – os envolvidos pedem uma espécie de cheque em branco recíproco, com vistas à duração dessa união, fadado a não ser sacado, porque a falta de confiança em si e nos próprios afetos, decorrente de um ceticismo no amor, somado ao recuo da sexualidade para um registro puramente intimista e individualista, impedem a superação dessa etapa de comprometimento.

Ao contrário, caso vencida essa etapa, depois de casados, diante dos primeiros contratempos conjugais, a incerteza toma a cena e já não mais se tem a segurança de si para o prosseguimento da aventura conjugal. O divórcio é cogitado, nessa etapa, como uma solução viável, mas causa medo pelos efeitos publicamente nefastos produzidos, e o legislador, erradamente, valoriza-o ao afrouxar os requisitos para seu reconhecimento legal. De resto, surpreende-nos como, cada vez mais, a lei protege, cada vez menos, a instituição matrimonial.

Esse quadro empírico, aliado à supervalorização epistemológica da afetividade, encarada como a única realidade fundante de uma relação a dois, tende a provocar a rejeição ainda maior dos indivíduos pelo casamento, pelo temor da falta de confiança de si: o sujeito irá se questionar se encontrou o parceiro ideal para a construção de uma vida em comum ou se esse parceiro goza de pontos e referências comuns para que haja um entendimento recíproco.

De fato, são perguntas muito pertinentes e importantes para qualquer indivíduo que se vislumbre na iminência de convolar uma vida em comum. Todavia, a tendência a que assistimos nos processos de divórcio, a partir da leitura dos estudos psicossociais, é a de que tais questões acabam por ser mal respondidas, em regra, em nome de uma tábula rasa que o indivíduo faz de todas suas referências e marcos identitários, causada pelos fortes influxos dos sentimentos.

Mais tarde, paga-se caro por isso, porquanto a renúncia voluntária a uma importante dimensão da existência pessoal, antes do envolvimento afetivo a dois, equivale a um empobrecimento da personalidade. Prova de que a realidade de uma vida em comum não pode repousar exclusivamente nos afetos, como procura fazer crer, equivocadamente, boa parte das obras dos estudiosos do direito de família.

Estandardização dos novos arranjos familiares

A incidência, segundo nossa experiência judicial, de pais de segunda ou terceira união como réus nas ações de fixação de alimentos é crescente e, ordinariamente, vem em prejuízo de um justo balanceamento financeiro na equação necessidade-possibilidade. Muitas vezes, mormente quando o alimentante pertence às classes sociais mais baixas, temos a impressão de estar tirando o pão da boca do filho da primeira união e entregando-o ao irmão, por parte de pai, da terceira união.

Esse problema decorre do fato de ser cada vez maior o número de indivíduos abertos a dissociar a vida parental da vida amorosa. Deixam o pai ou a mãe de seus filhos para se engajar numa outra relação a dois, sem, por isso, desengajar-se da relação parental anterior.

Aos poucos, a sociedade vai se acomodando a essa tendência e o legislador ainda chancela, legalmente, tais práticas sociais, sob o argumento reducionista de que “o direito segue a vida como ela é”, como se o Direito confundisse-se com a Sociologia.

A par disso, muitas correntes no campo de direito de família imiscuíram-se disso: introduzem inúmeras confusões na juridicidade familiar, promulgam leis contraditórias e atabalhoam o trabalho dos notários e dos advogados especializados em questões familiares.

Em questão de tempo, o direito não conseguirá chegar a um consenso na definição da noção de família. Introduziu-se na psicologia social uma nova clivagem que pouco favorece o amadurecimento afetivo, porque se nega à natural dimensão procriadora o direito de ser parte integrante da sexualidade.

A difusão do modelo da livre convivência (ou união livre) influenciou sobremaneira as concepções atuais de compromisso conjugal. Será que não seria o momento de avaliar se essas ideias e modelos não agem em antinomia com as demandas afetivas dos indivíduos e muito à margem de uma reflexão antropológica objetiva da família?

Será que essa colcha de patchwork, chamada de “direito das famílias”, não desestabiliza os indivíduos e desestrutura o corpo social? Será que a negação do vínculo social amoroso, desencadeado pelo paradigma da união livre, não exprimiu o começo do questionamento de todos os ideais a partir dos quais se construía o discurso amoroso?

Da livre convivência (ou união livre) passamos a três concepções que coexistem atualmente com o matrimônio, a única dimensão que funda a família nos laços de sangue e da aliança conjugal: a união estável, a relação monoparental e o poliamor. A união estável, em essência, nada difere da coabitação clássica como conhecida na antiga Roma: era uma relação não declarada e definida pelo prazer, subtraindo a sexualidade de sua dimensão social. Os romanos tinham uma visão pessimista do amor e do casamento, fruto da influência estóica, a qual associava os afetos amorosos às complicações do matrimônio.

Hoje, a clássica divisão pagã da sexualidade tomou contornos contemporâneos com todas as complicações modernas do desejo sexual que conhecemos. Viver em união estável, nessa quadra existencial, revela um duplo desafio. Em relação à sociedade, como se não tivesse nada a ver com a história pessoal dos envolvidos, e a si mesmo, na constante tensão entre a publicidade ou a privacidade da relação a dois.

A união estável é uma espécie de casamento que não ousa dizer seu nome, afora uma diferença decisiva com este: a formalização da relação matrimonial ancora uma história no tempo, decorrente do “sim” inaugural que funda um querer viver e permanecer juntos, enquanto a união estável não supõe esse compromisso solene dos envolvidos, feito em plena liberdade e responsabilidade.

A relação monoparental também não é inédita na história da humanidade. No passado, em razão dos esforços de guerra ou de grandes epidemias, o filho passou a viver só com a mãe (mais comum) ou o pai. Esse modelo, outrora acidental, passou a ser buscado por si mesmo e teve sua igualdade reconhecida ao lado da família nuclear.

A sabedoria acumulada ao longo de mais de cinquenta séculos sugere que a configuração parental ideal é aquela formada por um homem e uma mulher e, como corolário, deve receber uma tutela jurídica específica, na medida em que essa configuração reforça inúmeras dimensões do vigor teleológico da família. A relação monoparental, quando buscada como modalidade de vida, despreza com alguma arrogância semelhante acervo de sensatez.

Também não podemos nos esquecer dos reflexos do princípio da liberdade sobre o ente conjugal nos dias atuais, a culminar com a ideia de poliamor. A liberdade confunde-se, cada vez mais, com os mandamentos da cartilha libertária, na linha de Nozick: a liberdade levada às últimas consequências.

Ser livre não se reduz à mera ausência de limites ou ao gozo de uns desejos. Uma pessoa que age segundo esta ótica certamente é menos livre que outra que aprendeu a ser crítica diante do objeto de sua vontade e se esforça com sabedoria em fazer melhores opções, atuando com o domínio de si.

Os defensores dos postulados libertários sugerem a ampliação da ordem conjugal para a união de pessoas de mesmo grupo (“poliamor”). Poderiam argumentar que o contrário equivaleria à violação do direito de interação com o(s) outro(s), segundo a própria vontade e não com base dos ditames do Estado.

Em primeiro lugar, a relação conjugal entre uma mulher e um homem é um dado natural e sociológico. Não foi criado por nenhuma religião, filosofia ou credo político. Em segundo lugar, se há liberdade para a formação de qualquer relacionamento humano, não se pode dizer que toda relação é um ente conjugal, sob pena de se reduzir uma estrutura antropológica sociologicamente objetiva, majoritária e central a outra realidade alimentada pelo mero interesse a três, que mais lembra o fruto de um experimento social pós-moderno. Uma espécie de clube dos corações divididos. Essas três tendências, que reatualizam práticas antigas, poderiam representam modelo de referência aptos a manter e enriquecer o vínculo social? Poderiam gozar da mesma equivalência axiológica da relação entre um homem e uma mulher, declarada publicamente, institucionalizada e reconhecida pelo matrimônio? Se o matrimônio deixar de ser a referência e a norma social, como assegurar a institucionalização dos indivíduos no seio social?

Aversão ao recâmbio geracional

A atual tendência de queda da natalidade, fato público e notório no mundo ocidental, só pode ser invertida por uma mudança muito forte das formas e estratégias familiares: câmbios culturais, desde a superação da mentalidade anti-natalista ou contraceptiva, sem prejuízo da busca de um novo valor social para o rol de atributos maternos, além de políticas sociais, trabalhistas e previdenciárias coerentes com tudo isso. Do contrário, podemos assistir ao fenômeno da espiral negativa, consistente no abandono do trabalho pela mulher, com a consequente diminuição do ingresso de receitas familiares.

A planificação familiar dos anos 60 e 70 transformou-se em implosão familiar nos anos 80 e 90. Apesar disso, os processos migratórios ainda conseguem completar o buraco de recâmbios geracionais deficitários dos países mais opulentos. Mas não por muito tempo.

Uma drástica e prolongada diminuição da fecundidade significa: a) dramáticos câmbios de formas familiares (crescimento de famílias sem filhos ou com filho único); b) falta de “input” nos sistemas econômico e previdenciário, com efeitos regressivos; c) forte envelhecimento da população e explosão de demandas próprias dessa fase da vida, somado ao fato da diminuição de recursos, que deveriam proceder da força de trabalho mais jovem, escassa em razão das baixas taxas de recâmbio geracional; d) necessidade de se redefinir toda a sociedade a partir de outras bases multiétnicas e multiculturais.

Nosso ambiente cultural não está mais interessado em refletir nos riscos de um baixo nível de recâmbio geracional, porquanto: a) os indivíduos preferem assumir posturas sentimentalistas, que impulsionam os indivíduos à postura ambígua de se almejar ter filhos, mas também de se ter receio disso; b) a sociedade assume que a procriação desliga-se por completo da orientação familiar, porque, hoje, a procriação é um cometimento feito por indivíduos e entre indivíduos. Não se parte e não se precisa chegar à uma família nuclear. Não se vê que a procriação é um fenômeno mediado por uma relação de casal e pelo contexto familiar. Prefere-se que ela se desvincule das redes e das mediações entre os sexos e as gerações; c) a procriação, fenômeno natural e fisiológico, assume ares de fenômeno artificial e patológico.

A fecundidade de uma geração é, sobretudo, uma resultante da história das mentalidades. Atribuir valor preponderante a fatores culturais não significa menosprezar o rol de fatores materiais e seus efeitos na fecundidade. Todavia, no fundo, um maior ou menor recâmbio geracional revela aquilo que os filhos realmente representam para os pais. Se vivemos num ambiente de aversão à fecundidade, os filhos, então, andam mal vistos.

Considerações finais

A julgar pela manutenção do quadro atual, a sociedade encaminha-se para um estado indiferenciado e acentuado pelos agentes sociais, cujas decisões nem sempre avaliam as consequências no seio social. Paradoxalmente, os ideais que moveram essa torrente de mudança, enraizados nos anos sessenta, mas, sobretudo, em Maio de 1968, terminaram por nos conduzir ao eclipse do pensamento sobre o sentido e o alcance da existência, com reflexos na cena matrimonial.

A atenção tão contemporânea aos mecanismos da vida psíquica e da subjetividade não pode mais fazer as vezes de reflexão filosófica, antropológica ou axiológica. Tudo na vida atual passa como se estivéssemos desprovidos de um legado veritativo das gerações precedentes, a partir do qual a vida poderia ser renovada em virtude das inflexões do pensamento atual.

Para se romper com esse quadro sociológico vigente, convém levar em conta três realidades simbólicas e tratá-las numa perspectiva antropológico-filosófica. A primeira delas, a da realidade do bem-estar humano, envolve a questão dos desejos interiores e a exacerbação da vivência destes para melhor se sentir viver, como é a tônica contemporânea.

Mas o desejo humano é insaciável, ainda mais quando o indivíduo toma a si mesmo por seu objeto. Por isso, o desejo precisa ser orientado e finalizado para assegurar a coerência da própria personalidade. Do contrário, a personalidade fica perdida e incapacita-se para saber o que deseja e, nessa perspectiva, o indivíduo nada ou muito pouco constrói.

Por isso, é indispensável que cada um construa sua existência a partir de algumas verdades perenes, de forma a entrar em contato com uma certa ontologia social, a fim de se superar a vida pulsional que carregamos dentro de cada um de nós.

A segunda realidade simbólica, a da consciência histórica, demanda uma certa maturidade temporal de saber aceitar e interiorizar a diferença, mormente entre as gerações familiares. Os mesmos influxos dos anos sessenta acabaram por criar uma ideia de tempo interrompido, movido pela ideia de uma juventude sem fim: a sociedade torna-se povoada de adultos adolescentes. Esvaziada de qualquer sentido transcendental, a vida social não permite mais ritmar, ritualizar, diferenciar e contribuir no bojo da relação das gerações umas para com as outras.

A terceira realidade simbólica, a do direito, propõe-se, contemporaneamente, a definir mais as relações e as realidades humanas em termos utilitários, segundo critérios estritamente econômicos e não em termos de sentido. A própria dimensão moral é vítima desse nivelamento por baixo: a ética da ação comunicativa leva-nos a muitos impasses sociais, porque essa perspectiva impede de se cotejar o caso singular com os postulados de uma lei moral perene, da mesma forma, guardadas as devidas proporções, como se pronunciava a cosmogonia dos antigos gregos e romanos.

Como efeito, hodiernamente, as verdades passam a ser normatizadas subjetivamente, a ponto de se negar a dimensão de norma objetiva que o próprio complexo de Édipo representa no seio da juridicidade familiar. Se o direito e a moral, cada qual em seu campo de atuação, perdem sua órbita universal, os indivíduos já não podem mais criar liames sociais nem se comunicar uns com os outros. Restaria apenas nos agrupar em classes de interesse coletivos e nos defender em tribos existenciais.

A batalha contra a vigente propensão rumo à uma sociedade indiferenciada passa pelo resgate antropológico das três dimensões anteriores, a fim de anular os efeitos nefastos que a atual realidade empírica das famílias fragilizadas proporciona e fomenta: a fragmentação e o esfacelamento da sociedade, formada por indivíduos desinstitucionalizados que já não mais dispõem de ideais que possam ligar uns aos outros.

A experiência da família depende das concepções que dela temos. Ela não é inata e procede de uma vontade e de um projeto de vida. Não podemos ficar nos simples movimentos das representações primárias e dos afetos, sem qualquer regulação social e (ANATRELLA, 1998:61) sem que se reconheça uma hierarquia entre as diferentes organizações afetivas e sexuais que favoreçam, em maior ou menor grau, o vínculo da sociabilidade e o desenvolvimento e a perenidade de uma sociedade.

A partir de um casal, constituído de uma mulher e de um homem que se tornam mãe e pai para seus filhos, a família nuclear3 atravessa a história e as culturas de todos os tempos e permanece como firme referência sociológica e antropológica para a construção da interioridade de cada indivíduo.

Eis a nossa contribuição para o debate nas relações entre família e sociedade, destilada a partir de um trabalho de indução teórica alicerçado na empiria familiar e desenvolvido analiticamente sob o filtro de uma maioridade profissional vivenciada pelas alegrias e tragédias das lides familiares, as quais são capazes de forjar pedagogicamente o homem que está por trás do magistrado que assina estas linhas.

A família é um projeto existencial pleno de expectativas, a envolver tanto o destino do indivíduo como o da sociedade. Quando a ontologia social da instituição familiar respeita sua ontologia natural, favorece-se, em muito, sua função socializante. Quando a família é fragilizada nessa relação ontológica, pelo efeito da mentalidade do fenômeno dos adultos adolescentes, a sociedade resta esfacelada.

André Gonçalves Fernandes é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Mestre e doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito titular de entrância final em matéria de família e sucessões. Pesquisador do grupo Paideia, na linha de ética, política e educação (DGP – Lattes) e professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU-IICS Escola de Direito. Juiz Instrutor da Escola Paulista da Magistratura. Colunista do Correio Popular de Campinas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Titular da cadeira 30 da Academia Campinense de Letras.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANATRELLA, Tony. La différence interdite – sexualité, éducation, violence. Paris: Flammarioin, 1998.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Coimbra: Calouste Gulbenkian, 2005.

 

NOTAS:

1 “(…) On tient pour ´postmoderne’ l’incredulité a l’égard des metarécits”.

2 EC 66/10 – Emenda que instituiu o divórcio direto completa 5 anos. Números de divórcios dobrou após aprovação da medida. Nesse mês, a EC 66/10, que agilizou o divórcio, completou cinco anos. A medida trouxe outra realidade às famílias brasileiras, já que suprimiu prazos desnecessários e acabou com a discussão de culpa pelo fim do casamento. Antes, era necessário estar separado judicialmente há um ano ou separado de fato por dois anos para que o casal pudesse se divorciar. Carlos Fernando Brasil Chaves, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB-SP), entidade que congrega os cartórios de notas de SP, afirma que a medida consagrou a prática social, trazendo mais facilidade aos casais que não desejam mais viver juntos. “Hoje, as pessoas que optarem por um divórcio consensual, podem consegui-lo no mesmo dia.”. Segundo dados do CNB-SP, desde a instituição da EC 66, os cartórios de notas paulistas passaram a lavrar, em média, mais de 16 mil divórcios consensuais por ano, 100% a mais do que antes da emenda entrar em vigor. In: http://intranet.tjsp.jus.br/Clippings/Clipping.aspx?Id=44566. Acesso em 22.10.15.

3 Utilizamos o termo “família nuclear”, mas intuímos que essa expressão, em muitos campos do saber que se entrelaçam com o ente familiar, como, por exemplo, a sociologia da família, parece demandar um certo revigoramento epistemológico. Não trataremos disso aqui e não é uma questão de a expressão estar superada ou não. As investigações empíricas dizem que a família nuclear continua sendo o modelo mais difundido e, no senso comum, dizer família é aludir ao símbolo cultural da convivência estável no seio de um casal heterossexual e de seus filhos. Sem prejuízo disso, o fato de se enfatizar a família nuclear, seja para relevar sua importância, seja para acentuar sua crise, conduz à reflexão da família como célula ou esfera privada e essa imagem oculta ou elimina o protagonismo da família numa série de mediações constatadas empiricamente, como a mediação entre os sexos, entre as gerações e entre seus membros e a sociedade. A família como sujeito de mediação social. No clima cultural atual, a família converte-se num sistema de mediações relacionais que vão além da família nuclear: é a família pós-nuclear, a qual exerce um rol de mediações que superam a estrutura e a identidade da família nuclear. Não se pretende abandonar a noção de família nuclear; apenas se afirma que sua centralidade já não é mais dada em sentido normativo, como forma vinculativa ou constritiva.

Afetos superafetados

Opinião Pública | 05/04/2017 | | IFE CAMPINAS

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Na última semana, o STF suspendeu o julgamento sobre a extensão dos efeitos sucessórios do casamento para a união estável. Caso a maioria decida por isso, quem não tem nem vínculo de parentesco e nem vínculo conjugal, graças a uma mera relação de afeto com o falecido, passará a ser herdeiro com direitos iguais aos dos filhos do mesmo morto.

A tese, esdrúxula por si só, é mais um capítulo da deriva radical que a afetividade tem propiciado ao direito de família. Se a afetividade fosse o fundamento e a razão de ser desse ramo jurídico, não restaria evidente um critério objetivo que impulsionaria a sociedade e o próprio direito a se ocupar da normatividade de tais situações.

O problema reside no fato de que há muitas situações de afetividade que nunca buscaram a força atrativa do direito, salvo para efeitos periféricos, a saber, para atribuir algumas consequências jurídicas acidentais, como, por exemplo, no passado, em que se indenizava o cônjuge pela dedicação exclusiva aos afazeres domésticos no caso de dissolução da união estável.

Logo, o fato de duas pessoas estabelecerem laços de afetividade não nos parece suficiente, por si só, para justificar toda uma regulação jurídica tão densa e fecunda, que possa ser erigida à condição de direito de família, cuja finalidade, desde sempre, foi a de regular e proteger uma estrutura antropológica objetiva.

Ainda que se argumente que, concomitantemente, o direito conceda notável relevância a um desejo psicológico comum a duas pessoas, de fato, a afirmação procede, mas não é, juridicamente, o elemento estritamente essencial do ser da família. Mas não é só. Se a bandeira do afeto é levantada a prumo no território do direito de família, logo, convém apreciar sua situação na estrutura do ente humano.

A afetividade, estudada pela antropologia filosófica desde a Grécia Antiga, é uma potência humana, pareada pela razão e pela vontade. Impulsionada pela fenomenologia no século XX, seu estudo chegou a novos patamares de conhecimento que vieram a reforçar os delineamentos daquela antropologia e, também, provocaram uma nova vitalidade na compreensão de sua efetiva importância e de sua ação recíproca com a vontade e a razão humanas.

Contudo, no direito de família, a afetividade passou a confundida com sua versão reducionista, conhecida por sentimentalismo, o qual restringe a dimensão afetiva, esta nobre realidade da natureza humana, a uma mera tendência permanente e, em geral, consciente, que dirige e incita a atividade do indivíduo para um fim, como, por exemplo, as pulsões do prazer sexual e as da atração para a morte.

Assim, conhece-se muito da cadeia mecânica das sensações, imprescindível para o estudo da afetividade, mas pouco ou nada se sabe sobre seus fundamentos existenciais. A depender do caso concreto, o sentido e o alcance dos afetos podem ser maximizados ou minimizados, quando estão desamparados da luz da antropologia filosófica. E esse excesso ou essa falta podem proporcionar prejuízos.

No direito de família, a louvação desmedida e errônea da afetividade é nociva às estruturas familiares. A afetividade, na estrutura antropológica do ser humano, sem os arreios da razão (escolha prudente) e da vontade (compromisso de amor), no momento de tomada de uma decisão a dois, provoca um juízo menos livre e mais suscetível de manipulação, pois tende a justapor aquela deliberação à satisfação imediata dos prazeres sensíveis.

Um famoso romancista britânico já dizia que todo amor humano, em seu apogeu, possui a tendência de reivindicar uma autoridade divina, porque sua voz tende a soar como se fosse a vontade do próprio Deus. Segundo esse romancista, essa voz passa a nos dizer para não medir o custo, exige de nós um compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e insinua que todo ato feito sinceramente “por causa do amor” é, portanto, bom e até meritório.

Sabemos que o amor erótico e o amor patriótico tentam, dessa forma, “tornarem-se deuses”. Mas os afetos podem fazer o mesmo. Quando duas pessoas, no seio de uma relação familiar, permitem levar-se pela dimensão afetiva única e exclusivamente, elas perdem sua natureza, porque os afetos se desnaturam, na medida em que se tornam os eixos absolutizantes dessa mesma realidade familiar. Entronizar a afetividade como fundamento do vínculo familiar é o mesmo que pleitear do direito que se faça mais do que a realidade permite e sem fazer o que a realidade pede. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 05/04/2017, Página A-2, Opinião.

Sínodo das Famílias: o que muda?

Teologia | 14/10/2016 | | IFE CAMPINAS

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Imagem: Carmadélio, em http://blog.comshalom.org

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Desde o ano passado [2015], quando foi inaugurado pelo Papa Francisco, o Sínodo das Famílias têm despertado visões e análises muito diversas dentro e fora da Igreja Católica.

Muitos agentes da grande mídia mundial viram no Sínodo “novos ares de mudança”; para os católicos progressistas, intérpretes equivocados do Concílio Vaticano II, trata-se de uma oportunidade ímpar para um novo “aggiornamento” da Igreja que poderá se constituir numa oportunidade de alterar a doutrina bimilenar da Igreja a respeito da família; para os defensores da Tradição, o Sínodo cambaleia numa linha tênue entre a misericórdia pastoral e a heresia. Os moderados vêem uma certa coragem em discutir o tema, mas não creêm em mudanças doutrinárias.

Todas essas discordâncias são fruto de propostas aventadas por alguns cardeais que sugeriram, por exemplo, a liberação da Sagrada Comunhão aos divorciados pensando em reintegrá-los não só à participação plena da Eucaristia, mas também ao Sacramento da Confissão. O uso de contraceptivos e a integração mais efetiva de membros homossexuais às comunidades cristãs e os pretensos “novos modelos de família” também foram assuntos discutidos.

A Igreja e mesmo seu líder visível, o Papa Francisco não possuem, como muitos imaginam, a prerrogativa de anular o que Deus mesmo instituiu e inscreveu na Lei Natural, e, aliás, nem parece ser esse o intuito do pontífice que mais de uma vez, quando questionado sobre a moral católica não se pronunciou recordando que o que ele pensa já está expresso no Catecismo da Igreja Católica. O papa da grande mídia parece mais uma caricatura daquilo que muitos desejam que a Igreja seja do que realmente é. Como tudo, isso tem seu lado positivo: muita gente que não dava atenção a nada do que dizia a Igreja, passa agora a olhá-la de modo mais familiar, mas por outro lado não deixa de surpreender muitos católicos com afirmações constantemente descontextualizadas da fala real do pontífice.

A comunhão aos divorciados, com todo respeito que essas pessoas merecem – já que somente elas e o próprio Deus podem saber dos sofrimentos que tiveram em seus matrimônios – é um exemplo claro de algo que doutrinariamente nunca poderá ser admitido, visto que se constituiria na demolição completa da moral católica,ou seja, uma chancela da Igreja para relações extraconjugais, mesmo ainda mantendo o vínculo válido de um casamento anterior. O afrouxamento neste ponto de doutrina seria a destruição de três sacramentos fundamentais: a Eucaristia, a Confissão e o Matrimônio. Este último seria afetado em seu aspecto indissolúvel, a Eucaristia seria afetada porque se daria a comunhão a pessoas que estão objetivamente em estado de pecado mortal e por fim, afetaria o Sacramento da Penitência porque a pessoa recasada não estaria obrigada a se confessar e nem a se arrepender de um pecado mortal, o que abriria um precedente para os demais pecados mortais, de modo que o arrependimento e a correção dos próprios erros para obter o perdão divino já não poderia ser algo requerido do fiel.

È preciso agir e pensar com misericórdia e é necessário sim que a Igreja acolha esses seus filhos que sofrem com o desmantelamento de seus matrimônios, mas a Igreja, fiel aos ensinamentos de Cristo que nos disse que o “homem não deve separar o que Deus uniu” (Mc. 10,9), não pode, não deve e nunca mudará a doutrina sobre o matrimônio. O mesmo se diga dos “novos modelos de família”, um eufemismo que mascara a Ideologia de Gênero. Só existe um único modelo natural de família: pais, mães e filhos. Quanto a questões de fé, de moral e mesmo de cidadania, embasadas nos pressupostos da Lei Natural, esses são princípios inegociáveis. Não podemos servir a dois senhores. Ou servimos à Cristo (modelo de homem por excelência) ou lutamos contra Ele. Não há meio termo.

Luiz Raphael Tonon é professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas e leigo consagrado da comunidade Católica Pantokrator (raphaeltonon@ife.org.br).

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Popular, Página A-2, Opinião, edição 20 de Outubro de 2015.

Pais e filhos

Opinião Pública | 10/08/2016 | | IFE CAMPINAS

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Chego ao décimo-quarto dia dos pais em que levo as honras para casa. Seria uma espécie de “bodas de cristal”, mas, para mim, toda boda é sempre boda de champagne. Prefiro a minha parte em líquido. Sem dúvida, é uma fase vital para se fazer uma saudável pausa no trajeto, olhar para trás e, depois, retomar a caminhada.

Contemplo meu rastro existencial em retrospectiva e vejo, em meus filhos e filhas, muitas histórias. Aquelas que me contaram, as que vivi, li, sonhei, inventei e escrevi. Em suma, histórias para todos os sentidos e alcances. As mais pretéritas são do Pedro, o primeiro e, as mais recentes, da Letizia, a caçula.

Muitas dessas histórias, pela minha voz, ganharam vida na letra morta de minhas crônicas para o jornal em que escrevo desde que o mais velho nasceu. Ali mesmo onde dou vazão ao homem que está no coração do juiz que, com o passar dos anos de paternidade, assiste à sua toga sendo dilatada pelo coração dos filhos. O tempo, nessas crônicas, ao invés de apagar aquelas histórias, revitaliza-as e faz com que sirvam, muitas vezes, como lições de sabedoria.

A existência de cada filho é um mistério que permite inventar histórias e moldá-las de tal maneira, fazendo-se o uso das palavras para que pareçam verdadeiras e cheguem aos leitores e os façam chorar e rir. Sofrer desfrutando e desfrutar sofrendo, como se fossem os espectadores da grande ópera de vida daquelas histórias.

Escrever sobre as histórias dos filhos ainda parece ser um processo enigmático, onde as raízes afundam-se no mais profundo do inconsciente. Por que existem certas experiências familiares — ouvidas ou vividas — que, sem mais, sugerem-me uma história, algo que, pouco a pouco, vai se tornando urgente e peremptório?

Nunca sei por que existem algumas vivências dos filhos que se tornam exigências para fantasiar uma história, que me provocam um desassossego e uma ansiedade que são aplacados quando ela vai surgindo, sempre com surpresas e derivas imprevisíveis, como se eles, meus filhos, os protagonistas – nominados ou ocultos – de minhas crônicas, fossem apenas intermediários, numa espécie de leva-e-traz de uma fantasia que vem de alguma região ignota do espírito e, em seguida, emancipa-se da carne e do osso de cada um deles e vai viver sua própria vida nas minhas linhas. Linhas de um contador de histórias dos filhos. E, quem sabe, um dia, dos filhos dos meus filhos.

Os filhos chegam ao livro da vida com um introito de amor incondicional. Nos primeiros capítulos, dependem de nosso amor e dos cuidados que temos. Nos capítulos seguintes, retribuem com gestos que enternecem. Lá pela metade corrida do livro, as páginas ficam amareladas, porque os anos passam, os filhos crescem e outras histórias tomam forma. Histórias de escolhas: de seus próprios caminhos, amores e vocações.

Escrever sobre os filhos é uma atividade em que se aprende muito sobre si mesmo. “Escrever é uma maneira de viver”, disse Flaubert. Com razão. Não se escreve para viver, embora muitos ganhem a vida escrevendo, o que não é lá minha condição. No meu caso, vive-se para escrever, porque o escritor de vocação continuará escrevendo. Nem que seja para si mesmo ou para os filhos, tomados como ouvintes de suas próprias histórias de vida.

Mas não sem, primeiramente, inspirar-se na história de cada um deles, porque não conheço nenhum pai-escritor que não tenha sido, antes, um grande pai-leitor: do livro aberto, composto por parágrafos, linhas, entrelinhas e rodapés da história de vida de cada um de meus filhos.

Por fim, para minha esposa que, nesse livro aberto, compõe, comigo, a referência bibliográfica, deixo uma dedicatória curta e fecunda: obrigado por me amar e concretizar esse amor na pessoa de cada um dos protagonistas das histórias daqui de casa.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)