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[RESENHA] Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela” (por Pablo González Blasco)

Filosofia | 04/07/2016 | | IFE CAMPINAS

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Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela”. E Realizações. São Paulo. 2015. 400 pgs.

Nossa cultura, ou o que restou delaO autor que está por trás do pseudónimo é Anthony Daniels, psiquiatra e escritor inglês, com experiência profissional em quatro continentes, incluídos trabalhos em prisões e hospitais de bairros pobres. A presente obra reúne uma coletânea de 26 ensaios, resultado das reflexões que o seu trabalho profissional lhe proporcionou ao longo do tempo. Uma atividade que o colocou junto a pessoas que são, nas suas próprias palavras, “cobaias da engenharia social parida no conforto das universidades pela elite politicamente correta e progressista”. Basta essa introdução para adivinhar o tom crítico que o escritor inglês emprega nos seus escritos.

O desenrolar dessa introdução não se faz esperar: surge nas primeiras páginas. “A fragilidade da civilização foi uma das grandes lições do século XX. Era de se esperar dos intelectuais – de quem imaginamos que pensassem mais longe e com maior profundidade-  que identificassem as fronteiras que separam a civilização da barbárie. Ledo engano. Alguns intelectuais abraçam o barbarismo, enquanto outros permanecem indiferentes, ignorando-o. (…) A civilização precisa de conservação tanto quanto de mudança. Nenhum ser humano é suficientemente brilhante a ponto de sozinho poder compreender tudo, e concluir que a sabedoria acumulada ao longo dos séculos nada tem de útil. (…). Os intelectuais têm que perceber que a civilização é algo que vale a pena ser defendido, e que um posicionamento hostil diante da tradição não representa o alfa e o ômega da sabedoria e da virtude. Temos mais a perder do que pensam”.

Os intelectuais politicamente corretos são alvo direto e constante das críticas de Daniels. “O intelectual se eleva acima do cidadão comum, que ainda se agarra quixotescamente aos padrões, preconceitos e tabus. Diferentemente dos outros, ele não é mais um prisioneiro de seu passado e de sua herança cultural; e prova a medida da liberdade de seu espírito em função da amoralidade de suas concepções”.

E as coisas se tornam ainda piores quando esses elementos pensantes simulam advogar em causa alheia.  São aqueles que “dão uma de pobre”, e o resultado seria cómico se não fosse trágico, pois ao invés de solidariedade com os necessitados, praticam uma paródia perversa deles. Neste ponto comenta os paradoxos da filosofia de Virginia Woolf que tanto se assemelham aos nossos intelectuais de esquerda de hoje, proveniente de altas camadas da sociedade, que defendem uma revolução na qual nunca se incluem. Criticam tudo sem construir nada. “VW ambiciona os dois lados, a aristocracia à qual pertence, e os excluídos. E quando se lhe oferece a inclusão, diz que não vale a pena. É uma versão sem graça de Groucho Marx, que não queria ser membro de nenhum clube que o aceitasse. Aquilo que é piada para Groucho Marx é alta filosofia política para Virginia Woolf”.

Os temas que aborda são variados, e o espectro reflexivo que o livro oferece é amplo. Mas um denominador comum é, sem dúvida, a crítica contumaz, não à miséria e às baixezas humanas, mas sim aos que podendo impedir tudo isto permanecem na inatividade, ou mesmo, justificam sua passividade com filigranas intelectuais que a ninguém convence.  Sublinha a conhecida afirmação de Edmund Burke:  “Homens de mente intemperada não podem ser livres. Para que o mal triunfe basta que os bons nada façam. Hoje em dia, a maior parte dos bons faz exatamente isso. Ao se temer mais a alcunha de intolerante do que a de perverso temos o cenário perfeito para que a malignidade esteja livre para prosperar”. E alerta contra o falso liberalismo que comprovamos diariamente: “O real propósito daqueles que defendem a denominada diversidade cultural é a imposição da uniformidade ideológica. A intransigência é a grande defesa contra a dúvida, impossibilitando a convivência, em termos de genuína igualdade, com outros que não compartilham da mesma crença”.

O problema do mal e os seus responsáveis ocupam grande parte dos ensaios, em variações sobre o mesmo tema. “Os homes cometem o mal dentro de um escopo disponível. Não se trata de demônios ou gênios malignos, mas daqueles que fazem o que podem para conseguir o que querem.  Quando as barreiras que seguram o mal são derrubadas, o mal floresce; e nunca mais acreditarei na bondade fundamental do homem, ou que o mal é um estado excepcional ou estranho à natureza humana”. Daí nasce o que denomina a frivolidade do mal, que naturalmente evoca a banalidade do mal da que falava Hannah Arendt, mas que vai além. “A capacidade do homem para a desumanidade transcende condição social, classe ou educação. O passado de alguém não se confunde com o seu destino e é de interesse próprio fingir o contrário. Cabe à responsabilidade e liberdade de cada um.  A elevação do prazer efémero que se sobrepõe à miséria de longo prazo, que se desencadeia sobre terceiros em relação aos quais se tem obrigações. Basta um exemplo: a mãe que põe para fora sua própria filha porque o seu atual namorado (da mãe, entenda-se) não a quer em casa! ”

Faz uma crítica feroz à sociedade inglesa, que “ troca profundidade por superficialidade, pensando que levam vantagem nessa negociação. São como aqueles que pensam que o tratamento adequado para a constipação intestinal seja a promoção da diarreia (…) A espiral decadente da cultura, a perda do refinamento, o dignificar certos comportamentos por meio de representações artísticas que acabam promovendo-os, tudo isso não é trabalho de um momento. Roma não foi destruída em um dia (…) A transgressão carrega um bem por si, independentemente do que está sendo transgredido. Basta com quebrar um tabu e tornar-se herói imediatamente, desconsiderando-se o conteúdo do tabu. Hoje em dia para mostrar-se como homem de gosto artístico, é preciso se abster de quaisquer padrões e acolher todas as violações, o que, como disse Ortega y Gasset, caracteriza o vestíbulo do barbarismo”.

Recomenda a leitura de Shakespeare, que “dá respostas muito mais sutis do que qualquer ideólogo ou teórico abstrato, pois é um realista sem o cinismo, um idealista sem a utopia. E mostra claramente que a linha divisória entre o bem e o mal não passa pelos Estados, tampouco entre as classes, menos ainda entre os partidos políticos; mas percorrer todos e cada um dos corações humanos (…) A prevenção ao mal sempre requererá muito mais do que arranjos sociais: exigirá o autocontrole pessoal e uma limitação consciente dos desejos. Devemos reconhecer as limitações que a natureza nos impõe e nunca desistir do esforço por controlar os próprios impulsos”. Assim como sugere outros autores que ajudam a pensar: “Ler Stefan Zweig é reaprender tudo aquilo que, por meio da estupidez e do mal, fomos perdendo de forma progressiva, ao longo do século XX (…) Lembremos a afirmação de Orwell: a linguagem politizada é elaborada para que mentiras soem como verdades, e para dar solidez ao vento. ”

Propõe coragem moral para ir ao núcleo dos problemas da sociedade e não uma cosmética de formas, uma maquiagem do que é politicamente correto, e nos exime de qualquer responsabilidade.  “A fim de compensar a sua atual falta de compasso moral, surgem espasmos de bondade autoproclamada que passam a funcionar como substituto da vida moral. E adverte, com Jung, que o sentimentalismo é uma superestrutura para encobrir a brutalidade”.

Impõe-se, por tanto, aprender a contemplar o mundo, os exemplos bons e os ruins. E refletir para tirar consequências. “Quando leio algo sobre o Khmer Vermelho, ou sobre o genocídio em Ruanda, reflito longamente sobre minha vida, meditando um pouco sobre a insignificância dos meus esforços, o egoísmo de minhas preocupações e a estreiteza de minhas afeções (…) Ou aquela pianista tocando Mozart na National Gallery enquanto as bombas da Lutwaffe caiam sobre Londres, ou os quatro homens cultos que, esperando a Gestapo para serem presos (o que acabou não acontecendo) passaram a noite tocando um quarteto de Beethoven”.

Quando lia estas linhas lembrei daquela cena do filme Titanic, com os músicos tocando enquanto outros se desesperam para conseguir um lugar no bote salva-vidas. ‘Foi um prazer tocar com você esta noite’, diz um deles. O prazer de saber pensar, refletir, e atuar de acordo, destacando-se da fauna humana, do rebanho inconsciente. Um prazer que é também um dever, uma missão que nos cabe como homens. Para cumpri-la, a leitura pausada deste livro -em cómodas prestações, um ensaio por dia- é uma ótima ajuda.

González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Fonte: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2016/06/27/theodore-dalrymple-nossa-cultura-ou-o-que-restou-dela/#more-2659

Honore de Balzac: “Eugenia Grandet” (por Pablo González Blasco)

Literatura | 27/06/2016 | | IFE CAMPINAS

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Honore de Balzac: “Eugenia Grandet”. Abril Cultural. São Paulo, 1971.  230 pgs.

eugenie-grandetA tertúlia literária mensal oferece a possibilidade de poder reler os clássicos, desfrutar com eles, continuar aprendendo. Desta vez o convocado foi Balzac, o que significa um mergulho vital nas paixões humanas. Todas, descritas com minúcia, encontram-se em Balzac –dizia-me certa vez um amigo. E assim é, independentemente de onde o escritor francês situe a ação. Na corte, entre os aristocratas ou, como o caso que nos ocupa, nas províncias, lá onde encontramos “existências tranquilas na superfície, e devastadas secretamente por tumultuosas paixões”, e onde “uma moça não põe a cabeça à janela sem ser vista por todos os grupos desocupados”.

Mas a viagem ao interior do homem e o encontro com as paixões, não possuiriam a força que Balzac proporciona, não fossem as primorosas descrições que perfilam as personagens. Os comentários surgidos na nossa tertúlia ilustram essa característica. “Não prestei muita atenção ao argumento porque dediquei-me a saborear as descrições, a degusta-las” –dizia alguém. E outra: “Na verdade Eugenia é um papel secundário, porque o protagonista é o velho avarento, o pai dela. Talvez porque está muito bem desenhado”.

Sim, as descrições são precisas; a do Grandet é definitiva. “Os olhos do velho Grandet, aos quais o metal amarelo parecia ter comunicado o seu matiz. O olhar de um homem acostumado a tirar de seus capitais um juro enorme adquire necessariamente, como o do libertino, o do jogador ou o do cortesão, certos hábitos indefiníveis, movimentos furtivos, ávidos, misteriosos, que não escapam aos correligionários. Essa linguagem secreta constitui de certo modo a maçonaria das paixões”. Li essa frase há muitos anos e a guardei, porque explica de modo categórico como se encontram e entendem os que padecem as mesmas paixões, as limitações, enfim, os “correligionários” em baixezas e servilismos.

Grandet personifica a avareza até incorporá-la na sua essência. “Não frequentava a casa de ninguém, não recebia nem oferecia um jantar; nunca fazia barulho e parecia economizar tudo, até o movimento”.  Destila avareza, porque é o que hoje denominaríamos seu sistema operacional. Pede para a fiel empregada preparar uma sopa barata, não com aves caras, mas com corvos. A empregada replica que os corvos comem defuntos. E Grandet fecha a questão: “eles comem, como todo mundo o que encontram. Nós não vivemos de defuntos? Que são as heranças?” Não há outro modo possível de pensar porque como bem afirma Balzac, em mais uma da suas frases contundentes, os avarentos não creem numa vida futura, o presente é tudo para eles.

A esposa de Grandet é uma coadjuvante que aumenta o contraste do quadro, ficando nas sombras para destacar a claridade do sovina egoísta. “A Sra. Grandet era uma mulher seca e magra amarela como um marmelo, desajeitada, lerda; uma dessa mulheres que parecem feitas para ser tiranizadas. Tinha ossos grandes, um nariz grande, testa grande, olhos grandes e oferecia, ao primeiro aspecto, uma vaga semelhança com essas frutas fiapentas que não tem sabor nem suco(…) Uma doçura angélica, uma resignação de inseto judiado pelas crianças, uma piedade rara, um inalterável equilíbrio de gênio, um bom coração, faziam-na universalmente lastimada e respeitada”.

Circulam outros personagens, muito bem desenhados. Espíritos interesseiros, que buscam a própria vantagem e adulam o cada vez mais poderoso Grandet. Balzac não os poupa, e condena a atitude de forma lapidária.  “A lisonja nunca emana das grandes almas; é o apanágio dos espíritos pequenos, que conseguem diminuir-se ainda mais para entrara na esfera vital da pessoa em torno da quem gravitam”.

Eugênia que da nome ao livro mas exerce um protagonismo discretíssimo é a jovem mulher que, enclaustrada pelo pai, anulada pelo sistema, faz brotar a generosidade, a delicadeza, a ingenuidade do amor simples e puro “Ocupados em se dizerem grandes nadas, ou recolhidos os dois na calma que reinava entre a muralha e a casa”.

Ler Balzac é mergulhar nos perfis humanos, deparar-se com as paixões, apalpar vícios e virtudes, enfim, contemplar o amplo espectro de possibilidades humanas que desfilam na nossa frente. Podem, às vezes, parecer exagerados. Mas é um recurso pedagógico para que aquilo que é apresentado em estado puro, quase caricaturesco, nos lembre que vícios e virtudes não vem de fábrica, respondem à liberdade de cada um de nós. Todos podemos nos envolver na avareza de Grandet, na ingratidão interesseira do primo dândi, ou responder com grandeza de coração, com generosidade alegre, como Eugênia.

E citando palavras de outra das assistentes à tertúlia literária, Eugênia é sim uma mulher especial, que supera com sua virtude as baixezas que a rodeiam. Uma mulher de classe. Balzac sem dúvida concorda quando no final do romance traça o panegírico definitivo da protagonista: “Entre as mulheres, Eugênia Grandet será talvez um tipo que simboliza as dedicações;  lançada através das tempestades do mundo e que ali a afundam, como uma nobre estátua roubada à Grécia que, durante o transporte, cai no mar, onde permanecerá para sempre ignorada”. Ignorada, mas presente, como um modelo que estimula e promove os mais atrativos predicados femininos.

 

González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Fonte: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2016/06/02/honore-de-balzac-eugenia-grandet/#more-2647

[resenha de livro] Dominique Lapierre: “Muito além do amor” (por Pablo G. Blasco)

Literatura | 16/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Dominique Lapierre: “Muito além do amor”. Salamandra. São Paulo. 1991. 376 pgs.

muito além do amorA tertúlia literária mensal brinda-me oportunidades sonhadas, e quase nunca realizadas por falta de tempo: reler os livros que me impactaram anos atrás. E fazê-lo de modo enriquecedor: poder compartilhar a leitura –não na impessoalidade das redes sociais- mas ao vivo, em animada conversa, pipocar de lembranças e reflexões em voz alta

Passaram-se quase 25 anos desde a leitura deste livro. Naquela altura, eu, médico jovem, acompanhei o surgimento da epidemia da AIDS, a impotência dos médicos, o tabu e a palavra que ninguém queria pronunciar. Foi também naquela época, quando um colega, também médico jovem, veio adoecer e faleceu pouco depois, de algo que ninguém queria comentar. Estive visitando-o e mostrou-se agradecido. Foi o meu residente quando eu estava nos últimos anos da faculdade. Conversamos, sorriu, mas nenhum de nós teve coragem de enveredar por temas clínicos, nem muito menos falar do mal que lhe acometia. Lembro que tinha um irmão padre, da mesma ordem religiosa que toma conta da Basílica de Aparecida. Foi ele quem o cuidou até o final e quem celebrou a Missa de sétimo dia, à qual estive presente.  Nessa época eu não tinha lido ainda o livro de Lapierre. Pouco depois, quando caiu na minha mão, fiz as conexões em todos os planos: no âmbito médico e também nos âmbito dos cuidados, entendendo de modo plástico o que o livro descreve maravilhosamente. A importância do conforto com que é preciso assistir aos doentes que padeciam desse mal.

Quando agora releio o livro, faço-o a grande velocidade, pois a melodia resulta-me conhecida. Uma toada que tinha ouvido, que permaneceu na memória. Lembrava, sem dúvida, da perplexidade médica diante de pacientes com o sistema imunitário destruído, algo que começa de maneira episódica e se transforma em epidemia. Lembrava também da gana investigadora de americanos e de franceses, num mano a mano; e das disputas entre Luc Montaigner e Robert Gallo, por ver quem seria o primeiro a isolar o causante da tragédia. Pesquisa, esforços, iniciativa, e risco da própria vida: alguns em busca da fama, outros de peito aberto para o bem da humanidade.

Mas não era esse o tema principal que ressoava na minha memória. Não foi isso o que mais me impactou, e sim os atores aparentemente coadjuvantes que fizeram toda a diferença neste história entranhável. O amor que está além da tragédia. Lembrava da Madre Teresa e das suas freiras. Da garota rejeitada pela própria família por ter sido atingida pela lepra o que piorava sua já diminuída condição de pária.  A filha de um coveiro do Ganges, ou melhor, de um cremador porque os cadáveres se queimam por lá;  daquela menina frágil que se transforma no ponto de apoio para gerenciar a primeira casa para cuidar de aidéticos em Nova York. O prefeito, judeu, tinha sido claro: ou enviam as freiras da Madre Teresa, ou eu não entro nessa empreitada. Lembrava também dos “casamentos espirituais”, onde se associavam os doentes crônicos incuráveis com as freiras, a quem apoiam com a seu oração e oferecendo seus sofrimentos.

O livro é uma magnífica descrição no melhor estilo jornalístico. Lapierre abre cada capitulo com uma manchete de jornal, e por isso atrai, espicaça a leitura, torna-a agradável e imparável. A ira de Deus, A metamorfose do guerrilheiro, Enigma no quarto 516, Um laboratório de amor às margens do Ganges, A última viagem do comandante da Air France, As autopsias da Bela Marta, Retrovírus num Boeing, Uma lua de mel que começa mal, Um lar para agonizantes no meio dos arranha-céus. E por aí afora. São chamados que estimulam a leitura, seguindo a regra básica do bom jornalismo: o recado tem de ser dado no primeiro parágrafo da notícia; se for no título, melhor ainda. A leitura é ágil, devoram-se os capítulos, nos deparamos com títulos sugestivos; e por trás de cada personagem, em elegante retrospectiva, a história de cada um, sua biografia O livro toca porque não é apenas uma crónica jornalística de fatos científicos, mas um mosaico de histórias de vida, contadas em estilo ameno, a modo de crônicas.

No fim, as palavras que dão título ao livro. Proferidas por um doente judeu aidético nos dias finais quando, após tentativas de suicídio, as freiras da madre Teresa o recolhem uma vez mais, sem cansar-se, com aquele sorriso permanente que parece quase um voto suplementar na ordem das irmãs da Caridade. “Todos vocês estão muito além do amor”.

Histórias de vida, heroísmo, alegria no meio da catástrofe, cuidados, carinho. Enfim, esse amor que Lapierre canta  com uma voz que, 25 anos após a publicação do livro continua sendo atual. E impactante. “O pouco que fazemos, e o muito que nos queixamos”. Uma boa frase, dessas que alguém soltou com encantadora espontaneidade na tertúlia literária, e  que sintetiza a impressão que tive quando li o livro da primeira vez. E que agora ressurgiu, com colorido novo, e apontando  outras responsabilidades. Os livros nos mudam, se refletimos, se nos deixamos cuidar por eles. Como os doentes que, revoltados, encontravam o conforto quando se perdoavam a eles mesmos e se deixavam cuidar pelas mãos amorosas das freirinhas.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Publicado originalmente: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2016/03/28/dominique-lapierre-muito-alem-do-amor/#more-2629

Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades” (por Pablo González Blasco)

Educação | 17/12/2015 | | IFE CAMPINAS

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Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”.  Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Barcelona (2011). 408 págs.

Aios a la universidadO sugestivo título desta obra, fez-me pensar que seria um ensaio em tema que muito me atrai. Comprei-o, e o deixei repousar algum tempo na prateleira, hábito que sempre sigo para não ir com muita sede ao pote. Os livros também precisam de repouso, como o bom vinho, antes de estabelecer um diálogo com eles, que isso é –e não outra coisa- a boa leitura…

Recupero o livro da estante-adega, e me encontro com um livro de memórias, sobre o qual o autor alinhava suas considerações humanistas. O adeus à universidade não é apenas uma figura de linguagem, mas a retirada do próprio autor da academia, aproveitando um programa de aposentadoria implementado na instituição universitária onde ensinava. O eclipse das humanidades –por fazer uma exegese completa do título- é a constatação do autor, na sua trajetória docente,  do declínio da formação humanística na universidade, e as consequências dessa postura. Uma formação que sucumbe ao utilitarismo do mercado vigente, que dita as normas educacionais, e que bem resume Llovet citando  Bertrand Russell: “Um dos defeitos de educação superior moderna é que se converteu num treino para adquirir habilidades  e cada vez se preocupa menos de abrir a mente e o coração dos estudantes”.

Descubro que o autor escreve o original em catalão, e o exemplar que tenho entre mãos é, por tanto, uma tradução. Llovet é catalão até o último fio de cabelo, ama a cultura e a língua da sua terra, mas é tremendamente crítico com os fundamentalistas catalães que tentam impor o seu próprio idioma  a qualquer custo, beirando o ridículo. Surge aqui uma lembrança pessoal: há alguns meses passei por Barcelona e comprovei como editoras catalãs, cujo objetivo é promover a língua local, traduzem a esse idioma, Dostoievski, Steinbeck , Victor Hugo –o que me parece muito bem- mas também autores que conquistaram o Prêmio Cervantes, maior reconhecimento no domínio do Castelhano…..o que me causou tremenda perplexidade. Talvez por isso Llovet escreve em catalão: para ter certeza de que o seu público alvo não colocará obstáculos e acabará lendo este mistura de legado e reflexão. Quer dizer, escreve, em primeiro lugar,  para os catalães, principais destinatários da sua crítica iconoclasta contra o formalismo acadêmico.

O capítulo que descreve as peripécias necessárias para completar um doutorado, é de um ironia finíssima –dei risada sozinho- e devastador: detona os processos formais para conseguir esse grau acadêmico, a solidão do candidato, a  omissão dos orientadores, o aluno que trabalha por conta, gasta dinheiro, e ninguém o orienta (ou quando o faz é para pesquisar algo que o orientador tem interesse, mas também lhe da preguiça fazer). Enfim, não deixa títere com cabeça…

Nesse mesmo capítulo relata suas viagens pela Europa, em busca de material para a sua pesquisa. Alemanha, França, a República Checa –memorável o encontro com  a sobrinha de Kafka-, onde junta lembranças e considerações. Fez me sorrir a narrativa onde no quarto em que viveu Holderlin, sente um desejo tremendo de recolhimento, mas é impedido “porque os  visitantes estavam providos de engenhocas audiovisuais, como se os homens não tivéssemos memória e somente as imagens fotográficas ou filmadas pudessem conservá-la.”. Se isto foi em 1978,  podemos imaginar hoje, onde as pessoas fotografam compulsivamente locais e a elas mesmas –o self sedutor!- sem dar tempo para viver os momentos, imagens vazias de qualquer vivência……

Muito sugestivo é o capítulo que dedica às humanidades perante as novas tecnologias.  “Quando alguém percebe que não há sinal no celular, sofre como um náufrago que não consegue que seus gritos cheguem até os que pilotam o bote salva-vidas. Uma absoluta sensação de solidão e impotência”. Aborda-se o desafio que a técnica impõe em vistas do imediatismo que proporciona. Temos rapidez, comunicação global, mas falta conteúdo elaborado. A ditadura da rapidez elimina o tempo que sempre foi necessário para cozinhar as ideias, impondo uma cultura em sintonia com o fast-food. O estudante senta na frente de um computador, e pensa que lhe é proporcionada uma facilitação em todos os níveis, incluído aquele processo que sempre foi considerado árduo: o do aprendizado.  Esquece-se que educar provem de ex-ducere, tirar de dentro; extrair e não apenas colocar, e muito menos inserir programas e aplicativos.  Por isso eu vou digitando todas estas linhas: para ir pensando enquanto escrevo, escolhendo as palavras, ordenando as ideias, ao invés de correr o scanner pelas páginas e coloca-las sem nenhuma conexão, nem temperadas com a minha própria reflexão.

Llovet levanta a bandeira das humanidades e adverte do perigo da educação utilitarista: “Os jovens não possuem formação alguma, nem sentem a necessidade de adquiri-la, de modo que cada vez será mais difícil que um universitário consiga situar num contexto histórico os modos de ver o mundo. A falta completa de referências e a falta de familiaridade com o tema, fará com que tudo aquilo que não faz parte da sua experiência vital –do que vivem, e sentem- nunca venha se converter em categorias epistemológica, em modos de interpretar e ver o mundo. Somente captarão sua experiência quotidiana. É a tirania do momento, que nega o curso e a densidade da historia. Uma caipirice  não do espaço –da terrinha- mas do tempo, onde parece que o mundo é propriedade apenas dos vivos, sem saber que para a Historia não há mortos”.

Mostra-se muito crítico em relação á reforma universitária europeia, o chamado plano Bolonha, de integração europeia, pois os estudantes não foram formados num ambiente de critica e diálogo no ensino médio –muito menos em dominar línguas como para mover-se de um lado a outro de Europa, e ninguém fala latim hoje como os Humanistas do século XVI. Os estudantes querem soluções e eficácia, esse é o ensino médio. Bolonha não vai funcionar porque o estudante não tem motor próprio, não se lhe ensinou: a questão, como sempre, é dos professores, não culpa do estudante. São os gestores universitários os que destroem a enorme carga de entusiasmo que um jovem tem nessa fase da vida; gestores que transformam a universidade num centro de treinamento de habilidades e distribuidora de títulos.

Percebe-se ao longo de toda a obra uma crítica contumaz ao utilitarismo que relega as Humanidades a um plano de diletantismo. Invoca, novamente, Holderlin quando criticava os alemães do seu tempo: “Entre os alemães encontrarás artesãos, mas não homens; pensadores, mas não homens; sacerdotes, mas não homens; senhores e criados, jovens e adultos, mas nenhum homem”. Se isso acontecia em tempos do poeta que exclamava “para que poetas em tempos de miséria?”, podemos facilmente concluir perante o panorama de hoje, e num universo que carece da seriedade do povo germânico…..Uma advertência contra os que prestam culto à utilidade e não à verdade. Não se pode vincular as humanidades ao mercado laboral, aos dividendos que podem render a curto prazo, ao que é útil no sentido mensurável da palavra.

Llovet não se ilude, a culpa é mesmo do sistema, dos professores que são coniventes com a mediocridade. “Se a literatura vincula-se somente a teorias recônditas, se não é colocada constantemente do lado da vida mesma, das condições sociais e do nosso quotidiano, as aulas de literatura não servem para praticamente nada”.  Essa atitude explica que hoje não existam discípulos, nem escolas de pensamento, apenas alunos que são clientes em busca do título.

As recomendações que fazia Diderot para a Universidade de S. Petersburgo, trazem mais luz sobre o tema: “O objeto de uma escola pública não é produzir um homem profundo de um gênero qualquer, mas inicia-lo numa série de conhecimentos cuja ignorância o converteria em alguém prejudicial em todos os estados de vida, e mais ou menos vergonhoso em alguns deles. Gerar homens de bem e não apenas sábios”. E também Jovellanos, o intelectual espanhol, que advertia contra o perigo da especialização sem critério: “esta especialização, tão proveitosa para o progresso, é funesta para o estado das ciências. Se quebramos a árvore da sabedoria, de nada aproveita ter ramas frondosas, se perdemos a conexão que entre si tem todos os conhecimentos humanos”. Já dizia Ortega –a lembrança é minha- que o especialista é um ser perigoso, porque sabendo apenas algumas coisas em certa profundidade, tem a pretensão de opinar e pontificar sobre tudo com a mesma arrogância.

Mas, no meio desta enxurrada de críticas –são histórias que o autor pessoalmente viveu e vive- despontam também as sugestões e a esperança   “Se depois da conquista de Europa pelos bárbaros, surgiu o proto-renascimento Carolíngio, é possível recuperarmos um novo renascimento hoje, com a reincorporação dos homens de letras e dos humanistas: teremos de esperar e não baixar a guarda. É preciso entender que o saber clássico tem uma função muito peculiar: o de ser um conservador nas ruinas do tempo. E por isso os humanistas, os que cultivam as humanidades, sabem extrair das culturas as formas produtivas e refinadas do pensamento e produção artística , compreende-las e criar os meios para que o resto da sociedade possa também pensar e perceber nesse mesmo nível. Uma tentativa que permite que o humano não se degrade, e ocupe o lugar que lhe corresponde. Quase poderíamos dizer, com Llovet e com Holderlin, “para que humanidades nestes tempos de Facebook?”….A resposta é por conta de cada um de nós.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Fonte:  <http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2015/12/11/jordi-llovet-adios-a-la-universidad-el-eclipse-de-las-humanidades/#more-2523>

O “Conhece-te a ti mesmo” de Santo Agostinho tratado por Pierre Courcelle

Filosofia | 06/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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augustinus_277Pierre Courcelle é um dos grandes estudiosos do preceito délfico “Conhece-te a ti mesmo”: dedicou três volumes (em língua francesa) ao tema, denominado Connais-toi toi-meme: de Socrate a saint Bernard (“Conhece-te a ti mesmo: de Sócrates a São Bernardo”), no qual mostra os paralelos textuais entre os diversos autores gregos e latinos desde a época de Platão (século V a.C.) até São Bernardo – figura esta de envergadura da cultura européia e, por extensão, ocidental (século XII d.C.). Além disso, além do paralelo, interpreta os textos dos autores que aborda. Nesta resenha – que na verdade é mais do que uma resenha, pois abordamos como Courcelle trata o preceito délfico em Agostinho –, enfocamos o Capítulo VIII do Tomo I da obra, denominado “Ambroise et Augustin” (Ambrósio e Agostinho), com atenção a Santo Agostinho de Hipona.

(Todas as traduções do francês são nossas.)

***

Para Pierre Courcelle, em seu capítulo sobre o Nosce te ipsum (“Conhece-te a ti mesmo”, em latim) em Agostinho, é possível observar uma progressão da reflexão sobre esse tema na obra de Agostinho ao longo de sua vida e conforme ele amadurece.[1] De fato, Courcelle parece ter lido toda a obra de Agostinho separando dela os trechos em que é abordado o “Conhece-te a ti mesmo” para formar seu capítulo. Nesse sentido, ele encontra o tema desde o primeiro diálogo agostiniano Contra academicos até seu tratado de maturidade De Trinitate, no qual, segundo o autor, é onde Agostinho desenvolve o tema com mais frequência e de modo mais longo.

A respeito do Contra Academicos, Courcelle diz que Agostinho empresta de Licencio, um de seus interlocutores, a visão de que a filosofia,

pelo fato mesmo que ela busca a sabedoria, despoja sua alma dos invólucros (enveloppes, em francês) corporais, se subtrai às concupiscências que a dilaceram, se recolhe ela mesma nela mesma, tende em direção a ela e em direção a Deus, atinge enfim, pelo uso mesmo de sua razão, a serenidade da alma e a vida feliz análoga à beatitude divina que a alcança depois da morte”.[2]

Algo que, para Courcelle, é uma visão impregnada do tratado de Porfírio sobre o “Conhece-te a ti mesmo”. Mas observa também que, mais adiante no diálogo, Agostinho confessa que sua conversão recente foi um retorno a si mesmo devido a influência dos libri Platonicorum, porém mais ao cristianismo.[3]

No diálogo De Ordine, Courcelle observa que, para Agostinho, se o homem não consegue discernir a ordem providencial do universo, é porque ele não conhece a si mesmo. E não conhece a si mesmo porque está habituado às coisas exteriores e não se volta para si mesmo para uma vida solitária ou que cure esse hábito às coisas exteriores pelo estudo das disciplinas liberais (Artes Liberais). A beleza da ordem provém do Uno. Courcelle ainda observa que, nesse texto, suas linhas são impregnadas de neoplatonismo porfiriano.

A seguir, é interessante ressaltar a origem e o caminho dessas idéias até Agostinho, os quais o autor traça:

A idéia de que a alma, depois de sua queda do ‘plano da Verdade’ nesse mundo baixo, torna-se jogo da Opinião, remonta ao Fedro de Platão. Através de Plotino e Porfírio, ela passou por Proclo, e em latim por Arnóbio que a combate, por Macróbio e por Mario Vitorino. O tema do estado de indigência onde a alma se encontra quando se derrama entre os múltiplos objetos dos sentidos é longamente desenvolvida por Porfírio em suas Sentenças (…).”[4]

Essa temática vem de Platão através Plotino e depois Porfirio. Contudo, conforme uma demonstração textual entre o texto grego de Platão e o latino de Agostinho, Courcelle sustenta que Agostinho segue de perto o texto do Fedro, com a diferença de o último ser “munido de um comentário neoplatônico”.[5]

Ainda com relação ao De ordine, Courcelle levanta mais duas passagens do texto que completam, segundo ele, as visões de Agostinho sobre o “Conhece-te a ti mesmo” no referido texto. Uma delas que convém destacar – a que está no final do De ordine – é a de que a filosofia tem por objeto a alma e Deus, isto é, “o conhecimento de nós mesmos e aquele de nossa origem; o primeiro nos torna dignos da vida feliz; o segundo, nos obtém essa vida feliz”.[6]

Outro texto de Agostinho no qual Courcelle encontra o Nosce te ipsum é os Soliloquiorum, onde Agostinho dialoga consigo mesmo, ele e sua Razão. Para o autor, a ligação íntima entre conhecimento de si e conhecimento de Deus é reafirmada com força nesse diálogo.[7] Depois da prece inicial, a Razão pergunta a Agostinho o que ele deseja saber e o pede para que faça de modo breve. Sua resposta é “Deum et animam scire cupio[8], isto é, “Desejo conhecer a Deus e a alma”.

Para Courcelle,

Na prece inicial do Livro I, ele [Agostinho] sublinha, sem dificuldade, em seu próprio nome, o acordo entre as pesquisas filosóficas sobre o ‘Conhece-te a ti mesmo’ e o versículo do Gênesis do homem feito à imagem e à semelhança de Deus. Isso supõe que, desde o início do ano 387, em Cassicíaco, ele está informado das exegeses cristãs sobre o Cântico dos Cânticos, tais como de Orígenes, Basílio e Gregório de Nissa. O senso profundo de toda essa prece é seu desejo de conhecer a relação entre a alma humana e a divindade.[9]

Mais a frente nos Soliloquiorum, Courcelle afirma que, com relação à passagem “Deus semper idem, nouerim me, nouerim te. Oratum est”,[10] há um substrato dessa prece no Livro I das Tusculanas de Cícero em I, 29, 70, citado no texto e colocado ao lado do texto de Agostinho.[11] Por fim, citando a conclusão de Agostinho desse texto, Courcelle afirma que “a condição de reflexão sobre si (…) é o entrar em si mesmo (repli[12] em francês), que se obtém somente quando nos desviamos a nossa atenção dos objetos dos sentidos.”[13]

No De vera religione encontra-se um novo apelo ao homem para que ele se desvie dos objetos exteriores e entre em si mesmo e descubra, para além de sua razão, a Verdade, harmonia soberana.[14] A passagem referente ao conhecimento de si desta obra – conhecida de muitos, aliás – é aquela em que santo Agostinho afirma:

Não vás para fora, volta para ti mesmo. No homem interior habita a verdade. E se descobrires que tua natureza é mutável, transcende também a ti mesmo. (De Vera Religione, XXXIX, 72) [*]

Nas Confessionum vê-se, segundo Courcelle, o caminho até Deus para além da razão em sentido inverso, tal como sugere um versículo do Eclesiástico (X, 9-10).[15] O homem nesse sentido seria um abismo de corrupção, um abismo sem fundo e suas concupiscências constituiriam entraves para ele, de tal sorte que, se o ímpio interroga sobre si mesmo, ele não sabe o que responde, ao passo que, ao contrário,

o homem que faz retorno a si mesmo progredindo – segundo a dialética neoplatônica dos degraus – do exterior em direção à própria intimidade, com a condição de o que é interior é preferível, aquele toma consciência de seu mal estado de saúde moral, descobre sua dessemelhança de natureza com a da divindade e, do mesmo modo, a presença de Deus no mais profundo dos seus intima.[16]

Segundo Courcelle, esse ensinamento neoplatônico do retorno a si pelo “Conhece-te a ti mesmo” concorda com um versículo de Isaías, o qual afirma que, se nós voltarmos a nosso próprio coração, nós encontraremos a Deus que está no fundo.[17]

A partir de agora, em seis páginas, Courcelle mostra as diversas formas como Agostinho trata da presença divina imanente. Podemos resumi-lo notando que, em diversos escritos de Agostinho citados pelo autor, os verbos utilizados para se referir a essa presença divina interior são adesse (numa tradução em inglês seria como “to be at, be present, be at hand[18]) e praesens (presente, no particípio). Contudo, observa Courcelle, neste último caso é frequente o praesens vir acompanhado de secretus “para indicar que essa presença é invisível”, imaterial, como em Confessionum I, 4, 4, “secretissime et praesentissime”.

Além disso, Courcelle vê paralelos de textos filosóficos que Agostinho leu ou recebeu de segunda mão com relação ao tema de presença imanente em Sêneca, Epiteto e Simplício. Mas observa, por fim, que, quando Agostinho afirma nas Confessionum “Por isso, enquanto peregrino longe de ti, estou mais presente a mim que a ti” (X, 5, 7),[19] ele se separa tanto dos estóicos como dos neoplatônicos, segundo os quais se conhecer a si mesmo é conhecer Deus em si. Agostinho – diz Courcelle – “está convencido de que esse conhecimento, durante nossa vida terrestre, tem seus limites”.[20]

Em muitos Sermones, Enarrationes in Psalmos e no Tratactus in Iohannen Courcelle observa que o tema do “Conhece-te a ti mesmo” é implementado e adaptado para fins edificantes.[21] Contudo, pelo que pude ler nos textos anteriores citados pelo autor e pelo que ele mesmo cita desses textos, a idéia não destoa do que foi apresentado segundo Agostinho até o momento. Por exemplo, o autor observa que o perverso não se conhece, algo que foi visto pouco acima. A diferença que se nota nesses textos, em relação aos outros, a meu ver, é a maior quantidade do conteúdo da Revelação Judaico-Cristã presente, o que também pressupõe um vocabulário mais afinado à Escritura e à tradição cristã, como “fraqueza carnal”.[22] Mas algo interessante é o aparecimento, por parte de Courcelle, do uso da palavra “introspeção” para se referir ao “Conhece-te a ti mesmo”. Nesse sentido, afirma ele:

A introspeção tem duas faces. Antes de mais, o homem que descende nele mesmo descobre a guerra intestina entre a carne e o espírito e toma consciência de sua fraqueza carnal. O Evangelho propõe o exemplo do retorno a si do Filho pródigo e mostra por lá que o conhecimento de si é uma fase prévia ao retorno a Deus. Do mesmo modo, o retorno a si não é somente voltar-se sobre si mesmo, mas conduz ao próximo: porque ninguém pode amar seu próximo como a si mesmo se ele se ignora a si mesmo. Jesus fez o elogio do publicano porque este prestou atenção a sua conduta moral (…).

Mas, ao mesmo tempo, descender em nós mesmos nos faz descobrir nossa grandeza de ser criados à imagem e semelhança de Deus e superior aos animais, porque a alma recepta memoria e cogitatio que o conduz a Deus.”[23]

Courcelle segue na conclusão de seu capítulo mostrando que o tema do “Conhece-te a ti mesmo” é mais desenvolvido e aprofundado em um texto de maturidade de Agostinho, o De Trinitate. O autor observa que logo no Livro IV do De Trinitate há uma referência ao Nosce te ipsum. No começo desse livro, Agostinho fala o seguinte:

O gênero humano geralmente (solet) tem em grande estima as ciências da terra e as do céu. Levam, entretanto, grande vantagem aqueles que preferem o conhecimento de si mesmos aos dessas ciências. É mais digna de louvor a alma que tem consciência de sua debilidade do que aquela que não a tendo esquadrinha o curso dos astros com afã de novos conhecimentos.[24]

Além disso, três outros livros do De Trinitate são levantados por Courcelle para mostrar a presença do Nosce te ipsum, os livros IX, X e XIV, mas é sobretudo no Livro X, segundo o autor, que o tema é mais desenvolvido e abordado, sendo, contudo, retomado e aprofundado no livro XIV.

No Livro IX, Courcelle observa que Agostinho procura na “psicologia do homem, que é criado à imagem de Deus, as analogias suscetíveis de esclarecer o mistério da Trindade das pessoas divinas”.[25] Além disso, faz uma importante distinção que ele reconhece no texto agostiniano: é a de que Agostinho opõe (já neste livro) o conhecimento intelectual ao conhecimento sensível. Nesse sentido, Courcelle diz que

os olhos do corpo podem ver os olhos de outra pessoa, mas não se pode ver a si mesmo. Agostinho evita estender-se sobre as diversas teorias de óptica, porque ele quer colocar em relevo que a alma recolhe por ela mesma os conhecimentos que ela tem das realidades incorpóreas e que ela se conhece ela mesma por ela mesma.[26]

Para Courcelle, seguindo M. Pépin, o Capítulo 3 do Livro IX que Agostinho opõe o conhecimento sensível ao intelectual, aproxima-se das Sentenças de Porfírio em XLIII, 2-4.[27]

Agostinho prossegue no livro IX ao notar uma tríade, posto que a alma se conhece, que é a mens (alma ou espírito), notitia (conhecimento) e amor (amor). Essa tríade, para Agostinho, são três coisas iguais e são uma ao mesmo tempo. Amor e conhecimento não são para a alma substratos, como seriam a cor ou a figura, mas existem “como a alma ela mesma, a título de substância”.[28] A passagem do texto agostiniano de onde Courcelle retira seu comentário é o Livro IX, 4, 5, onde Agostinho afirma, entre outros, que

Essas reflexões atiram nossa atenção, além disso, sobre o fato (se de alguma maneira pudermos ver) que essas realidades [mens, notitia, amor] coexistem na alma, e aí se desenvolvem como numa espécie de involução mútua, a ponto de se deixarem perceber e recensear, como substâncias, ou por assim dizer, essências. Elas não estão aí como acidentes, à maneira da cor, da figura, em um corpo ou qualquer outra qualidade ou quantidade. Tais acidentes estão limitados ao substrato onde subsistem. Pois tal cor e tal figura não podem estar em nenhum outro corpo.

Entretanto, a mente, com o amor com que se ama, pode amar outras realidades fora de si. Ela também não conhece apenas a si mesma, mas a muitas outras coisas. Por isso, o amor e o conhecimento não estão inerentes à mente como um acidente está a um sujeito.[29]

Com relação ao conhecimento de si que está ligado ao amor e à mens (espírito), Courcelle observa que há a aporia das partes da alma. Se com relação ao conhecimento há um sujeito e um objeto de conhecimento, e se a tríade é uma só e três ao mesmo tempo, como é possível que a alma quando se conheça se conheça e se ame toda inteira de acordo com Agostinho, sem separação? Pois a relação entre amor e conhecimento não é de justaposição, nem de mistura, pois a justaposição supõe possível a separação e, a mistura, destrói a pluralidade inicial.[30] Como isso se resolveria? Courcelle responde que

Agostinho indica em seguida qual é, a seus olhos, a verdadeira solução da aporia. A alma, diz ele, quando ela se ama e se conhece, não se conhece como imutável. Mas ela possui também a intuição do caráter específico ou genérico da alma, objeto eterno e inteligível, e sua união com as inteligências, sem confusão, nem corrupção, nem alteração. / Uma tal solução figura nos Symmikta Zetemata de Porfírio.[31]

Por fim, no Livro IX, Courcelle comenta que Agostinho desenvolve nele a doutrina do verbo mental: é o conhecimento unido ao amor; “quando a alma se conhece e se ama, seu verbo lhe é unido por amor”.[32]

O desenvolvimento tocante ao conhecimento de si se aprofunda no Livro X, no qual, segundo o autor, Agostinho se esforça para determinar o modo de conhecimento da alma que busca se conhecer a si mesma. Agostinho se pergunta: como pode a alma se amar antes de se conhecer? Ela não pode se conhecer por um espelho, como o olho, porque é imaterial. Seria na razão da Verdade eterna que ela vê o quão belo é se conhecer? Ou por lembrança de uma beatitude anterior? Ou, ainda, por amor do saber?

Na verdade, para Courcelle,

é por uma intuição dela mesma: ela é presente a ela mesma no momento em que ela busca representar-se a si mesma. Segundo Agostinho, o conhecimento do sujeito por ele mesmo está envolvido no ato de se conhecer e a alma não pode conhecer uma parte dela mesma por uma outra parte. Ele responde por lá, seguindo uma argumentação plotiniana, à aporia apresentada em Sexto Empírico segundo a qual todo conhecimento supõe uma divisão entre o sujeito do conhecimento e o objeto conhecido. A alma toda inteira se conhece intuitivamente, ao mesmo tempo enquanto vida e enquanto alma.[33]

Na sequência, Agostinho pergunta: mas por que é dirigido à alma um preceito para que ela se conheça a si mesma se ela já se conhece? De acordo com Courcelle, é para convidá-la a se pensar nela mesma e a viver segundo sua natureza, “intermediária entre Deus que a rege e os seres que ela deve reger.”[34]

Nesse ponto, Courcelle observa que há muito provavelmente uma lembrança de uma interpretação de Antíoco de Ascalão que adaptou o ‘Gnothi Seauton[35]’ platônico – transliteração da exortação grega γνῶθι σεαυτόν, que significa “Conhece-te a ti mesmo!” – à antropologia de Crisipo. Para o autor, Agostinho o conheceu através do De finibus de Cícero, se se julga pelos paralelos textuais apresentados por ele em seu capítulo, pp. 156–157.

A seguir, no Livro X, Agostinho, passa agora em revisão as teorias de diferentes filósofos que reduzem a alma à matéria, que dizem ser ela constituída de sangue, átomo ou outro elemento. Citando Schindler e Hagendahl, Courcelle afirma que esse parágrafo de Agostinho resume algumas páginas do Livro I das Tusculanas de Cícero. “Agostinho – diz Courcelle – conclui essa revisão de opiniões filosóficas dizendo que a alma, por sua natureza, é uma substância não corporal; ela não tem que se procurar como se ela estivesse ausente de si mesma.”[36] E, nesse sentido, como já se conhece a si mesma, deve se pensar em si mesma para arrancar as crostas terrestres que nela se ajuntou. Com relação à temática da crosta terrestre usada como metáfora para alma, Courcelle vê um desenvolvimento porfiriano e depois identifica a discussão com elementos do Fédon de Platão e a presença de autores como Cícero e Virgílio.[37]

Referente à conclusão do Livro X, Courcelle comenta:

O próprio da alma, diz ele, é se conhecer com certidão. O erro comum a esses que crêem ser a alma corporal é de não notar que ela já se conhece, mesmo quando ela se busca. Agostinho conclui o Livro X fazendo observar que memória, inteligência e vontade constituem uma só vida, uma só alma.[38]

Contudo, para Courcelle, o De Trinitate não se esgota no Livro X a respeito do “Conhece-te a ti mesmo”. Para o autor, o desenvolvimento (développement) do Livro X é aprofundado e retomado no Livro XIV: enquanto o olho só pode se ver através de um espelho, a alma pode se aperceber de si mesma pela “cogitatio”. Segundo o autor, Agostinho “compara esse conhecimento implícito que o homem tem dele mesmo com a memória mesma que contém as lembranças que nós não procuramos para nos lembrar.”[39]

Acompanhando esses livros, Courcelle conclui seu capítulo afirmando que Agostinho opõe o conhecimento intelectual ao conhecimento sensível e que, no De Trinitate, “ele luta – à maneira de Platão no Fédon – contra os physicistes que não refletem mais do que empurrar a observação até os ‘moenia mundi’”[40], isto é, até o firmamento.

NOTAS:

[1] Courcelle, 1974, p. 125 e p. 163.

[2] Ibid., pp. 125-126.

[3] Ibid., pp. 125-126.

[4] Ibid., pp. 127-128.

[5] Ibid., p. 128.

[6] Ibid., pp. 130-131. Cf. Agostinho, De ordine, II, 18.

[7] Ibid., p. 131.

[8] Agostinho, Soliloquiorum, I, 2, 7.

[9] Courcelle, 1974, p. 131.

[10] Agostinho, Soliloquiorum, II, 1, 1.

[11] Courcelle, 1974, p. 132.

[12]Replier” segundo o Hachette Le Dictionnaire (1991): “(…) II. v. pron. Rentrer en soi-même, se fermer”.

[13] Ibid., p. 132-133. Cf. Agostinho, cit. por Courcelle, De imortalitate animae, x, 17.

[14] Ibid., p. 133. Agostinho, cit. por Courcelle, De vera religione, xxxix, 72: “(…) Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine habitat Veritas. (…)”

[*] De Ver., XXXIX, 72, tradução de Novaes, 2007, p. 202. No texto latino usado por Novaes: “Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine habitat veritas; et si tuam naturam mutabilem inveneris, transcende et teipsum.” Cf. NOVAES, Moacyr. A razão em exercício: estudos sobre a filosofia de Agostinho. São Paulo: Discurso Editorial, 2007.

[15] Na Vulgata: “9. avaro autem nihil est scelestius quid superbit terra et cinis 10. nihil est iniquius quam amare pecuniam hic enim et animam suam venalem habet quoniam in vita sua projecit intima sua” (Eclo 10, 9-10). Fala-se aqui em scelestius (“pior”) e intima sua que se traduz por intestino, mas não encontramos alguma referência propriamente ao tumor nesta passagem. Parece-nos, então, que a metáfora do tumor está em Confissões e que esta metáfora é sugerida, e não propriamente dita, por Eclo 10, 9-10. Ficamos de conferir as Confissões a esse respeito.

[16] Ibid., p. 136.

[17] Ibid., p. 137.

[18] Perseus, Latin Word Study Tool. Link: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=adesse&la=la&can=adesse40&prior=quem Acesso em 28/03/2014.

[19] Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante, Santo Agostinho, Confissões, São Paulo, Paulus, 1984, p. 270. No original: “Quamdiu peregrinor abs te, mihi sum praesentior quam tibi, et tamen te noui nullo modo posse uiolare” (Conf. X, 5, 7).

[20] Courcelle, 1974, p. 144.

[21] Ibid., p. 144.

[22] Agostinho, Enarrationes in Psalmos LXV, 14, 16.

[23] Courcelle, 1974, pp. 144-146.

[24] Agostinho, De Trinitate, IV, 1. Tradução nossa adaptada de Agustinho Belmonte, Paulus, São Paulo, 1994. No original latino da Patrologia Latina, tomo 42: “Scientiam terrestrium caelestiumque rerum magni aestimare solet genus humanum. In quo profecto meliores sunt qui huic scientiae praeponunt nosse semetipsos, laudabiliorque est animus cui nota est vel infirmitas sua quam qui ea non respecta vias siderum scrutatur etiam cogniturus aut qui iam cognitas tenet ignorans ipse qua ingrediatur ad salutem ac firmitatem suam.” Uma edição crítica mais apurada e atualizada do texto latino de Agostinho do De Trinitate está em AUGUSTINUS, Sanctus Aurelius. De Trinitate. Edição crítica do texto latino preparada por Beatrice Cillerai e Giovanni Catapano com base nas edições de W.J. Mountain e F. Glorie no “Corpus Christianorum” (1968). IN: AGOSTINO. La Trinità – Texto latino a fronte. Introdução e notas ao texto latino de Giovanni Catapano. Tradução, notas e aparatos de Beatrice Cillerai. Bompiani: Milão, 2013.

[25] Courcelle, 1974, p. 151.

[26] Ibid., p. 151.

[27] Ibid., p. 151.

[28] Ibid., p. 151.

[29] Agostinho, De Trinitate, IX, 4, 5. Tradução de Agustinho Belmonte, Paulus, São Paulo, 1994.

[30] Courcelle, 1974, p. 152.

[31] Ibid., p. 153.

[32] Ibid., p. 153.

[33] Ibid., pp. 154-155.

[34] Ibid., p. 155.

[35] “Conhece-te a ti mesmo” transliterado do grego.

[36] Ibid., pp. 157-158.

[37] Ibid., pp. 158-159.

[38] Ibid., p. 160.

[39] Ibid., p. 161.

[40] Tradução nossa: “muralhas do mundo”.

João Toniolo é mestrando em Filosofia pela Unicamp e gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas (joaotoniolo@ife.org.br). Resenha elaborada originalmente em Abril de 2014 e adaptada para este site em Setembro de 2014. 

REFERÊNCIA DA RESENHA: COURCELLE, Pierre. Connais-toi toi-même. Tomo I. «Chapitre VIII : Abroise et Augustin». Institut d’Études Augustiniennes : Paris, 1974.