Levando o mal a sério

Sem Categoria | 03/12/2014 | |

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Onde estava Deus no fatídico 11 de setembro, quando as torres gêmeas desabaram sobre nossos olhos, matando um grande número de pessoas que, em sua maioria, tinham família e filhos? Por onde anda Deus, atualmente, nos conflitos no Iraque, atacada por jihadistas do tal “Estado Islâmico”, executando sumariamente a sharia a curdos e cristãos? Onde está Deus diante das inúmeras pessoas que morrem de tantas doenças incuráveis?

A existência do mal sempre foi um problema filosófico. Podemos intuir que uma grande quantidade dos males do mundo decorre do exercício da liberdade pelo homem: terrorismo, guerra, assassinato, abortos, nazismo, fascismo, comunismo, traição, abuso dos necessitados, infidelidades, transmissão de certas doenças, abuso de poder e a epidemia pátria, a corrupção política.

Mas isso não explica os males físicos, como o câncer, e as devastações provocadas por ações naturais (terremotos, tsunamis) e, muito embora o sentido da dor enriqueça a compreensão da realidade e a empatia das pessoas, parece haver sofrimentos que não acarretam a ideia do alcance de um bem maior, como a situação de crianças órfãs de pai e mãe.

O problema filosófico do mal gira em torno de dois temas principais: a liberdade humana e a existência de Deus. É evidente que um Deus onipotente, onisciente e benevolente poderia evitar tudo isso. Por que não o faz, se Ele existe? Porque Deus poderia destruir o mal, mas não sem antes destruir nossa liberdade. Essa seria uma resposta razoável sob o ângulo que aqui tratamos.

Mas se Deus não existe mesmo, então, como não conseguimos superar a antítese do bem e do mal — lutar por consolidar o primeiro e eliminar ou reduzir o segundo — a vida humana, como efeito disso, segue abandonada e só nos resta viver da “náusea da vida”, como responderam vários pensadores modernos que, “agindo como se Deus não existisse”, conduziram muitos de nós ao desespero existencial ou ao indiferentismo religioso até se concluir que o homem é, no final das contas, um grande absurdo (Camus) ou um ser para a morte (Sartre).

A solução filosófica para esse dilema, se é que há alguma puramente filosófica, necessariamente vai implicar numa tomada de postura sobre a existência de Deus. O mal é uma prova cabal da liberdade imperfeita do homem. É verdade, por outro lado, que, por si só, essa liberdade não consiste numa prova da existência de Deus. Mas temos de admitir que muitas das respostas da filosofia moderna ficam sem palavras para a liberdade, pois a admitem apenas no finito e negam ao homem a possibilidade de um juízo final.

O mal, como efeito de uma ação livre, existe desde o começo do mundo, sendo imputável à nossa natural e invencível imperfectibilidade terrena. A liberdade é capaz de fazer com que um homem aja bem ou não evite o mal. A mesma liberdade, diante da dor e da comoção que o mal nos provoca, pode até nos guiar a aliviar o mal alheio e suportar o próprio como uma purificação, tornando nosso homem mais livre, porque se remove o egoísmo que obscurece a possibilidade de abertura para o transcendente. Quanto aos males que fogem da ação humana, tudo ainda é um mistério.

A existência do mal na sociedade é um fato inevitável, que condiz com a grandeza de um Deus que, além do ser, deu ao homem o maior presente: uma liberdade para o amor. A experiência da vida faz-nos intuir que não se sustenta facilmente a inexistência de um Ser Superior e de uma vida após a morte.

Pelo contrário: apenas um bom, onipotente e providente Deus, prometendo uma vida futura, poderia ser a explicação do mal. Quem mais? O Deus do 11 de setembro, dos curdos e cristãos desterrados ou executados e dos doentes incuráveis estava e está dando sua vida na cruz para os mortos, consolando a tristeza dos enfermos e sofrendo por aqueles que utilizaram e utilizam tão terrivelmente o dom da liberdade. Com respeito à divergência, é o que penso.

■■ André Gonçalves Fernandes (coordenador do IFE Campinas)

Publicado no jornal Correio Popular, no dia 03 de setembro de 2014, página A2, Opinião