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5º SEMINÁRIO IFE/ACL – “ESTADO E SOCIEDADE: CRISES E TENSÕES” – SÁB. 07/MAI 14H00 | LINK PARA INSCRIÇÃO NESTE POST

Seminários IFE | 20/04/2016 | | IFE CAMPINAS

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5º Seminário IFE-ACL - Arte A4 Completa - 760px - sitePrezados(as),
Estão abertas as inscrições para a próxima edição de nossos seminários IFE/ACL. Essas vão até 05 de Maio ou até acabarem as vagas. Seguem informações abaixo:

IFE CAMPINAS E ACADEMIA CAMPINENSE DE LETRAS APRESENTAM:

5º SEMINÁRIO IFE CAMPINAS/ACL

“ESTADO E SOCIEDADE: CRISES E TENSÕES”

DATA: 07 DE MAIO DE 2016 | HORÁRIO: 14H00

PALESTRAS:*

1ª Palestra
Título: Estado, cidadania e educação
Por Pedro Goergen: Professor da FE (UNICAMP), com Doutorado em Filosofia pela Universität München (Alemanha); experiência em áreas como Filosofia da Educação, Ética e Teoria Crítica. É membro da ACL.

Coffee-break – 15H30

2ª Palestra
Título: Estado e violência
Por Roberto Romano: Professor do IFCH (UNICAMP), com Doutorado em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (França); experiência em áreas como Ética, Filosofia Política e História da Filosofia.

* Ao final de cada palestra haverá 10min. para perguntas e respostas. Quem desejar receberá certificado de participação. Basta informar na inscrição que o deseja.

LOCAL:
Academia Campinense de Letras
Rua Marechal Deodoro, 525 – Centro, Campinas – SP

—> INSCREVA-SE AQUI: http://goo.gl/forms/XJAVd4YioH
(Entrada franca)

Dúvidas? Contate-nos através do e-mail ifecampinas@ife.org.br

REALIZAÇÃO: IFE CAMPINAS
PARCERIA: ACADEMIA CAMPINENSE DE LETRAS

APOIO:
ANUBRA/BRASIL
FÓRUM DAS AMÉRICAS

Curta nossa página no Facebook: https://www.facebook.com/ifecampinas/

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5º SEMINÁRIO IFE - ARTE EVENTO COMPLETA WEB-FB

5º SEMINÁRIO IFE/ACL – “ESTADO E SOCIEDADE: CRISES E TENSÕES” – SÁB. 07/MAI 14H00 | LINK PARA INSCRIÇÃO NESTE POST

Seminários IFE | 20/04/2016 | | IFE CAMPINAS

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Estão abertas as inscrições para a próxima edição de nossos seminários IFE/ACL. Essas vão até 05 de Maio ou até acabarem as vagas. Seguem informações abaixo:

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5º SEMINÁRIO IFE CAMPINAS/ACL

“ESTADO E SOCIEDADE: CRISES E TENSÕES”

DATA: 07 DE MAIO DE 2016 | HORÁRIO: 14H00

PALESTRAS:*

1ª Palestra
Título: Estado, cidadania e educação
Por Pedro Goergen: Professor da FE (UNICAMP), com Doutorado em Filosofia pela Universität München (Alemanha); experiência em áreas como Filosofia da Educação, Ética e Teoria Crítica. É membro da ACL.

Coffee-break – 15H30

2ª Palestra
Título: Estado e violência
Por Roberto Romano: Professor do IFCH (UNICAMP), com Doutorado em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (França); experiência em áreas como Ética, Filosofia Política e História da Filosofia.

* Ao final de cada palestra haverá 10min. para perguntas e respostas. Quem desejar receberá certificado de participação. Basta informar na inscrição que o deseja.

LOCAL:
Academia Campinense de Letras
Rua Marechal Deodoro, 525 – Centro, Campinas – SP

—> INSCREVA-SE AQUI: http://goo.gl/forms/XJAVd4YioH
(Entrada franca)

Dúvidas? Contate-nos através do e-mail ifecampinas@ife.org.br

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Aborto: o caminho da servidão

Opinião Pública | 07/10/2015 | | IFE CAMPINAS

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A campanha pela descriminalização do aborto, repleta de argumentos aporéticos dos juristas de plantão, de rostos bonitos dos atores globais e de muita grana dos organismos internacionais, na prática, equivale a legalizá-lo para, ao cabo, gerar a velha confusão, oriunda lá das discussões entre os jurisprudentes romanos, entre legalidade, licitude e moralidade.

No fundo, essa retórica progressista encampada pelos bacanas politicamente corretos solicita uma intervenção estatal que não só amplia os poderes estatais, mas altera sua natureza por completo. Só um Estado-Leviatã, um estado tendente ao totalitarismo, pode aceder tal desejo. Eles o instituem no momento em que transferem para as mãos desse estado todo-poderoso uma de suas responsabilidades inerentes e inalienáveis: a responsabilidade pessoal pela sucessão geracional. E o mais paradoxal está no fato de que tal traslado é sempre feito em nome das teses mais libertárias possíveis.

A instauração imperceptível deste tipo de estado provoca uma inversão dos valores democráticos mais genuínos. A tensão entre estado e sociedade é eliminada, porque aquele identifica-se com este e, como efeito, apresenta-se como porta-voz de seus interesses. A sociedade, assim, perde o controle sobre as instituições e direitos que o estado leva para si e o legítimo passa a ser sinônimo de legal, alimentado pelo positivismo normativista mais rasteiro que se possa imaginar.

A justiça, concretamente vista, ficará restrita à vontade emanada pelo estado, sendo suficiente que atente para as formas legais, no melhor estilo do decisionismo de Carl Schmitt ou da democracia procedimentalista de Rawls. Um indivíduo será considerado um bom ou mau cidadão se o Leviatã assim o entender.

A razão de estado será transformada na referência absoluta e auto-referente, de sorte que o estado de direito deixará a cena. O Estado-Leviatã avocará o direito de estabelecer o certo e o errado, o lícito e o ilícito, o moral e amoral e o indivíduo passará a ser reputado um sujeito de direito desde que atenda às normas emanadas pelo mesmo estado.

De recuo em recuo, de debandada em debandada, de abdicação em abdicação, os homens nem sequer perceberão que estão numa escalada rumo à uma servidão voluntária. Já não lhes bastará o essencial, como segurança, economia, educação e saúde. Ainda almejarão o bem-estar social ao extremo e nivelado por cima, com direito à legitimação legal do arbitrío do mais forte pelo mais fraco, o verdadeiro nome da descriminalização do aborto.

Atualmente, basta uma rápida olhada nas decisões dos tribunais para se verificar o plano inclinado desta guinada suicida: os influxos do positivismo jurídico tomam tal envergadura, a ponto de se ignorar toda e qualquer referência a uma ordem transcendente da vida humana no debate sobre a eliminação de um embrião humano, nem mesmo em prol do respeito ao direito à objeção de consciência que visa resguardar justamente a liberdade profissional das profissões médicas.

Tudo isso em prol da maior felicidade do maior número, surfando na já desgastada onda utilitarista de Bentham. Não me assustará se, em breve, os mesmos bacanas resolverem perguntar ao todo-poderoso Leviatã o que é, afinal, a felicidade. Ele responderá, em tom messiânico, ser feliz o povo que vive os condicionamentos estatais em sua plenitude. Eles acreditarão piamente e seguirão, decididos, a trilhar nessa marcha da insensatez da abolição da responsabilidade pessoal. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 7/10/2015, Página A-2, Opinião.

Da necessária separação entre Estado e Governo (por Marcus Boeira)

Política e Sociologia | 10/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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60_years_of_queens_monarchy

Sabe-se que, diferentemente dos Estados Unidos, em que a separação tripartite dos Poderes representa um arranjo adequado de instituições para a sociedade americana, fortemente consensual em sentido social, o Brasil adentrou na era da axiologia constitucional sem um projeto coerente e racional de instituições políticas. Para a realidade americana, a tripartição de poderes aparece como um modelo de consagração histórica, existente desde a fundação do país e que, por isso, mostra-se extremamente adequado à realidade norte-americana, firmemente sustentada em princípios tais como o common law e o self-government, próprios da cultura anglo-saxônica. O self-government, enquanto princípio, refere que a sociedade americana é uma sociedade formada da base para o topo, isto é, uma sociedade que precede a formação do Estado, razão pela qual é uma sociedade fortemente detentora da capacitação para empreender projetos políticos e sociais a partir de si mesma, sem a necessidade de uma intervenção massiva do governo. Desta maneira, a tripartição de poderes, nos Estados Unidos, representa um modelo acidental de instituições políticas, uma vez que a maior parcela de poder é concentrada na própria sociedade e esta, organizada na base, possui condições sociais e políticas suficientes para controlar os poderes políticos, equilibrando-os. A democracia social americana, de que falou TOCQUEVILLE, representa um modelo político em que o monopólio da legitimidade de poder e de controle não se situa dentre os poderes, mas na própria base social. A sociedade, assim, possui condições de controlar o poder e, ao assim proceder, vivenciar na prática a democracia constitucional. Em um certo sentido, é apropriado dizer que nos Estado Unidos, a sociedade, e não o Estado, é o verdadeiro centro de poder. Tanto é, que ROBERT DAHL chama tal sistema de Poliarquia.

Este forte caráter de autogoverno presente na sociedade americana é devido ao processo histórico que resultou na revolução americana, verdadeira fundação do país. A América foi formada por um processo de emigração de famílias inglesas que se organizaram socialmente, em comunidades coloniais. Os Estados Unidos não conheceram um passado feudal, o que afastou o país das heranças baseadas nos ideários sociais de estratificação e sustentação tradicional do poder. Por estas razões, o consenso na América não é um atributo das instituições políticas, mas uma função desempenhada pela própria sociedade americana que, por meio do consenso social e do alto grau de poder que concentra e controla efetivamente o poder político (poliarquia). Sobre isto, CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR demonstra que “nos Estados Unidos, a fonte sócio-política do poder está no povo, na comunidade. Lá a afirmação de que ‘o poder emana do povo’ não soa como simples princípio jurídico, um ‘dever-ser’ inscrito na Constituição, mas corresponde ao que foi, na realidade histórica, a formação americana. Conseqüentemente, o povo é politicamente forte em relação ao poder estatal que ele próprio criou”.

Tais características da sociedade política americana são diametralmente diferentes da realidade brasileira. A formação de nossa sociedade ocorreu de modo distinto daquele sucedido entre os norte-americanos. No entanto, a partir de 1891, com a adoção do modelo republicano em território brasileiro, transportamos para nossa realidade as instituições consagradas nos Estados Unidos. Tais instituições, em sua gênese, consistiam em dois pontos: primeiro, na adoção de um presidencialismo de estirpe norte-americana, em que as funções de chefia de estado e chefia de governo passariam, de imediato, a ser compreendidas em uma mesma pessoa que, ocupando o poder executivo (a presidência da república), exerceria duas funções distintas: a função de Estado e a função de Governo; o segundo ponto seria a transplantação de um arranjo tripartite de poderes, em que Executivo, Legislativo e Judiciário estariam em posições eqüidistantes e eqüipotentes, sem a presença de um poder acima destes para estabelecer o equilíbrio e a manutenção moderadora da integridade política.

A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891, assim, fez tabula rasa das instituições do Império e consagrou entre nós um presidencialismo forte, bem como uma separação de poderes à moda clássica (vigente nos Estados Unidos). Com isto, derrubou o sistema tradicional do Império, em que existia um quarto poder, a saber, o poder moderador, responsável pela função de chefia de Estado e de árbitro dos demais poderes. Este, em suas atribuições constitucionais, controlava e limitava a atuação dos demais em função da manutenção da unidade política e da integridade do consenso.

JOÃO CAMILO DE OLIVEIRA TÔRRES é claro a esse respeito: “Depois do Poder Legislativo, isto é, do poder que tem a nação de determinar regras gerais para o comportamento de seus membros e de autoconstituir-se, vem o Poder Régio, aquele que possui a nação de reger-se a si mesma, de auto-determinar-se. Pela Constituição, tal função cabia ao Imperador, que exercia o Poder Moderador, o poder de manter em equilíbrio a máquina do Estado e de representar a nação perante o mundo. Uma prova da consciência toda especial que tinham os homens da primeira fase da história do Império do caráter essencialmente moderador das funções imperiais dá-nos a educação ministrada a D. Pedro II em menino. Pretendiam (e, no caso, conseguiram-no) fazer dele um homem em quem as paixões não deveriam nunca ter lugar e que, em tudo e por tudo, se fizesse inspirar pelos princípios abstratos da razão. E que pusesse os ideais espirituais e éticos acima de tudo. A grandeza e a fraqueza dos tediosos e quase tétricos educadores do ‘pupilo da Nação’ estava em que, no século do capitalismo e na América, criaram um chefe de Estado que colocava os fins morais do Estado acima dos valores econômicos. Daí a ditadura da moralidade e a tacha de inimigo do progresso que muitos deram a D. Pedro II. A Constituição de 1824, ao tratar do Poder Moderador, reproduzia em suas linhas mestras o conceito tradicional da realeza medieval. O Imperador, como chefe de Estado, continuava gozando das prerrogativas de seus antepassados”.

Nesse sentido, o art. 98 da Constituição do Império brasileiro de 1824 falava que “o Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao imperador como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Como se observa, o Poder Moderador era, à época imperial, o poder responsável pela manutenção do consenso político, a saber, pela manutenção da ordem política brasileira e, assim, da unidade da nação em seus valores comuns.

O fim da era imperial brasileira e o advento da República entre nós representou, portanto, a adoção de um modelo consagrado em território norte-americano, em que as características de formação social e política diferem em muito do caso brasileiro. Estas diferenças de formação, em razão de distintas posturas das sociedades políticas norte-americana e brasileira frente ao poder, ocasionaram também diferenças nos resultados em cada um dos países. Por que isso aconteceu?

SEYMOUR MARTIN LIPSET diz que “deve-se atentar para o fato de que o caráter dos regimes democráticos pode variar consideravelmente, dependendo dos diversos elementos na estrutura social das nações com os quais as instituições políticas devem entrelaçar-se”. Completando,
OLIVEIRA TÔRRES é salutar, ao referir que “em países diferentes as instituições serão diferentes, mesmo fundadas em leis iguais. Talvez que, se as Constituições tivessem tido redações dessemelhantes, os resultados se assemelhassem. Importa, pois, apurar a diferença, isto é, a razão pela qual os países da América Ibérica diferem, quanto à política, dos Estados Unidos”.

Parece claro que a diferença substancial entre os dois países reside na formação de suas sociedades políticas. Enquanto nos Estados Unidos a Sociedade precede a Política, havendo um consenso social forte e efetivo, a saber, um self-government, no Brasil, assim como em todos os países da América Ibérica, o Estado precede e forma a Sociedade, sem o qual esta não existiria. Na verdade, a precedência do Estado sobre a formação social, entre nós, caracteriza na sociedade brasileira, um forte apego às coisas do Estado, anteriormente à sociedade em si mesma. Por essa razão, a sociedade brasileira é uma sociedade altamente dissensual na base e ausente em forças sociais que possam mobilizá-la em direção a um projeto comum. Este apego às coisas do Estado intensifica-se com a herança de uma cultura altamente patrimonialista ofertada pela civilização lusitana, formadora do Brasil.

Por esse motivo, viu-se a adoção de uma versão republicana à moda norte-americana sendo transportada para o Brasil, uma realidade social em que o Estado é forte, patrimonialista e precedente em relação à sociedade. Quais as conseqüências desse fato?

Primeiro, o presidencialismo brasileiro acabou com a função moderadora do chefe de Estado, como era vigente na Constituição do Império. Assim, a partir da República, o presidente passa a concentrar duas funções: chefia de Estado e Chefia de Governo. Segundo, com a versão tripartite dos poderes, tal como temos hoje, não há um órgão para estabelecer o consenso político acima dos demais. Em razão disso, pressupunha-se que a sociedade brasileira pudesse realizar um forte controle efetivo sobre os poderes. Porém, tal não sucedeu. A sociedade brasileira, por herança patrimonialista e concebida pelo Estado, não o controla efetivamente. Muito pelo contrário. Por ele age e por ele é condicionada. A conseqüência disso foi uma inadequação das instituições americanas ao nosso contexto, que começou com a República e perpassa até os dias atuais.
A importação indevida das instituições americanas para o Brasil e também para toda a América Ibérica em geral, acabou assim, por concentrar uma alta carga de poderes nas mãos do Poder Executivo, o que durante o século XX se agravou com diversas ondas de golpes de Estado e de Autoritarismos que marcaram a região nesse período.

Este agravamento se deve ao fato de que, diferentemente dos Estados Unidos, a sociedade brasileira e latino-americana de um modo geral não possui forças sociais capacitadas para estabelecer um controle eficaz e poliárquico sobre o Poder do Governo, razão pela qual os golpes e regimes de exceção são facilitados frente ao fraco caráter controlador das sociedades da América Ibérica.

Assim, na realidade, a adoção do presidencialismo e sua perpetuação na história da República brasileira representou e continua a representar uma paulatina inviabilidade para todo e qualquer projeto político sério e comprometido com o bem comum. A saber: o sistema presidencialista e a tripartição clássica dos poderes demonstra um anacronismo em relação ao que a democracia constitucional brasileira aspira em termos práticos.

Os bens e valores do sistema democrático brasileiro são postados em nossa Constituição de 1988 como fins da democracia constitucional. Todavia, como vimos, tais finalidades são realizadas de modo mais concreto e eficiente quando o Estado de Direito e o arranjo de suas instituições estão organizados para corresponder às exigências do bem comum.

Ora, diante disso, qual o problema sociológico evidente que atrapalha para a melhor concretização da democracia constitucional brasileira, na realidade social? Ou melhor, como podemos pensar um caminho eficaz para a efetividade social das normas constitucionais que tratam da composição ontológica de nosso sistema político?

Se a sociedade brasileira foi fundada de cima para baixo, como ficou evidenciado, sendo o Estado e não a sociedade o verdadeiro pólo de poder entre nós, fato é que o caminho para um melhor arranjo de instituições rumo ao consenso não pode começar na sociedade, mas no Estado, gênese da existência nacional. O consenso, em razão disso, deve ser primeiro político, para depois almejar a comunidade.

Por essa razão, o presidencialismo e a tripartição clássica dos poderes não ofertam terreno sadio para nossa democracia constitucional. Isso por duas razões. Primeiro, ao elevar o caráter unipessoal do presidente da república na figura de chefe de estado e de chefe de governo confunde na mesma pessoa, duas funções diametralmente diferentes. Como define SOUZA JUNIOR, “estado não é o mesmo que governo. Enquanto o primeiro é a sociedade política global – o todo -, governo é um dos elementos do Estado, ou seja, o elemento diretor ou o conjunto de órgãos que detém o poder na sociedade política. E, em sentido mais estrito (…) governo é o grupo que exerce, num determinado Estado e em dado momento, a ‘função executiva’. Se o Estado, como unidade social, permanece no tempo, os governos, ao contrário, passam, sucedem-se uns aos outros. Ademais, o Estado, como sociedade global, não se identifica com raças, classes, regiões ou partidos, mas os transcende; já os governos devem exprimir, o melhor possível, a opinião político-partidária dominante. Enfim, o Estado tem objetivos próprios que não se confundem com os objetivos próprios dos governos”.

Enquanto o Estado cuida do consenso político, a saber, da unidade integral acerca dos valores éticos comuns partilhados na comunidade política, o governo, por ser produto de uma disputa político-partidária, representa interesses e aspirações de cunho ideológico e setorial, sendo controlado por uma oposição institucionalizada. Assim, como se vê, as funções de chefia de Estado e de chefia de Governo são diferentes, pois enquanto o primeiro cuida do consenso, o segundo, nasce do conflito ideológico.

Por isso, quando se misturam no mesmo órgão unipessoal duas funções tão distintas, acaba-se por, não raras vezes, confundir-se Estado com Governo, a saber, valores e consenso, com partidos e ideologias. Além disso, os objetivos setorizados do governo dificilmente, são partilhados com a oposição, o que não acontece com a chefia de Estado, que busca a integração nos valores do bem comum. Sendo assim, resta clara a imprescindibilidade de uma separação funcional e institucional entre tais funções, no sentido de que a manutenção dos valores e do consenso político não sejam instados por objetivos ideológicos presentes nas aspirações de um chefe de governo.

SOUZA JUNIOR, acerca disso, sustenta que “como corolário dessa distinção, extrai-se que os processos de preenchimento da chefia de Estado e da chefia de Governo não podem ser idênticos, mas devem se conformar à natureza específica de cada uma. A forma de designação do titular da chefia de Estado vede propiciar a escolha de alguém que seja, o máximo possível, desvinculado das correntes partidárias disputantes do poder. Já, ao contrário, a forma de indicação do ocupante da chefia de Governo deve conduzir à escolha de um líder de partido que esteja identificado com as aspirações da opinião pública dominante. Esses os critérios que nos devem orientar na busca da forma de designação ou de eleição mais conveniente à sociedade política, uma vez que a função de chefia de Estado exige, como condição para bom exercício, a imparcialidade e a neutralidade partidárias, ao passo que a chefia de Governo requer a condição de líder da corrente partidária prevalecente. Nomear o chefe de Estado segundo critérios político-partidários não quer dizer democracia política, mas parcialização da suprema magistratura do Estado, aliás perigosíssima para a sobrevivência da democracia.

Eleger o chefe de governo segundo critérios avessos à opinião política, isto sim, é limitar ou negar o princípio democrático de participação popular no governo”.

Diante disso, é fundamental ter presente a necessidade de se construir um caminho para uma nova engenharia de instituições políticas que assegure o consenso político. Entre nós, o presidencialismo acabou por concentrar alta carga funcional para o Poder Executivo, pois que lhe conectou as necessárias funções de chefiar o estado e chefiar o governo. Além disso, resultou em outra conseqüência própria do regime presidencialista: a de que o presidente é eleito diretamente pelo povo e, por isso, só a ele presta contas.

Fato é que, conforme já observamos, a sociedade brasileira é passiva e paternalista, pois tudo espera do Estado. Isso é assim porque em nossa formação, o Estado cria, concebe e forma a sociedade de cima para baixo, tornando-a dependente das castas políticas que formam o Estado brasileiro.

Ora, diante de uma sociedade fraca, com baixos fatores de consenso internos, paternalista e dependente do Estado, é evidente que ela não consiga estabelecer modos efetivos de controle sobre o poder político de baixo para cima, tal como a sociedade americana. Nesta, o self-government faz com que o meio social, tal como vimos em TOCQUEVILE, exerça efetivamente, um controle rigoroso sobre o poder. Diferentemente, a sociedade brasileira, formada de cima para baixo, não possui condições sociais e de formação histórica suficientes para estabelecer um controle efetivo sobre o poder.

Dessa forma, quando nossas elites políticas importaram o regime presidencialista e a tripartição clássica dos poderes, logo no advento da República, desconheciam os resultados que tal decisão poderia resultar para o futuro do Estado brasileiro. Sim, pois se a sociedade brasileira é paternalista e fraca para estabelecer controles eficazes sobre o poder político, como poderia controlar o poder do presidente da república e fazer com que o mesmo lhe prestasse contas? Ou ainda: como tal sociedade, sem caráter consensual de base, poderia estabelecer um controle sobre os três poderes políticos entre si, arbitrando-os em situação de conflitos? Ou mais: como podemos almejar o consenso se nem a sociedade brasileira, nem tampouco as instituições do presidencialismo possuem, na tripartição clássica, condições funcionais para um verdadeiro consenso político?

Se o Brasil é um país em que o Estado precede a formação social, a gênese de nossa existência política nacional perpassa os quadros burocráticos e patrimoniais do Estado brasileiro. Assim, a construção de um consenso efetivo sobre valores partilhados em comum pela sociedade brasileira não pode começar no próprio seio social, mas na arquitetura das instituições políticas do Estado, razão pela qual o consenso entre nós não pode ser “social”, como nos Estados Unidos, mas “político”, respeitando-se aí o processo de formação histórica brasileira.

Um país marcado por diferenças culturais e regionais, deve organizar as suas instituições políticas para garantir o consenso político sobre os valores éticos comuns. E esse consenso só é possível, conforme vimos, quando se institucionaliza um órgão acima das disputas ideológicas partidárias, a saber: um poder político suprapartidário e localizado acima das ideologias e interesses setoriais. Enfim, uma instituição política (com funções políticas bem definidas), que assegure a preservação dos valores e assim, do consenso. Por essa razão, tal poder não pode ser o Poder Executivo, órgão governamental de direção política que, dinamizado pelos conflitos ideológicos e plurais ocorridos no espaço público em que partidos e tendências diametralmente opostas, competem em vista desse cargo. O órgão de que estamos falando é um poder que tem como função chefiar o Estado como um todo, buscar a unidade do país e a integração dos bens partilhados em comum por toda a sociedade brasileira. Por isso, sua principal missão é manter o consenso e assegurar a existência dos demais poderes políticos do Estado.

Separar Estado e Governo e, assim, dividir as funções hoje presentes em nosso presidencialismo, em atribuições cabíveis para dois órgãos distintos, parece ser o primeiro caminho para a construção de um modelo institucional mais eficiente e comprometido com o bem comum.

Vemos essa necessidade porque, diferentemente dos Estados Unidos, em que o consenso é social, motivo pela qual o governo é um mero acidente e não representa ameaça ideológica para a integração que já existe na base social (pois os partidos políticos norte-americanos não possuem diferenças ideológicas, mas apenas estratégicas diante do consenso que já existe na sociedade), o Brasil é um país em que o consenso só é possível por intermédio da política estatal. Para isso, o Estado deve arranjar suas instituições e conceber um poder acima das disputas ideológicas partidárias para manter a unidade da nação e a integração sobre os valores comuns. Eis porque, a chefia de Estado e a chefia de Governo devem estar em campos separados.

Ademais, dentro da estrutura política da tripartição de poderes brasileira, o presidente não poderia exercer o papel de um poder moderador, uma vez que nesse arranjo institucional há uma rígida separação entre os órgãos, não podendo, em tese, haver interferência de um poder sobre o outro. Assim, não há possibilidade de existir um controle efetivo sobre os poderes, uma vez que, nem a sociedade (fraca) e nem o Executivo (impossibilitado funcionalmente), podem estabelecer um controle efetivo sobre os poderes entre si. Daí, a necessidade de um poder acima dos demais para representar o consenso político e manter a integridade da nação, os valores comuns e, assim, cuidar do bem comum.

Para nossa democracia constitucional se dinamizar em direção ao seu fim (bem comum), é importante que todas as demais causas estejam em sintonia. Assim, a comunidade política é mais soberana quando a cidadania é mais plural e mais universal. A cidadania é plena quando a dignidade da pessoa é assegurada de modo concreto pelas instituições do Estado de Direito. E estas, quando melhor arquitetadas, facilitam a realização do bem comum. E, o melhor arranjo institucional para nosso sistema político é aquele que fomenta o consenso político, entendendo que a sociedade brasileira não é ativa para organizar por si própria, um consenso social. E, o consenso político só subsiste quando há um poder do Estado institucionalizado para manter a unidade e a integração, que esteja acima dos interesses partidários e dos grupos de pressão, enfim, que não comprometa o bem comum com posições ideológicas (típicas do órgão de direção política governamental).

KARL LOEWENSTEIN, constitucionalista alemão, tratou das diferenças entre democracias e autocracias dizendo que a marca das primeiras está na distribuição do poder. No presidencialismo, o poder é fortemente concentrado nas mãos do presidente da república, que concentra funções de Estado e de Governo que, em princípio, são incompatíveis.

Diferentemente disso, sugerimos que a distribuição política das funções indicadas em poderes distintos ocasionaria três resultados satisfatórios para a efetivação prática e sociológica das normas constitucionais que constituem nossa democracia constitucional: 1º) o surgimento de um órgão – chefia de Estado- para a preservação do consenso político; 2º) a divisão do poder executivo que, no modelo anacrônico do presidencialismo brasileiro, concentra várias funções políticas, tais como funções de Estado, Governo, Administração e Exército; 3º) a separação entre Estado e Governo, assim, acarretaria um distanciamento entre as duas funções que, agora ajustadas em dois poderes distintos, corresponderiam a duas atividades antagônicas: com relação ao Estado, haveria um órgão para a defesa do consenso político, para a preservação da unidade nacional e para a manutenção da integridade política dos demais poderes. Já com relação ao governo, existiria um órgão de direção política embasado em uma determinada ideologia representativa das aspirações sociais no momento eleitoral oportuno, em que o partido vencedor procuraria dinamizar o país rumo às exigências da sociedade, empreendendo a direção política em virtude das tendências legitimadas pela sociedade política no período eletivo.

A chefia do Estado, então, se justificaria como meio de manutenção da integridade dos valores comuns frente ao pluralismo de ideologias e interesses. Ao mesmo passo, porém, ter-se-ia um órgão institucionalizado – chefia de governo – para o conflito do pluralismo ideológico entre grupos, partidos, grupos, associações e todos os cidadãos que participassem na esfera pública.

Todavia, hoje, verificamos no Brasil um arranjo de instituições que une a mesma pessoa e o mesmo poder, funções estas que deveriam ser distintas. Apesar disso, a manutenção do modelo anacrônico de separação de poderes e do presidencialismo não impede “totalmente” a concretização do bem comum entre nós. Pari passu ao inadequado arranjo de instituições políticas, a democracia constitucional brasileira ainda assim procura, na medida do possível, realizar os valores consagrados no texto da Constituição de 1988.

As causas do sistema democrático constitucional brasileiro estão em sintonia normativa (Direito Constitucional) e justificativa (Filosofia Política), mas precisam corresponder de modo mais empírico à realidade democrática nacional. E isso é possível quando as instituições políticas, responsáveis pela própria existência do Estado de Direito e, assim, da própria matéria prima democrática, mostrem-se arquitetadas de modo coerente e realista com as finalidades éticas da ordem política postadas na Constituição.

RAMOS diz que “é verdade que não se pode conceber uma Democracia sem as divergências de opiniões, inerentes á liberdade de pensamento. Entretanto, não é menos verdadeiro que qualquer sistema democrático implica sempre em um mínimo de consenso: exatamente no que toca valores e instituições fundamentais da própria Democracia. As lutas político-partidárias, expressão do choque ideológico entre os diferentes segmentos sociais, devem ser travadas no plano da ação governamental, sem colocar em risco os pilares sobre os quais está assentado o edifício político”.

No caso brasileiro, o sucesso real de nossa democracia constitucional somente irá caminhar de modo mais seguro em direção aos valores e ao consenso quando nossas instituições políticas forem arranjadas de maneira a garantir o próprio consenso e a preservação dos valores. A existência de um órgão acima das disputas político-partidárias poderia ser um bom caminho para o desenvolvimento político e institucional de nosso sistema político. O advento de órgão responsável pelo Estado – chefia de Estado – não apenas asseguraria o consenso político e a integridade nacional, como também impediria instabilidades e possíveis golpes de Estado que formam o caráter genético das instituições de praticamente, todos os países latino-americanos, sobretudo, o Brasil. Além disso, facilitaria um jogo equilibrado e interativo entre os demais poderes políticos, uma vez que existiria, a partir de então, um poder funcional responsável pela harmonia dos demais.

Referências bibliográficas:

ACKERMAN, Bruce. La nuova separazione dei poteri: prezidenzialismo e sistemi democratici. 1ª ed. Roma: Carocci, 2003.
CALÓGERAS, J. Pandiá. Formação histórica do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
DAHL, Robert. Poliarquia. 1ª ed. São Paulo: Edusp, 1997.
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HUNTINGTON, Samuel. A Terceira Onda: a democratização no final do século XX. 1ª ed. São Paulo: Ática, 1994.
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Marcus Boeira é Professor de Filosofia Política e Filosofia do Direito, membro da Confraria de Artes Liberais (http://artesliberais.com.br/)

Publicado originalmente em <http://www.formacaopolitica.com.br/artigos/da-necessaria-separacao-entre-estado-e-governo-marcus-boeira/>

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A cruz e a coroa: por uma justificação democrática das concepções éticas e dos símbolos religiosos na esfera pública (por Tarcísio Amorim)

Filosofia | 16/07/2015 | | IFE RIO

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Partindo da teoria do liberalismo político de John Rawls, Cécile Laborde defende um espaço público livre de qualquer simbolismo religioso, entendendo que tais elementos simbólicos ameaçam o senso de cidadania por não representarem a totalidade dos membros de uma comunidade política. Tendo como base a crítica de Michael Sandel e Jürgen Habermas aos princípios do liberalismo rawlsiano, este artigo procura demonstrar que, além de não violar os princípios democráticos, o simbolismo religioso constitui-se como o corolário da exigência liberal do princípio de autonomia política entre aqueles povos que articulam concepções substanciais de bem fundamentadas em razões religiosas. Ainda que do ponto de vista legal tal fato é reconhecido pela jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, neste ensaio busco oferecer uma justificação moral, além de meramente jurídica, para a afirmação dos símbolos religiosos no Estado liberal democrático.

Os modelos de separação e estabelecimento religioso

No artigo Political Liberalism and Religion: On Separation and Establishment (2011), Cécile Laborde, especialista em teoria política e republicanismo da University College London, toma o conceito de liberalismo político de John Rawls como ponto de partida para a avaliação de quatro modelos sobre o lugar da religião na esfera pública, os quais ela classifica da seguinte forma:

1) Separação Militante – proteção inadequada para liberdades religiosas; apoio oficial e promoção do ceticismo ou ateísmo pelo Estado, laicidade antirreligiosa.

2) Separação Moderada – proteção adequada às liberdades religiosas; ausência de suporte oficial à religião; ausência de financiamento público para a educação religiosa e de outros meios de suporte para grupos religiosos.

3) Estabelecimento Moderado – proteção adequada para liberdades religiosas; suporte oficial de religiões pelo Estado; financiamento público da educação religiosa e outros meios de suporte para grupos religiosos.

4) Estabelecimento Pleno – proteção inadequada às liberdades religiosas; suporte oficial e promoção da ortodoxia religiosa pelo Estado; Estado antissecular e teocrático.

Laborde defende que, enquanto o primeiro e quarto modelo seriam incompatíveis com a democracia liberal por sua falha em proteger os direitos básicos de minorias religiosas e dissidentes, o segundo e o terceiro são geralmente aceitos na literatura acerca do liberalismo democrático, que se divide quanto ao grau de viabilidade que cada um provê em diferentes contextos.

No caso do Estabelecimento Moderado, a teórica afirma que ele pode ser proposto com base em princípios liberais, apelando-se para a razão pública. Este seria o caso se, por exemplo, o estado provesse fundos para capelanias militares a fim de garantir o direito para seus membros de praticar sua religião. Da mesma forma, associações ou instituições de caráter religioso poderiam ser patrocinadas quando estas oferecessem serviços cujo valor fosse publicamente reconhecido, especialmente quando outras organizações privadas não religiosas usufruíssem do mesmo benefício.

Para a Separação Moderada, Laborde contraria o argumento de que este modelo só poderia prevalecer a partir de razões seculares abrangestes (usando o termo rawlsiano), que impõem uma cosmovisão secular sobre cidadãos religiosos. Isso porque, seguindo a lógica do consenso sobreposto de Rawls, estes mesmos cidadãos poderiam encontrar argumentos em seus próprios sistemas doutrinários para apoiarem a separação – tal como na ideia cristã de um dualismo compreendendo o mundo temporal e o sagrado. Entretando, Laborde concede que visões ateias e agnósticas poderiam ter mais oportunidades de florescimento numa sociedade em que este modelo é adotado. Para remediar tal situação, a autora defende que o Estado pode adotar medidas para contrabalançar possíveis efeitos injustos de arranjos institucionais e legais, como, por exemplo, políticas de exceções que visem acomodar demandas de grupos religiosos.

Na última seção, porém, Laborde advoca uma visão liberal republicana, que implica a exclusão dos elementos simbólicos da religião. O principal argumento para tal modelo é que o liberalismo político deveria se preocupar não somente com a distribuição de direitos e oportunidades básicas, mas também com outras formas mais intangíveis de reconhecimento. A autora pretende excluir até mesmo as formas mais modestas de estabelecimento afirmando que nas democracias onde ele existe a promoção oficial de símbolos religiosos acabaria por representar não-religiosos como cidadãos de segunda classe, ameaçando seu senso de cidadania e prejudicando sua capacidade de apoiar as instituições políticas. A visão republicana toma o simbolismo oficial como matéria de justiça básica, já que seria necessário assegurar a neutralidade também nesse âmbito, a fim de prevenir uma concepção parcial de cidadania. Neste modelo, símbolos religiosos como crucifixos e cerimônias oficiais presididas por clérigos são exemplos de práticas que deveriam ser banidas, ainda que elas a priori não apresentem nenhuma ameaça às liberdades básicas dos cidadãos. A proposta de Laborde constitui-se um passo adiante na secularização do Estado em relação aos modelos vigentes na Europa, onde o estabelecimento simbólico ainda é comum em muitos países e contam com o apoio das leis internacionais. O modelo britânico, nesse sentido, é particularmente ilustrativo.

Sobre a natureza da razão pública e da constituição do Estado

A primeira limitação de tal esboço teórico, porém, encontra-se na ausência de um engamento adequado com a literatura acerca do tema da razão pública e religião. De fato, há uma ampla crítica à ideia rawlsiana de uma razão pública desvinculada de visões religiosas e outras doutrinas abrangentes, fundamentada na oposição ao argumento de que existiriam princípios básicos de justiça que poderiam ser razoavelmente aceitos por todos os cidadãos, independentemente de suas convicções particulares. Cécile Laborde simplesmente toma de forma acrítica aquilo que a literatura kantiana convencionou chamar de a prioridade do “justo” sobre as concepções de vida boa1, deixando de lado os desenvolvimentos recentes no campo da teoria política que questionam tal relação.

Uma das críticas a essa visão que divide o indivíduo em um ser político e social, avançando uma concepção de razão pública que estaria restrita aos aspectos básicos da justiça distributiva – deixando a busca da realização das concepções de vida boa para a esfera privada – foi articulada pelo filósofo Michael Sandel. Como ele explica, a teoria liberal é fundada na concepção kantiana do ser desvinculado, ou seja, do indivíduo racional que é livre para escolher entre diferentes concepções de bem ser estar associado aos seus fins a priori. O indivíduo é livre somente enquanto exerce sua capacidade racional, sendo a liberdade entendida como o próprio processo pelo qual este indivíduo toma parte no mundo inteligível e reconhece sua vontade autônoma. O que está em questão, nas palavras de Sandel (2007, p. 215), é uma “perspectiva de como o mundo é”, e uma “concepção particular do indivíduo”. Se a justiça está somente relacionada com a possibilidade de escolha do indivíduo de suas próprias concepções de vida boa, então há uma noção ontológica do indivíduo que antecede sua existência, já que seus fins não são dados a priori, e os elementos empíricos dessa existência são abstraído do ato de escolha racional. De um ponto de vista comunitarista, Sandel questiona até que ponto essa possibilidade de escolha se aplica para aqueles que endossam uma visão dos fins da vida humana como associados ao caráter coletivo de sua comunidade e suas concepções éticas abrangentes. Adicione-se ainda o fato de que partindo de um ponto de vista metafísico, pode-se associar os fins da vida humana com uma interpretação cosmológica do mundo, que exige sua descoberta ao invés da mera criação, e que também se reflete na coletividade, dissolvendo a separação entre a moral política e a ética privada. Nesses casos, existe um conflito ontológico entre a concepções do ser desvinculado e a visão do ser constituído, ou seja, do sujeito cujos fins estão associados com outras realidades externas.

Vale notar que é justamente esta definição que leva Sandel a defender a proteção especial de práticas religiosas, com o argumento de que é por conta da natureza constituída do ser que indivíduos podem julgar seus compromissos religiosos não como um objeto de eleição (comparado-se com gostos pessoais ou práticas habituais não vinculativas), mas como parte de sua identidade e constituição como seres humanos. Mandamentos religiosos, nesse sentido, não podem ser tratados como matéria de predileção, e por isso o Estado deveria conceder exceções para algumas demandas de religião (permitir o uso do véu islâmico, por exemplo, não é o mesmo que modificar requisitos de uniforme a fim de se acomodar outras preferências contingentes de vestimenta). Ao endossar o princípio de moralidade política rawlsiano, Laborde superestima a capacidade do Estado liberal em prover meios adequados para acomodação das práticas religiosas, quando discorre sobre o modelo da Separação Moderada. Se o Estado liberal não reconhece os fins morais do indivíduos como constituídos, então como garantir que a proteção dessas práticas não fiquem à mercê das contingências do processo democrático e da vontade da maioria como qualquer outra matéria de preferência pessoal? É o que vem acontecendo na França desde 2004, quando o uso de símbolos religiosos individuais foi proibido nas escolas públicas.

Outra oposição à visão rawlsiana de razão pública se dirige à sua exigência de tradução dos argumentos religiosos em termos seculares. Laborde se opõe aos críticos da separação dizendo que cidadãos religiosos podem encontrar razões em seus próprios esquemas doutrinais para endossarem o estado liberal. Ela retoma a ideia de consenso sobreposto, presente na teoria de Ralws, pela qual os aderentes de doutrinas abrangentes consentem com os requisitos do Estado liberal por suas próprias razões em matérias políticas, enquanto buscam realizar suas crenças nos ambientes privados. Como exemplo, Laborde menciona o princípio cristão que ordena dar “a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, ilustrando a convergência entre doutrinas religiosas e o argumento liberal pela separação. Não é preciso lembrar, porém, que este princípio envolve diferentes e complexas interpretações teológicas e filosóficas da distinção entre o mundo sagrado e secular e que esta mesma dicotomia, que Jose Casanova (1994, p. 12-13) reconhece ser uma herança do Cristianismo em sua análise da secularização do ocidente, não se aplica da mesma forma a outras tradições religiosas, como o islamismo. O argumento, portanto, é inválido por sua própria natureza. A autora simplesmente parte do princípio liberal de forma acrítica, sem uma justificação satisfatória, exigindo que os cidadãos religiosos adaptem suas razões de modo a fazê-las convergir com os requisitos do estado liberal.

Em Religion in the Public Sphere (2006), Jürgen Habermas critica essa lógica, defendendo que exigir a restrição das razões abrangentes seria impor um fardo injusto sobre aqueles que se apoiam em visões religiosas para guiarem suas ações políticas. O filósofo sublinha que de acordo com as convicções de muitos fiéis, basear suas decisões acerca de matérias fundamentais de justiça não é uma questão de escolha. Para ilustrar esse ponto, Habermas recorre a uma reflexão desenvolvida por Nicholas Wolterstorff:

É de sua convicção que eles devem buscar a totalidade, integralidade e integração em suas vidas: que eles devem permitir que a Palavra de Deus, os ensinamentos da Torah, os mandamentos e exemplos de Jesus, ou o que for, definam sua existência como um todo, incluindo, portanto, sua existência social e política (Wolterstorff apud Habermas, 2006, p. 8).

Nesse sentido, se o estado liberal tem como objetivo proteger os direitos dos cidadãos religiosos de modo que eles possam perseguir suas próprias concepções de vida boa, ele não pode exigir que eles justifiquem seus argumentos políticos de forma independente de suas visões abrangentes2. Habermas, portanto, opõe-se a divisão da concepção de cidadania em uma identidade pública e outra privada.

Tal lógica converge com outra realidade da qual o liberalismo político tenta esquivar-se: a da impossibilidade da construção da uma esfera pública neutra, desvinculada de concepções particulares de vida boa. Essa realidade foi ilustrada no debate entre o próprio Jürgen Habermas (1994) e o filósofo canadense Charles Taylor (1994), em torno da política de reconhecimento. Para este, o procedimentalismo liberal3 não seria capaz de atender às demandas de grupos e movimentos culturais que carregam identidades e objetivos coletivos. Mencionando as particularidades das leis do Quebeque, que restringem o uso da língua inglesa em nome da sobrevivência da cultura franco-canadense, Taylor argumenta que o princípio da autonomia política, que garante que indivíduos possam perseguir suas concepções de bem, pode implicar a exigência do reconhecimento oficial de identidades coletivas, cujas mesmas concepções abrangentes de bem marcam a esfera pública com suas visões de mundo em diversos âmbitos: língua oficial, currículo escolar, escolhas de datas celebrativas, símbolos nacionais, etc. Para Taylor, a política do reconhecimento, assim explicada, constituiria um outro tipo de liberalismo, distante das concepções kantianas procedimentalistas que enfatizam a neutralidade do Estado. Habermas, por outro lado, ainda endossando a crítica ao procedimentalismo liberal, rejeita a enumeração de diversos tipos de liberalismo, afirmando que o próprio princípio de autonomia liberal exige o reconhecido de identidades coletivas e mesmo das políticas de diferença. Mais ainda, Habermas admite que toda comunidade jurídica e todo processo de implementação de direitos básicos é informado pelas tradições e experiências particulares das comunidades na qual seus cidadãos se inserem. Assim, embora ressalte o compromisso do Estado liberal com as liberdades fundamentais, o filósofo concede que todo sistema legal é sempre a expressão de uma forma particular de vida e não somente o reflexo de caraterísticas universais de direitos básicos. Como exemplo, ele menciona os privilégios constitucionais gozados pelas Igrejas cristãs na Alemanha, que remontam ao seu papel histórico na formação dos valores nacionais e no desenvolvimento de suas instituições políticas. Nesse entendimento, toda sociedade democrática carrega símbolos e concepções éticas particulares, que embora não sejam universalmente compartilhadas, constituem a base sobre a qual tais sociedades constroem suas instituições políticas. Para o filósofo republicano David Miller (2000), é exatamente essa característica que permite com que uma nação possa participar do processo democrático identificando-se como um povo particular.

Considerações Finais

Dito isso, pode-se retomar as principais objeções de Cécile Laborde com relação ao simbolismo religioso e verificar sua procedência. Como vimos, a autora avança uma concepção liberal/rawlsiana de esfera pública, na qual se exige que os indivíduos abdiquem de suas concepções substantivas de bem na deliberação sobre os princípios básicos de justiça. Seguindo a crítica de Sandel à visão do ser desvinculado, unida à oposição de Habermas à concepção dual de cidadania, deve-se rejeitar tal perspectiva, pois as concepções particulares de bem informam e condicionam o todo ato de escolha e justificação política. A concepção liberal, nesse sentido, não pode ser universalmente compartilhada, pois exigiria a priori um tipo de justificação também baseada em uma visão particular do indivíduo e da razão pública.

Por fim, Laborde rejeita a promoção de símbolos religiosos pelo Estado, alegando que eles imporiam uma ameaça ao senso de cidadania, por não representearem todos os membros de uma determinada comunidade política. Tendo em vista, porém, a exposição de Habermas sobre a impossibilidade de um espaço público neutro, podemos concluir que, embora os símbolos políticos lhe sejam inerentes, nenhum Estado pode representar todos os cidadãos em cada item de seu arcabouço simbólico. Através de sua língua, literatura, de seu sistema educacional e currículo escolar, bem como da escolha de seus elementos celebrativos um povo constrói suas instituições de forma particular, distinguindo-se de seus vizinhos e delineando suas fronteiras por seu senso de nacionalidade. A própria escolha constitucional entre uma monarquia parlamentarista ou um sistema republicano é contingente à história particular de uma nação, cuja simbologia cultural permeia tais instituições. Sendo assim, qual seria a diferença entre a cruz e a coroa?

Foi seguindo tal lógica de pensamento que Joseph Weiler (2010), professor de Direito na Universidade de Nova York e presidente do Instituo Universitário Europeu de Florença, apresentou a defesa da manutenção dos crucifixos nas escolas italianas perante a Corte Europeia de Direitos Humanos em 2011. Seguindo a lógica de Miller sobre a necessidade dos símbolos para a coesão democrática, Weiler ressaltou que “muitos de nossos símbolos estatais, por causa da história europeia, uma história de centenas e milhares de anos de entrelaçamento com o cristianismo, carregam uma dimensão religiosa(…)”. “A cruz”, ele destaca, “é o exemplo mais visível, aparecendo em diversas bandeiras, brasões, prédios, moedas, etc.”. Antes disso, porém, o Tribunal Administrativo de Veneto já havia decidido internamente por essa causa, argumentando que o crucifixo é não só um símbolo da evolução cultural e histórica do povo italiano, mas também de um sistema de valores que fundamentam a identidade nacional (2005, sec. 11.9).

Se admite-se, portanto, que as manifestações de símbolos culturais pelo Estado, além de inevitável em uma democracia liberal, condicionam sua coesão processual e eficácia jurídica na afirmação do princípio de autonomia, pode-se rejeitar o argumento de Cécile Laborde de que elementos simbólicos de origem religiosa ameaçam o senso de cidadania. Toda expressão cultural de uma comunidade política reflete uma história particular, que marca tradições e costumes não universais. Assim como a língua francesa, no exemplo de Charles Taylor, representa uma concepção substancial de vida boa e uma determinada visão de mundo, a escolha pelo estabelecimento moderado não viola os princípios democráticos, já que não há nesse modelo nenhuma restrição das liberdades religiosas básicas, fato que a mesma Laborde admite. Como explícito no próprio modelo rawlsiano, tratar o simbolismo religioso de forma diferente de qualquer outro simbolismo cultural seria impor uma restrição injusta e parcial, já que – mantendo-se as estruturas básicas de direito – não há nenhum motivo para se abordar concepções substanciais de vida boa de maneira diversa pelo simples fato de uma ser secular e outra religiosa. Uma vez que se entende a natureza constitucional do Estado como eticamente orientada, não é possível defender uma concepção secular de republicanismo nos termos de Laborde, e deve-se, portanto, admitir a validade dos símbolos religiosos como expressão cultural de uma comunidade política.

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______. Religion in the public sphere. European Journal of Philosophy, 14, 1, 2006, p. 1–25.

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Tribunale Amministrativo Regionale per il Veneto, Sentenza 17 marzo 2005, sec. 11.9

Notas

1 O justo nessa tradição é entendido em seu aspecto universal, já que o indivíduo deve recorrer aos princípios básicos que se supõem genericamente compartilhados. John Rawls parte desse conceito ao exigir que o indivíduo abdique de suas concepções morais particulares em vista da razão pública, que se supõe universal para a deliberação acerca de elementos constitucionais básicos.

2 Sobre a racionalidade dos argumentos religiosos, ver: CARVALHO, Tarcísio A. A complementaridade entre razão e religião no âmbito democrático e os desafios do mundo contemporâneo: dez anos do debate Habermas-Ratzinger. Dicta & Contradicta, 2014. Disponível em <http://www.dicta.com.br/a-complementaridade-entre-razao-e-religiao-no-ambito-democratico-e-os-desafios-do-mundo-contemporaneo-dez-anos-do-debate-habermas-ratzinger/>.

3 A ideia da democracia procedimental, presente nas teorias liberais, se baseia na visão de um estado democrático no qual as instituições políticas serviriam como meros instrumentos de distribuição e administração da justiça, sem endossarem concepções substanciais particulares de vida boa.

Tarcísio Amorim é doutorando em Ciência Política pela University College Dublin e mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Publicado originalmente no site da Revista Dicta & Contradicta