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[resenha de livro] Dominique Lapierre: “Muito além do amor” (por Pablo G. Blasco)

Literatura | 16/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Dominique Lapierre: “Muito além do amor”. Salamandra. São Paulo. 1991. 376 pgs.

muito além do amorA tertúlia literária mensal brinda-me oportunidades sonhadas, e quase nunca realizadas por falta de tempo: reler os livros que me impactaram anos atrás. E fazê-lo de modo enriquecedor: poder compartilhar a leitura –não na impessoalidade das redes sociais- mas ao vivo, em animada conversa, pipocar de lembranças e reflexões em voz alta

Passaram-se quase 25 anos desde a leitura deste livro. Naquela altura, eu, médico jovem, acompanhei o surgimento da epidemia da AIDS, a impotência dos médicos, o tabu e a palavra que ninguém queria pronunciar. Foi também naquela época, quando um colega, também médico jovem, veio adoecer e faleceu pouco depois, de algo que ninguém queria comentar. Estive visitando-o e mostrou-se agradecido. Foi o meu residente quando eu estava nos últimos anos da faculdade. Conversamos, sorriu, mas nenhum de nós teve coragem de enveredar por temas clínicos, nem muito menos falar do mal que lhe acometia. Lembro que tinha um irmão padre, da mesma ordem religiosa que toma conta da Basílica de Aparecida. Foi ele quem o cuidou até o final e quem celebrou a Missa de sétimo dia, à qual estive presente.  Nessa época eu não tinha lido ainda o livro de Lapierre. Pouco depois, quando caiu na minha mão, fiz as conexões em todos os planos: no âmbito médico e também nos âmbito dos cuidados, entendendo de modo plástico o que o livro descreve maravilhosamente. A importância do conforto com que é preciso assistir aos doentes que padeciam desse mal.

Quando agora releio o livro, faço-o a grande velocidade, pois a melodia resulta-me conhecida. Uma toada que tinha ouvido, que permaneceu na memória. Lembrava, sem dúvida, da perplexidade médica diante de pacientes com o sistema imunitário destruído, algo que começa de maneira episódica e se transforma em epidemia. Lembrava também da gana investigadora de americanos e de franceses, num mano a mano; e das disputas entre Luc Montaigner e Robert Gallo, por ver quem seria o primeiro a isolar o causante da tragédia. Pesquisa, esforços, iniciativa, e risco da própria vida: alguns em busca da fama, outros de peito aberto para o bem da humanidade.

Mas não era esse o tema principal que ressoava na minha memória. Não foi isso o que mais me impactou, e sim os atores aparentemente coadjuvantes que fizeram toda a diferença neste história entranhável. O amor que está além da tragédia. Lembrava da Madre Teresa e das suas freiras. Da garota rejeitada pela própria família por ter sido atingida pela lepra o que piorava sua já diminuída condição de pária.  A filha de um coveiro do Ganges, ou melhor, de um cremador porque os cadáveres se queimam por lá;  daquela menina frágil que se transforma no ponto de apoio para gerenciar a primeira casa para cuidar de aidéticos em Nova York. O prefeito, judeu, tinha sido claro: ou enviam as freiras da Madre Teresa, ou eu não entro nessa empreitada. Lembrava também dos “casamentos espirituais”, onde se associavam os doentes crônicos incuráveis com as freiras, a quem apoiam com a seu oração e oferecendo seus sofrimentos.

O livro é uma magnífica descrição no melhor estilo jornalístico. Lapierre abre cada capitulo com uma manchete de jornal, e por isso atrai, espicaça a leitura, torna-a agradável e imparável. A ira de Deus, A metamorfose do guerrilheiro, Enigma no quarto 516, Um laboratório de amor às margens do Ganges, A última viagem do comandante da Air France, As autopsias da Bela Marta, Retrovírus num Boeing, Uma lua de mel que começa mal, Um lar para agonizantes no meio dos arranha-céus. E por aí afora. São chamados que estimulam a leitura, seguindo a regra básica do bom jornalismo: o recado tem de ser dado no primeiro parágrafo da notícia; se for no título, melhor ainda. A leitura é ágil, devoram-se os capítulos, nos deparamos com títulos sugestivos; e por trás de cada personagem, em elegante retrospectiva, a história de cada um, sua biografia O livro toca porque não é apenas uma crónica jornalística de fatos científicos, mas um mosaico de histórias de vida, contadas em estilo ameno, a modo de crônicas.

No fim, as palavras que dão título ao livro. Proferidas por um doente judeu aidético nos dias finais quando, após tentativas de suicídio, as freiras da madre Teresa o recolhem uma vez mais, sem cansar-se, com aquele sorriso permanente que parece quase um voto suplementar na ordem das irmãs da Caridade. “Todos vocês estão muito além do amor”.

Histórias de vida, heroísmo, alegria no meio da catástrofe, cuidados, carinho. Enfim, esse amor que Lapierre canta  com uma voz que, 25 anos após a publicação do livro continua sendo atual. E impactante. “O pouco que fazemos, e o muito que nos queixamos”. Uma boa frase, dessas que alguém soltou com encantadora espontaneidade na tertúlia literária, e  que sintetiza a impressão que tive quando li o livro da primeira vez. E que agora ressurgiu, com colorido novo, e apontando  outras responsabilidades. Os livros nos mudam, se refletimos, se nos deixamos cuidar por eles. Como os doentes que, revoltados, encontravam o conforto quando se perdoavam a eles mesmos e se deixavam cuidar pelas mãos amorosas das freirinhas.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Publicado originalmente: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2016/03/28/dominique-lapierre-muito-alem-do-amor/#more-2629

Platão e o Ocidente (I) – por Marcelo Consentino

Filosofia | 13/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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PLATÃO E O OCIDENTE (I) - por Marcelo Consentino "Platão, buscando compreender a essência da sociedade humana, montou um aparato conceitual tão firme e bem armado que, estando suas lentes polidas e focadas, ainda hoje pode ser um excelente instrumento de observação da nossa realidade. Aqui pretendo justamente utilizar este aparato para tentar interpretar o desenvolvimento da civilização ocidental do ponto de vista de sua organização social, desde seu surgimento, cerca de dois mil anos atrás, até os nossos dias. Parece pretensioso, de fato, tanto na densidade do conteúdo quanto na extensão de tempo abarcada – um tema de dissertação acadêmica num artigo de revista. Mas este é só um modo de pôr a questão. O outro é simplesmente dizer que o velho grego ainda tem algo a nos ensinar sobre nosso passado e futuro." (continue lendo clicando aqui:  Platão na "Escola de Atenas", de Raphael (1509).

Platão na “Escola de Atenas”, de Raphael (1509).

“O presente está grávido do futuro; o futuro poderia
ser lido no passado; o distante é expresso pelo próximo”
(Leibniz, Principes de la Nature e la Grace, 13)

Platão, buscando compreender a essência da sociedade humana, montou um aparato conceitual tão firme e bem armado que, estando suas lentes polidas e focadas, ainda hoje pode ser um excelente instrumento de observação da nossa realidade. Aqui pretendo justamente utilizar este aparato para tentar interpretar o desenvolvimento da civilização ocidental do ponto de vista de sua organização social, desde seu surgimento, cerca de dois mil anos atrás, até os nossos dias. Parece pretensioso, de fato, tanto na densidade do conteúdo quanto na extensão de tempo abarcada – um tema de dissertação acadêmica num artigo de revista. Mas este é só um modo de pôr a questão. O outro é simplesmente dizer que o velho grego ainda tem algo a nos ensinar sobre nosso passado e futuro.

Atenas, século IV antes de Cristo: Platão já publicou alguns livros e é uma figura de certa expressão na cena ateniense. Agora, entrando na maturidade, começa os trabalhos à frente de sua Academia, conduzindo algumas das mentes mais férteis da Grécia, vindas de todas as regiões da península – entre elas, o jovem Aristóteles de Estagira. Já faz algum tempo que seu mestre Sócrates foi julgado e condenado à morte num jogo de cartas marcadas por políticos e autoridades da época. Platão tinha então menos de trinta anos, e não há nenhuma dúvida de que este foi o acontecimento decisivo em sua vida. O encontro com Sócrates o marcou de tal forma que ele, Sócrates, se tornaria o personagem principal de quase todos os Diálogos platônicos. Mas a condenação do velho sábio como criminoso deve ter causado ao discípulo um choque psíquico nada desprezível.

Como filho da aristocracia, Platão respirara desde sua infância uma atmosfera de gratidão pelos antepassados que tinham conquistado a força e a graça de que Atenas desfrutava no solo grego; por toda a vida sentiu-se devedor de homens como Sólon e Homero. Quando Sócrates surgiu em sua vida, deve ter-lhe parecido a própria encarnação dos luminosos ideais helênicos. Mas eis que este mesmo Sócrates é difamado, condenado e morto covardemente pelos próprios representantes das classes de dirigentes e intelectuais que deveriam ser justamente as depositárias e guardiãs da nobre tradição da cidade. Assim, desde o princípio, o pensamento, melhor, a vida de Platão foi marcada por esta fratura profunda entre o real e o ideal. Este seria o drama de sua vida até o fim.

 

A República

A República é um esforço de equacionar esta questão no plano social. O livro, como se sabe, é uma tentativa de desenhar racionalmente uma sociedade ideal. Não se trata, porém, de um sonho utópico, tampouco de um projeto fascista de controle da máquina estatal e muito menos de uma conflagração revolucionária para a tomada do poder. Platão não devia ter, já na época, muitas ilusões a respeito de sua realização.

Não obstante, sua sociedade ideal serviria de modelo e de termo de comparação para avaliar as condições concretas da sociedade real. Uma vez tendo em mira um modelo de perfeição, seria possível medir o estado de saúde ou doença de uma determinada comunidade a partir da sua proximidade ou afastamento do mesmo, e quem sabe prescrever-lhe um remédio. De fato, à medida que se lê o livro, chama a atenção quão pouco Sócrates, o protagonista, se ocupa de questões normativas e institucionais. Sua preocupação era estabelecer os princípios fundamentais que devem sustentar e guiar uma sociedade humana como um todo.

Acreditava que uma vez que estes alicerces estivessem bem firmes no coração dos homens, o resto se organizaria naturalmente –
assegurada uma raiz profunda e um tronco forte, não seria preciso temer pelos frutos. Isto significa que os cidadãos deveriam não só enxergar com clareza tais princípios, mas também possuir a vitalidade espiritual necessária para afirmá-los, defendê-los e lutar por sua concretização. Por isso, grande parte do livro – a maior, na verdade – é dedicada a idealizar um processo de educação integral do indivíduo, ou seja, de formação e fortalecimento tanto da mente quanto do corpo; tanto da inteligência, quanto da vontade e da sensibilidade, processo este que deveria cultivar e potencializar cada uma das etapas da vida humana, desde a infância até a maturidade, forjando assim cidadãos conscientes e determinados. Muito mais do que um projeto de reforma política, portanto, a República pode ser considerada uma empreitada pedagógica e cultural, quando não terapêutica.

O projeto todo tem sua validez e ponto de apoio em um axioma que Platão exprime com uma fórmula singela: a sociedade (Polis) é o homem escrito com letras grandes. A analogia é simples: toda a sociedade é expressão dos indivíduos que a compõem. Seu caráter, princípios e visão de mundo serão a somatória final da multidão de diferentes caracteres, princípios e visões de mundo de cada um de seus membros. “Ou crês acaso que as constituições nasçam do carvalho e da pedra, e não dos costumes de seus cidadãos, os quais arrastam tudo para o lado aonde pendem?”, pergunta Sócrates ao seu interlocutor.

Com efeito, esta premissa devia ser tão evidente para Platão que ele não se dá muito ao trabalho de explicá-la, permitindo-se ser lacônico a seu respeito, coisa rara em se tratando dele. E, a bem da verdade, ela está totalmente ao alcance de nossa mão. De forma inconsciente ou não, valemo-nos deste princípio cotidianamente quando dizemos, por exemplo, que o carioca é isso e aquilo, que o paulista é isso e aquilo outro ou que o italiano é assim ou assado. O que fazemos nestes casos é um processo alquímico de “precipitação” pelo qual lançamos numa solução todas as informações que coletamos sobre os italianos a fim de obtermos um certo “resíduo sólido”. Disso criamos um esquema, um boneco mental emotivo, um pouco histriônico, que fala às largas agitando mãos e braços e dizemos: eis um italiano!

Alguns dizem que isto é só uma generalização, portanto vazia e inútil. Mas isto é precisamente o que é, uma generalização, e eu preciso de tais generalizações porque vivo em um mundo com bilhões de pessoas e o único modo de tornar presente em minha vida a vasta maioria delas é através de esquemas como este, suficientemente abstratos e abrangentes, isto é vazios como um saco, para envolvê-las a todas. E o único momento em que se torna inútil é precisamente no momento em que encontro um italiano. Neste caso, a realidade pede licença e deve ter a precedência, pois agora tenho à minha frente uma pessoa perfeitamente capaz de se definir a si mesma, o que significa que devo calar sumariamente todas as minhas pré-definições a fim de ouvi-la melhor. Aqui, sim, seria estúpido e insensível encaixar o sujeito à força em meu esquema mental, mas estúpido e insensível seria eu e não o esquema. E mesmo que este italiano se revele um sujeito conciso e cerebral como, digamos, um alemão, isto não invalidaria em nada o esquema, já que, para cada um como ele, existem trezentos mil paesani agitadores.

Em síntese, o que Platão nos diz é que se olharmos atentamente o retrato de uma certa sociedade, veremos que os traços que compõem seus contornos e linhas mestras foram riscados um a um com a vida de cada um dos seus cidadãos. Se de fato é assim, para chegarmos à teoria do Estado do filósofo grego, será preciso partir de sua teoria sobre a alma humana.

 

As três dimensões da alma

Uma boa definição para a alma platônica – ou ao menos um aspecto essencial dela –
é que a alma é um conglomerado de tendências diversas mais ou menos coordenadas por um princípio comum. Uma definição que Platão exprimiu símbolicamente na imagem de uma marionete puxada por vários fios em direções diversas e freqüentemente opostas. O homem deve discernir entre estas pulsões, resistir a algumas e se deixar conduzir por outras, a fim de levar a bom termo sua existência. Embora sua variação concreta seja potencialmente infinita, estas tendências podem ser subsumidas em essencialmente três categorias fundamentais, as quais, como veremos mais adiante, correspondem a três dimensões irredutíveis da realidade humana.

A primeira destas categorias corresponde à condição fundamental do homem de ser vivo. Como tal, junto com todos os outros seres vivos, ele é impulsionado por um poderoso instinto natural tanto para a conservação de sua própria vida quanto para a conservação da vida de sua espécie. O primeiro diz-se instinto de sobrevivência, o qual é subjetivamente experimentado como um desejo por comida. O segundo, que o induz à distribuição e perpetuação de seus genes, é denominado instinto de reprodução e é subjetivamente experimentado como um desejo por sexo. Estes dois são os desejos mais manifestamente comuns e imediatos não só para os animais, mas para todos os seres humanos. Ainda hoje, a idéia que muitas pessoas têm de lazer, por mais requintada que seja, não passa muito disso: sexo, comida e bebida.

Este primeiro desejo fundamental, base material de todos os outros, pode ser chamado desejo de viver e, dada a sua condição dual, Platão o localiza simbolicamente no baixo-ventre, precisamente a região do corpo humano entre o estômago e os genitais. Além disso, já que as possibilidades de satisfação destes impulsos são ilimitadas, ele é também simbolizado como um animal de muitas cabeças, as quais assumem variadas fisionomias e humores de acordo com as circunstâncias, podendo ora ser dóceis e gentis, ora agressivas e cruéis. Este animal pluricéfalo move-se entre dois pólos, o prazer e a dor. Persegue o primeiro e foge da segunda, pois para ele são cifras simples: prazer significa vida, dor significa morte.

Até aqui, porém, nada nos distingue de macacos e vacas. Mas, diferentemente deles, o homem tem diante de si a sua vida. Não só a sua vida biológica que busca manter e reproduzir como qualquer outro animal, mas sim a sua vida; a vida, digamos, biográfica. Aqui já não é suficiente satisfazer necessidades e desejos imediatos como no caso anterior, pois quando o homem ergue a cabeça e olha para diante vê um longo espaço entre sua vida presente e sua morte, e chama este espaço de seu futuro. Este este intervalo, que o animal não vê nem pode ver, também tem de ser preenchido com vida – um “projeto de vida”, como se diz -, ainda que este estofo seja precário e provisório, uma vez que é imaginário e sujeito a alterações.

A fim de construir esse projeto o indivíduo precisa acumular recursos, dominar ferramentas e estabelecer relações, e quanto mais ambicioso for o primeiro, mais abundantes deverão ser os últimos. Em outras palavras, a fim de construir seu futuro o homem precisa dominar e coordenar a seu favor uma série de recursos que encontra dentro e fora de si, e por este motivo tal desejo pode ser chamado ambição ou desejo de poder. Quando digo “poder”, digo-o para o bem e para o mal, pois em princípio trata-se de um termo moralmente neutro – um transatlântico precisa de poder para atravessar um oceano tanto quanto um encouraçado precisa dele para bombardear uma cidade.

Ou seja, estou disposto a conceder que esse “poder” seja entendido em seu sentido opressivo e tirânico – pois esta é uma possibilidade real -, desde que o leitor admita também a possibilidade oposta, isto é, o domínio que um pianista tem sobre seu piano, um cavaleiro sobre seu cavalo ou um yogue sobre seu corpo. Estes homens tinham uma meta e uma ambição e, esforçando-se por conquistá-las, adquiriram uma liberdade de uso do piano, do cavalo e do corpo que eu, por exemplo, não tenho. Um pianista é livre para tocar uma fuga de Bach, eu não. O poder dá liberdade. É este o tipo de poder que todo homem deseja ter sobre sua vida. Desta forma, esta tendência é experimentada subjetivamente como um desejo de liberdade.

Assim como o desejo de viver se move buscando o prazer e fugindo da dor, também este se move entre dois pólos, a angústia e a esperança, pois tanto uma quanto a outra estão ancoradas no futuro, já que a angústia é a expectativa da perda de algo que se deseja e a esperança, ao contrário, é a expectativa de satisfazer este desejo. Se nos movemos neste último sentido, o da conquista, experimentamos confiança; se as circunstâncias se movem no primeiro, no da perda, experimentamos medo. Também como no primeiro caso, Platão, buscando uma analogia anatômica, localiza este impulso no tórax, centro gravitacional e operacional do corpo humano e responsável direto pelo movimento das mãos e braços: os membros que agarram e constroem. Era natural que seu símbolo fosse o leão, rei dos animais e emblema de força, poder e liberdade.

Finalmente, há um terceiro e último desejo. O homem não só deseja manter sua vida, ser livre e construir um futuro. Não quer uma vida e um futuro quaisquer, mas sim a melhor vida e o melhor futuro possíveis. Por este motivo, chamo este desejo de desejo de perfeição. Ora, o conceito de perfeição é um conceito absoluto, que não admite gradações. Sabemos bem que não há mulheres mais ou menos grávidas. Do mesmo modo, ainda que informalmente digamos que isto ou aquilo é “perfeito”, a rigor a coisa à qual atribuo perfeição não pode ser mais ou menos perfeita, pois qualquer insuficiência já seria imediatamente uma imperfeição.

Que seria então uma vida perfeita? Se levarmos este conceito à condição absoluta que a palavra requer, é preciso dizer que uma vida perfeita teria de ser uma vida plena, e portanto livre da morte, em uma palavra, uma vida imortal. Qualquer coisa menos do que isso seria já uma imperfeição, e, portanto, não uma vida perfeita. Boa e digna, se quiserem, mas não perfeita. Do mesmo modo, a liberdade perfeita implicaria uma ausência absoluta de resistência à vontade, de tal forma que se possa fazer tudo o que se quiser sem restrições. Este ponto não é imediatamente evidente e pede uma pequena reflexão.

Se alguém resiste à minha ação e reage contra ela, é porque esta ação é interpretada como uma ameaça, um mal, e como tal deve ser combatida. Esta resistência, por sua vez, é algo que se interpõe entre o meu desejo e a coisa desejada, uma interdição à minha vontade, e portanto eu a sinto como sofrimento. Desta forma, o único modo de satisfazer sempre a minha vontade seria sempre querer o bem, pois do contrário ela seria fatalmente retaliada e daí viria o sofrimento. Mas não só: não seria suficiente que eu quisesse e fizesse sempre o bem; seria preciso, em segundo lugar, que eu vivesse em um mundo em que o bem feito fosse corretamente interpretado pelos outros como um bem, pois do contrário, se fosse entendido como um mal, ainda que equivocadamente, provocaria igualmente uma reação contrária e portanto uma interdição à minha vontade. Em terceiro e último lugar, não só eu, mas todos teriam que fazer somente o bem, pois qualquer mal que fizessem iria igualmente contra a minha vontade. Por isso Santo Agostinho diz que a felicidade é “não desejar senão o bem e ter tudo o que se deseja“. Como complemento, eu diria que a felicidade é querer o bem, fazer tudo o que quiser e gostar do que se faz. A felicidade, aliás, é a percepção subjetiva da perfeição ou plenitude, ou seja, um estado de pura satisfação em que não falta nada, uma ausência de qualquer ausência. Por isso o desejo de perfeição pode ser chamado também desejo de felicidade – felicidade plena, absoluta e ilimitada.

Pois bem, como vimos, esta felicidade plena implica necessariamente uma vida absoluta ou imortalidade, e uma liberdade absoluta e irrestrita. E não só uma ou a outra, mas necesariamente ambas, já que uma vida imortal sem liberdade e atormentada por sofrimentos seria um inferno sem fim, e, por outro lado, uma liberdade plena limitada pela morte seria uma contradição em si, não sendo plena, mas sim trágica. Qualquer coisa menos do que isso, por melhor que fosse, seria imperfeita e portanto não satisfaria plenamente nosso desejo de felicidade.

Por isso, falando da felicidade, Platão diz no Banquete: “é necessário que se deseje a imortalidade juntamente com o bem, se é verdade que o amor é amor de possuir o bem sempre”. A perfeição é uma aposta de tudo ou nada. Imortalidade e liberdade ilimitada: ou erguem-se ambas ou caem as duas. Ora, até onde podemos ver, tanto uma quanto a outra parecem estar fora de nosso alcance. Não sabemos se é possível conquistá-las – é bem provável que não, mas ninguém pode garantir. De todo modo, se acaso for possível, isto certamente não depende de nós. Ou melhor, não depende de nós, mas de qualquer coisa superior. Depende de algo ou alguém que seja justamente livre, eterno e perfeito. Este ser supremo, se existe – e é possível que não, mas tampouco alguém pode garantir – é aquele a quem Platão chamava em geral o Bem. Eu lhe chamo Deus.

Esta terceira e definitiva aspiração, Platão localiza-a na cabeça, onde está a nossa face, olhos e boca, aquilo que nos caracteriza como pessoas e nos distingue das outras. E, tal como o animal multiforme simboliza o desejo de viver e o leão o desejo de poder, este desejo de eternidade e plenitude é simbolizado pelo… homem. O “homem dentro do homem” é o símbolo que Platão confere ao espírito, como se quisesse dizer: o homem perfeito dentro do homem imperfeito, ou seja, você e eu.

A obra de Platão está repleta de outros símbolos que representam esta condição. Na imagem da marionete, diz que dentre os diversos fios rígidos que nos puxam por todos os lados, há um único “fio de ouro sagrado” que liga ao alto e é dúctil; é a este que devemos seguir sempre, “sem jamais deixá-lo”. No Timeu, o homem é uma árvore invertida, cujas raízes se afundam nos céus e cujos frutos germinam na terra. Mas a mais célebre destas figuras é certamente o inquieto espírito do Eros.

Filho da deusa da pobreza e do deus da abundância, Eros – “qualquer coisa de intermediário entre a morte e a imortalidade” – move-se por toda parte entre o mundo divino e o humano em busca da Beleza, embora ela sempre “escape de suas mãos”. Nesta perseguição, atravessa verticalmente todas as três dimensões dos desejos humanos. Estes, na verdade, não são senão suas “investidas”. Parte de baixo, dos mais elementares desejos vitais, da busca pelo prazer no sexo e na comida – não é um acaso que o diálogo sobre Eros se passe justamente durante um jantar entre amigos.

Para o Eros de Freud, este é ponto de partida e de chegada. Mas não para o de Platão. Este continua agitando-se e elevando-se em sua busca. Abraça todos os objetos da ambição humana: o vigor atlético, as posses materiais, as realizações intelectuais, a criação artística, o poder político… mas a Beleza continua a escapar de suas mãos e, mulher que é, só se entrega quando está acima de todas as coisas. Eros, portanto, não é só uma inclinação contemplativa. É uma potência criativa. Seu desejo é “procriar com a Beleza”.

Mencionei antes que estas três dimensões do desejo humano – vida, poder e perfeição – correspondem a três estratos irredutíveis de sua realidade. Na primeira o homem age como instrumento do cosmos: integra-o a si através da alimentação e doa-se a ele através da procriação. Na segunda, buscando ser alguém além de algo, o homem se faz homem entre os homens, pessoa única e singular que se distingue entre a massa atomizada de indivíduos. Finalmente na terceira, isto é, na dimensão espiritual, se abre à realidade divina e absoluta, àquilo que o supera e o fascina e que aponta para sua realização plena. Em outras palavras o homem se relaciona com três realidades distintas: a sub-humana ou natural; a humana propriamente dita; e a sobre-humana ou divina.

Isto para a alma. Vejamos o que se dá na sociedade.

 

As três dimensões da sociedade

A origem da sociedade humana não está em nenhum contrato social, mas na necessidade comum dos homens de suprirem-se uns aos outros em suas necessidades particulares. Refiro-me aos diversos bens que todo indivíduo acumula a fim de garantir sua subsistência material e bem-estar: casa, comida, roupa lavada, etc., etc. Se em sociedades primitivas estes bens e a divisão do trabalho correspondente são extremamente rudimentares, em nossa civilização as especificidades profissionais e a produção de bens diversos multiplicam-se a se perder de vista, impulsionados por uma revolução tecnológica que já dura pelo menos três séculos e cujo vigor tende a se expandir indefinidamente.

Em que pesem todas as agruras sociais – ninguém o ignora -, os indivíduos em nossa sociedade são em geral cada vez mais livres para fazer suas escolhas em termos de posicionamento profissional, acúmulo de bens e estilos de vida. A complexidade de nossa vida social torna virtualmente impossível definir o que é necessário e o que é supérfluo na vida de uma pessoa normal – não há generalização possível. E, todavia, permanece a responsabilidade de cada um de discernir, com liberdade de consciência, dentro de suas circunstâncias concretas e em meio a seus desejos e necessidades, o que é importante do que é supérfluo; o que é bem-estar e prosperidade do que é extravagante, caprichoso, excêntrico.

Seja qual for seu grau de complexidade, porém, esta dimensão da vida social pode ser reduzida formalmente a duas funções fundamentais, a produção e a troca de bens. O conjunto destas relações é, em outras palavras, aquilo que chamamos economia – termo que Platão evidentemente não usa. A economia, com sua intensa produção de itens de consumo e sua vasta pluralidade de negócios e transações, corresponde no plano social àquilo que a fisiologia representa para o indivíduo, com seu fluxo contínuo de assimilação, transformação e permuta de substâncias com o meio natural. Ambas, economia e fisiologia, têm por objetivo transformar recursos naturais brutos em bens humanos e promover sua circulação, uma para o organismo social, outra para o individual. E, da mesma forma que a atividade fisiológica, também a economia é representada por um animal de muitas cabeças, ora mansas ora devoradoras.

Mas além de todos os interesses particulares dos indivíduos que compõem uma sociedade, há também um interesse comum. Isso vale para qualquer tipo de associação humana. Uma comunidade econômica privada, isto é, uma empresa, por exemplo, tem, à parte o interesse e a função de cada um de seus sócios e membros, um estatuto e uma meta comuns. Do mesmo modo a sociedade civil tem seus interesses comuns. Bens como a integridade moral, psicológica e física de cada indivíduo, o direito de ir e vir, a liberdade de expressão, a disposição sobre o patrimônio pessoal, a educação, a segurança e assim por diante, são o verdadeiro fundamento e a garantia de todos os outros bens particulares que o indivíduo possa ter ou desejar.

Desta forma interessam a todos sem distinção e pode-se dizer que sua importância independe da consciência individual e do consentimento de cada um dos cidadãos – da mesma forma que a importância objetiva da alimentação para o meu organismo não depende necessariamente de meu estado subjetivo de fome. Por isso são chamados bens comuns ou, no singular, visto que um sustenta o outro, bem comum ou bem público – daí a república romana, literalmente a “coisa pública”. Entramos, portanto, na dimensão do Estado, que tem por função defender e fazer valer a prevalência do interesse comum sobre os interesses particulares, o que encontra sua expressão no direito, isto é, no conjunto de normas comuns, sejam estas positivas ou consuetudinárias.

Ao contrário da dimensão econômica, que é a esfera das relações e divisões do trabalho humano em relação à natureza, esta segunda dimensão, a política, será a esfera que regula propriamente as relações dos homens entre si dentro de uma comunidade como um todo. E como o bem comum diz respeito a todos, sua defesa e realização será também, por este mesmo motivo, dever de todos. Dentro de uma sociedade civil, portanto, a dimensão política é a dimensão do poder por excelência, o qual – ao menos idealmente – deveria ser também a garantia da liberdade de cada um dos cidadãos. Corresponde assim ao desejo de domínio e liberdade na vida individual, e é do mesmo modo representada simbolicamente pelo leão.

Mas além do bem comum de cada sociedade civil, isto é, de cada cidade, nação ou civilização, há um bem absoluto, o qual independe ou, melhor dizendo, está além dos interesses de cada cultura particular tal como condicionada por sua realidade geográfica e histórica. Assim como em uma sociedade qualquer há um interesse comum que prevalece sobre os interesses particulares, do mesmo modo, acima de todas as sociedades humanas, há um interesse comum para toda a humanidade. Os homens não querem viver numa sociedade que lhes possibilite somente sua subsistência material e nem somente suas garantias legais; querem também viver numa sociedade perfeita, plena e absoluta. Uma vez mais, parece não haver garantias de que esta sociedade plena seja realizável – neste ou em outro mundo -, mas, se acaso o for, deverá contar com a assistência de um ser que seja ele mesmo pleno, absoluto e perfeito. Deus novamente.

A organização e objetivação das relações dos homens com esta dimensão absoluta, sobre-natural e sobre-humana, é chamada religião, e, portanto, além da dimensão econômica e política de cada sociedade, há uma dimensão religiosa. É aqui, sobrretudo, que se busca e se conhece o bem absoluto (summum bonum), aquele portanto que orienta e determina todos os outros bens. Finalmente, a dimensão religiosa ou espiritual da sociedade humana será, tal como no indivíduo, representada pelo homem dentro do homem, já que é somente aqui que o destino absoluto dos homens é revelado em plenitude a si mesmos.

Retomando: o homem participa da realidade em três níveis: (1) o sub-humano ou natural, (2) o humano propriamente dito e (3) o sobre-humano ou divino. Na dimensão individual, eles correspondem respectivamente à condição animal, racional e espiritual da pessoa humana. Na dimensão coletiva ou social, correspondem à organização econômica, política e religiosa.

Seria desnecessário dizer, embora possa ser conveniente, que estas três dimensões são distintas, ou seja, que cada uma tem sua esfera de responsabilidade e atuação próprias, não sendo simplesmente fundidas ou confundidas. Tampouco devem ser absolutamente separadas, mas sim unidas e organizadas em uma única realidade total. Além disso, é evidente que deve existir entre elas uma ordem. Se quanto à ordem genética, isto é, a ordem de sua formação no tempo, a condição natural precede as outras duas, quanto à ordem hierárquica, isto é, quanto à organização de suas relações entre si no indivíduo e na comunidade humana, a condição espiritual tem a precedência sobre as outras duas. Assim, na vida do indivíduo a ambição (ou desejo de poder) deve ser orientada para um estado de perfeição ou ideal de vida, sendo que seu desejo natural de prazer deve ser igualmente subordinado e limitado por este ideal. Da mesma forma, em uma sociedade civil, os interesses particulares do indivíduo devem ser subordinados ao interesse comum, e este ao interesse universal da humanidade.

Para dizê-lo em forma breve, utilizando a simbologia que Platão colocou à nossa disposição, um indivíduo e uma sociedade saudáveis serão aqueles em que (1) o homem interior, o leão e o animal de muitas cabeças, estejam em pleno vigor e uso de suas capacidades, e que (2) o homem, que deseja e visualiza os fins absolutos, domine (sem anular) a força do leão que, por sua vez, deve dominar (sem anular tampouco) o animal de muitas cabeças. Esta é, segundo Platão, a finalidade ideal da pedagogia e da cultura, isto é, em primeiro lugar estimular em cada pessoa e em toda a sociedade uma pluralidade diversificada ao máximo de desejos e intenções (como o animal de muitas cabeças); em segundo lugar dar-lhes força para dominá-los (como o leão); e em terceiro apontar-lhes um sentido último pelo qual orientar toda a sua vida, sua força e seus interesses (o homem interior ou espírito). A República é o grande ensaio de Platão neste sentido; embora, a bem da verdade, toda a sua vida e obra o sejam.

 

Conclusão

Disse acima que o estado de saúde do indivíduo e da sociedade depende de que cada uma das três faculdades esteja em bom funcionamento e de que haja entre elas uma ordem hierárquica. Daí se depreende o sistema clássico das quatro virtudes cardeais: temperança, coragem, sabedoria e justiça. O homem precisa estabelecer um certo equilíbrio entre seus diversos desejos de tal modo que cada um seja subordinado ao seu superior (temperança). Para isso, precisa de força para dominá-los e coragem para suportar as adversidades e desafios. A fim de orientar esta força, precisa de sabedoria para discernir entre os diversos princípios e fins de tal modo a estabelecer uma ordem organizada de acordo com o princípio e o fim últimos – a “única coisa necessária” que Cristo indicava a Marta e Maria. A boa ordem e harmonia do todo é aquilo a que Platão chama “justiça”.

Embora esta estrutura ternária não mude, pode haver desordem entre estas faculdades. Neste caso, uma tende a usurpar a função da outra, o que fatalmente provoca uma reação levando a um ciclo vicioso. Há sociedades, por exemplo em que o princípio econômico parece ser o critério primordial das tomadas de decisão. Em outras, a religião assume a função política, degenerando nas piores formas de despotismo teocrático, tal como acontece em algumas variações do Islã. Do mesmo modo, há sociedades que são fortes, mas estúpidas, de modo que podem ser facilmente levadas a usar seu poderio para o mal. Voltaremos a isso mais adiante.

Até agora, porém, temos somente um esquema abstrato. Ainda não o testamos efetivamente na realidade histórica. Não sabemos se é de fato um bom instrumento de observação e tampouco se oferece critérios claros para julgar o bom funcionamento de uma organização social qualquer. Com efeito, no início do Timeu, o próprio Sócrates aponta para este caráter abstrato da sociedade ideal da República, dizendo que gostaria de vê-la em ação em meio à realidade tal como ela é.

Na próxima parte deste ensaio tentarei, portanto, analisar a partir deste esquema platônico as diversas formas de organização social assumidas no Ocidente desde o surgimento da Cristandade até os nossos dias.

Marcelo Consentino é bacharel em Direito pela PUC-SP, mestre em Filosofia pela Ponteficia Università della Santa Croce, doutor em Filosofia da Religião pela PUC-SP e presidente do Instituto de Formação e Educação (IFE).

Artigo originalmente publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta & Contradicta, Edição nº 2 – Dezembro de 2008.

INSCRIÇÕES ATÉ HOJE, 10/05 | "NIETZSCHE – Pensador de Dualidades" | SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA

Filosofia | 10/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Nietzsche

Prezado(a) leitor,

Hoje, 10 de Maio, é o último dia para inscrição no seminário “NIETZSCHE – Pensador de Dualidades”. Não se trata de uma defesa de Nietzsche, que, como se sabe, é um filósofo de várias problemáticas. Mas por isso mesmo o seminário, para mostrar melhor quem foi, o que pensou e que conseqüências teve seu pensamento. Seguem abaixo informações:

 

SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA

“NIETZSCHE

Pensador de Dualidades”

PRORROGADAS AS INSCRIÇÕES ATÉ DIA 10/05*

«Nietzsche, Pensador de Dualidades»
*para quem começar a partir da segunda aula, será dado acesso à gravação da primeira aula (Introdução Geral).
Inscrevam-se pelo email lulio1232@gmail.com ou pelos telefones 11-3101-6785 ou 11 95134-6626
Local: LIVRARIA MARTINS FONTES AV. PAULISTA
6 encontros, às terças-feiras, das 19h15 ás 21h15
Dias 3, 10, 17, 24, 31/5 e dia 7/6/2016

O CURSO

Dentre as diversas abordagens ao pensamento de Nietzsche, uma das menos conhecidas é a que o investiga sob a perspectiva das dualidades, exposta em forma de livro em 2005 pelo filósofo espanhol Leonardo Polo (1926-2013). Esse enfoque se justifica porque, desse modo, 1) se destaca o seu repúdio ao platonismo, que valoriza a unidade em detrimento da dualidade; 2) se mostra que Nietzsche é um filósofo claramente pós-hegeliano, uma vez que o pós-hegelianismo se caracteriza sobretudo pela renúncia à síntese; 3) se tematiza a antropologia nietzschiana, ainda pouco estudada; 4) a crítica a Nietzsche se torna mais acessível e menos extremista; 5) não se dá atenção exclusiva à parte destrutiva do método nietzschiano, mas também e sobretudo à construtiva, e 6) se pode avaliar melhor a crítica de Nietzsche à representação e ao conhecimento objetivo.

PÚBLICO

O curso se destina a todos que se interessam por problemas filosóficos, em geral, e por antropologia filosófica, em particular. E, claro, a todos que amam ou odeiam esse tão falado quanto desconhecido filósofo alemão.

PROGRAMA

1 – PERFIL BIOBIBLIOGRÁFICO, A HERMENÉUTICA DA SUSPEITA
Antecedentes, A moral, O cristianismo, O idealismo

2 – A “PARS CONSTRUENS” DO MÉTODO NIETZSCHIANO, A VIDA E A VONTADE DE PODER

3 – O SUPER-HOMEM, O ETERNO RETORNO E O TEMPO
O instante, A eternidade

4 – O NIILISMO, A INSPIRAÇÃO E O SÍMBOLO

5 – A TOTALIDADE E A LUZ, A HIPERCRÍTICA

6 – A LIBERDADE, INTERPRETAÇÕES DE NIETZSCHE

PROFESSOR

Edson Gil leciona filosofia no nível superior há dez anos. Membro fundador do IBFCRL, estudou história na UFRJ, pedagogia na Alemanha e fez mestrado em filosofia na PUC-SP. Traduziu, entre outros livros, A escada dos fundos da filosofia e O café dos filósofos mortos.

DATAS E HORÁRIOS

Curso com 6 encontros de 2 horas-aula às terças-feiras das 19h15 às 21h15.

3 de maio, 10 de maio, 17 de maio, 24 de maio, 31 de maio e 7 de junho

INVESTIMENTO

R$ 200,00 à vista ou 3 parcelas de R$ 75,00 no cartão de crédito.

INSCRIÇÕES informe seu nome completo e telefone ao Sr. Marco Antonio pelo telefone 11 3101-6785 / 95134-6626 ou pelo email: lulio1232@gmail.com

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Local:
LIVRARIA MARTINS FONTES PAULISTA
Av. Paulista, 509 – Metrô Brigadeiro

LOGO 4 - Post Nietzsche

 

LOGO 3 - Post Nietzsche© Copyright 1998-2016
INSTITUTO BRASILEIRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA
RAIMUNDO LÚLIO (RAMON LLULL)
www.ramonllull.net

Fonte: Newsletter via e-mail Ramon Lull (www.ramonllull.net).

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Filosofia | 10/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Dentre as diversas abordagens ao pensamento de Nietzsche, uma das menos conhecidas é a que o investiga sob a perspectiva das dualidades, exposta em forma de livro em 2005 pelo filósofo espanhol Leonardo Polo (1926-2013). Esse enfoque se justifica porque, desse modo, 1) se destaca o seu repúdio ao platonismo, que valoriza a unidade em detrimento da dualidade; 2) se mostra que Nietzsche é um filósofo claramente pós-hegeliano, uma vez que o pós-hegelianismo se caracteriza sobretudo pela renúncia à síntese; 3) se tematiza a antropologia nietzschiana, ainda pouco estudada; 4) a crítica a Nietzsche se torna mais acessível e menos extremista; 5) não se dá atenção exclusiva à parte destrutiva do método nietzschiano, mas também e sobretudo à construtiva, e 6) se pode avaliar melhor a crítica de Nietzsche à representação e ao conhecimento objetivo.

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PROGRAMA

1 – PERFIL BIOBIBLIOGRÁFICO, A HERMENÉUTICA DA SUSPEITA
Antecedentes, A moral, O cristianismo, O idealismo

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3 – O SUPER-HOMEM, O ETERNO RETORNO E O TEMPO
O instante, A eternidade

4 – O NIILISMO, A INSPIRAÇÃO E O SÍMBOLO

5 – A TOTALIDADE E A LUZ, A HIPERCRÍTICA

6 – A LIBERDADE, INTERPRETAÇÕES DE NIETZSCHE

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Edson Gil leciona filosofia no nível superior há dez anos. Membro fundador do IBFCRL, estudou história na UFRJ, pedagogia na Alemanha e fez mestrado em filosofia na PUC-SP. Traduziu, entre outros livros, A escada dos fundos da filosofia e O café dos filósofos mortos.

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As Polonaises de Chopin – uma radiografia histórica – PARTE II (por Álvaro Siviero)

Artes | 02/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Le compositeur et pianiste polonais Frederic Chopin (1810-1849)  au piano, tableau  --- polish composer and pianist Frederick Chopin (1810-1849)  at the piano, painting

Le compositeur et pianiste polonais Frederic Chopin (1810-1849) au piano, tableau — polish composer and pianist Frederick Chopin (1810-1849) at the piano, painting

 

Os mais variados biógrafos – entre eles Casimir Wierzinsky e Benita Eisler – fazem explícita referência ao fator religioso, místico buscado por Chopin, especialmente em seus últimos momentos (…) “seu longo amigo de infância, o Padre Alexandre, pediu ao moribundo que oferecesse alguma coisa… a alma. “Compreendo-te”, contestou-lhe Chopin. “Aqui a tens, toma-a”. O padre Alexandre dá-lhe um crucifixo e ajoelha-se à cabeceira. Todos os presentes saíram do quarto, entre eles o violoncelista Franchomme – a quem Chopin dedicou sua Sonata para violoncelo que será interpretada pela exímia Maria João Pires e pelo violoncelista Pavel Gomziakov dentro das comemorações promovidas pela Sociedade Chopin no Brasil. A agonia durou quatro dias. Esgotado, o moribundo ainda pode dizer a seu confessor e velho amigo: “Graças a ti não morrerei como um porco”. A crise de tosse durou muito tempo; quando terminou, o rosto do doente tornou-se negro e rígido. Faziam-lhe massagens nos braços e pernas. O médico inclinou-se, com uma vela na mão, e perguntou-lhe se sofria. “Plus…” (Já não…), respondeu em voz quase imperceptível. Queria o amigo Alexandre sempre junto de si, agarrava-lhe uma das mãos e pedia que rezasse. Cerca das duas horas da madrugada de 17 de outubro de 1849, vitimado pela tuberculose pulmonar, Chopin entregava definitivamente sua alma”. O pintor Teófilo Kwiatkowski desenha-lhe um retrato depois de morto e o escultor Clesinger tira-lhe o agora famoso molde em gesso de seu rosto. Os médicos extraíram-lhe o coração que foi enviado para a Igreja de Santa Cruz, em Varsóvia. Chopin é enterrado no cemitério de Père Lachaise, em Paris.

Tive a oportunidade de interpretar para diferentes públicos e em diferentes países a integral das polonaises e verificar a reação enlouquecida da platéia diante dos estados de alma contraditórios manifestados por Chopin quando se trata de aprofundar em seu sentido patriótico. Não fosse Chopin um tuberculoso, um fraco e um impotente permeado de esperança, jamais surgiriam muitas de suas obras que se eternizariam. A música de Chopin não impõe, propõe. E sua força reside justamente aqui.

A Polonaise Op.40 n.1, finalizada na Ilha de Maiorca em 1838 e mais conhecida como “Militar”, é a única das polonaises que se mantém em um único compasso brilhante até sua finalização, um verdadeiro hino triunfal. Diz a tradição que Chopin acalentava o sonho de vê-la um dia executada quando da coroação de um novo rei, em uma nova Polônia, livre e independente. Dedicada a seu grande amigo Fontana, a quem sempre Chopin escrevia pedindo mil recomendações e centenas de favores, ela curiosamente termina de forma discreta, pouco suntuosa, próprios de quem já se prepara a sair de um ambiente de alegria e heroísmo dando passagem à atmosfera triste e melancólica, repleta de desânimo, de sua subseqüente polonaise: a Polonaise Op.40 n.2, em dó menor. Fontana chegou a exigir que Chopin trocasse o final da Polonaise Militar. Como prêmio a todos os favores, Chopin comprometeu-se, em carta escrita desde Maiorca, a fazer essa substituição e algumas outras alterações, o que acabou não ocorrendo. Deledicque afirma que “se a Polonaise Militar não evoca mais que os triunfos e antigos esplendores da Polônia, a Polonaise Op.40 n.2, integralmente escrita em Maiorca durante o trágico e agudo período da enfermidade de seu autor, não reflete mais que tristeza, luto, derrota e ruínas”. Escrita em uma das piores épocas atravessadas por Chopin, é a imagem do desaparecimento da esperança. O profundo contraste existente entre essas duas obras, intencionalmente publicadas em conjunto, mostra claramente a intenção do compositor em simbolizar musicalmente os destinos da Polônia: a sua grandeza e a sua tragédia. Os pólos antagônicos entre os quais Chopin evoluía transformavam-se em correntes magnéticas que não se repeliam. Ao contrário, a ação recíproca de uma sobre a outra era a origem dessa genialidade. Essa mesma dicotomia é encontrada em suas Polonaises Op.26.

Napoleão disse certa vez que geografia é destino. A nenhum outro país europeu se aplica melhor isso que à história da Polônia, situada entre dois mundos de enormes diferenças culturais, étnicas e religiosas, e também hostis: o mundo germânico e o eslavo. Fragilizada por suas extensas planícies destituídas de proteções naturais, a Polônia vivia em contínua instabilidade. Muitos de seus horrores – a Segunda Guerra Mundial que dizimou o país com as batalhas brutais travadas entre os exércitos de Hitler e Stalin, as forças de ocupação nazista contra judeus, ciganos e outras minorias nos campos de concentração de Auschwitz, Birkenau, Treblinka, Sobibor, entre outros – foram vivenciados e pressentidos pela arte de Chopin.

A sua Polonaise op.44, um verdadeiro pesadelo de música, finalizada durante o inverno de 1845, é por muitos considerada a melhor tradução do teor militar. Eletrizante é a gravação (Deutsche Grammophon) desta obra realizada pelo pianista sérvio Ivo Pogorelich, que recentemente se apresentou no Brasil. Chopin buscou a partir do compasso 79 uma drástica redução dos parâmetros de harmonia e melodia que, unidos à obstinada insistência sobre uma única nota durante toda a seção, dão à passagem uma singularidade percussiva que não guarda paralelo com qualquer outra obra. A indicação forte pedida na obra não se traduz em insensibilidade ou atitude inflexível, mas em atitude inexorável. A originalidade de Chopin atinge a vertigem da maturidade quando, no desenvolvimento central da obra, as vozes do baixo e soprano, inicialmente condensados em única linha musical, se tornam independentes, desdobrando-se. Vários autores são unânimes em afirmar que esse desdobramento musical é reflexo de outro, político, com a qual o jovem Frycek convidava vários de seus conhecidos a participar de reuniões clandestinas, visando a ampliar em desdobramentos diversos os adeptos que lutavam contra a dominação russa na Polônia. O efeito hipnótico da insistente repetição de nota e ritmo deste momento dá passagem, surpreendentemente, ao lírico trio, em Tempo di Mazurca, definido por James Huneker como “uma flor entre dois abismos, uma desesperada ironia”: é a discrepante dualidade mais uma verificada. A delicadeza e o alto grau de refinamento encontrado nesta obra, característicos da nobreza e personalidade do autor, evidenciam a força e inigualável grau de perfeição artística encontrados.

Momentos antes de falecer, após exprimir o quanto desejava que fosse seu coração transportado a Varsóvia, deram-lhe uma folha de papel, onde escreveu com mão trêmula: “Esta tosse sufoca-me: suplico-vos que mandeis abrir o meu corpo a fim de não ser enterrado vivo”. Era a sua última vontade, idêntica, aliás, à de seu pai.

Mas Chopin vive. E é essa verdade que deve delinear qualquer discussão sobre a performance de suas célebres polonaises, começando e terminando com uma exortação: celebre a vida! Dizem que a vida é um combate. Oxalá o ano do bicentenário do mestre polonês sirva-nos de inspiração a transformar as batalhas diárias, principalmente aquelas mais escondidas, em música divina, celestial, como o fez Chopin.

 

LEIA TAMBÉM A PARTE I

 

Álvaro Siviero é considerado um dos mais talentosos pianistas da atualidade, reconhecido mundialmente pela excelência na interpretação de grandes compositores. Músico que participa ativamente do cenário brasileiro como camerista e solista, atuou diante de diversas orquestras nacionais e internacionais como a London Festival, Budapest Chamber, The City of Prague Philharmonic, Sinfonia Rotterdam, Salzburg Chamber, Academica de Madrid, I Musici de Montreal, entre outras. Foi o único brasileiro convidado a representar o Brasil no histórico Encontro Mundial de Artistas, celebrado na Capela Sistina, em Roma. Com especialização em Educação Multicultural pelo Lesley College, Cambridge, é também graduado em Física pela USP (www.alvarosiviero.com)