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"Uma carta", conto traduzido de Hugo von Hoffmansthal

Literatura | 22/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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Letter_from_Arthur_Conan_Doyle_to_Herbert_Greenhough_Smith

Esta é a carta que Philip, lorde Chandos, filho mais moço do conde de Bath, escreveu a Francis Bacon – futuro lorde Verulam e visconde de Santo Albano –, desculpando-se por haver abandonado a atividade literária.

***

É benevolência vossa, mui estimado amigo, não fazer qualquer caso do meu silêncio, que já dura dois anos, e vos dignar a escrever-me. Já exprimir com graça e mão tão leve a solícita surpresa vossa ante o bloqueio mental de que me credes presa é mais que benevolência, é obra exclusiva, creio, daqueles grandes homens que, experimentando os perigos da vida, ainda assim não desanimam.

Concluís com o aforismo de Hipócrates – “Qui gravi morbo correpti dolores non sentiunt, iis mens aegrotat” [1] – e pretendeis que preciso da medicina, não só para curar o mal de que padeço, claro, mas também, e o que é mais, para tomar mais aguda consciência do meu estado íntimo. Gostaria de vos responder como mereceis, de me abrir totalmente convosco, mas não sei como fazê-lo. Mal sei, com efeito, se ainda sou o mesmo a que se dirige a vossa epístola, deliciosa epístola; sou eu agora um homem de vinte e sete anos, que apenas com dezenove escreveu O novo Páris, O sonho de Dafne e um certo Epitalâmio, essas bucólicas que, sob o fausto das palavras, não passam de composições capengas, que uma celeste rainha e alguns lordes e senhores mais que indulgentes ainda se dignam a rememorar? Sou o mesmo, ademais, que sob as arcadas da grande praça de Veneza achou em si a estrutura dos períodos latinos, cuja planta e construção me encantaram muito mais que os monumentos de Palladio e Sansovin emergindo das águas? E poderia eu, caso fosse realmente o mesmo, ter tão completamente apagado do meu inapreensível íntimo todo traço e estigma desse como que rebento do meu pensamento mais atilado, de modo que, na vossa carta, a qual jaz diante de mim, o título de um meu pequeno tratado me olhe friamente como um estranho, e eu nem sequer o possa tomar qual corriqueira estampa de palavras justapostas, mas o tenha de ler palavra por palavra, como se esses termos latinos, ligados dessa maneira, chegassem à minha vista pela primeira vez? Eu sou o mesmo, contudo, é claro, e há retórica nessas perguntas – retórica que convém às mulheres ou à Câmara dos Comuns, cujos instrumentos de poder, tão superestimados neste nosso tempo, não conseguem penetrar no íntimo das coisas.

O meu íntimo, porém, eu vos devo expor, uma excentricidade, um vício, ou, se se quiser, uma doença do meu espírito, a fim de que compreendais que um abismo infranqueável me separa tanto das obras literárias aqui (ao que parece) diante de mim, quanto daquelas lá atrás de mim e que eu, por me olharem com um olhar alheio, hesito em chamar de minhas.

Não sei se me admira mais a intensidade da vossa benevolência ou a inacreditável precisão da vossa memória ao revocardes os distintos (e pequenos) planos com que me entretinha naqueles belos dias do nosso comum entusiasmo. Eu realmente queria pintar os primeiros anos de reinado do nosso glorioso soberano Henrique VIII, bem-aventurado seja! O memorial que herdei de meu avô, o duque de Exeter, concernente às suas negociações com a França e Portugal, constituíam o meu fundamento, ou algo assim. E, partindo de Salústio, em dias, como aqueles, tão felizes e animados, o entendimento da forma me afluía como que por canais que jamais entopem, aquela forma íntima, verdadeira e profunda vislumbrada apenas além do curral dos artifícios retóricos, da qual não se pode mais dizer que organiza o material, pois o penetra, supera e cria juntamente poesia e verdade, uma interação de forças eternas, uma coisa tão magnífica quanto a música e a álgebra. Era bem esse o meu dileto plano. Mas o que é o homem para fazer planos!

Eu me entretinha com outros planos igualmente. Vossa benévola missiva também os faz vir à tona. Ora, cada um, saturado com uma gota do meu sangue, dança agora à minha frente qual mosca em parede escura, na qual não bate mais o ledo sol do dia claro.

Eu queria decifrar as fábulas e mitos que os antigos nos legaram – nos quais pintores e escultores um deleite sem cuidados, sem limites vêm achando –, qual se foram os hieróglifos de uma secreta e inexaurível sabedoria, cujo sopro acreditei sentir, vez por outra, como sob um véu.

Eu me recordo desse plano. E um não sei que apetite sensível e inteligível o sustinha: como o cervo perseguido busca a água, buscava eu os corpos nus e reluzentes, as dríadas e as sereias, Narciso e Proteu, Perseu e Acteão: e neles desvanecer, e com eles voltar a falar. Isso eu buscava. E buscava muito mais. Pensei em organizar uma recolha de apotegmas, como a que Júlio César escreveu: haveis de vos lembrar da sua menção numa epístola de Cícero. Pensei compô-la com as mais célebres sentenças que, no meu trato com sábios e mulheres finas deste tempo, bem como, dentre o vulgo, com gente mui particular, e, por fim, com eruditos e personagens distintas, minhas viagens me deixassem recolher; ao que acrescentaria belos ditos e reflexões dos antigos e dos italianos, e quanto lustro intelectual – em livros, manuscritos e conversas – cruzasse eventualmente o meu caminho; finalmente, o arranjo de belas festas e cortejos, crimes perversos e casos de furor e ódio, a descrição dos maiores e mais excêntricos monumentos da Holanda, França, Itália e ainda muito mais. Obra toda cujo título, por sua vez, não devia ser outro além de Nosce te ipsum [2].

Numa palavra: imersa numa como embriaguez contínua, toda a existência me soava então como uma coisa só: o mundo sensível e o inteligível não se opunham um ao outro, nem tampouco o cortesão e a besta, a arte e a não-arte, solidão e companhia; em tudo eu sentia a natureza, tanto nas aberrações da loucura quanto nos maiores requintes de um cerimonial espanhol; nas patetices de jovens camponeses e nas mais doces alegorias; e em toda a natureza me sentia a mim; quando, em minha cabana de caça, eu bebia o leite morno e espumante que um sujeito maltrapilho, com balde de madeira, tirara de uma bela vaca de olhos mansos, em nada diferia se, sentado, em meu estúdio, no banco ante a janela, sorvesse do in-fólio a nutrição do espírito, tão doce e espumante quanto aquela. Uma e outra eram iguais; nenhuma excedia a outra em natureza onírica, celeste até, nem tampouco em intensidade corpórea, o que se propagava por toda a espessura da vida, à esquerda e à direita; e no meio de tudo estava eu, e jamais guardava a mera aparência: e tudo me dava a impressão de ser um símile, e cada criatura a chave de outra, e eu bem me sentia capaz de tomá-las como pela alça, uma a uma, e escancarar com ela as que pudesse escancarar. O que bem explica o título de obra tão enciclopédica.

A quem seja susceptível a tais estados d’alma, poderia parecer um plano longamente acalentado da divina Providência que o meu espírito haja tombado de infladíssima arrogância neste poço extremo de fraqueza e desalento, em que consiste agora o permanente estado do meu íntimo. Concepções assim religiosas não têm, contudo, qualquer força sobre mim; elas pertencem, com efeito, às teias através das quais minhas idéias mergulham no vazio, enquanto muitas companheiras suas lá se prendem e descansam. Os mistérios da fé se me condensaram numa altíssima alegoria: sobre os campos da vida minha esplende um arco-íris na lonjura perpétua, sempre pronto a recuar caso me ponha no seu encalço, ou queira me cobrir com a borda do seu manto.

Os conceitos mundanos, porém, venerando amigo, se me escapam da mesma maneira. Como vos hei de pintar esses raríssimos tormentos do espírito, esses galhos que, crescendo com espantosa rapidez, levam os frutos para longe da mão que os procura, essa água que recua ante a sede dos meus lábios?

Meu caso, em suma, é o seguinte: perdi completamente a capacidade de pensar ou falar com coerência sobre o que quer que seja.

Primeiro, e pouco a pouco, fui ficando inapto a discorrer sobre temas gerais e de mais alta monta, e não dava com as palavras de que toda a gente, sem a mais mínima hesitação, costuma se servir. A simples menção de termos como ‘espírito’, ‘alma’ e ‘corpo’ me causava um inexplicável mal-estar. Ao que me tocava a mim, achava impossível portar um julgamento sobre os negócios da corte, os sucessos do parlamento ou o que quer que venhais a imaginar. E isso não por uma qualquer forma de decoro, pois sabeis que minha franqueza pode chegar à leviandade: senão as palavras propriamente abstratas, de que naturalmente a língua lança mão para formular qualquer juízo, desfaziam-se em minha boca como cogumelos podres. Ora, aconteceu-me então repreender minha filha Catarina Pompília, que contava quatro anos, por uma mentira que inventara, e querer que compreendesse o elevado mister de falar sempre a verdade, quando os conceitos que afluíam à minha boca assumiram de repente tantos e tão variados matizes, imbricando-se um no outro, que não pude mais que precipitar o final da sentença, qual se fora acometido de um mal súbito – e, efetivamente, com rosto pálido e feroz dor de cabeça, deixei a criança entregue a si própria, cruzei a porta atrás de mim e apenas consegui bem ou mal me recompor depois de um galope a cavalo pelo pasto solitário.

Gradativamente, porém, essa impugnação se expandiu como ferrugem, carcomendo o que lhe viesse ao encontro. Mesmo aqueles juízos que se costumam disparar à-toa, com certeza sonâmbula, nas mais triviais conversas de família, exigiam-me agora tanto escrúpulo que deixei de tomar parte em tais conversas. Uma ira inexplicável me invadia – a qual, a despeito de muito esforço, eu mal conseguia ocultar – se ouvisse coisas como: ‘Fulano ou Beltrano saiu-se bem ou mal em tal empresa’; ‘O delegado X é mau, o capelão Y, porém, é um bom homem’; ‘Pobre do feitor Z, seus filhos acabam com tudo’; ‘Feliz de Não-sei-quem, suas filhas gastam pouco’; ‘Essa família chega às alturas, essoutra desce aos infernos’. Pois tudo me parecia tão mentiroso, furado e indemonstrável quanto possível. E todas as coisas que ocorressem em tais conversas meu espírito me impelia a examinar de perto, monstruosamente de perto: assim como, certa feita, eu olhara na lupa a cutícula do mindinho, e ela mais se pareceu a uma planície esburacada, assim também procedia agora no meu trato com os homens e as suas ações. Não conseguia mais apreendê-los com o olhar do costume, que une e simplifica. Tudo se me desfazia em pedaços, e esses de novo em outros pedaços, e não havia mais nada que se deixasse atrelar a um conceito. As palavras, em mim, boiavam isoladas; então coalhavam e eram olhos me encarando, que eu encarava de volta: eram vórtices cuja mera visão me dava vertigem, que fluíam sem parada e desaguavam no vazio.

Tentei me salvar dessa situação apelando aos Antigos. Platão eu evitei; pois temia os perigosos vôos da sua imaginação. Pensei em ater-me sobretudo a Sêneca e Cícero. Essa harmonia de conceitos definidos e ordenados me haveria de curar. Mas não pude chegar até eles. Eu entendia muito bem esses conceitos: observava o maravilhoso jogo das suas relações crescer diante de mim como engenhosas cascatas movendo esferas de ouro. Podia andar à sua volta e ver como se solicitavam: mas só tinham que ver um com o outro, e o mais fundo e pessoal do meu pensamento ficava de fora da sua dança. Sobreveio-me, então, ali, entre eles, uma terrível solidão; senti-me como que encerado num jardim cheio de estátuas cegas que falassem; fugi de novo para campo aberto.

Desde então, suspeito, mal podereis imaginar a existência que levo, fluindo assim sem qualquer conta do espírito, do pensamento, e coisas afins; uma existência que decerto mal difere da dos meus vizinhos, parentes e da maioria dos senhores de terras deste reino, e que tem lá os seus momentos de alegria e animação. Não me é nada fácil vos dizer onde se encontram tais momentos; as palavras novamente me abandonam. Pois se trata de algo totalmente inominado – se é que é passível de nominação – que, nesses momentos, transbordando como a um vaso cada manifestação do quotidiano ao meu entorno em vida plena e superior, faz-e notar por mim e se revela. Não posso esperar que me compreendais sem mais exemplos, cujo caráter ordinário, aliás, demanda vossa indulgência. Um regador, um rastelo esquecido no campo, um cão tomando sol, um cemitério humilde, um aleijado, uma pequena choupana – tudo isso pode ser o vaso da minha revelação. Cada objeto desses e milhares de outros semelhantes, pelo quais o olho costuma passar com natural indiferença, pode, então, de súbito, em qualquer momento que seja – o qual, a propósito, absolutamente não está em meu poder ocasionar –, assumir um cunho tão excelso e comovente que não creio possa exprimir-se em palavras. Ora, mesmo sobre certa representação de um objeto ausente pode recair a imponderável escolha, enchendo-a até a borda com a suave e de repente transbordante plenitude da emoção divina. Eu ordenara, pois, recentemente, que se espalhasse abundante veneno de rato junto aos depósitos de leite de uma das minhas feitorias. Como já podeis imaginar, na hora do crepúsculo montei num cavalo e simplesmente me esqueci do assunto. Então, como eu trotasse no meio da lavoura e nada mais grave houvesse à minha volta do que um ninho de codornas e o grande sol poente sobre os campos ondulados, abriu-se-me de súbito um depósito interior, e encheu-se com a agonia da população de ratos. Tudo estava em mim: o ar úmido e frio do depósito, carregado do agridoce do veneno e acompanhado de guinchos estridentes, agonizantes, que o mofo das paredes abafava; aqueles espasmos de impotência, apinhando-se um no outro, e desespero atrás de desespero; a busca tresloucada da saída; o olhar gélido de fúria, enfim, se um topasse com algum outro numa fenda bem vedada. Eis-me de novo no encalço das palavras – coisa que já conjurei! Porventura recordais, meu caro, um maravilhoso passo de Lívio, em que descreve as horas imediatamente anteriores à destruição de Alba Longa? Como erram pelas ruas que não mais verão… como dizem adeus às pedras dos caminho. Digo-vos, pois, amigo meu: isso eu guardei comigo lá no fundo, assim como Cartago em chamas; mas isso era mais, e mais divino, e mais animalesco; e era o presente, o mais pleno e colossal presente. Lá estava uma mãe que se cercara dos filhotes moribundos e lhes não lançava a eles, nem às implacáveis paredes de pedra, o seu olhar, senão ao ar livre ou antes, através do ar, ao infinito, com pranto e ranger de dentes! Um escravo cheio de horror e impotência ante Níobe virando pedra deve ter passado pelo que passei quando a alma desse bicho, dentro em mim, rosnou ante o destino ingente.

Perdoai-me a descrição, mas não penseis que fora misericórdia o que então me acometeu. Não no penseis, repito, pois, nesse caso, o exemplo escolhido terá sido infeliz. Era muito mais e muito menos que misericórdia: era participar totalmente, era desaguar naquelas criaturas ou sentir que um fluido de vida e de morte ali desaguasse por um momento – mas de onde? Pois o que teria que ver com misericórdia, com associação minimamente razoável de humanas idéias, o encontrar, certa tarde, sob uma nogueira, um regador semi-vazio que um jardineiro olvidara, e esse regador e a água que contém (escurecida pela sombra da árvore) e um besouro nadando em sua superfície de uma escura margem para a outra e essa junção de nulidades, enfim, me estremecer com a presença do infinito, me estremecer da cabeça aos pés, de modo que bem explodiria em palavras de que bem sei, caso as achasse, que derrubariam os querubins em que não creio? Agora, semanas depois de voltar tão mudo quanto lá chegara, quando avisto a tal nogueira olho-a apenas de soslaio, timidamente, e vou-me logo embora, pois não quero afugentar a lembrança do milagre flutuando ao redor do tronco, nem dispersar o calafrio mais que terreno bafejando no arvoredo vizinho.

Nesses momentos, uma criatura insignificante, um cão, um rato, um besouro, uma disforme macieira, uma estrada serpenteando pelo monte, uma pedra coberta de musgo – são mais do que jamais foi a mais bela e devota amada na noite mais feliz. Tais criaturas mudas – e às vezes inanimadas – se elevam a tal plenitude, a tanta presença de amor que o meu bem-aventurado olho não dá com borrão sem vida ao redor de si. Eis que tudo me parece, tudo o que existe, tudo o que lembro, tudo o que os mais turvos pensamentos meus manipulando vão, tudo me parece ser alguma coisa. Mesmo o meu próprio peso e a costumeira obtusidade do meu cérebro me parecem alguma coisa; sinto um dança deliciosa e numa palavra infinita em mim e ao meu redor, e das coisas que dançam entre si não há nenhuma em que eu não possa me escoar. É como se, então, o meu corpo fosse feito de sonoras cifras que me abrissem tudo. Ou como se entrássemos em nova, em divinatória relação com toda a existência, e começássemos a pensar com o coração. Mas logo que esse estranho encantamento me abandona, não sei testemunhar mais nada a seu respeito; e seria tão pouco capaz de dizer em termos racionais o que era essa harmonia que me cosia ao mundo todo, e como ela me tornava sensível, quanto proferir algo de exato sobre os movimentos peristálticos ou a congestão sangüínea.

Afora esses casos estranhíssimos, os quais, de resto, mal sei se deva atribuir ao espírito ou ao corpo, vivo uma vida incrivelmente vazia e peno muito para esconder de minha mulher a apatia do meu íntimo, e dos agregados a minha indiferença ante as vicissitudes da fazenda. A boa e severa educação que devo a meu saudoso pai e o costume antigo de não deixar ociosa nenhuma hora do dia são, segundo me parece, as únicas coisas que mantêm uma postura de vida exteriormente satisfatória e uma aparência adequada ao meu posto e pessoa.

Estou construindo uma ala do castelo onde moro, e de quando em quando consigo conversar com o arquiteto sobre os progressos do seu trabalho; administro meus bens, e meus feitores e agregados talvez me achem mais lacônico, porém não menos benevolente que outrora. Nenhum deles, tirando o chapéu quando passo a cavalo, ao fim da tarde, pela porta da respectiva casa há de suspeitar que o meu olhar, que ele sói interceptar com o todo o devido respeito, anseia em silêncio pelas tábuas podres debaixo das quais ele procura minhocas para pescar, flui por grades estreitíssimas e mergulha em bolorentas câmaras, em cuja quina um leito baixo que um lençol de muitas cores cobre parece estar sempre à espera de quem vai morrer ou vai nascer; que o meu olho pousa longamente sobre os odientos filhotes de cão ou sobre o gato que fareja, flexível e faceiro, entre os vasos de flores, e que esse olho busca, enfim, entre todos os mais pobres e rudes objetos da existência rural aquele cuja forma discreta, cuja desprezada presença, cuja essência muda se possa tornar em fonte daquele enigmático, inefável, ilimitado encanto. Pois essa minha inominável, bem-aventurada sensação antes me vem de uma longínqua e só fogueira de um qualquer pastor que da visão do céu estrelado; antes do trilado do último grilo, já próximo da morte, quando o vento de outono sopra as nuvens invernais sobre os campos vazios que do majestático trom de um órgão. E vez por outra chego a comparar-me a Crasso, o orador, de quem se afirma ter-se tanto e tão desmesuradamente enamorado de uma moréia, um olhirrubro peixe surdo e mudo do seu aquário doméstico, que se tornara o assunto da cidade; e quando em pleno senado, certa feita, Domício censurou-lhe as lágrimas por ocasião da morte do peixe e qui-lo representar qual se fora quase um tolo, Crasso lhe respondeu: “Assim fiz eu na morte do meu peixe, o que vós nem na morte da vossa primeira mulher, nem tampouco na da segunda, todavia lograstes fazer”.

Não sei quão freqüentemente dou com Crasso e a sua moréia refletidos sobre o abismo dos séculos qual reflexo de mim mesmo. Tal não se deve, porém, à resposta que deu a Domício. A resposta pôs o riso ao seu favor, e o negócio todo acabou em piada. Em mim, contudo, o negócio cala fundo, e ainda que Domício chorara lágrimas de sangue, da mais sincera dor, por ambas as suas mulheres, calaria fundo mesmo assim. Pois Crasso ainda estaria diante dele, com as suas lágrimas pela moréia. E sobre essa imagem, cujo caráter ridículo e desprezível, aliás, no meio de um senado que governa o mundo e discute as coisas mais elevadas, só pode saltar à vista – sobre essa imagem algo de inefável me impele a refletir, e isso de um modo tal que me parece totalmente tolo no instante mesmo em que o tento exprimir em palavras.

Há noites em que esse retrato de Crasso me fende a cabeça, como um prego a cuja volta tudo supura, pulsa, ebule. Então é como se eu pegasse fogo, borbulhasse, fervesse, chamejasse. E tudo é uma espécie de pensamento febril, mas pensamento com um material mais imediato, dúctil, incandescente que as palavras. Há vórtices também, mas não do tipo que, como os da língua, parece conduzir ao insondável, senão dos que transportam a alguma parte dentro em mim, ao regaço mais fundo, mais pacífico.

Já vos enfadei além da conta, estimadíssimo amigo, com extensas descrições de um estado inexplicável que, segundo o seu costume, fica trancado nas entranhas minhas.

Ao declarar vossa insatisfação com tal estado tanta e tamanha foi a vossa benevolência que nenhum livro de minha autoria pode mais “Compensar-vos pela ausência de comércio entre nós”. Neste mesmo instante tive toda a certeza, não de todo livre de um penoso sentimento, que nos anos vindouros e seguintes e restantes, em suma, dessa minha vida não escreverei obra em latim ou em inglês: e isso por um motivo cuja dolorosa excentricidade eu deixo à vossa infinita superioridade intelectual, que observa impassível o harmônico reino dos fenômenos físicos e metafísicos estender-se diante de vós, a tarefa de classificar: a saber, porque a língua em que me seria dado, não apenas escrever, mas também pensar, talvez, não é a latina nem a inglesa nem a italiana nem a espanhola, mas uma língua de que não conheço nenhuma palavra, uma língua em que me falam as coisas mudas, e na qual um dia terei quiçá de me justificar, depois de morto, ante um juiz desconhecido.

Gostaria que me fosse dado, nas últimas palavras dessa que é provavelmente a última epístola que escrevo a Francis Bacon, condensar todo o amor e gratidão e admiração sem fim pelo maior benfeitor do meu espírito e primeiro entre os britânicos do nosso tempo; sentimentos, esses, que guardo e guardarei no coração até que a morte o despedace.

Aos vinte e dois de agosto deste milésimo sexcentésimo terceiro ano de Nosso Senhor Jesus Cristo,

Phi. Chandos.

Tradução de Érico Nogueira (Hugo von Hofmannsthal. Ein Brief. In: Der Brief des Lord Chandos: Schriften zur Literatur, Kunst und Geschichte. Philip Reclam jun., 2000, pp. 46-59).


[1] “Aqueles que, acometidos de grave moléstia, não sentem qualquer dor, também sofrem dos males do espírito” (N. do T.).

[2] “Conhece-te a ti mesmo” (N. do T.).


Artigo publicado originalmente na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Ed. nº 4, Dez/2009.


Imagem:  Uma carta de Arthur Conan Doyle sobre The Hound of the Baskervilles. Disponível [online] no link: https://www.flickr.com/photos/43021516@N06/8346428573/. Imagem em Domínio Público.


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“Uma carta”, conto traduzido de Hugo von Hoffmansthal

Literatura | 22/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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Esta é a carta que Philip, lorde Chandos, filho mais moço do conde de Bath, escreveu a Francis Bacon – futuro lorde Verulam e visconde de Santo Albano –, desculpando-se por haver abandonado a atividade literária.

***

É benevolência vossa, mui estimado amigo, não fazer qualquer caso do meu silêncio, que já dura dois anos, e vos dignar a escrever-me. Já exprimir com graça e mão tão leve a solícita surpresa vossa ante o bloqueio mental de que me credes presa é mais que benevolência, é obra exclusiva, creio, daqueles grandes homens que, experimentando os perigos da vida, ainda assim não desanimam.

Concluís com o aforismo de Hipócrates – “Qui gravi morbo correpti dolores non sentiunt, iis mens aegrotat” [1] – e pretendeis que preciso da medicina, não só para curar o mal de que padeço, claro, mas também, e o que é mais, para tomar mais aguda consciência do meu estado íntimo. Gostaria de vos responder como mereceis, de me abrir totalmente convosco, mas não sei como fazê-lo. Mal sei, com efeito, se ainda sou o mesmo a que se dirige a vossa epístola, deliciosa epístola; sou eu agora um homem de vinte e sete anos, que apenas com dezenove escreveu O novo Páris, O sonho de Dafne e um certo Epitalâmio, essas bucólicas que, sob o fausto das palavras, não passam de composições capengas, que uma celeste rainha e alguns lordes e senhores mais que indulgentes ainda se dignam a rememorar? Sou o mesmo, ademais, que sob as arcadas da grande praça de Veneza achou em si a estrutura dos períodos latinos, cuja planta e construção me encantaram muito mais que os monumentos de Palladio e Sansovin emergindo das águas? E poderia eu, caso fosse realmente o mesmo, ter tão completamente apagado do meu inapreensível íntimo todo traço e estigma desse como que rebento do meu pensamento mais atilado, de modo que, na vossa carta, a qual jaz diante de mim, o título de um meu pequeno tratado me olhe friamente como um estranho, e eu nem sequer o possa tomar qual corriqueira estampa de palavras justapostas, mas o tenha de ler palavra por palavra, como se esses termos latinos, ligados dessa maneira, chegassem à minha vista pela primeira vez? Eu sou o mesmo, contudo, é claro, e há retórica nessas perguntas – retórica que convém às mulheres ou à Câmara dos Comuns, cujos instrumentos de poder, tão superestimados neste nosso tempo, não conseguem penetrar no íntimo das coisas.

O meu íntimo, porém, eu vos devo expor, uma excentricidade, um vício, ou, se se quiser, uma doença do meu espírito, a fim de que compreendais que um abismo infranqueável me separa tanto das obras literárias aqui (ao que parece) diante de mim, quanto daquelas lá atrás de mim e que eu, por me olharem com um olhar alheio, hesito em chamar de minhas.

Não sei se me admira mais a intensidade da vossa benevolência ou a inacreditável precisão da vossa memória ao revocardes os distintos (e pequenos) planos com que me entretinha naqueles belos dias do nosso comum entusiasmo. Eu realmente queria pintar os primeiros anos de reinado do nosso glorioso soberano Henrique VIII, bem-aventurado seja! O memorial que herdei de meu avô, o duque de Exeter, concernente às suas negociações com a França e Portugal, constituíam o meu fundamento, ou algo assim. E, partindo de Salústio, em dias, como aqueles, tão felizes e animados, o entendimento da forma me afluía como que por canais que jamais entopem, aquela forma íntima, verdadeira e profunda vislumbrada apenas além do curral dos artifícios retóricos, da qual não se pode mais dizer que organiza o material, pois o penetra, supera e cria juntamente poesia e verdade, uma interação de forças eternas, uma coisa tão magnífica quanto a música e a álgebra. Era bem esse o meu dileto plano. Mas o que é o homem para fazer planos!

Eu me entretinha com outros planos igualmente. Vossa benévola missiva também os faz vir à tona. Ora, cada um, saturado com uma gota do meu sangue, dança agora à minha frente qual mosca em parede escura, na qual não bate mais o ledo sol do dia claro.

Eu queria decifrar as fábulas e mitos que os antigos nos legaram – nos quais pintores e escultores um deleite sem cuidados, sem limites vêm achando –, qual se foram os hieróglifos de uma secreta e inexaurível sabedoria, cujo sopro acreditei sentir, vez por outra, como sob um véu.

Eu me recordo desse plano. E um não sei que apetite sensível e inteligível o sustinha: como o cervo perseguido busca a água, buscava eu os corpos nus e reluzentes, as dríadas e as sereias, Narciso e Proteu, Perseu e Acteão: e neles desvanecer, e com eles voltar a falar. Isso eu buscava. E buscava muito mais. Pensei em organizar uma recolha de apotegmas, como a que Júlio César escreveu: haveis de vos lembrar da sua menção numa epístola de Cícero. Pensei compô-la com as mais célebres sentenças que, no meu trato com sábios e mulheres finas deste tempo, bem como, dentre o vulgo, com gente mui particular, e, por fim, com eruditos e personagens distintas, minhas viagens me deixassem recolher; ao que acrescentaria belos ditos e reflexões dos antigos e dos italianos, e quanto lustro intelectual – em livros, manuscritos e conversas – cruzasse eventualmente o meu caminho; finalmente, o arranjo de belas festas e cortejos, crimes perversos e casos de furor e ódio, a descrição dos maiores e mais excêntricos monumentos da Holanda, França, Itália e ainda muito mais. Obra toda cujo título, por sua vez, não devia ser outro além de Nosce te ipsum [2].

Numa palavra: imersa numa como embriaguez contínua, toda a existência me soava então como uma coisa só: o mundo sensível e o inteligível não se opunham um ao outro, nem tampouco o cortesão e a besta, a arte e a não-arte, solidão e companhia; em tudo eu sentia a natureza, tanto nas aberrações da loucura quanto nos maiores requintes de um cerimonial espanhol; nas patetices de jovens camponeses e nas mais doces alegorias; e em toda a natureza me sentia a mim; quando, em minha cabana de caça, eu bebia o leite morno e espumante que um sujeito maltrapilho, com balde de madeira, tirara de uma bela vaca de olhos mansos, em nada diferia se, sentado, em meu estúdio, no banco ante a janela, sorvesse do in-fólio a nutrição do espírito, tão doce e espumante quanto aquela. Uma e outra eram iguais; nenhuma excedia a outra em natureza onírica, celeste até, nem tampouco em intensidade corpórea, o que se propagava por toda a espessura da vida, à esquerda e à direita; e no meio de tudo estava eu, e jamais guardava a mera aparência: e tudo me dava a impressão de ser um símile, e cada criatura a chave de outra, e eu bem me sentia capaz de tomá-las como pela alça, uma a uma, e escancarar com ela as que pudesse escancarar. O que bem explica o título de obra tão enciclopédica.

A quem seja susceptível a tais estados d’alma, poderia parecer um plano longamente acalentado da divina Providência que o meu espírito haja tombado de infladíssima arrogância neste poço extremo de fraqueza e desalento, em que consiste agora o permanente estado do meu íntimo. Concepções assim religiosas não têm, contudo, qualquer força sobre mim; elas pertencem, com efeito, às teias através das quais minhas idéias mergulham no vazio, enquanto muitas companheiras suas lá se prendem e descansam. Os mistérios da fé se me condensaram numa altíssima alegoria: sobre os campos da vida minha esplende um arco-íris na lonjura perpétua, sempre pronto a recuar caso me ponha no seu encalço, ou queira me cobrir com a borda do seu manto.

Os conceitos mundanos, porém, venerando amigo, se me escapam da mesma maneira. Como vos hei de pintar esses raríssimos tormentos do espírito, esses galhos que, crescendo com espantosa rapidez, levam os frutos para longe da mão que os procura, essa água que recua ante a sede dos meus lábios?

Meu caso, em suma, é o seguinte: perdi completamente a capacidade de pensar ou falar com coerência sobre o que quer que seja.

Primeiro, e pouco a pouco, fui ficando inapto a discorrer sobre temas gerais e de mais alta monta, e não dava com as palavras de que toda a gente, sem a mais mínima hesitação, costuma se servir. A simples menção de termos como ‘espírito’, ‘alma’ e ‘corpo’ me causava um inexplicável mal-estar. Ao que me tocava a mim, achava impossível portar um julgamento sobre os negócios da corte, os sucessos do parlamento ou o que quer que venhais a imaginar. E isso não por uma qualquer forma de decoro, pois sabeis que minha franqueza pode chegar à leviandade: senão as palavras propriamente abstratas, de que naturalmente a língua lança mão para formular qualquer juízo, desfaziam-se em minha boca como cogumelos podres. Ora, aconteceu-me então repreender minha filha Catarina Pompília, que contava quatro anos, por uma mentira que inventara, e querer que compreendesse o elevado mister de falar sempre a verdade, quando os conceitos que afluíam à minha boca assumiram de repente tantos e tão variados matizes, imbricando-se um no outro, que não pude mais que precipitar o final da sentença, qual se fora acometido de um mal súbito – e, efetivamente, com rosto pálido e feroz dor de cabeça, deixei a criança entregue a si própria, cruzei a porta atrás de mim e apenas consegui bem ou mal me recompor depois de um galope a cavalo pelo pasto solitário.

Gradativamente, porém, essa impugnação se expandiu como ferrugem, carcomendo o que lhe viesse ao encontro. Mesmo aqueles juízos que se costumam disparar à-toa, com certeza sonâmbula, nas mais triviais conversas de família, exigiam-me agora tanto escrúpulo que deixei de tomar parte em tais conversas. Uma ira inexplicável me invadia – a qual, a despeito de muito esforço, eu mal conseguia ocultar – se ouvisse coisas como: ‘Fulano ou Beltrano saiu-se bem ou mal em tal empresa’; ‘O delegado X é mau, o capelão Y, porém, é um bom homem’; ‘Pobre do feitor Z, seus filhos acabam com tudo’; ‘Feliz de Não-sei-quem, suas filhas gastam pouco’; ‘Essa família chega às alturas, essoutra desce aos infernos’. Pois tudo me parecia tão mentiroso, furado e indemonstrável quanto possível. E todas as coisas que ocorressem em tais conversas meu espírito me impelia a examinar de perto, monstruosamente de perto: assim como, certa feita, eu olhara na lupa a cutícula do mindinho, e ela mais se pareceu a uma planície esburacada, assim também procedia agora no meu trato com os homens e as suas ações. Não conseguia mais apreendê-los com o olhar do costume, que une e simplifica. Tudo se me desfazia em pedaços, e esses de novo em outros pedaços, e não havia mais nada que se deixasse atrelar a um conceito. As palavras, em mim, boiavam isoladas; então coalhavam e eram olhos me encarando, que eu encarava de volta: eram vórtices cuja mera visão me dava vertigem, que fluíam sem parada e desaguavam no vazio.

Tentei me salvar dessa situação apelando aos Antigos. Platão eu evitei; pois temia os perigosos vôos da sua imaginação. Pensei em ater-me sobretudo a Sêneca e Cícero. Essa harmonia de conceitos definidos e ordenados me haveria de curar. Mas não pude chegar até eles. Eu entendia muito bem esses conceitos: observava o maravilhoso jogo das suas relações crescer diante de mim como engenhosas cascatas movendo esferas de ouro. Podia andar à sua volta e ver como se solicitavam: mas só tinham que ver um com o outro, e o mais fundo e pessoal do meu pensamento ficava de fora da sua dança. Sobreveio-me, então, ali, entre eles, uma terrível solidão; senti-me como que encerado num jardim cheio de estátuas cegas que falassem; fugi de novo para campo aberto.

Desde então, suspeito, mal podereis imaginar a existência que levo, fluindo assim sem qualquer conta do espírito, do pensamento, e coisas afins; uma existência que decerto mal difere da dos meus vizinhos, parentes e da maioria dos senhores de terras deste reino, e que tem lá os seus momentos de alegria e animação. Não me é nada fácil vos dizer onde se encontram tais momentos; as palavras novamente me abandonam. Pois se trata de algo totalmente inominado – se é que é passível de nominação – que, nesses momentos, transbordando como a um vaso cada manifestação do quotidiano ao meu entorno em vida plena e superior, faz-e notar por mim e se revela. Não posso esperar que me compreendais sem mais exemplos, cujo caráter ordinário, aliás, demanda vossa indulgência. Um regador, um rastelo esquecido no campo, um cão tomando sol, um cemitério humilde, um aleijado, uma pequena choupana – tudo isso pode ser o vaso da minha revelação. Cada objeto desses e milhares de outros semelhantes, pelo quais o olho costuma passar com natural indiferença, pode, então, de súbito, em qualquer momento que seja – o qual, a propósito, absolutamente não está em meu poder ocasionar –, assumir um cunho tão excelso e comovente que não creio possa exprimir-se em palavras. Ora, mesmo sobre certa representação de um objeto ausente pode recair a imponderável escolha, enchendo-a até a borda com a suave e de repente transbordante plenitude da emoção divina. Eu ordenara, pois, recentemente, que se espalhasse abundante veneno de rato junto aos depósitos de leite de uma das minhas feitorias. Como já podeis imaginar, na hora do crepúsculo montei num cavalo e simplesmente me esqueci do assunto. Então, como eu trotasse no meio da lavoura e nada mais grave houvesse à minha volta do que um ninho de codornas e o grande sol poente sobre os campos ondulados, abriu-se-me de súbito um depósito interior, e encheu-se com a agonia da população de ratos. Tudo estava em mim: o ar úmido e frio do depósito, carregado do agridoce do veneno e acompanhado de guinchos estridentes, agonizantes, que o mofo das paredes abafava; aqueles espasmos de impotência, apinhando-se um no outro, e desespero atrás de desespero; a busca tresloucada da saída; o olhar gélido de fúria, enfim, se um topasse com algum outro numa fenda bem vedada. Eis-me de novo no encalço das palavras – coisa que já conjurei! Porventura recordais, meu caro, um maravilhoso passo de Lívio, em que descreve as horas imediatamente anteriores à destruição de Alba Longa? Como erram pelas ruas que não mais verão… como dizem adeus às pedras dos caminho. Digo-vos, pois, amigo meu: isso eu guardei comigo lá no fundo, assim como Cartago em chamas; mas isso era mais, e mais divino, e mais animalesco; e era o presente, o mais pleno e colossal presente. Lá estava uma mãe que se cercara dos filhotes moribundos e lhes não lançava a eles, nem às implacáveis paredes de pedra, o seu olhar, senão ao ar livre ou antes, através do ar, ao infinito, com pranto e ranger de dentes! Um escravo cheio de horror e impotência ante Níobe virando pedra deve ter passado pelo que passei quando a alma desse bicho, dentro em mim, rosnou ante o destino ingente.

Perdoai-me a descrição, mas não penseis que fora misericórdia o que então me acometeu. Não no penseis, repito, pois, nesse caso, o exemplo escolhido terá sido infeliz. Era muito mais e muito menos que misericórdia: era participar totalmente, era desaguar naquelas criaturas ou sentir que um fluido de vida e de morte ali desaguasse por um momento – mas de onde? Pois o que teria que ver com misericórdia, com associação minimamente razoável de humanas idéias, o encontrar, certa tarde, sob uma nogueira, um regador semi-vazio que um jardineiro olvidara, e esse regador e a água que contém (escurecida pela sombra da árvore) e um besouro nadando em sua superfície de uma escura margem para a outra e essa junção de nulidades, enfim, me estremecer com a presença do infinito, me estremecer da cabeça aos pés, de modo que bem explodiria em palavras de que bem sei, caso as achasse, que derrubariam os querubins em que não creio? Agora, semanas depois de voltar tão mudo quanto lá chegara, quando avisto a tal nogueira olho-a apenas de soslaio, timidamente, e vou-me logo embora, pois não quero afugentar a lembrança do milagre flutuando ao redor do tronco, nem dispersar o calafrio mais que terreno bafejando no arvoredo vizinho.

Nesses momentos, uma criatura insignificante, um cão, um rato, um besouro, uma disforme macieira, uma estrada serpenteando pelo monte, uma pedra coberta de musgo – são mais do que jamais foi a mais bela e devota amada na noite mais feliz. Tais criaturas mudas – e às vezes inanimadas – se elevam a tal plenitude, a tanta presença de amor que o meu bem-aventurado olho não dá com borrão sem vida ao redor de si. Eis que tudo me parece, tudo o que existe, tudo o que lembro, tudo o que os mais turvos pensamentos meus manipulando vão, tudo me parece ser alguma coisa. Mesmo o meu próprio peso e a costumeira obtusidade do meu cérebro me parecem alguma coisa; sinto um dança deliciosa e numa palavra infinita em mim e ao meu redor, e das coisas que dançam entre si não há nenhuma em que eu não possa me escoar. É como se, então, o meu corpo fosse feito de sonoras cifras que me abrissem tudo. Ou como se entrássemos em nova, em divinatória relação com toda a existência, e começássemos a pensar com o coração. Mas logo que esse estranho encantamento me abandona, não sei testemunhar mais nada a seu respeito; e seria tão pouco capaz de dizer em termos racionais o que era essa harmonia que me cosia ao mundo todo, e como ela me tornava sensível, quanto proferir algo de exato sobre os movimentos peristálticos ou a congestão sangüínea.

Afora esses casos estranhíssimos, os quais, de resto, mal sei se deva atribuir ao espírito ou ao corpo, vivo uma vida incrivelmente vazia e peno muito para esconder de minha mulher a apatia do meu íntimo, e dos agregados a minha indiferença ante as vicissitudes da fazenda. A boa e severa educação que devo a meu saudoso pai e o costume antigo de não deixar ociosa nenhuma hora do dia são, segundo me parece, as únicas coisas que mantêm uma postura de vida exteriormente satisfatória e uma aparência adequada ao meu posto e pessoa.

Estou construindo uma ala do castelo onde moro, e de quando em quando consigo conversar com o arquiteto sobre os progressos do seu trabalho; administro meus bens, e meus feitores e agregados talvez me achem mais lacônico, porém não menos benevolente que outrora. Nenhum deles, tirando o chapéu quando passo a cavalo, ao fim da tarde, pela porta da respectiva casa há de suspeitar que o meu olhar, que ele sói interceptar com o todo o devido respeito, anseia em silêncio pelas tábuas podres debaixo das quais ele procura minhocas para pescar, flui por grades estreitíssimas e mergulha em bolorentas câmaras, em cuja quina um leito baixo que um lençol de muitas cores cobre parece estar sempre à espera de quem vai morrer ou vai nascer; que o meu olho pousa longamente sobre os odientos filhotes de cão ou sobre o gato que fareja, flexível e faceiro, entre os vasos de flores, e que esse olho busca, enfim, entre todos os mais pobres e rudes objetos da existência rural aquele cuja forma discreta, cuja desprezada presença, cuja essência muda se possa tornar em fonte daquele enigmático, inefável, ilimitado encanto. Pois essa minha inominável, bem-aventurada sensação antes me vem de uma longínqua e só fogueira de um qualquer pastor que da visão do céu estrelado; antes do trilado do último grilo, já próximo da morte, quando o vento de outono sopra as nuvens invernais sobre os campos vazios que do majestático trom de um órgão. E vez por outra chego a comparar-me a Crasso, o orador, de quem se afirma ter-se tanto e tão desmesuradamente enamorado de uma moréia, um olhirrubro peixe surdo e mudo do seu aquário doméstico, que se tornara o assunto da cidade; e quando em pleno senado, certa feita, Domício censurou-lhe as lágrimas por ocasião da morte do peixe e qui-lo representar qual se fora quase um tolo, Crasso lhe respondeu: “Assim fiz eu na morte do meu peixe, o que vós nem na morte da vossa primeira mulher, nem tampouco na da segunda, todavia lograstes fazer”.

Não sei quão freqüentemente dou com Crasso e a sua moréia refletidos sobre o abismo dos séculos qual reflexo de mim mesmo. Tal não se deve, porém, à resposta que deu a Domício. A resposta pôs o riso ao seu favor, e o negócio todo acabou em piada. Em mim, contudo, o negócio cala fundo, e ainda que Domício chorara lágrimas de sangue, da mais sincera dor, por ambas as suas mulheres, calaria fundo mesmo assim. Pois Crasso ainda estaria diante dele, com as suas lágrimas pela moréia. E sobre essa imagem, cujo caráter ridículo e desprezível, aliás, no meio de um senado que governa o mundo e discute as coisas mais elevadas, só pode saltar à vista – sobre essa imagem algo de inefável me impele a refletir, e isso de um modo tal que me parece totalmente tolo no instante mesmo em que o tento exprimir em palavras.

Há noites em que esse retrato de Crasso me fende a cabeça, como um prego a cuja volta tudo supura, pulsa, ebule. Então é como se eu pegasse fogo, borbulhasse, fervesse, chamejasse. E tudo é uma espécie de pensamento febril, mas pensamento com um material mais imediato, dúctil, incandescente que as palavras. Há vórtices também, mas não do tipo que, como os da língua, parece conduzir ao insondável, senão dos que transportam a alguma parte dentro em mim, ao regaço mais fundo, mais pacífico.

Já vos enfadei além da conta, estimadíssimo amigo, com extensas descrições de um estado inexplicável que, segundo o seu costume, fica trancado nas entranhas minhas.

Ao declarar vossa insatisfação com tal estado tanta e tamanha foi a vossa benevolência que nenhum livro de minha autoria pode mais “Compensar-vos pela ausência de comércio entre nós”. Neste mesmo instante tive toda a certeza, não de todo livre de um penoso sentimento, que nos anos vindouros e seguintes e restantes, em suma, dessa minha vida não escreverei obra em latim ou em inglês: e isso por um motivo cuja dolorosa excentricidade eu deixo à vossa infinita superioridade intelectual, que observa impassível o harmônico reino dos fenômenos físicos e metafísicos estender-se diante de vós, a tarefa de classificar: a saber, porque a língua em que me seria dado, não apenas escrever, mas também pensar, talvez, não é a latina nem a inglesa nem a italiana nem a espanhola, mas uma língua de que não conheço nenhuma palavra, uma língua em que me falam as coisas mudas, e na qual um dia terei quiçá de me justificar, depois de morto, ante um juiz desconhecido.

Gostaria que me fosse dado, nas últimas palavras dessa que é provavelmente a última epístola que escrevo a Francis Bacon, condensar todo o amor e gratidão e admiração sem fim pelo maior benfeitor do meu espírito e primeiro entre os britânicos do nosso tempo; sentimentos, esses, que guardo e guardarei no coração até que a morte o despedace.

Aos vinte e dois de agosto deste milésimo sexcentésimo terceiro ano de Nosso Senhor Jesus Cristo,

Phi. Chandos.

Tradução de Érico Nogueira (Hugo von Hofmannsthal. Ein Brief. In: Der Brief des Lord Chandos: Schriften zur Literatur, Kunst und Geschichte. Philip Reclam jun., 2000, pp. 46-59).


[1] “Aqueles que, acometidos de grave moléstia, não sentem qualquer dor, também sofrem dos males do espírito” (N. do T.).

[2] “Conhece-te a ti mesmo” (N. do T.).


Artigo publicado originalmente na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Ed. nº 4, Dez/2009.


Imagem:  Uma carta de Arthur Conan Doyle sobre The Hound of the Baskervilles. Disponível [online] no link: https://www.flickr.com/photos/43021516@N06/8346428573/. Imagem em Domínio Público.


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Gran Torino: A liderança de si próprio (por Pablo González Blasco)

Cinema | 17/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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(Gran Torino) . Diretor: Clint Eastwood. Clint Eastwood, Bee Vang, Ahney Her, Christopher Carley, John Carroll Lynch. 116 min. 2008.

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“Um filme onde Clint Eastwood, o machão de ‘Dirty Harry’ e ‘Magnum 44’, acerta as contas com ele mesmo”. Esse era o tom das manchetes quando o filme entrou em cartaz. Mais uma vez, porém, fui obrigado a discordar das críticas repletas de lugares-comuns, prontas para serem consumidas por um público em que a superficialidade reina soberana, e que por isso mesmo engole qualquer comentário simplista.

A verdade, no entanto, é outra. Há tempos Clint Eastwood vem arrumando as próprias contas e nos surpreendendo com filmes ótimos, de sensibilidade delicada, tais como “Cartas de Iwo Jima”, “Sobre Meninos e Lobos”, “A Troca”, dentre outros. Longe ficou aquela figura do policial durão, do sexista – como se diz hoje, em rasgado anglicismo – para surgir o homem maduro, o cavalheiro, que sintoniza com o universo feminino e não teme transparecer os próprios sentimentos.

É bem verdade que esse percurso de ajuste de contas teve suas idas e vindas, sobretudo quando Clint entra em cena. É o egoísmo que se disfarça de compaixão em “Menina de Ouro”, incapaz de suportar o sofrimento, não tanto o alheio quanto o próprio. É o romance impossível que transpassa e marca para sempre a vida da mulher rural em “As pontes de Madison”, onde o diretor-ator demonstra notável conhecimento dos sentimentos femininos; verdadeiro ensaio que busca contestar o provérbio “ninguém entende as mulheres”: “Um momento” – parece dizer o fotógrafo das pontes de Madison – “eu as entendo!”. E, para demonstrá-lo, conduz Meryl Streep a construir a inesquecível “Francesca”. São tentativas vitais de quem aposentou as armas do justiceiro implacável – do “eu-resolvo-tudo” –, e quer olhar o interior do ser humano, com respeito, buscgran-torino_1ando apenas aprender. Talvez seja por isso que Eastwood demore a voltar em cena e fique atrás das câmaras, dirigindo – quer dizer, tentando entender os bastidores da alma humana. Agora, porém, entra novamente em ação, apesar de avisar que será seu último filme como ator. Eu tenho cá minhas dúvidas…

Gran Torino é um filme maduro em todos os sentidos.  Maduro na temática – embora a abordagem da questão dos imigrantes pareça-me irrelevante para a densidade da fita. Maduro, sobretudo, na construção da personagem que, convenhamos, é ele mesmo, o próprio Clint. Se tivesse que dar um subtítulo ao filme colocaria algo assim como “sem idade para as mudanças”. Ou, de forma mais rebuscada, atrever-me-ia a imitar o estilo de Cervantes, em Dom Quixote, escrevendo: “Onde se relata como um homem pode mudar aos 78 anos”. Esse é o núcleo do filme: a possibilidade de mudar, fazer questão de tirar o melhor de si próprio, com uma violência que é um transbordar de mansidão. Melhorar “nem que seja a porrete”, como dizia Augusto Matraga, do nosso Guimarães Rosa.
O filme começa lento, com um enterro que posiciona Walt Kowalski em seu novo papel de viúvo. Demora a decolar, parecendo até que não há argumento. Uma espera de quem nada espera, porque nada lhe sobrou. É o momento de reflexão sobre a rotina que preside os dias, a vida. O velho viveu a vida recolhendo insatisfações, e agora sua motivação definha. Lembrei dos comentários de um amigo, médico geriatra, sobre os seus pacientes: “A vida biológica está no fim” –dizia ele – “mas a biografia é rica, muito rica. É preciso encontrar algo que ative a biografia para substituir a biologia”. E Walt encontra nos vizinhos orientais a faísca que dispara o arco voltaico, a vontade de viver e, com ela, a necessidade de mudar.

Lembranças entranháveis foram se assomando à minha memória durante as duas horas de filme. Lembrei-me de um grande amigo já falecido: “Minha vida pode se dividir em duas partes: antes e depois de conhecer vocês, este grupo de amigos formidáveis – costumava dizer ele, quando nos reuníamos periodicamente. Ele, que à época tinhagran-torino_2 70 anos, ilustrava esta mudança com uma recordação da sua vida: “Quando tinha 40 anos, um amigo me disse que tomasse cuidado para não brigar com as pessoas, porque nessa idade era difícil fazer novos amigos. Ele estava tremendamente equivocado”. Mário – assim se chamava – veio a falecer com 85 anos, rodeado de amigos, velhos e novos. Para mim, sempre foi a prova cabal de que não existe idade para mudar. Assisti ao esforço de um homem que conseguiu dominar um temperamento forte, superar limitações que arrastava desde a adolescência, entusiasmar-se como uma criança com projetos de vida.

Essas lições de vida ganhavam agora nova perspectiva ao ver Clint Eastwood às voltas com as mudanças. Mário também tinha um carro antigo, que havia comprado do próprio João Goulart (nunca soube se era verdade, provavelmente o era), e surpreendeu-me quando, muitos anos depois, roubaram-lhe uma perua Chevrolet modelo Caravan 1978, que deixara estacionada à frente da casa de outro amigo comum. Ficou sereno, sorridente. Descobrimos que o carro não tinha seguro, e perguntamos o motivo de tamanha tranqüilidade: “Eu tenho dinheiro para comprar outra. Tenho mais é que agradecer a Deus. É o mesmo que vocês quando dizem que perderam dinheiro na bolsa. Felizes vocês que tinham dinheiro para aplicar”. Orgulhava-se de nunca ter comprado nada a prazo, e de ter honrado todos os seus compromissos antecipadamente. Andava sem relógio porque sempre chegava antes da hora. Foi um privilégio ser amigo desse homem que, certamente, teria gostado de Gran Torino.

O Cinema evoca lembranças, faz-nos pensar. E quando nos deparamos com um filme maduro como este, a reflexão acompanha cada um dos fotogramas. Na verdade, quando se faz cinema nesta idade – na idade do Clint e do Mário – não se perde tempo com superficialidades. Já se viveu muito; viu-se praticamente tudo; já houve oportunidade de se lidar com as grandezas e as misérias humanas. Por isso, parte-se diretamente para o que interessa; atinge-se o miolo do ser humano, sem rodeios, direto ao ponto. Dizia Victor Frankl – o psiquiatra austríaco que sobreviveu à Auschwitz e lá confirmou sua teoria sobre a necessidade de se ter sentido para a vida para se viver bem – que seria bom termos duas vidas: uma para tentar acertar e outra para ser vivida, de fato, passando a limpo a vida, sem erros. Nessas idades tem-se a certeza de que a vida é uma só, que está passando, e não há tempo a desperdiçar. A reflexão assume o papel de protagonista: do ator, do diretor e do espectador, todos em perfeita sintonia.

A reflexão não é hábito em alta nestas épocas de muita comunicação, de rapidez, de vida “on line”, e até de “second life”. O virtual desloca o real e confunde o homem que se encontra perdido entre os dois mundos, náufrago da sua própria indigência. Mesmo assim, o Cinema impacta, tem pegada. Mas quando falta o hábito de refletir, o impacto dura pouco. Surgem lembranças, emoções, até alguma saudade pontual, um par de lágrimas, mas tudo fica por isso mesmo. São como fotografias instantâneas – aquelas polaróides horrorosas – que se desbotavam com o tempo. Hoje, a técnica da fotografia progrediu muito e as facilidades estão ao alcance de qualquer bolso. Câmaras, celulares, palms e blackberrys registram tudo, de todos, a todo o momento. Pode-se até antever que se saiu bem na foto; e, na dúvida, repete-se a tomada. Mas a reflexão continua ausente. Por isso, tenta-se compensar a carência daquelas outras imagens que se plasmam no coração e se incorporam à própria biografia, com fotografias disparadas em profusão.
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Com freqüência, tenho a possibilidade de comprovar tudo isso quando me convidam para ministrar palestras sobre a educação das emoções, cenário onde utilizo habitualmente cenas de filmes. Projeto imagens, faço comentários simultâneos, facilito a reflexão. A opinião do público costuma ser sempre a mesma: “Eu já tinha visto esses filmes, mas não com esses olhos. Vou ter de ver de novo”. Na verdade, os olhos são os mesmos, mas a reflexão sobre o que se contemplou é que dá o tom de novidade. E acontece o que sempre ocorre quando nos debruçamos em atitude reflexiva sobre a vida, ou sobre os filmes que, afinal, são espelho da vida de todos nós: abre-se um panorama novo, sente-se vertigem diante das possibilidades que a vida – e o celulóide – nos oferecem. Conhecer é lembrar com afeto, re-cor-dar, extrair do coração (cor, cordis, em latim) as imagens que lá estão ocultas, colocar outras novas, dialogar com elas sem medo. O homem – dizia o filósofo – é um ser que esquece e, por isso, necessita recordar. E como esquece o essencial – não os detalhes – tem de lembrar quem ele é, o que pretende, o que busca na vida. O Cinema nos ajuda a recordar estes aspectos essenciais, quando há disposição para refletir.

Sim, é possível mudar, transformar-se, tornar-se melhor, buscar caminhos novos para a vida, sem aceitar a idade como desculpa para o conformismo. Nisto consiste a liderança de si próprio, que é a primeira e a mais importante das lideranças. “O homem paciente” – lê-se no livro dos Provérbios – “vale mais do que o valente; e o que domina o seu ânimo, mais do que o conquistador de cidades”. Esta liderança, agregada à experiência de vida, é exemplo contundente para todos – jovens e velhos –exemplo que nos chega temperado pela compreensão de quem viveu muito, e por um carinho doce, aconchegante. “No entardecer da vida” – dizia o místico João da Cruz – “seremos julgados no amor”. O que realmente conta no final da vida é a capacidade de olhar as coisas com ternura, com amor. Olhar para si próprio, fazer questão de melhorar a cada dia e contagiar os outros com essa vontade de mudar. A idade nada tem a ver com a aposentadoria da alma.

“O difícil não é lidar com o que você fez porque foi obrigado, mas com o que você fez e ninguém lhe obrigou a fazer”. Bela declaração do velho Clint-Kowalski, que transpira a coragem de quem assume os próprios erros. Jogar as culpas no “sistema” – na família, no emprego, no chefe, na sociedade, no governo – é o recurso dos medíocres, alérgicos a qualquer tipo de responsabilidade. Algo que hoje é lugar-comum. Saber matar a bola no próprio peito e sair jogando implica liderar a si próprio. Alguém me disse que Clint continua querendo resolver as coisas sozinho, bancar o herói, embora tenha deixado distante a figura do matador. Respondi que há coisas na vida que tem de ser resolvidas individualmente, de nada servindo apelar para o “sistema”. Não entender isso é o que transforma reuniões e trabalhos-em-grupo em verdadeiros fracassos. Só é possível trabalhar em grupo quando cada um sabe arcar, a priori, com a própria responsabilidade. Trabalho em equipe não é diluição de responsabilidades, uma espécie de variante do inconsciente coletivo em versão indolente. Saber trabalhar em equipe é ter a humildade de ouvir, de querer entender os outros, de assumir para valer as próprias responsabilidades. É o binômio humildade-honestidade, indispensável para arcarmos com as responsabilidades que nos cabem, mesmo que os outros não nos cobrem ou sequer consigam visualizá-las.

Pablo González Blasco

Publicado originalmente em: <http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2009/05/19/a-lideranca-de-si-proprio/>

Sobre a felicidade e a prática das virtudes em Aristóteles: um breve comentário – por Natália Gama

Filosofia | 15/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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“Criança na cozinha” (1904), de Carl von Bergen (1853-1933)

 

Vivemos em um tempo em que, paradoxalmente, por um lado, o acesso a bens culturais, científicos e tecnológicos é ampliado; por outro, o número de quadros de ansiedades, web depressões e afazeres da ordem do dia aumenta vertiginosamente. Para reinterpretar essas contradições e iluminar a moldura existencial dos dias de hoje, recordamos algumas reflexões de Aristóteles sobre a felicidade e a prática das virtudes.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, diz que “toda arte, toda investigação e igualmente todo empreendimento e projeto previamente deliberado colimam algum bem, pelo que se tem dito, com razão, ser o bem a finalidade de todas as coisas.”[1]

Segundo Aristóteles, é natural, faz parte da nossa essência, direcionarmos as ações para um fim, já que há sempre uma intenção última. Mas a questão é: qual seria este objetivo final? Na compreensão do Estagirita, há um bem maior que é a finalidade de todos os demais bens, um bem absoluto que prevalece sobre todas as coisas: a felicidade. Todavia a felicidade é uma matéria polêmica, difícil de classificar.

 As pessoas ordinárias a identificam como algum bem óbvio e visível, tais como o prazer, ou a riqueza ou a honra, umas dizendo uma coisa e outras algo diferente; na verdade, com muita frequência, o mesmo indivíduo diz coisas diferentes em ocasiões diferentes: quando fica doente, pensa ser a saúde a felicidade; quando é pobre, julga a riqueza a felicidade. Em outras oportunidades, sentindo-se consciente de sua própria ignorância, os indivíduos (comuns) admiram aqueles que propõem algo grandioso que ultrapassa a compreensão deles e tem sido sustentado por alguns pensadores, que além de muitas coisas boas que mencionamos há um outro bem, que é bom em si mesmo, e se coloca em relação a todos aqueles bens como causa de serem bons.[2]

Para um melhor entendimento do que vem a ser a felicidade, esse “bom em si mesmo”, Aristóteles não exclui a presença de bens relativos, como a saúde, riqueza, honra, etc. Pelo contrário, os enxerga, em boa medida, como bens úteis para a obtenção de uma vida feliz. Ainda sobre este ponto,

parece haver diversas finalidades visadas por nossas ações; entretanto, ao elegermos algumas delas, por exemplo a riqueza, ou flautas e instrumentos em geral – como um meio para algo -, fica claro que nem todas elas são finalidades completas, ao passo que o bem mais excelente (o bem supremo) parece ser algo completo. Consequentemente, se houver alguma coisa que, por si só, seja a finalidade completa, essa coisa – ou se houver várias finalidades completas, aquela entre elas que for a mais completa – será o bem que é objeto de nossa investigação.”[3]

Aristóteles, durante toda a discussão apresentada na Ética a Nicômaco, especialmente no Livro I, sublinha a completude presente em algo que seja uma finalidade em si mesmo em contraste com algo que se busque como meio para um determinado fim. Em consonância com tal distinção, o filósofo define a felicidade como absolutamente completa, “uma vez que sempre optamos por ela por ela mesma e jamais como um meio para algo mais, enquanto a honra, o prazer, a inteligência e a virtude sob suas várias formas, embora optemos por elas mesmas (…), também optamos por elas pela felicidade na crença de que constituirão um meio de assegurarmos a felicidade.”[4]

Contudo, para suprir a carência de uma avaliação mais explícita do que seja a felicidade, Aristóteles propõe determinar a função do ser humano. Se um artesão reside na função que ocupa, semelhantemente, seria possível sustentar que o bem humano reside na função humana, no caso do ser humano ter uma função. Dentro desse raciocínio, o filósofo destaca a racionalidade, diferencial do homem em relação aos demais seres vivos. A partir dela, a função do ser humano seria o exercício ativo das faculdades da alma, e conclui que “o bem humano é o exercício ativo das faculdades da alma em conformidade com a virtude, ou se houver diversas virtudes, em conformidade com a melhor e mais perfeita delas. (…) de forma a ocupar uma existência completa, pois (…) um dia ou um efêmero período de felicidade não torna alguém excelsamente feliz.”[5]

Se a felicidade é uma atividade da alma em conformidade com a virtude perfeita, torna-se necessário compreender a natureza da virtude. Segundo Aristóteles, a felicidade humana significa excelência da alma, não do corpo; logo, para estabelecer uma coerência com o pensamento aristotélico, a felicidade examinada é uma atividade da alma. Ao analisar a alma, o filósofo a apresenta como sendo bipartida, uma parte irracional (faculdade vital presente em todas as coisas vivas que permite a nutrição e o crescimento) e uma parte racional. De acordo com esse princípio de divisão, as virtudes também são agrupadas em duas modalidades: as intelectuais e as morais. As primeiras devem, em grande parte, seu desenvolvimento ao ensino, e por isso requerem experiência e tempo; enquanto que as virtudes morais são adquiridas em resultado do hábito, não nos são naturais, tendo em vista que nada que existe por natureza pode ser alterado por um costume. Podemos notar essa relação da repetição rotineira com aquisição da virtude quando descrevermos o caráter (disposições morais) de alguém. Não dizemos que se trata de alguém capaz de entendimento ou de grande sabedoria, mas o caracterizamos como alguém sóbrio ou moderado, destacando a continuidade das ações.

De forma prática, as virtudes, para Aristóteles, estão intimamente relacionadas com as ações e as paixões, e cada uma delas é acompanhada por prazer ou sofrimento. Essa associação é importante porque as virtudes e os vícios do homem se relacionam com as mesmas coisas, o nobre e o vil, o agradável e o doloroso, entre outros pares. Para equilibrar essas relações, a virtude passa a ser compreendida como o hábito de escolher o justo meio, aquilo que está entre o excesso e a falta. Assim, o meio termo seria algo único para todos os homens, uma virtude de mediania, isto é, capaz de aplicar uma sabedoria prática.

Também a virtude consiste na justiça que é praticada em relação ao próximo. Com efeito, a justiça completa, no mais próprio e pleno sentido do termo, aquilo que é próprio da virtude. A justiça é uma espécie de meio-termo que confere ao justo, por escolha própria, o discernimento de não dar mais do que convém a si mesmo e menos do que convém a seu próximo.

Aristóteles, ao longo de toda investigação sobre a natureza da felicidade e de como podemos alcançá-la, defende que a vida feliz não é um bem realizável totalmente, mas uma busca constante, acompanhada pela aquisição e desenvolvimento das virtudes. Um percurso que é direcionado à polis, ao bem comum, visto ser o homem um animal político. E a felicidade, de acordo com essa moldura do pensamento aristotélico, é uma busca em que se justifica a boa ação humana, um bem almejado por si mesmo não em vista de outra coisa, um bem para o qual todas as ações estão voltadas.

Recuperamos essas reflexões sobre a felicidade e a prática das virtudes na tentativa de propor uma releitura das estruturas da ação humana, especialmente para os dias de hoje. Recordar essas noções nos permite reconfigurar, em certa medida, os paradoxos atuais, a finalidade das ações realizadas, as crescentes incongruências entre vida exterior e vida interior, nossos hábitos e objetivos. Confere-nos instrumentos para agir no mundo. Uma sabedoria prática que reside entre o fazer e a esperança de bem-viver.

*Natália da Silva Gama é Doutoranda em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2013.

NOTAS:

[1] ARISTÓTELES, 2013, p. 37.

[2] Ibdem, p.40, 41.

[3] Ibdem, p. 47, 48.

[4] Ibdem, p.48.

[5] Ibdem, p.50.

 

Artigo publicado no site Dicta&Contradicta em 14/09/2015. Disponível [online] no link <http://www.dicta.com.br/sobre-a-felicidade-e-a-pratica-das-virtudes-em-aristoteles-um-breve-comentario/>

Da necessária separação entre Estado e Governo (por Marcus Boeira)

Política e Sociologia | 10/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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Sabe-se que, diferentemente dos Estados Unidos, em que a separação tripartite dos Poderes representa um arranjo adequado de instituições para a sociedade americana, fortemente consensual em sentido social, o Brasil adentrou na era da axiologia constitucional sem um projeto coerente e racional de instituições políticas. Para a realidade americana, a tripartição de poderes aparece como um modelo de consagração histórica, existente desde a fundação do país e que, por isso, mostra-se extremamente adequado à realidade norte-americana, firmemente sustentada em princípios tais como o common law e o self-government, próprios da cultura anglo-saxônica. O self-government, enquanto princípio, refere que a sociedade americana é uma sociedade formada da base para o topo, isto é, uma sociedade que precede a formação do Estado, razão pela qual é uma sociedade fortemente detentora da capacitação para empreender projetos políticos e sociais a partir de si mesma, sem a necessidade de uma intervenção massiva do governo. Desta maneira, a tripartição de poderes, nos Estados Unidos, representa um modelo acidental de instituições políticas, uma vez que a maior parcela de poder é concentrada na própria sociedade e esta, organizada na base, possui condições sociais e políticas suficientes para controlar os poderes políticos, equilibrando-os. A democracia social americana, de que falou TOCQUEVILLE, representa um modelo político em que o monopólio da legitimidade de poder e de controle não se situa dentre os poderes, mas na própria base social. A sociedade, assim, possui condições de controlar o poder e, ao assim proceder, vivenciar na prática a democracia constitucional. Em um certo sentido, é apropriado dizer que nos Estado Unidos, a sociedade, e não o Estado, é o verdadeiro centro de poder. Tanto é, que ROBERT DAHL chama tal sistema de Poliarquia.

Este forte caráter de autogoverno presente na sociedade americana é devido ao processo histórico que resultou na revolução americana, verdadeira fundação do país. A América foi formada por um processo de emigração de famílias inglesas que se organizaram socialmente, em comunidades coloniais. Os Estados Unidos não conheceram um passado feudal, o que afastou o país das heranças baseadas nos ideários sociais de estratificação e sustentação tradicional do poder. Por estas razões, o consenso na América não é um atributo das instituições políticas, mas uma função desempenhada pela própria sociedade americana que, por meio do consenso social e do alto grau de poder que concentra e controla efetivamente o poder político (poliarquia). Sobre isto, CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR demonstra que “nos Estados Unidos, a fonte sócio-política do poder está no povo, na comunidade. Lá a afirmação de que ‘o poder emana do povo’ não soa como simples princípio jurídico, um ‘dever-ser’ inscrito na Constituição, mas corresponde ao que foi, na realidade histórica, a formação americana. Conseqüentemente, o povo é politicamente forte em relação ao poder estatal que ele próprio criou”.

Tais características da sociedade política americana são diametralmente diferentes da realidade brasileira. A formação de nossa sociedade ocorreu de modo distinto daquele sucedido entre os norte-americanos. No entanto, a partir de 1891, com a adoção do modelo republicano em território brasileiro, transportamos para nossa realidade as instituições consagradas nos Estados Unidos. Tais instituições, em sua gênese, consistiam em dois pontos: primeiro, na adoção de um presidencialismo de estirpe norte-americana, em que as funções de chefia de estado e chefia de governo passariam, de imediato, a ser compreendidas em uma mesma pessoa que, ocupando o poder executivo (a presidência da república), exerceria duas funções distintas: a função de Estado e a função de Governo; o segundo ponto seria a transplantação de um arranjo tripartite de poderes, em que Executivo, Legislativo e Judiciário estariam em posições eqüidistantes e eqüipotentes, sem a presença de um poder acima destes para estabelecer o equilíbrio e a manutenção moderadora da integridade política.

A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891, assim, fez tabula rasa das instituições do Império e consagrou entre nós um presidencialismo forte, bem como uma separação de poderes à moda clássica (vigente nos Estados Unidos). Com isto, derrubou o sistema tradicional do Império, em que existia um quarto poder, a saber, o poder moderador, responsável pela função de chefia de Estado e de árbitro dos demais poderes. Este, em suas atribuições constitucionais, controlava e limitava a atuação dos demais em função da manutenção da unidade política e da integridade do consenso.

JOÃO CAMILO DE OLIVEIRA TÔRRES é claro a esse respeito: “Depois do Poder Legislativo, isto é, do poder que tem a nação de determinar regras gerais para o comportamento de seus membros e de autoconstituir-se, vem o Poder Régio, aquele que possui a nação de reger-se a si mesma, de auto-determinar-se. Pela Constituição, tal função cabia ao Imperador, que exercia o Poder Moderador, o poder de manter em equilíbrio a máquina do Estado e de representar a nação perante o mundo. Uma prova da consciência toda especial que tinham os homens da primeira fase da história do Império do caráter essencialmente moderador das funções imperiais dá-nos a educação ministrada a D. Pedro II em menino. Pretendiam (e, no caso, conseguiram-no) fazer dele um homem em quem as paixões não deveriam nunca ter lugar e que, em tudo e por tudo, se fizesse inspirar pelos princípios abstratos da razão. E que pusesse os ideais espirituais e éticos acima de tudo. A grandeza e a fraqueza dos tediosos e quase tétricos educadores do ‘pupilo da Nação’ estava em que, no século do capitalismo e na América, criaram um chefe de Estado que colocava os fins morais do Estado acima dos valores econômicos. Daí a ditadura da moralidade e a tacha de inimigo do progresso que muitos deram a D. Pedro II. A Constituição de 1824, ao tratar do Poder Moderador, reproduzia em suas linhas mestras o conceito tradicional da realeza medieval. O Imperador, como chefe de Estado, continuava gozando das prerrogativas de seus antepassados”.

Nesse sentido, o art. 98 da Constituição do Império brasileiro de 1824 falava que “o Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao imperador como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Como se observa, o Poder Moderador era, à época imperial, o poder responsável pela manutenção do consenso político, a saber, pela manutenção da ordem política brasileira e, assim, da unidade da nação em seus valores comuns.

O fim da era imperial brasileira e o advento da República entre nós representou, portanto, a adoção de um modelo consagrado em território norte-americano, em que as características de formação social e política diferem em muito do caso brasileiro. Estas diferenças de formação, em razão de distintas posturas das sociedades políticas norte-americana e brasileira frente ao poder, ocasionaram também diferenças nos resultados em cada um dos países. Por que isso aconteceu?

SEYMOUR MARTIN LIPSET diz que “deve-se atentar para o fato de que o caráter dos regimes democráticos pode variar consideravelmente, dependendo dos diversos elementos na estrutura social das nações com os quais as instituições políticas devem entrelaçar-se”. Completando,
OLIVEIRA TÔRRES é salutar, ao referir que “em países diferentes as instituições serão diferentes, mesmo fundadas em leis iguais. Talvez que, se as Constituições tivessem tido redações dessemelhantes, os resultados se assemelhassem. Importa, pois, apurar a diferença, isto é, a razão pela qual os países da América Ibérica diferem, quanto à política, dos Estados Unidos”.

Parece claro que a diferença substancial entre os dois países reside na formação de suas sociedades políticas. Enquanto nos Estados Unidos a Sociedade precede a Política, havendo um consenso social forte e efetivo, a saber, um self-government, no Brasil, assim como em todos os países da América Ibérica, o Estado precede e forma a Sociedade, sem o qual esta não existiria. Na verdade, a precedência do Estado sobre a formação social, entre nós, caracteriza na sociedade brasileira, um forte apego às coisas do Estado, anteriormente à sociedade em si mesma. Por essa razão, a sociedade brasileira é uma sociedade altamente dissensual na base e ausente em forças sociais que possam mobilizá-la em direção a um projeto comum. Este apego às coisas do Estado intensifica-se com a herança de uma cultura altamente patrimonialista ofertada pela civilização lusitana, formadora do Brasil.

Por esse motivo, viu-se a adoção de uma versão republicana à moda norte-americana sendo transportada para o Brasil, uma realidade social em que o Estado é forte, patrimonialista e precedente em relação à sociedade. Quais as conseqüências desse fato?

Primeiro, o presidencialismo brasileiro acabou com a função moderadora do chefe de Estado, como era vigente na Constituição do Império. Assim, a partir da República, o presidente passa a concentrar duas funções: chefia de Estado e Chefia de Governo. Segundo, com a versão tripartite dos poderes, tal como temos hoje, não há um órgão para estabelecer o consenso político acima dos demais. Em razão disso, pressupunha-se que a sociedade brasileira pudesse realizar um forte controle efetivo sobre os poderes. Porém, tal não sucedeu. A sociedade brasileira, por herança patrimonialista e concebida pelo Estado, não o controla efetivamente. Muito pelo contrário. Por ele age e por ele é condicionada. A conseqüência disso foi uma inadequação das instituições americanas ao nosso contexto, que começou com a República e perpassa até os dias atuais.
A importação indevida das instituições americanas para o Brasil e também para toda a América Ibérica em geral, acabou assim, por concentrar uma alta carga de poderes nas mãos do Poder Executivo, o que durante o século XX se agravou com diversas ondas de golpes de Estado e de Autoritarismos que marcaram a região nesse período.

Este agravamento se deve ao fato de que, diferentemente dos Estados Unidos, a sociedade brasileira e latino-americana de um modo geral não possui forças sociais capacitadas para estabelecer um controle eficaz e poliárquico sobre o Poder do Governo, razão pela qual os golpes e regimes de exceção são facilitados frente ao fraco caráter controlador das sociedades da América Ibérica.

Assim, na realidade, a adoção do presidencialismo e sua perpetuação na história da República brasileira representou e continua a representar uma paulatina inviabilidade para todo e qualquer projeto político sério e comprometido com o bem comum. A saber: o sistema presidencialista e a tripartição clássica dos poderes demonstra um anacronismo em relação ao que a democracia constitucional brasileira aspira em termos práticos.

Os bens e valores do sistema democrático brasileiro são postados em nossa Constituição de 1988 como fins da democracia constitucional. Todavia, como vimos, tais finalidades são realizadas de modo mais concreto e eficiente quando o Estado de Direito e o arranjo de suas instituições estão organizados para corresponder às exigências do bem comum.

Ora, diante disso, qual o problema sociológico evidente que atrapalha para a melhor concretização da democracia constitucional brasileira, na realidade social? Ou melhor, como podemos pensar um caminho eficaz para a efetividade social das normas constitucionais que tratam da composição ontológica de nosso sistema político?

Se a sociedade brasileira foi fundada de cima para baixo, como ficou evidenciado, sendo o Estado e não a sociedade o verdadeiro pólo de poder entre nós, fato é que o caminho para um melhor arranjo de instituições rumo ao consenso não pode começar na sociedade, mas no Estado, gênese da existência nacional. O consenso, em razão disso, deve ser primeiro político, para depois almejar a comunidade.

Por essa razão, o presidencialismo e a tripartição clássica dos poderes não ofertam terreno sadio para nossa democracia constitucional. Isso por duas razões. Primeiro, ao elevar o caráter unipessoal do presidente da república na figura de chefe de estado e de chefe de governo confunde na mesma pessoa, duas funções diametralmente diferentes. Como define SOUZA JUNIOR, “estado não é o mesmo que governo. Enquanto o primeiro é a sociedade política global – o todo -, governo é um dos elementos do Estado, ou seja, o elemento diretor ou o conjunto de órgãos que detém o poder na sociedade política. E, em sentido mais estrito (…) governo é o grupo que exerce, num determinado Estado e em dado momento, a ‘função executiva’. Se o Estado, como unidade social, permanece no tempo, os governos, ao contrário, passam, sucedem-se uns aos outros. Ademais, o Estado, como sociedade global, não se identifica com raças, classes, regiões ou partidos, mas os transcende; já os governos devem exprimir, o melhor possível, a opinião político-partidária dominante. Enfim, o Estado tem objetivos próprios que não se confundem com os objetivos próprios dos governos”.

Enquanto o Estado cuida do consenso político, a saber, da unidade integral acerca dos valores éticos comuns partilhados na comunidade política, o governo, por ser produto de uma disputa político-partidária, representa interesses e aspirações de cunho ideológico e setorial, sendo controlado por uma oposição institucionalizada. Assim, como se vê, as funções de chefia de Estado e de chefia de Governo são diferentes, pois enquanto o primeiro cuida do consenso, o segundo, nasce do conflito ideológico.

Por isso, quando se misturam no mesmo órgão unipessoal duas funções tão distintas, acaba-se por, não raras vezes, confundir-se Estado com Governo, a saber, valores e consenso, com partidos e ideologias. Além disso, os objetivos setorizados do governo dificilmente, são partilhados com a oposição, o que não acontece com a chefia de Estado, que busca a integração nos valores do bem comum. Sendo assim, resta clara a imprescindibilidade de uma separação funcional e institucional entre tais funções, no sentido de que a manutenção dos valores e do consenso político não sejam instados por objetivos ideológicos presentes nas aspirações de um chefe de governo.

SOUZA JUNIOR, acerca disso, sustenta que “como corolário dessa distinção, extrai-se que os processos de preenchimento da chefia de Estado e da chefia de Governo não podem ser idênticos, mas devem se conformar à natureza específica de cada uma. A forma de designação do titular da chefia de Estado vede propiciar a escolha de alguém que seja, o máximo possível, desvinculado das correntes partidárias disputantes do poder. Já, ao contrário, a forma de indicação do ocupante da chefia de Governo deve conduzir à escolha de um líder de partido que esteja identificado com as aspirações da opinião pública dominante. Esses os critérios que nos devem orientar na busca da forma de designação ou de eleição mais conveniente à sociedade política, uma vez que a função de chefia de Estado exige, como condição para bom exercício, a imparcialidade e a neutralidade partidárias, ao passo que a chefia de Governo requer a condição de líder da corrente partidária prevalecente. Nomear o chefe de Estado segundo critérios político-partidários não quer dizer democracia política, mas parcialização da suprema magistratura do Estado, aliás perigosíssima para a sobrevivência da democracia.

Eleger o chefe de governo segundo critérios avessos à opinião política, isto sim, é limitar ou negar o princípio democrático de participação popular no governo”.

Diante disso, é fundamental ter presente a necessidade de se construir um caminho para uma nova engenharia de instituições políticas que assegure o consenso político. Entre nós, o presidencialismo acabou por concentrar alta carga funcional para o Poder Executivo, pois que lhe conectou as necessárias funções de chefiar o estado e chefiar o governo. Além disso, resultou em outra conseqüência própria do regime presidencialista: a de que o presidente é eleito diretamente pelo povo e, por isso, só a ele presta contas.

Fato é que, conforme já observamos, a sociedade brasileira é passiva e paternalista, pois tudo espera do Estado. Isso é assim porque em nossa formação, o Estado cria, concebe e forma a sociedade de cima para baixo, tornando-a dependente das castas políticas que formam o Estado brasileiro.

Ora, diante de uma sociedade fraca, com baixos fatores de consenso internos, paternalista e dependente do Estado, é evidente que ela não consiga estabelecer modos efetivos de controle sobre o poder político de baixo para cima, tal como a sociedade americana. Nesta, o self-government faz com que o meio social, tal como vimos em TOCQUEVILE, exerça efetivamente, um controle rigoroso sobre o poder. Diferentemente, a sociedade brasileira, formada de cima para baixo, não possui condições sociais e de formação histórica suficientes para estabelecer um controle efetivo sobre o poder.

Dessa forma, quando nossas elites políticas importaram o regime presidencialista e a tripartição clássica dos poderes, logo no advento da República, desconheciam os resultados que tal decisão poderia resultar para o futuro do Estado brasileiro. Sim, pois se a sociedade brasileira é paternalista e fraca para estabelecer controles eficazes sobre o poder político, como poderia controlar o poder do presidente da república e fazer com que o mesmo lhe prestasse contas? Ou ainda: como tal sociedade, sem caráter consensual de base, poderia estabelecer um controle sobre os três poderes políticos entre si, arbitrando-os em situação de conflitos? Ou mais: como podemos almejar o consenso se nem a sociedade brasileira, nem tampouco as instituições do presidencialismo possuem, na tripartição clássica, condições funcionais para um verdadeiro consenso político?

Se o Brasil é um país em que o Estado precede a formação social, a gênese de nossa existência política nacional perpassa os quadros burocráticos e patrimoniais do Estado brasileiro. Assim, a construção de um consenso efetivo sobre valores partilhados em comum pela sociedade brasileira não pode começar no próprio seio social, mas na arquitetura das instituições políticas do Estado, razão pela qual o consenso entre nós não pode ser “social”, como nos Estados Unidos, mas “político”, respeitando-se aí o processo de formação histórica brasileira.

Um país marcado por diferenças culturais e regionais, deve organizar as suas instituições políticas para garantir o consenso político sobre os valores éticos comuns. E esse consenso só é possível, conforme vimos, quando se institucionaliza um órgão acima das disputas ideológicas partidárias, a saber: um poder político suprapartidário e localizado acima das ideologias e interesses setoriais. Enfim, uma instituição política (com funções políticas bem definidas), que assegure a preservação dos valores e assim, do consenso. Por essa razão, tal poder não pode ser o Poder Executivo, órgão governamental de direção política que, dinamizado pelos conflitos ideológicos e plurais ocorridos no espaço público em que partidos e tendências diametralmente opostas, competem em vista desse cargo. O órgão de que estamos falando é um poder que tem como função chefiar o Estado como um todo, buscar a unidade do país e a integração dos bens partilhados em comum por toda a sociedade brasileira. Por isso, sua principal missão é manter o consenso e assegurar a existência dos demais poderes políticos do Estado.

Separar Estado e Governo e, assim, dividir as funções hoje presentes em nosso presidencialismo, em atribuições cabíveis para dois órgãos distintos, parece ser o primeiro caminho para a construção de um modelo institucional mais eficiente e comprometido com o bem comum.

Vemos essa necessidade porque, diferentemente dos Estados Unidos, em que o consenso é social, motivo pela qual o governo é um mero acidente e não representa ameaça ideológica para a integração que já existe na base social (pois os partidos políticos norte-americanos não possuem diferenças ideológicas, mas apenas estratégicas diante do consenso que já existe na sociedade), o Brasil é um país em que o consenso só é possível por intermédio da política estatal. Para isso, o Estado deve arranjar suas instituições e conceber um poder acima das disputas ideológicas partidárias para manter a unidade da nação e a integração sobre os valores comuns. Eis porque, a chefia de Estado e a chefia de Governo devem estar em campos separados.

Ademais, dentro da estrutura política da tripartição de poderes brasileira, o presidente não poderia exercer o papel de um poder moderador, uma vez que nesse arranjo institucional há uma rígida separação entre os órgãos, não podendo, em tese, haver interferência de um poder sobre o outro. Assim, não há possibilidade de existir um controle efetivo sobre os poderes, uma vez que, nem a sociedade (fraca) e nem o Executivo (impossibilitado funcionalmente), podem estabelecer um controle efetivo sobre os poderes entre si. Daí, a necessidade de um poder acima dos demais para representar o consenso político e manter a integridade da nação, os valores comuns e, assim, cuidar do bem comum.

Para nossa democracia constitucional se dinamizar em direção ao seu fim (bem comum), é importante que todas as demais causas estejam em sintonia. Assim, a comunidade política é mais soberana quando a cidadania é mais plural e mais universal. A cidadania é plena quando a dignidade da pessoa é assegurada de modo concreto pelas instituições do Estado de Direito. E estas, quando melhor arquitetadas, facilitam a realização do bem comum. E, o melhor arranjo institucional para nosso sistema político é aquele que fomenta o consenso político, entendendo que a sociedade brasileira não é ativa para organizar por si própria, um consenso social. E, o consenso político só subsiste quando há um poder do Estado institucionalizado para manter a unidade e a integração, que esteja acima dos interesses partidários e dos grupos de pressão, enfim, que não comprometa o bem comum com posições ideológicas (típicas do órgão de direção política governamental).

KARL LOEWENSTEIN, constitucionalista alemão, tratou das diferenças entre democracias e autocracias dizendo que a marca das primeiras está na distribuição do poder. No presidencialismo, o poder é fortemente concentrado nas mãos do presidente da república, que concentra funções de Estado e de Governo que, em princípio, são incompatíveis.

Diferentemente disso, sugerimos que a distribuição política das funções indicadas em poderes distintos ocasionaria três resultados satisfatórios para a efetivação prática e sociológica das normas constitucionais que constituem nossa democracia constitucional: 1º) o surgimento de um órgão – chefia de Estado- para a preservação do consenso político; 2º) a divisão do poder executivo que, no modelo anacrônico do presidencialismo brasileiro, concentra várias funções políticas, tais como funções de Estado, Governo, Administração e Exército; 3º) a separação entre Estado e Governo, assim, acarretaria um distanciamento entre as duas funções que, agora ajustadas em dois poderes distintos, corresponderiam a duas atividades antagônicas: com relação ao Estado, haveria um órgão para a defesa do consenso político, para a preservação da unidade nacional e para a manutenção da integridade política dos demais poderes. Já com relação ao governo, existiria um órgão de direção política embasado em uma determinada ideologia representativa das aspirações sociais no momento eleitoral oportuno, em que o partido vencedor procuraria dinamizar o país rumo às exigências da sociedade, empreendendo a direção política em virtude das tendências legitimadas pela sociedade política no período eletivo.

A chefia do Estado, então, se justificaria como meio de manutenção da integridade dos valores comuns frente ao pluralismo de ideologias e interesses. Ao mesmo passo, porém, ter-se-ia um órgão institucionalizado – chefia de governo – para o conflito do pluralismo ideológico entre grupos, partidos, grupos, associações e todos os cidadãos que participassem na esfera pública.

Todavia, hoje, verificamos no Brasil um arranjo de instituições que une a mesma pessoa e o mesmo poder, funções estas que deveriam ser distintas. Apesar disso, a manutenção do modelo anacrônico de separação de poderes e do presidencialismo não impede “totalmente” a concretização do bem comum entre nós. Pari passu ao inadequado arranjo de instituições políticas, a democracia constitucional brasileira ainda assim procura, na medida do possível, realizar os valores consagrados no texto da Constituição de 1988.

As causas do sistema democrático constitucional brasileiro estão em sintonia normativa (Direito Constitucional) e justificativa (Filosofia Política), mas precisam corresponder de modo mais empírico à realidade democrática nacional. E isso é possível quando as instituições políticas, responsáveis pela própria existência do Estado de Direito e, assim, da própria matéria prima democrática, mostrem-se arquitetadas de modo coerente e realista com as finalidades éticas da ordem política postadas na Constituição.

RAMOS diz que “é verdade que não se pode conceber uma Democracia sem as divergências de opiniões, inerentes á liberdade de pensamento. Entretanto, não é menos verdadeiro que qualquer sistema democrático implica sempre em um mínimo de consenso: exatamente no que toca valores e instituições fundamentais da própria Democracia. As lutas político-partidárias, expressão do choque ideológico entre os diferentes segmentos sociais, devem ser travadas no plano da ação governamental, sem colocar em risco os pilares sobre os quais está assentado o edifício político”.

No caso brasileiro, o sucesso real de nossa democracia constitucional somente irá caminhar de modo mais seguro em direção aos valores e ao consenso quando nossas instituições políticas forem arranjadas de maneira a garantir o próprio consenso e a preservação dos valores. A existência de um órgão acima das disputas político-partidárias poderia ser um bom caminho para o desenvolvimento político e institucional de nosso sistema político. O advento de órgão responsável pelo Estado – chefia de Estado – não apenas asseguraria o consenso político e a integridade nacional, como também impediria instabilidades e possíveis golpes de Estado que formam o caráter genético das instituições de praticamente, todos os países latino-americanos, sobretudo, o Brasil. Além disso, facilitaria um jogo equilibrado e interativo entre os demais poderes políticos, uma vez que existiria, a partir de então, um poder funcional responsável pela harmonia dos demais.

Referências bibliográficas:

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Marcus Boeira é Professor de Filosofia Política e Filosofia do Direito, membro da Confraria de Artes Liberais (http://artesliberais.com.br/)

Publicado originalmente em <http://www.formacaopolitica.com.br/artigos/da-necessaria-separacao-entre-estado-e-governo-marcus-boeira/>

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