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Aborto: o caminho da servidão

Opinião Pública | 07/10/2015 | | IFE CAMPINAS

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A campanha pela descriminalização do aborto, repleta de argumentos aporéticos dos juristas de plantão, de rostos bonitos dos atores globais e de muita grana dos organismos internacionais, na prática, equivale a legalizá-lo para, ao cabo, gerar a velha confusão, oriunda lá das discussões entre os jurisprudentes romanos, entre legalidade, licitude e moralidade.

No fundo, essa retórica progressista encampada pelos bacanas politicamente corretos solicita uma intervenção estatal que não só amplia os poderes estatais, mas altera sua natureza por completo. Só um Estado-Leviatã, um estado tendente ao totalitarismo, pode aceder tal desejo. Eles o instituem no momento em que transferem para as mãos desse estado todo-poderoso uma de suas responsabilidades inerentes e inalienáveis: a responsabilidade pessoal pela sucessão geracional. E o mais paradoxal está no fato de que tal traslado é sempre feito em nome das teses mais libertárias possíveis.

A instauração imperceptível deste tipo de estado provoca uma inversão dos valores democráticos mais genuínos. A tensão entre estado e sociedade é eliminada, porque aquele identifica-se com este e, como efeito, apresenta-se como porta-voz de seus interesses. A sociedade, assim, perde o controle sobre as instituições e direitos que o estado leva para si e o legítimo passa a ser sinônimo de legal, alimentado pelo positivismo normativista mais rasteiro que se possa imaginar.

A justiça, concretamente vista, ficará restrita à vontade emanada pelo estado, sendo suficiente que atente para as formas legais, no melhor estilo do decisionismo de Carl Schmitt ou da democracia procedimentalista de Rawls. Um indivíduo será considerado um bom ou mau cidadão se o Leviatã assim o entender.

A razão de estado será transformada na referência absoluta e auto-referente, de sorte que o estado de direito deixará a cena. O Estado-Leviatã avocará o direito de estabelecer o certo e o errado, o lícito e o ilícito, o moral e amoral e o indivíduo passará a ser reputado um sujeito de direito desde que atenda às normas emanadas pelo mesmo estado.

De recuo em recuo, de debandada em debandada, de abdicação em abdicação, os homens nem sequer perceberão que estão numa escalada rumo à uma servidão voluntária. Já não lhes bastará o essencial, como segurança, economia, educação e saúde. Ainda almejarão o bem-estar social ao extremo e nivelado por cima, com direito à legitimação legal do arbitrío do mais forte pelo mais fraco, o verdadeiro nome da descriminalização do aborto.

Atualmente, basta uma rápida olhada nas decisões dos tribunais para se verificar o plano inclinado desta guinada suicida: os influxos do positivismo jurídico tomam tal envergadura, a ponto de se ignorar toda e qualquer referência a uma ordem transcendente da vida humana no debate sobre a eliminação de um embrião humano, nem mesmo em prol do respeito ao direito à objeção de consciência que visa resguardar justamente a liberdade profissional das profissões médicas.

Tudo isso em prol da maior felicidade do maior número, surfando na já desgastada onda utilitarista de Bentham. Não me assustará se, em breve, os mesmos bacanas resolverem perguntar ao todo-poderoso Leviatã o que é, afinal, a felicidade. Ele responderá, em tom messiânico, ser feliz o povo que vive os condicionamentos estatais em sua plenitude. Eles acreditarão piamente e seguirão, decididos, a trilhar nessa marcha da insensatez da abolição da responsabilidade pessoal. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 7/10/2015, Página A-2, Opinião.

Mais do mesmo

Sem Categoria | 29/12/2014 | |

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Não adianta ocupar esse espaço semanal para fomentar o debate sobre vários assuntos com argumentos de razões públicas (Correio, 15.10) que, invariavelmente, os representantes da patrulha laicista entopem minha caixa de mensagens para dizer, de uma maneira ou de outra, que “preconceitos religiosos devem ser postos de lado em prol de um debate mais produtivo ou racional”. Ou, ainda, resolvem deslocar o foco da argumentação para outra que sequer foi tangenciada: como se diz no tênis, devemos tirar nosso adversário na quadra de “sua zona de conforto”. Sem dúvida, mas não sem endurecer o jogo antes.

Então, vamos devolver três bolas tortas com bastante aceleração. Em primeiro lugar, já se discute, em ambientes acadêmicos europeus, a adoção de uma postura “pós-secular” nos assuntos de ordem pública, superando-se essa ultrapassada visão da realidade que separa, no ringue do debate social, os argumentos religiosos num canto e os argumentos racionais no outro. Essa nova concepção leva em conta a perene vitalidade do fenômeno religioso ao mesmo tempo que sublinha a importância de se traduzir os conteúdos éticos das tradições religiosas para incorporá-los a uma perspectiva filosófica que possa ser manejada no âmbito público da razão.

Não é só. Essa mesma postura “pós-secular” parte do pressuposto que interpenetração entre a nascente cristandade e a metafísica grega fomentou uma “apropriação” de conteúdos genuinamente cristãos pela filosofia. Esse trabalho de “apropriação” transformou o sentido originariamente religioso, mas não o deflacionou ou consumiu de modo que o esvaziasse por completo.

Em segundo lugar, ao se interromper uma gravidez indesejada, a mulher não está exercendo um direito próprio, mas violando o direito à vida de outro ser “bem vivo” e com um código genético diferente e irrepetível. A bandeira do suposto direito ao próprio corpo já foi arriada e somente se justificava nos limitados conhecimentos científicos do início do século passado e, hoje, não resiste às evidências científicas contemporâneas.

Assim, compete à mulher o dever de respeitar essa nova vida e, para isso, ao proclamar o direito à vida de toda pessoa indistintamente, nossa Lei Maior obriga o Estado a assegurá-lo em todos os sentidos. Primordialmente, por via da promoção de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, inclusive com incentivo ao planejamento familiar e ao apoio alimentar à gestante, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, ou pondo a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, como prevê o Código Civil. Assim, evita-se que a mulher seja uma vítima fácil dos aborteiros clandestinos de plantão.

E, subsidiariamente, compete ao Estado a tutela penal do bem jurídico envolvido, a vida do nascituro: se a mulher cometeu um aborto, fora das hipóteses de estupro e de salvação da própria vida, as quais, diga-se de passagem, são escusas absolutórias (reconhece-se o crime, mas se afasta a pena, sabiamente, por razão humanitária), ela deve responder pelo delito, sempre temperado por todas as circunstâncias atenuantes e causas de diminuição de pena que envolvem a mulher nesta situação.

Em terceiro lugar, quando se propõe “acolher” a gestante pela facilitação do aborto sob demanda na rede pública de saúde, no fundo, está se escondendo a ineficiência administrativa na gestão da saúde. Se o Estado não é capaz de garantir acesso a várias outras espécies de cirurgias muito mais importantes em tempo razoável, o que justificaria tal medida, salvo o caráter meramente político de tal opção, tomado a partir de diretivas de órgãos internacionais, a fim de se aumentar o poder dos condicionamentos dos quais, nós, os cidadãos, já somos vítimas? Nessa ótica, o aborto não é uma questão de saúde pública, mas de incompetência da saúde pública.

Devolvidas todas as bolas, termino dizendo ser sempre bom polemizarmos com pessoas bem intencionadas e cordatas. Mesmo que um não consiga convencer o outro sobre o acerto de sua posição, o exercício serve para refinarmos nossas próprias opiniões e, também, tirarmos novas conclusões sobre assuntos já estudados. E, por ora, só me resta concluir que a posição discordante continua trilhando pelo mais do mesmo. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, mestre em filosofia e história da educação, pesquisador, professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP, da ADFAS e da UJUCASP, coordenador do IFE Campinas e titular da cadeira 30 da Academia Campinense de Letras (agfernandes@tjsp.jus.br).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 29 de outubro de 2014, Página A2 – Opinião.

 

 

 

 

 

Precisamos falar sobre aborto

Opinião Pública | 10/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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Circula nas redes sociais, encampada por uma famigerada revista, diversos artistas e outras pessoas públicas, uma campanha intitulada “Precisamos falar sobre aborto”. Para variar, camisetas estilizadas, rostos bonitos, pessoas famosas e que influenciam a muitos, em especial os mais jovens… O que chama a atenção são os semblantes, que, para mim, antes de demonstrar uma indignação para com os contrários ao ato, soam como as faces de muitas mães tristes e arrependidas após o terem praticado. E, não obstante a campanha fomentar o homicídio, perdão, o aborto, é louvável a atitude dos que a estão perfilhando de buscarem uma discussão honesta e à luz da ciência, vez que, hodiernamente, ela descamba para searas que não contribuem para uma boa solução.

De saída, é oportuno destacar que, como os próprios promovedores da campanha sinalizam, o aborto deve ser discutido à luz da ciência e com honestidade, razão pela qual eles não podem se furtar de lastrear suas justificativas em premissas deste jaez, como sucede muitas vezes quando, no ápice de uma gentil conversa sobre o tema, os defensores da prática esperneiam: “Ah, mas você é cristão, e traz os seus ‘preconceitos’!”. Após o insulto, retiram-se solertemente, como se uma pá de cal houvesse posto fim às indagações científicas que se apresentaram. Assim, partamos para uma discussão unicamente à luz da ciência, seguindo a sugestão de Umberto Eco: “Quando se confrontam problemas deste alcance [discutia-se o início da vida humana], é necessário pôr as cartas sobre a mesa, para evitar qualquer equívoco: quem expõe a pergunta deve esclarecer a perspectiva da qual a expõe e o que espera do interlocutor”.

A fim de evitar essa desonesta censura, colho recentes palavras do Papa Francisco sobre o tema, dirigidas a médicos italianos: “quantas vezes, na minha vida de sacerdote, escutei objeções: ‘Por que a Igreja se opõe ao aborto?’, por exemplo. É um problema religioso? É um problema filosófico? Não, não é um problema filosófico, é um problema científico, porque ali há uma vida humana e não é lícito eliminar uma vida humana para resolver um problema”. Mais uma vítima dos desencontros que marcam a discussão, o Pontífice tem toda razão.

Jérôme Lejeune, pediatra e primeiro professor de genética da Faculdade de Medicina de Paris, esclarecia, ao tratar do tema da ontogenia humana, que, aos olhos da ciência, a vida humana se inicia com a concepção. Explicava que o fenômeno não era complexo: o gameta masculino encontra-se com o gameta feminino e dá origem ao zigoto, detentor de uma carga genética própria, distinta e irrepetível; como a minha e a sua, a carga genética do feto é única. Noutras palavras, um novo ser humano está ali, não sendo permitido simplesmente extraí-lo, porquanto tirar a vida de um ser humano, além de tipificado no Código Penal como homicídio, é socialmente reprochável desde os tempos primórdios; especificamente no caso do feto, só se altera o “nomen juris” do crime, que de homicídio passa a ser aborto, e o “locus delicti commissi”, que ao invés de extra é intrauterino.

Como ressaltado, a vida humana é valor defensável desde as mais incipientes sociedades. No seu famoso juramento, escrito no século V a.C., Hipócrates conclamava os vocacionados à arte de Esculápio: “A vida que professar será para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles ou com malévolos propósitos. Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei; também não darei pessário abortivo às mulheres”. Clara e definitivamente, Hipócrates era contra o homicídio intrauterino. Atualmente, há, no Código de Ética Médica, orientação no mesmo sentido, a despeito de uma interpretação sistemática e outras normas um tanto quanto controversas darem ensejo à prática do aborto nalguns casos: “O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade”.

Enfim, à luz da ciência, a vida deve ser entendida como a formação de um novo ser, e afigura-se inegável que, a partir da concepção, o ser acondicionado no útero já pode e deve ser qualificado como humano, sendo-lhe, por isso, garantido o direito à vida, que o aborto objetiva tolher. Honestamente, atribuamos o verdadeiro valor aos avanços científicos e, pondo de lado preconceitos, reconheçamos ao feto o direito que tem de formar-se para, no futuro, tornar-se o que somos hoje, claro, com seu código genético próprio.

Lázaro Fernandes é advogado e secretário do IFE Campinas (email: netofernandes1@hotmail.com)

Publicado no jornal “Correio Popular”, 08 de Dezembro de 2014, Página A2 – Opinião.

O menino que queria nascer

Opinião Pública | 04/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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Quando o médico anunciou que havia um problema com o bebê, eles sofreram bastante. Após uma longa e interminável espera, veio, finalmente, o diagnóstico e teve início a grande crise. “Anencefalia” era a palavra horrenda com que precisariam conviver a partir do terceiro mês de gestação. O radiologista foi atencioso e prático na sua indicação. Nada poderia ser feito e uma interrupção da gravidez era recomendável. Ele disse “interrupção”, para evitar que mais uma palavra terrível assombrasse ainda mais o sofrido casal. Mas eles a ouviram mesmo assim e repetiram para confirmar: “aborto?”.

Eles tinham lido as discussões acaloradas que algum tempo antes havia tomado conta dos jornais. Sabiam de uma decisão polêmica tomada pelo Supremo Tribunal Federal em Brasília. Tinham visto aqueles homens de toga discutindo o assunto pela televisão, enquanto especialistas de terno e gravata davam seus pareceres no plenário. Porém, tudo soava distante e indiferente, embora percebessem que era algo importante.

A decisão, tomada em maioria de votos, concedendo o “direito ao aborto do feto anencefálico”, agora se desprendia do papel e vinha pousar sobre eles para sentenciar a vida do seu próprio filho. Não um bebê em hipótese, mas aquele que existia e morava no útero da sua mãe. Como se estivessem expostos, os três, no centro daquela sala do tribunal, enquanto os juízes decidiam a “questão” daquele bebê doente, o intruso, o sem cabeça, no colo de seus pais. Aquele de quem todos falavam. Aquele que ninguém queria ver nascer.

Assustados, levaram o exame para o ginecologista que acompanhava a gravidez. Ao confirmar o diagnóstico, o médico observou, em silêncio, o ventre da paciente e se compadeceu daquela família. Talvez não fosse o melhor profissional da especialidade, nem tivesse muitos títulos a expor na parede do consultório, mas cultivava o espírito de uma verdadeira medicina. Procurou tranquilizar o casal, insistindo que a gravidez, com alguns cuidados, correria normalmente. Aos poucos tudo se tornava menos grave. Esclareceu-lhes, então, as dúvidas e infundiu-lhes uma grande coragem: que recebessem de braços abertos o seu filho, acolhendo o pequeno herói em sua fraqueza. Mais do que nunca, ele tinha direito ao amparo dos seus pais, pois estava vivo.

“Vivo!” era o que ressoava em seus ouvidos quando saíram da clínica. A canção que os embalaria nos meses seguintes, enquanto viam a barriga crescer. “Vivo!” era o que o pequeno dizia com seus chutes e movimentos, como se lá de dentro ele quisesse agradecer cada minuto na companhia de seu pai e sua mãe. Pois para ele o tempo corria diferente e a sua história se desenrolava em dias, não em anos. Ele estava ali, presente, o frágil guerreiro, multiplicando-se, crescendo, tornando-se homem. E escrevia, com os seus, as linhas possíveis da sua curta biografia.

Assim, à revelia das canetas dos poderes instituídos pela república, ele sobreviveu. Foi salvo da cureta, o instrumento científico que o levaria a agonizar indefeso até a morte. Nasceu no dia que lhe foi dado, desde sempre, nascer. Veio ao mundo com um choro imprevisto para um recém-nascido, pois era um grito de vitória. Um menino, que recebeu o seu nome e viveu os seus dias, até que a natureza o levou. Morreu com a mesma dignidade com que todos os homens deveriam morrer, quando chega a sua hora.

Os pais enfrentaram o luto indizível de pais que perdem filhos. Sem argumentos, apenas suportaram a dor que era a sua, livres daquela outra chancelada pela Justiça. E enterraram o filho amado, entregando-o ao mistério do seu destino, com a mesma generosidade com que o acolheram durante seus dias de vida. Preparam todo o funeral, receberam amigos, familiares e o nobre médico que os acompanhou. Rezaram juntos por ele, um anjo que ganhava o céu. Sim, o céu! Esta palavra intrusa, não convidada para o vocabulário corrente de artigos de jornal. Tão intrusa quanto aquele bebê no meio do plenário do tribunal. Aquele de quem todos falavam. Aquele que ninguém queria ver nascer. Mas ele nasceu. E era um menino.

João Marcelo Sarkis, advogado, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 08 de Abril de 2014, Página A2 – Opinião.

Precisamos mesmo falar sobre aborto, por Jornal Gazeta do Povo

Opinião Pública | 27/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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Recomendamos a leitura do excelente editoral publicado em 23/11/2014 no Jornal Gazeta do Povo:

Em sua edição de novembro, a revista TPM disparou a campanha “#precisamosfalarsobreaborto”, militando a favor da descriminalização do aborto. Artistas, políticos e outras celebridades vêm posando para fotos (depois viralizadas nas mídias sociais) com o slogan da campanha, fazem a defesa de sua posição no site da revista, e algumas mulheres relatam sua experiência pessoal de ter feito o aborto e não se arrepender disso. O tema não chega a ser exatamente um tabu: fala-se de aborto com muita frequência. E a Gazeta do Povo concorda que é preciso, sim, discutir o assunto. Mas considera que, na iniciativa promovida pela revista, está faltando a perspectiva daquele que é o principal envolvido em todo aborto.

A campanha da revista – que pede “debate”, mas não dá espaço aos argumentos pró-vida e já indica qual deveria ser o seu resultado: o apoio à descriminalização –, apesar de seu título, enfatiza as consequências do aborto, como as mortes de gestantes que interrompem sua gravidez clandestinamente, e demonstra uma compreensão incorreta do ato, tratado exclusivamente como manifestação da soberania da mulher sobre seu corpo. Ora, se “precisamos falar sobre aborto”, temos de começar mostrando o que o aborto é, em primeiro lugar: a morte de um ser humano indefeso e inocente. Essa é a realidade da qual não se pode escapar, uma realidade tão sombria que não são poucos os que, após ter contato com ela, se tornaram grandes defensores da vida intrauterina. Um dos casos mais notáveis é o do médico Bernard Nathanson, que passou décadas realizando dezenas de milhares de abortos e militando neste campo; a introdução da tecnologia do ultrassom, nos anos 70, permitiu que Nathanson pudesse ver o que realmente ocorria durante um aborto, o que o fez repensar seus atos.

Essa realidade, no entanto, acaba soterrada por uma série de argumentos que, no mais das vezes, tratam da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo. A autonomia é um princípio importante da bioética, mas o problema deste raciocínio é ignorar que o feto não é parte do corpo da gestante, como se fosse um órgão a mais: é um outro indivíduo, com código genético próprio, obtido já no instante da concepção, um fato amplamente atestado pela ciência médica. E, pelo simples fato de ser humano, tem pleno direito à vida, ainda que nos estágios iniciais de desenvolvimento. Essa terceira pessoa envolvida é simplesmente ignorada nos argumentos a favor do aborto. Mas, se vamos discutir o tema, é exatamente isso que precisa ser levado em consideração, em vez de se descartar o caráter humano do feto, uma informação científica, como se fosse um argumento religioso.

Com isso, não queremos dizer que somos insensíveis ao drama das mulheres que, pelas mais diversas condições, se veem levadas a buscar um aborto – e colocam em risco sua própria vida, como ocorreu no caso recente de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, no Rio de Janeiro. A morte de uma única mulher em um aborto clandestino é inaceitável e nos coloca diante de um sério dilema. Mas a saída proposta pelos defensores de um suposto direito ao aborto, no entanto, é simplista: transformar a gestante, já fragilizada, em coautora de uma violência contra o próprio filho. O que precisamos é de uma maior mobilização da sociedade, e também do poder público, para que essas mães sejam devidamente amparadas e possam levar até o fim sua gestação, respeitando o direito à vida tanto da mulher quanto do bebê.

É louvável o trabalho de ONGs e entidades que acompanham as gestantes, defendendo-as da pressão social para que eliminem seus filhos e dando a elas um genuíno direito de escolha – sabemos que, por diversas circunstâncias, nem sempre a mãe pode ou quer ficar com a criança; nesses casos, o encaminhamento para a adoção é a melhor solução. No Congresso Nacional, segue em tramitação o Estatuto do Nascituro, que oferecerá mais mecanismos para preservar a vida da criança e a integridade física e mental da mãe. Mas, independentemente de sua aprovação no parlamento, que todos nós possamos abrir os olhos para o horror do aborto e, para evitá-lo, não deixemos abandonadas as mulheres que muitas vezes acreditam não ter outra alternativa.

Fontehttp://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1515513&tit=Precisamos-mesmo-falar-sobre-aborto