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Calça jeans, tênis e toga

Opinião Pública | 18/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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Há pouco, completamos dezessete anos de carreira judicial. Fomos aprovados em cento e doze juízes, sendo que dois já sofreram o supremo roubo de Deus, visto sob olhos humanos, de forma que restam ainda cento e dez colegas de toga do mesmo concurso. Todos procedentes de lugares tão diferentes quanto exóticos, com visões de mundo divergentes e convergentes misturadamente. Todavia, o que mais chamou atenção da opinião pública na época foi o fato de que, entre mais de seis mil candidatos, ao final, os mais moços mostraram-se preponderantemente os mais capazes: a maioria dos aprovados não tinha mais que vinte e cinco anos.

Eu tinha vinte e três. Pertencia, então, ao seleto grupo de “despreparados e potenciais inconsequentes”, como nos chamou um dos editoriais mais críticos à política de aprovação da corte paulista. Padecíamos de uma suposta “menoridade intelectual” para o exercício do cargo. “Juízes tão jovens a decidir os destinos dos cidadãos? Como?” – era o que mais se ouvia. Até minha avó, quando soube da aprovação, parabenizou-me e depois disse que me achava precoce demais para o cargo. Respondi que, como a idade avança inexoravelmente, a precocidade teria vida curta…

Acreditar que ser jovem é um defeito para o exercício da magistratura envolve uma certa mentalidade gerontocrática que, na linha pedagógica platônica, acabou por prevalecer anos depois com a edição da reforma do Poder Judiciário (EC 45/04), a qual passou a exigir o “limbo existencial” de três anos de formado para a candidatura aos concursos de ingresso aos tribunais de justiça. Como se o juiz, durante o início de sua carreira, não tivesse uma longa formação específica e não tivesse qualquer contato com os colegas mais velhos.

Seria uma espécie de eremita togado, sem contar o fato de que, durante os dois primeiros anos de carreira – período de vitaliciamento – suas decisões e posturas são constantemente supervisionadas por juízes formadores, pela corregedoria e pelos advogados. Sob um olhar retrospectivo, vejo que um legado de justiça que vai se consolidando, entre nossos erros e acertos, foi fruto de sabermos manter nossa esperança por uma sociedade melhor alicerçada num espírito varonil.

Há um tipo de esperança que brota da energia juvenil, mas que se esgota com os anos, com o adentrar na maturidade. Mas a verdadeira esperança oferece ao homem um “ainda não” que triunfa sobre o declínio das energias naturais. Dá ao homem tanto futuro, que o passado passa ser considerado “pouco passado”, por mais rica e longa que tenha sido a vida. A esperança é a força do desejo voltado para um “ainda não” que, quanto mais nos aproximamos dele, mais se distancia.

Por isso, a verdadeira esperança produz uma eterna juventude. Comunica ao homem elasticidade e leveza, uma juventude exigente e flexível ao mesmo tempo, qualidade própria dos corações fortes. Trata-se de uma valentia despreocupada e confiante, que caracteriza e distingue o homem de espírito jovem, fazendo dele um exemplo atrativo. A esperança confere uma juventude inacessível à velhice e à desilusão.

“Espera. O tempo passa. E, um dia, o tempo fica”, diz o bardo português. Muitos anos passaram-se e aqueles bravíssimos juízes imberbes alcançaram a maturidade existencial. Tropeçaram e levantaram. Mas continuaram jovens de espírito e, como prova disso, hoje, a mesma opinião pública enaltece o trabalho silencioso de muitos jovens juízes.

Somos tão jovens e assim devemos permanecer. Nada como a poesia para falar da vida. Razão ao nosso bardo. Esperamos e o tempo dos juízes jovens veio para ficar e marcar uma época histórica. Eis a nossa tarefa e o nosso desafio: trabalhar diariamente para distribuir o justo concreto, mas com a mentalidade de quem ainda usa calça jeans, tênis, camiseta e carrega, dentro de si, por vocação, um “coração togado”. Com respeito à divergência, é o que penso.

PS: em dezembro, um grupo de juízes, do qual faço parte, lançará a obra “Literatura em prosa e verso”. Colaborei com quatro crônicas forenses inéditas e uma sentença penal em verso, proferida num caso real. Quando souber de maiores detalhes, avisarei por aqui. Por ora, sei apenas que o evento será na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi. Estarei de calça jeans, tênis e camiseta.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 18/11/2015, Página A-2, Opinião.

Gran Torino: A liderança de si próprio (por Pablo González Blasco)

Cinema | 17/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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(Gran Torino) . Diretor: Clint Eastwood. Clint Eastwood, Bee Vang, Ahney Her, Christopher Carley, John Carroll Lynch. 116 min. 2008.

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“Um filme onde Clint Eastwood, o machão de ‘Dirty Harry’ e ‘Magnum 44’, acerta as contas com ele mesmo”. Esse era o tom das manchetes quando o filme entrou em cartaz. Mais uma vez, porém, fui obrigado a discordar das críticas repletas de lugares-comuns, prontas para serem consumidas por um público em que a superficialidade reina soberana, e que por isso mesmo engole qualquer comentário simplista.

A verdade, no entanto, é outra. Há tempos Clint Eastwood vem arrumando as próprias contas e nos surpreendendo com filmes ótimos, de sensibilidade delicada, tais como “Cartas de Iwo Jima”, “Sobre Meninos e Lobos”, “A Troca”, dentre outros. Longe ficou aquela figura do policial durão, do sexista – como se diz hoje, em rasgado anglicismo – para surgir o homem maduro, o cavalheiro, que sintoniza com o universo feminino e não teme transparecer os próprios sentimentos.

É bem verdade que esse percurso de ajuste de contas teve suas idas e vindas, sobretudo quando Clint entra em cena. É o egoísmo que se disfarça de compaixão em “Menina de Ouro”, incapaz de suportar o sofrimento, não tanto o alheio quanto o próprio. É o romance impossível que transpassa e marca para sempre a vida da mulher rural em “As pontes de Madison”, onde o diretor-ator demonstra notável conhecimento dos sentimentos femininos; verdadeiro ensaio que busca contestar o provérbio “ninguém entende as mulheres”: “Um momento” – parece dizer o fotógrafo das pontes de Madison – “eu as entendo!”. E, para demonstrá-lo, conduz Meryl Streep a construir a inesquecível “Francesca”. São tentativas vitais de quem aposentou as armas do justiceiro implacável – do “eu-resolvo-tudo” –, e quer olhar o interior do ser humano, com respeito, buscgran-torino_1ando apenas aprender. Talvez seja por isso que Eastwood demore a voltar em cena e fique atrás das câmaras, dirigindo – quer dizer, tentando entender os bastidores da alma humana. Agora, porém, entra novamente em ação, apesar de avisar que será seu último filme como ator. Eu tenho cá minhas dúvidas…

Gran Torino é um filme maduro em todos os sentidos.  Maduro na temática – embora a abordagem da questão dos imigrantes pareça-me irrelevante para a densidade da fita. Maduro, sobretudo, na construção da personagem que, convenhamos, é ele mesmo, o próprio Clint. Se tivesse que dar um subtítulo ao filme colocaria algo assim como “sem idade para as mudanças”. Ou, de forma mais rebuscada, atrever-me-ia a imitar o estilo de Cervantes, em Dom Quixote, escrevendo: “Onde se relata como um homem pode mudar aos 78 anos”. Esse é o núcleo do filme: a possibilidade de mudar, fazer questão de tirar o melhor de si próprio, com uma violência que é um transbordar de mansidão. Melhorar “nem que seja a porrete”, como dizia Augusto Matraga, do nosso Guimarães Rosa.
O filme começa lento, com um enterro que posiciona Walt Kowalski em seu novo papel de viúvo. Demora a decolar, parecendo até que não há argumento. Uma espera de quem nada espera, porque nada lhe sobrou. É o momento de reflexão sobre a rotina que preside os dias, a vida. O velho viveu a vida recolhendo insatisfações, e agora sua motivação definha. Lembrei dos comentários de um amigo, médico geriatra, sobre os seus pacientes: “A vida biológica está no fim” –dizia ele – “mas a biografia é rica, muito rica. É preciso encontrar algo que ative a biografia para substituir a biologia”. E Walt encontra nos vizinhos orientais a faísca que dispara o arco voltaico, a vontade de viver e, com ela, a necessidade de mudar.

Lembranças entranháveis foram se assomando à minha memória durante as duas horas de filme. Lembrei-me de um grande amigo já falecido: “Minha vida pode se dividir em duas partes: antes e depois de conhecer vocês, este grupo de amigos formidáveis – costumava dizer ele, quando nos reuníamos periodicamente. Ele, que à época tinhagran-torino_2 70 anos, ilustrava esta mudança com uma recordação da sua vida: “Quando tinha 40 anos, um amigo me disse que tomasse cuidado para não brigar com as pessoas, porque nessa idade era difícil fazer novos amigos. Ele estava tremendamente equivocado”. Mário – assim se chamava – veio a falecer com 85 anos, rodeado de amigos, velhos e novos. Para mim, sempre foi a prova cabal de que não existe idade para mudar. Assisti ao esforço de um homem que conseguiu dominar um temperamento forte, superar limitações que arrastava desde a adolescência, entusiasmar-se como uma criança com projetos de vida.

Essas lições de vida ganhavam agora nova perspectiva ao ver Clint Eastwood às voltas com as mudanças. Mário também tinha um carro antigo, que havia comprado do próprio João Goulart (nunca soube se era verdade, provavelmente o era), e surpreendeu-me quando, muitos anos depois, roubaram-lhe uma perua Chevrolet modelo Caravan 1978, que deixara estacionada à frente da casa de outro amigo comum. Ficou sereno, sorridente. Descobrimos que o carro não tinha seguro, e perguntamos o motivo de tamanha tranqüilidade: “Eu tenho dinheiro para comprar outra. Tenho mais é que agradecer a Deus. É o mesmo que vocês quando dizem que perderam dinheiro na bolsa. Felizes vocês que tinham dinheiro para aplicar”. Orgulhava-se de nunca ter comprado nada a prazo, e de ter honrado todos os seus compromissos antecipadamente. Andava sem relógio porque sempre chegava antes da hora. Foi um privilégio ser amigo desse homem que, certamente, teria gostado de Gran Torino.

O Cinema evoca lembranças, faz-nos pensar. E quando nos deparamos com um filme maduro como este, a reflexão acompanha cada um dos fotogramas. Na verdade, quando se faz cinema nesta idade – na idade do Clint e do Mário – não se perde tempo com superficialidades. Já se viveu muito; viu-se praticamente tudo; já houve oportunidade de se lidar com as grandezas e as misérias humanas. Por isso, parte-se diretamente para o que interessa; atinge-se o miolo do ser humano, sem rodeios, direto ao ponto. Dizia Victor Frankl – o psiquiatra austríaco que sobreviveu à Auschwitz e lá confirmou sua teoria sobre a necessidade de se ter sentido para a vida para se viver bem – que seria bom termos duas vidas: uma para tentar acertar e outra para ser vivida, de fato, passando a limpo a vida, sem erros. Nessas idades tem-se a certeza de que a vida é uma só, que está passando, e não há tempo a desperdiçar. A reflexão assume o papel de protagonista: do ator, do diretor e do espectador, todos em perfeita sintonia.

A reflexão não é hábito em alta nestas épocas de muita comunicação, de rapidez, de vida “on line”, e até de “second life”. O virtual desloca o real e confunde o homem que se encontra perdido entre os dois mundos, náufrago da sua própria indigência. Mesmo assim, o Cinema impacta, tem pegada. Mas quando falta o hábito de refletir, o impacto dura pouco. Surgem lembranças, emoções, até alguma saudade pontual, um par de lágrimas, mas tudo fica por isso mesmo. São como fotografias instantâneas – aquelas polaróides horrorosas – que se desbotavam com o tempo. Hoje, a técnica da fotografia progrediu muito e as facilidades estão ao alcance de qualquer bolso. Câmaras, celulares, palms e blackberrys registram tudo, de todos, a todo o momento. Pode-se até antever que se saiu bem na foto; e, na dúvida, repete-se a tomada. Mas a reflexão continua ausente. Por isso, tenta-se compensar a carência daquelas outras imagens que se plasmam no coração e se incorporam à própria biografia, com fotografias disparadas em profusão.
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Com freqüência, tenho a possibilidade de comprovar tudo isso quando me convidam para ministrar palestras sobre a educação das emoções, cenário onde utilizo habitualmente cenas de filmes. Projeto imagens, faço comentários simultâneos, facilito a reflexão. A opinião do público costuma ser sempre a mesma: “Eu já tinha visto esses filmes, mas não com esses olhos. Vou ter de ver de novo”. Na verdade, os olhos são os mesmos, mas a reflexão sobre o que se contemplou é que dá o tom de novidade. E acontece o que sempre ocorre quando nos debruçamos em atitude reflexiva sobre a vida, ou sobre os filmes que, afinal, são espelho da vida de todos nós: abre-se um panorama novo, sente-se vertigem diante das possibilidades que a vida – e o celulóide – nos oferecem. Conhecer é lembrar com afeto, re-cor-dar, extrair do coração (cor, cordis, em latim) as imagens que lá estão ocultas, colocar outras novas, dialogar com elas sem medo. O homem – dizia o filósofo – é um ser que esquece e, por isso, necessita recordar. E como esquece o essencial – não os detalhes – tem de lembrar quem ele é, o que pretende, o que busca na vida. O Cinema nos ajuda a recordar estes aspectos essenciais, quando há disposição para refletir.

Sim, é possível mudar, transformar-se, tornar-se melhor, buscar caminhos novos para a vida, sem aceitar a idade como desculpa para o conformismo. Nisto consiste a liderança de si próprio, que é a primeira e a mais importante das lideranças. “O homem paciente” – lê-se no livro dos Provérbios – “vale mais do que o valente; e o que domina o seu ânimo, mais do que o conquistador de cidades”. Esta liderança, agregada à experiência de vida, é exemplo contundente para todos – jovens e velhos –exemplo que nos chega temperado pela compreensão de quem viveu muito, e por um carinho doce, aconchegante. “No entardecer da vida” – dizia o místico João da Cruz – “seremos julgados no amor”. O que realmente conta no final da vida é a capacidade de olhar as coisas com ternura, com amor. Olhar para si próprio, fazer questão de melhorar a cada dia e contagiar os outros com essa vontade de mudar. A idade nada tem a ver com a aposentadoria da alma.

“O difícil não é lidar com o que você fez porque foi obrigado, mas com o que você fez e ninguém lhe obrigou a fazer”. Bela declaração do velho Clint-Kowalski, que transpira a coragem de quem assume os próprios erros. Jogar as culpas no “sistema” – na família, no emprego, no chefe, na sociedade, no governo – é o recurso dos medíocres, alérgicos a qualquer tipo de responsabilidade. Algo que hoje é lugar-comum. Saber matar a bola no próprio peito e sair jogando implica liderar a si próprio. Alguém me disse que Clint continua querendo resolver as coisas sozinho, bancar o herói, embora tenha deixado distante a figura do matador. Respondi que há coisas na vida que tem de ser resolvidas individualmente, de nada servindo apelar para o “sistema”. Não entender isso é o que transforma reuniões e trabalhos-em-grupo em verdadeiros fracassos. Só é possível trabalhar em grupo quando cada um sabe arcar, a priori, com a própria responsabilidade. Trabalho em equipe não é diluição de responsabilidades, uma espécie de variante do inconsciente coletivo em versão indolente. Saber trabalhar em equipe é ter a humildade de ouvir, de querer entender os outros, de assumir para valer as próprias responsabilidades. É o binômio humildade-honestidade, indispensável para arcarmos com as responsabilidades que nos cabem, mesmo que os outros não nos cobrem ou sequer consigam visualizá-las.

Pablo González Blasco

Publicado originalmente em: <http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2009/05/19/a-lideranca-de-si-proprio/>

Elogio à Leitura

Sem Categoria | 13/12/2014 | |

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"Ein kleiner Bücherwurm" de Eduard Swoboda (1814–1902)

“Ein kleiner Bücherwurm” de Eduard Swoboda (1814–1902)

 

A idade da maturidade aproxima-se inexoravelmente. Dizem que o homem, aos quarenta anos, passa por um período de profundo exame interior e, a partir dos resultados desse exame, busca novos desafios vitais, sintetizado pela máxima “a vida começa aos quarenta”. Na última semana, meu filho mais velho perguntou-me: “pai, o que você fez até hoje que resume o que você é?”. Respondi imediatamente: “Ler. E vou continuar me resumindo lendo”.

Hoje, para a geração twitter-tablet-smartphone, ler parece um exercício extraordinário, entediante e digno de sugar os miolos do cérebro. Não me estranha. Na minha juventude, para meus pais, a televisão, além de concorrente da leitura, era uma espécie de “a casa do capeta”. Olhando em perspectiva, comento com meus pais que eu tinha razão: naquela época, o máximo que a televisão conseguiu foi deixar uma boa pessoa alienada, a julgar pelos amigos daquele período com os quais ainda mantenho contato. Justamente porque eles não tinham o hábito da leitura para fazer o contraponto aos enlatados made in USA que entupiam a grade de programação dos canais.

Nunca é demais refletir sobre o lugar do livro e da leitura no mundo atual. Atualmente, mais que no passado, onde a televisão reinava sozinha, é indispensável que se proporcione, desde a aprendizagem mais elementar, uma verdadeira educação do gosto pela leitura, à luz da ativa valorização do rico patrimônio literário universal.

Por intermédio do livro, todos aprendemos a ler e a contar, a escrever e a pensar; pelo livro, aprendemos a conhecer os grandes pensadores e os escritores clássicos; pelo livro, aprendemos a conhecer os grandes textos sagrados; pelo livro, aprendemos as lições da história e os avanços da ciência; pelo livro, aprendemos os perenes valores que sempre regeram as sociedades em todos os tempos; pelo livro, aprendemos a sonhar outros mundos; pelo livro, aprendemos a rir, a chorar, a rezar e a amar; pelo livro aprendemos descobrir o que nos cerca; pelo livro, enriquecemos nossa linguagem, alimentamos uma fome de imaginário e educamos nossas emoções; no fundo, pelo livro, descobrimo-nos a nós próprios.

O livro e a leitura são instrumentos essenciais de exercício de inteligência, comunicação e informação. Afinal, o livro e a leitura moldaram definitivamente a nossa memória e identidade individuais e coletivas, bem como a nossa visão do mundo. Aliás, nunca repetimos a leitura de um mesmo livro, porque sempre somos diferentes no ato concreto da leitura. Gosto muito de uma definição de livro de Romano Guardini: um pequeno objeto irrepetível e cheio de mundo.

Em minha profissão, ler é muito importante para uma melhor expressão oral e escrita, comunicação, capacidade argumentativa e, de certo modo, maior expectativa de vida, afinal, como dizia Popper, convém que as opiniões enfrentem-se para que as pessoas não tenham que se enfrentar… Um homem lido é um homem mais maduro e mais livre, porque sabe ter uma posição crítica diante da realidade da vida. É por isso que, no passado, governos ditatoriais, regimes totalitários e fundamentalismos religiosos sempre buscaram queimar livros: como dizia um poeta alemão do começo do século XIX, uma sociedade que começa queimando livros acaba por exterminar pessoas. Dito e feito.

Ler, definitivamente, é uma necessidade existencial do espírito humano. Solitária, íntima e silenciosa: uma solidão, uma intimidade e um silêncio vibrantes, porque animados pela vida da palavra. Sem dúvida, nos dias atuais, se, para muitos, ler ou não ler é uma tremenda questão, para mim, é a melhor solução. Não a solução final, porque ainda me resta saber se o paraíso celestial será algum tipo de biblioteca com uma eternidade para devorá-la.

 

André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito, mestre em Filosofia e História da Educação, Pesquisador, Professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP e da Associação de Direito da Família e das Sucessões (ADFAS) e coordenador do IFE CAMPINAS (agfernandes@tjsp.jus.br).