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47 Ronins: Uma avalanche de virtudes que carecemos!, por Pablo González Blasco

Cinema | 02/02/2015 | | IFE CAMPINAS

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47 Ronins. Diretor: Carl Rinsch. Keanu Reeves, Hiroyuki Sanada, Min Tanaka, Kou Shibasaki, Tadanobu Asano, 119 min. (2013)

47ronins-capa     Reconheço que minha sensibilidade é insuficiente para apreciar a fascinante cultura oriental; escapam-me muitos dos detalhes, riquíssimos, que embrulham suas historias. Mesmo assim, aventurei-me com este filme, apesar de ter ouvido comentários não muito favoráveis. “Uma mistura de lenda épica com fantasias fora de lugar: bruxas, criaturas raras, excesso de imaginação. Um filme esquisito.”. Apertei o play e já nos primeiros fotogramas escutei o recado que me seduziu. “No Japão Feudal as províncias eram governadas por um Shogun, e a paz mantida pelos Samurais a qualquer custo. Se um Samurai fracassasse ou decepcionasse o seu senhor, sofria a pior vergonha em toda a comunidade japonesa: tornava-se um Ronin. Saber a história dos 47 Ronins significa saber a história de todo o Japão”.

Não pude menos de lembrar uma outra experiência que vivi há 10 anos, quando assisti O Último Samurai, e me emocionei com as lendas do Japão Feudal, e com a enxurrada de virtudes humanas que ornam a vida dos Samurais. Muitas vezes usei cenas desse filme nas minhas conferências, sempre com alto impacto. Recordo um aluno de medicina que se aproximou de mim no final de uma palestra, quando eu estava recolhendo o meu computador e me disse emocionado: “Professor, eu quero ser um Samurai”.

47ronins-2     Os 47 Ronins são Samurais degradados pelo Shogun porque o Samurai líder decepcionou com o seu comportamento, atacando um hóspede. Naturalmente o hóspede não era um inocente, mas um ser invejoso, mancomunado com uma bruxa malvada que arquitetou toda a farsa. Como não é possível provar a conspiração, e a queixa não é recurso contemplado no catálogo de atitudes de um Samurai, o líder aceita o castigo e o desterro. Juntam-se a ele todos os seus homens –Samurais genuínos- que decidem correr a mesma sorte do seu chefe.

A cena do desterro evocou na minha memória aquela outra onde se desterra um inocente que também está carregado de razão: El Cid. O filme entrava num clima que, também pela similitude com a Espanha medieval, me agradava. Relaxei e me dispus a saborear essa historia que as minhas lembranças atrelavam à Reconquista espanhola nas terras de Castela. E não poderia faltar até uma personagem que apresenta analogia com Dona Ximena –a filha do líder desterrado- e os amores impossíveis com um Keanu Reeves que sintoniza bem com o ambiente nipônico. “Eu te buscarei nos mil mundos possíveis, em todas as vidas”…..A voz de dona Ximena aproximando-se de Rodrigo de Vivar, o único homem em Castela capaz de humilhar um Rei e partilhar o cantil com um leproso, ecoava nas minhas lembranças. “Rodrigo, leve-me com você. Estando juntos serei feliz”. El Cid diz: “Não tenho onde te levar, vou para o desterro”. E Ximena –aquele olhar quase oriental da Sofia Loren envolvido na inesquecível trilha sonora, acrescenta: “Já que o meu homem não é um homem comum, o meu destino também não será comum”.

Estou convencido que cada filme tem o seu momento, o tempo certo para ser visto. Nesta ocasião o meu plano temporal estava definido por duas retas. Uma, a primeira, um vídeo que assisti e recomendo vivamente (vídeo abaixo). Trata-se de um comentário à sugestiva obra do Prof. Antonhy Esolen, do Providence College: “Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho” (Ten ways to Destroy the Imagination of your Child).

Os conselhos lá comentados são, naturalmente, um recurso para apontar as atitudes erradas e cada vez mais comuns, que pais e educadores empregam e que conduzem ao desfecho fatal: destroçar a imaginação da criança, fazer dele um produto meia boca, em série, que infelizmente contemplamos diariamente.

Lá pelo meio do vídeo, destacam-se dois “conselhos” que estão relacionados: difame o heroico e o patriótico, diminua todos os heróis, ensine os seus filhos a rir e a desacreditar das virtudes difíceis de conseguir (aquelas que naturalmente você mesmo não tem), ridicularize a excelência, ou melhor, democratize-a: todos são excelentes, todos são heróis, mesmo por fazer o café da manhã na hora. Há muitos outros conselhos nesse vídeo que são suculentos, sugestivos, e desafiantes: um verdadeiro gabarito para tirar a limpo os modos como se educam –quer dizer, se deformam- os jovens hoje. Por exemplo, as explicações prosaicas sobre os fenômenos transcendentes ou notáveis reduzindo-os com um sorriso e rebaixando-os com a frase chavão: “é somente isso, não esquente”. É claro, que não há nenhuma obrigação de concordar com o educador americano; podem se ignorar as advertências ou desprezá-las por parecerem exageradas. Mas tudo indica que desconhecer o tema que ele coloca acabará por levar até à via fácil que conduz à mediocridade.

47ronins-4     A segunda reta é por conta da enxurrada de virtudes que o filme destila. Virtudes das que carecemos no mundo de hoje. Lealdade, fidelidade, compromisso, cumprimento do dever, consciência de missão. Não se trata de ser pessimista; a virtude sempre foi um desafio a ser conquistado, um divisor de águas que separa as pessoas de acordo com a sua fibra moral, com a sua estatura como cidadão e ser humano. Mas vivemos momentos onde as atitudes virtuosas –que comprometem toda a existência- brilham pela ausência. Nunca se falou tanto de ética, em momentos onde o sentido do termo está desbotado. Ortega falava do clamor ético num mundo que não se rege por esses parâmetros, assemelhando-o à dor do membro fantasma. A dor do membro que foi amputado, e continua doendo: a dor da ausência.

47ronins-3     Sim, é verdade que os 47 Ronins convivem com um universo de monstros, bruxas, criaturas diabólicas e fantasiosas. Mas também são notáveis as prioridades e o valor da virtude: da palavra empenhada, da sinceridade de vida, da lealdade a toda prova, da integridade. Um Samurai feito Ronin encontra-se degradado no seu status, mas conserva as virtudes que viveu como Samurai. Conserva-as porque as incorporou, fazem parte do seu ser, não são um apêndice, ou uma habilidade comportamental treinada num curso de liderança feito no final de semana. São constitutivas. Por isso, assinam o compromisso com tinta e com sangue, sublinhando que vida e missão são inseparáveis. A missão é a razão de ser da própria vida. “Triste de quem é feliz, e vive porque a vida dura –escreve Fernando Pessoa- nada na alma lhe diz, mas que a lição de raiz: ter por vida a sepultura”. Quem não tem missão, vive como um morto vivo.

Hoje convivemos com a mentira –a nível institucional- que nega o óbvio; com homens públicos que se desdizem, com uma nutrida fauna do “deixa disso”, com argumentos de articulação que não convencem nem aos próprios autores dos mesmos. E com a deslealdade a todo e qualquer nível: basta cair na desgraça –quer dizer, que apareçam teus podres- que em poucos minutos se dá a fuga de todos os que andavam do teu lado (também repletos de podres, é claro, mas ainda ocultos) e negam te conhecer. É o salve-se quem puder dos medíocres. Integram-se nas artimanhas nefastas –aquilo que Balzac chamava a secreta maçonaria das paixões- e desparecem quando o bicho pega.

47ronins-1     Os 47 Ronins relatam, no dizer do narrador, a história do Japão. Até hoje se celebra a data em sua honra, e têm a admiração desse povo que devolve para a Cruz Vermelha Internacional 150 milhões de dólares que lhes emprestaram para reconstruir os desastres causado pelo Tsunami anos atrás, e que sobraram. Devolver o que sobra, depois de reerguer-se da tragédia. Está tudo dito.

Sim, tinha razão o meu aluno: eu quero também ser um Samurai, um Ronin que seja. Sinto a dor do membro fantasma, da ética que –trazida e levada- nos é amputada diariamente nas notícias que lemos no jornal, nas ponderações da mídia, no péssimo exemplo de quem está no comando e carece por completo das virtudes que constituem a integridade do ser humano. E ainda dão risada dos heróis –como a raposa da fábula, para quem as uvas estavam verdes, fora do seu alcance. E desaparecem quando a coisa fica difícil. Que história vamos contar para as gerações futuras? A opção cabe a cada um de nós.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005). 

Fontehttp://www.pablogonzalezblasco.com.br/2014/05/23/47-ronins-uma-avalanche-de-virtudes-que-carecemos/

A Árvore da Vida: Terrence Malick em busca de Sentido – por Pablo González Blasco

Filosofia | 08/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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The Tree of Life (2011). Diretor: Terrence Malick. Brad Pitt, Sean Penn and Jessica Chastain. 139 minutos. 2011.

Este é um desses filmes que eu nunca teria me animado a assistir, mas não tive escapatória. A convocação me chegou a través de um amigo, depois outro, e mais um. “Você tem que ver esse filme que ganhou Cannes”. Assim de simples. Na verdade, o que se deve ler é “Você tem de ver esse filme, e escrever sobre ele, porque quero saber o que você vai comentar”. É o que da quando a gente se mete a crítico de cinema – que, aliás, nunca afirmei ser, nada mais longe do meu propósito. Apenas compartilho as ideias que me ocorrem quando vejo filmes, na tentativa –isso sim é verdade- de promover a reflexão.

A bandeira do humanismo que, também é fato, levanto sempre que se me oferece a oportunidade, é estandarte confeccionado à base da reflexão. Educar no humanismo não é tanto ensinar coisas novas, mas, sobretudo ajudar a lembrar das raízes que todos levamos dentro. Ou, como me dizia o outro dia um professor universitário envolvido com os temas da bioética, trata-se de despertar o humano que está adormecido, esquecido dentro de nós. Não se trata de inventar nada, ou melhor, é pura invenção, no sentido latino que Ortega lembra nos seus escritos: inventar- invenire, descobrir, encontrar. Não é criar–afirma o filósofo-, mas aprender a demorar-se em contemplar as coisas próximas da nossa intimidade, do nosso âmbito doméstico, que preenchem as horas da nossa vida. Lá encontramos o filão do humanismo, das raízes, das aventuras que somos chamados a viver.

Terrence Malick é um diretor muito peculiar, um cult. Como já comentei em alguma ocasião, não sou entusiasta dos diretores que fazem um filme a cada 5 ou 10 anos, e depois desaparecem. Uma espécie de cometa Halley do Cinema. Mas a insistência dos amigos e o premio de Cannes –logo mais volto sobre isto, pois tem sua importância- foram o motor de arranque para enfrentar as quase duas horas e meia de filme.

Malick deve ter suas razões para trabalhar assim: estudou filosofia em Harvard, foi para Oxford onde desenvolveu uma tese sobre Heidegger. Temos, pois, um filósofo atrás da câmara, e nada surpreende a profundidade das suas produções – que, naturalmente, ele mesmo escreve – e que não são acessíveis para qualquer um. A Árvore da Vida é um claro exemplo de cinema de autor, no caso, de cinema de filósofo. E em se tratando de um filósofo sintonizado com os existencialistas, o resultado sempre será denso. Até agora não estou certo se isto é um filme, ou uma reflexão existencial desenhada em fotogramas. O que não subtrai o mérito, inegável, deste espesso mergulho vital.

Vale dizer, para nos entender melhor, que o menos acessível é a forma, não tanto o fundo do que Malick transmite. É possível ventilar questões existenciais e perspectivas transcendentes, em linguagem aberta. O cinema está repleto de exemplos: das comedias americanas de Frank Capra, até os ensaios de transcendência de Clint Eastwood; do cinema de Chaplin e os dramas de William Wyler até Peter Weir ou Spielberg, por citar alguns. Mas tudo isso é Hollywood, um modus dicendi direto, aberto, onde as questões existenciais estão diluídas em histórias fortes, cativantes. Malick não é Hollywood, e a advertência procede.

Uma história pessoal esclarecerá melhor esta temática. Há já alguns anos, durante a defesa da minha tese doutoral em Medicina -coloquei lá vários filmes como recurso pedagógico para fomentar o humanismo nos estudantes de medicina- um professor da banca me interpelou: “Noto que você utiliza somente filmes americanos. Seria de esperar que alguém com a sua formação humanística e filosófica, além da sua origem europeia, utilizasse autores como Bergman, Kurosawa, Kieslovsky. Por que essa preferência por Hollywood? Não estará adotando um viés muito americano em sua docência?”. Limitei-me a sorrir, enquanto buscava as palavras mais delicadas para responder ao professor. Para minha felicidade as encontrei em tempo. “Sem dúvida, os autores que o senhor cita são de fundamental importância para provocar a reflexão do estudante. Mas, devemos convir, que o que Kurosawa diz em 30 minutos, Hollywood consegue de algum modo coloca-lo em 5 segundos. E eu, professor, não tenho todo o tempo do mundo para ensinar. A economia do tempo orienta os autores que escolho”. Parece que minhas razões convenceram, porque o diálogo se encerrou por ali mesmo.

Voltando ao nosso filme: Malick não é Hollywood, e a temática do filme é servida em ritmo lento, pausado, com um visual atraente, que solicita continuamente a cooperação do espectador, sua interação vital, como vital é a posta em cena, onde se adivinha a própria alma do diretor. Uma alma repleta de sensações e vivências, de dúvidas e de procura, onde se mesclam numa estética visual espetacular os mais diversos ingredientes.

A dor da mãe que perde um filho – ponto de partida do filme, e de todos os interrogantes-, o relacionamento familiar com luzes e sombras, as omissões no amor, a celebração da vida, a criação do universo com Big-Bang incluído, os dinossauros, a vida além da morte. E, como uma constante, Deus. Não um Deus panteísta, difuso, que se confunde com o universo. Um Deus que se busca com afinco, com quem se pode falar e a quem se pedem explicações; um Deus pessoal em quem se busca o sentido do sofrimento, do amor, da vida como um todo. Ver as coisas como Deus as vê: “Quero ver o que você vê” clama a protagonista no meio da sua aflição. Vulcões e lava, trovões e criaturas pré-históricas, seres humanos frágeis que proferem verdadeiros gemidos de transcendência. É tão explicita a forma com que Malick o apresenta, que até São Paulo veio à minha memória, quando fala dos gemidos inenarráveis da criação, que espera a manifestação dos filhos de Deus.

Os tais amigos não deixaram por menos, e sabendo que já tinha assistido, perguntaram-me: “O que te pareceu?”. Eu, que estava alinhavando –ainda estou- o impacto das reflexões, respondi de bate pronto: “Uma mistura de Viktor Frankl com Santo Agostinho”. Perplexidade: “Como assim? Explique-se”. Nisso estamos, nas explicações.

V. Frankl, psiquiatra e neurologista vienense, sobrevivente de Auschwitz e fundador da Logoterapia, recolhe na sua obra “Um psicólogo num campo de concentração: um homem em busca de sentido”, os fundamentos dessa escola psicológica. Valha um resumo em poucas palavras. Não é falta de prazer o que frustra o homem, como dizia Freud, de quem Frankl foi discípulo; nem a falta de poder, opinião da Adler, seu colega. O que afunda o homem é a falta de sentido na vida. Sem sentido, sucumbe-se: no campo de concentração, e em Wall Street, tanto faz. Frankl afirma que todo homem precisa de uma sadia dose de tensão para conservar na sua vida um sentido claro para viver. Essa sadia tensão vem em forma de dor, de sofrimento, de privações; um tempero necessário para manter-se em forma, para não adormecer.

     E como bússola do sentido, o amor. “Ama e faz o que quiseres” – diz Santo Agostinho, em frase tão conhecida, como frequentemente mal interpretada. Não por falta de limpidez, pois o recado é claro. Diz assim a frase completa: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.” Os mal-entendidos não são por conta do que Agostinho escreveu, mas do mercado negro onde o termo amor se ventila em subasta pública. Até o próprio Ortega – nada suspeito nestes temas teológicos-, comentando este pensamento se atreve a afirmar que Agostinho foi um dos temperamentos mais eróticos que já houve, um campeão do amor, porque colocava em Deus todo o seu peso, a sua densidade, o seu sentido de existência. “Deus meus, amor meus et pondus meus– Deus é o meu amor, o meu peso, a minha medida”.

A Árvore da Vida são inúmeras pinceladas, a modo de quadro impressionista, que desenha os contornos que o espectador deverá adivinhar e completar em si mesmo. Perfis que se projetam no sentido que é preciso buscar na vida, e no amor que sara as feridas que se produzem nessa procura. Lesões que nos mesmos causamos naqueles que amamos, por insuficiência e desatenção, por pura falta de jeito, quando não por orgulho e despeito. Estragos que a vida infecta, mas que o sofrimento e o amor purificam.

Este amplo repertório de questões existenciais não chega por surpresa, pois a abertura do filme é clara e contundente. Quem avisa, amigo é. Diz assim, em tradução livre: “Ensinaram-me que há dois modos de viver a vida: o modo da natureza, e o modo da graça. É preciso escolher qual dos dois vai seguir. A graça não busca o seu conforto; aceita ser esquecido e desprezado. Aceita insultos e injurias. A natureza somente busca satisfazer-se e que os outros a agradem; e encontra sempre motivos para não estar alegre, mesmo com o mundo brilhando à sua volta, e o amor transpirando em todos os cantos. Ensinaram-me que quem escolhe o modo da graça, nunca se da mal. Venha o que vier, sempre chega a bom termo”.

E agora, a pergunta fatal. Como um filme assim conquista a Palma de Ouro de Cannes? Vai ver que é o intelectualismo de Malick, o cinema de autor, enfim, motivos que sempre se ventilam nestes palcos. Mas depois do que aconteceu no ano passado, onde os nove monges da Argélia levaram a Palma, (Homens e Deuses), tudo isso não me convence. Perguntei a um amigo, filósofo, o que está acontecendo na França onde os prêmios os levam filmes que falam abertamente de transcendência, da alma, de Deus. “Deve ser a crise” – me disse, sem dar muita importância ao tema. Sim, a crise, pensei; mas não a do euro, nem a da bolha imobiliária, mas a emparentada com sua própria etimologia. Em latim, crisis, mudança; em grego, krisis, momento de decisão. As mudanças que, antes ou depois, teremos de enfrentar para decidir o sentido que vamos dar à nossa vida. Um filme ou uma reflexão? Tanto faz. Se catalisar nossas crises, já cumpriu o seu papel.

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005). 

Fonte: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2011/10/24/a-arvore-da-vida-terrence-malick-em-busca-de-sentido/

Sobre o mesmo filme também indicamos o texto “As lágrimas da Criação”, de Martim Vasques da Cunha, publicado no site da revista Dicta&Contradicta.