image_pdfimage_print

Todos os posts de Raphael Tonon

Sábio, porém, covarde!

Teologia | 17/03/2015 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Eccehomo1 - Antonio Ciseri (DP)

Pôncio Pilatos, govenador romano da Judeia no tempo de Jesus, entrou no Credo católico sem sequer ser cristão, o que se deveu certamente ao papel que desempenhou na condenação de Cristo e às proféticas palavras que saíram de sua boca, mesmo sem que ele se desse conta disso.

Quando levaram-lhe Jesus, Pilatos pergunta-lhe se é rei dos judeus e como resposta veio um simples “tu o dizes”. O governador julgou-o inocente, se impressionou e conforme a narrativa do Evangelho “procurava meios para soltá-lo”(Lc 23,14-17). Intrigado com seu prisioneiro questiona: “O que é a verdade?” (Jo 18, 37-38). Jesus, nada responde. Os Padres da Igreja, já nos primeiros séculos do cristianismo interpretaram essa pergunta afirmando que Pilatos queria saber “o quê”, mas Jesus revelou-lhe “Quem é a Verdade”. Nesse diálogo se estabelece a grande diferença entre a cosmovisão pagã e a cristã. A resposta não foi verbalizada, já que a própria Verdade estava diante dos olhos do governador.

Bento XVI, na encíclica Deus Charitas Est afirmava que o cristianismo não nasce de uma grande ideia ou de um complexo sistema filosófico, mas sim de uma pessoa concreta: Jesus Cristo. O cristianismo é uma fé encarnada, transcendente, mas também imanente, tal como o ser humano que tem dentro de si o desejo pelo transcendente, mas que vive às voltas com toda sua realidade imanente, não em estado de oposição entre uma realidade e outra, mas em estado de comunhão.

Jesus notou a angústia do governador frente às autoridades judaicas que exigiam sua condenação. O pedido era legal, mas não era justo e Pilatos o percebeu. Foi sábio, porém, covarde. Percebeu a injustiça, compreendeu a manipulação, identificou quem era inocente, mas foi covarde, lavou suas mãos e passou a questão a outros. O seu dilema interior foi grande, encontrou-se com a Verdade, mas não foi capaz de defendê-la. Jesus demonstrou que para calar-se diante de acusações claramente falsas, sem abrir a boca para defender-se é um ato que exige mais coragem do que prender, julgar e condenar alguém.

Se defendermos a verdade, como dizia Santo Tomás de Aquino, estamos fadados a ter poucos amigos. Testemunhar a verdade é mais do que constatá-la ou reconhecer onde ela se encontra, antes, implica em admiti-la sem reservas e estar pronto a morrer por ela. Em tempos tão marcados pela pusilanimidade, a atitude de Pilatos se reproduz em larga escala, perpetuando a covardia em conhecer e defender a verdade.

Leão XIII, no fim do século XIX afirmou que “a audácia dos maus cresce na mesma proporção em que a omissão dos bons”. Muitos reconhecem a verdade, mas são covardes para defendê-la e cada vez mais os elementos de nossa própria sociedade vão se liquefazendo aos olhos daqueles que têm possibilidades efetivas de mudar a situação, mas nada fazem, porque se conformam e se submetem ao mutismo imposto pelo que é mau.

Não se trata de analisar a sociedade de modo fatalista, mas de constatar que para alcançar a Verdade é necessário um honesto trabalho intelectual que exige, em primeiro lugar, uma firme disposição de alcançá-la e busca dos meios necessários para atingir esse fim.

Portanto, seja pela via da razão ou pela via da Revelação, podemos entender que de tão simples que era, o mistério de Deus acabou sendo desprezado. Nós pobres seres humanos temos dessas coisas… Imaginamos que o que vem de Deus deve ser na medida de nossa fantasia tacanha. Ordinariamente Deus não age assim, costuma escolher o que é mais vil e desprezível para confundir nossa pretensa sabedoria. Deus age no cotidiano da história humana, e é sempre um mistério. O mistério, diferente do que pensamos, não é algo sobre o que não podemos saber nada, mas é algo sobre o quê não podemos saber tudo. Não podemos abarcar Deus em nossa racionalidade, mas podemos alcançá-lo seguramente, pois de tanto nos amar Ele quis se parecer conosco e para isso vestiu-se de carne.

Luiz Raphael Tonon, professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas.

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, de 24/04/2014, Página A2 – Opinião.

Imagem: Ecce homo! [Eis o homem!], de Antonio Ciseri, 1871. Imagem em Domínio Público disponível neste link.

Bom senso em extinção

Opinião Pública | 11/11/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

No meio acadêmico e até mesmo nas rodas de conversa é lugar comum afirmar que a educação é algo essencial para mudar um país. Muita gente até se arrisca a fundamentar essa afirmação utilizando o caso de países do pós-guerra. Nesse quesito não há nada de criativo ou inovador nos autores e especialistas que defendem essas receitas prontas para solucionar os problemas da sociedade. Precisamos de educação, mas de quê “educação”?

O Iluminismo, no século XVIII já propunha a redenção do gênero humano pela ampliação do uso da razão. Durante a Revolução Francesa (movimento que se apropriou dos ideais iluministas), os rebeldes jacobinos invadiram e profanaram a Catedral de Notre Dame, em Paris, substituindo a imagem de Nossa Senhora pela imagem da voluptuosa deusa da Razão. Este foi um movimento que se pretendia racional, mas que na prática não gozava do mínimo de lógica, pois fundamentava-se nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade sem respeitar a liberdade dos católicos franceses, igualando-os à força ao que a revolução desejava, sem os considerar como irmãos. Para constatar isso tudo não é necessário ser especialista em História ou Sociologia, basta usar o bom senso, o que, diga-se de passagem, está se tornando artigo de luxo numa sociedade como a nossa que é tão habituada a reproduzir, mas pouco afeita a produzir conhecimento.

O Iluminismo de ontem continua a ser requentado nas ideologias de hoje. Um professor ou qualquer pessoa em condição de ensinar alguém, pode facilmente juntar meia dúzia de argumentos e metê-los goela abaixo de seus ouvintes, os quais sequer se darão conta de que estão aderindo a ideias risíveis, pueris e sem fundamento algum. Não se aperceberão do que fazem, e, aliás, talvez nem mesmo o transmissor desses conhecimentos se dê conta disso, o que se deve ao fato de provavelmente ser mais um idiota útil na ciranda da confusão de ideias impostas pela Revolução Gramsciana. Isso explica, ao menos em parte, a atual tendência e se acreditar em tudo sem que se analise absolutamente nada. Um exemplo corriqueiro é a cifra de um milhão de abortos por ano, no Brasil. Somos o único país onde “existe” estatística para algo que é ilegal! Como se chega a números dessa espécie se o aborto é ilegal e, portanto, realizado de forma clandestina? Outro exemplo foi a recente pesquisa, publicada e depois desmentida, que afirmava que mais da metade dos homens brasileiros seriam favoráveis ao estupro. Essa pesquisa gerou o massivo e ignorante (porque partiu de um pressuposto falso) protesto pelas redes sociais, nos quais moças quase sempre seminuas postavam suas fotos com um cartaz contendo os dizeres: “eu não mereço ser estuprada”.

Mas há quem diga que esse discurso de Marxismo Cultural ou de Revolução Gramsciana seja balela, e em geral os que assim pensam, negam aquilo para o que trabalham sem se darem conta de que o fazem. Negam o que praticam e se creêm “iluminados”, “esclarecidos” pela razão que pensam usar bem.

Pensar exige em primeiro lugar bom senso e uma capacidade desapaixonada de analisar as coisas buscando conhecê-las. Nesse processo, o primeiro elemento a ser desvendado somos nós mesmos. O antigo e famoso Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga tinha em seu frontispício uma sentença que resume toda a filosofia e toda busca do ser humano por resolver suas questões e inquietações mais íntimas: “Conhece-te a ti mesmo”!

Se começarmos por nós mesmos desenvolveremos uma outra virtude muito escassa: a honestidade intelectual! Se conhecemos nossos limites e reconhecemos as coisas tais como elas são não iremos romantizar a realidade dos fatos e poderemos conhecê-las objetivamente. No entanto, se defendemos uma ideologia e manipulamos a realidade para produzir um ambiente artificial, a fim de que a realidade caiba dentro dos critérios que criamos, então já foi inaugurado um novo “país das maravilhas” do qual dificilmente nos desfaremos.

Luiz Raphael Tonon, professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 03 de Julho de 2014, Página A2 – Opinião.

Damos a vida, mas não a honra!

Teologia | 13/10/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Hamilton-burr-duel

Em época de eleições os discursos prontos e as opiniões politicamente corretas reinam absolutas e não admitem qualquer interferência democrática de pensamento que ouse elaborar teses de forma diversa da sua.

Falas bem treinadas, argumentos de impacto, discursos que trazem em seu bojo conceitos pseudo ético-morais e toda a parafernália própria desta época em que vivemos a cada quatro anos nos cercam diariamente. E depois disso, o que resta? Pouquíssimos cidadãos monitoram seus candidatos e observam se seus interesses estão ou não sendo atendidos pelas propostas dos candidatos a cargos públicos. Fala-se muito de política, mas pouca gente se interessa de fato em conhecer o que fazem seus candidatos nos quatro anos em que não aparecerão tanto assim. Esse quadro todos conhecemos porque sempre se repete, mas há algo de interessante nisso. Cada candidato busca um nicho eleitoral e para conquistá-lo, não é raro que abrace causas politicamente corretas (mas que não necessariamente correspondem ao que de fato pensam), transitando entre a defesa dos animais, a “causa gay”, discursos religiosos, causa operária, direitos da mulher… Há uma infinidade de opções que visam obter ou quase negociar um voto que garantirá o emprego do candidato em questão pelos próximos quatro anos, período em que as coisas podem mudar muito e não raro, os que faziam campanha ontem defendendo a vida humana, poderão amanhã votar a favor de uma nova legislação sobre o aborto e mesmo que lhe cobrem a postura anterior e exibam provas materiais de que ele votou contra aquilo para que foi eleito, ainda assim não será estranho vê-lo negando solenemente que jamais fizeram isso, mesmo diante de provas categóricas.

Mas este não é um problema ético exclusivo da política, mas sim algo latente na própria sociedade brasileira de um modo muito mais abrangente e entranhado. Trata-se de uma dificuldade em firmar-se em opiniões claras e objetivas e lutar por elas.

Heródoto, conhecido sábio grego, escreveu em sua obra História uma passagem singular que tratava das relações entre persas e espartanos. Num dado momento dos vários conflitos entre espartanos e persas, os soldados de Esparta acabaram matando um arauto persa e rompendo uma regra elementar em tempos de guerra: jamais ferir ou matar os mensageiros inimigos, pois eles é que poderiam portar notícias capitais para o fim ou desenvolvimento da guerra. Por conta desse incidente, os persas exigiram uma reparação à altura do dano causado. Compadecidos pela situação embaraçosa em que sua pátria se encontrava, dois nobres espartanos se apresentaram e se ofereceram para resgatar o crime dando suas vidas. Chamavam-se Espértias e Bulis. A oferta foi aceita pelo governo espartano e os valentes cidadãos se dirigiram à costa da Ásia e se apresentaram a Hidarnes, governador persa. Frente tamanha coragem e valor, o governador admirou-se por encontrar homens tão valorosos e lhes propôs um “jeitinho” de não morrerem, ficarem amigos do soberano e ainda serem premiados na corte com o governo de uma província, sendo incorporados à própria cultura persa. De início, o “jeitinho” não parecia ser uma má saída a nossos corajosos espartanos, porém, durante as negociações os dois espartanos deveriam praticar um ritual de prostração diante do soberano persa e julgaram isso extremamente humilhante e terminantemente decidiram não cumpri-lo respondendo: “Viemos aqui, para dar a nossa vida; não a nossa honra! Temos um costume, uma lei, e esta nos impede de adorar um homem”. E ainda prosseguiram justificando aos persas: “Sugeris que assim procedamos… Porque sabeis ser escravos, mas nunca experimentastes a liberdade, ignorais, assim, se ela é doce ou não. Se já a tivésseis conhecido, estimular-nos-íeis a lutar por ela, não somente com lanças, mas até com machados” (Cf. História. L.VII-135,36).

O emblemático encontro entre o líder persa e os valorosos gregos tem muito a nos dizer ainda hoje, pois nos revela a grandeza de uma sociedade em que os cidadãos invocam sua dignidade de homens que vivem sob a égide da lei e que pautam suas relações por esta mesma lei, diferindo-se fundamentalmente de outros povos, como os próprios persas, sujeitos aos sátrapas, servindo-os como escravos e adoradores, abrindo mão da própria liberdade em troca de uma submissão que em nada lhes beneficiava. Os gregos não se submetiam cegamente ou adoravam a um homem, mas relacionavam-se com eles a partir da lei, reconhecendo direitos e deveres inalienáveis. Só se pode afirmar que existe civilização se houver uma consciência da lei expressa racionalmente e traduzida em atos concretos.

No século V o Império Romano ruiu sob pressão das invasões bárbaras e a civilização reformulou-se graças à ação profícua da Igreja. Essa ação da Igreja teve nos mosteiros, em especial os beneditinos, lugares privilegiados de reconstrução social e não seria absurdo dizer que essas mosteiros gestaram a nova civilização ocidental.

Com a avassaladora invasão bárbara muitos vestígios da decadente civilização romana foram redimidos pela sábia ação dos discípulos de São Bento que mesclaram o que havia de bom na civilização romana, com o que havia de bom no modo de vida bárbaro, plasmando uma nova civilização revitalizada pelos valores do Evangelho. Na Alta Idade Média nem tudo eram flores, mas a consciência de se viver de acordo com a lei que está dentro de cada homem (lei natural) e a lei que é elaborada visando o bem comum fora de nós, fez com que a luz da civilização voltasse a brilhar.

Em nossa realidade atual somos confrontados a todo tempo com o relativismo, a falta de clareza intelectual, a desonestidade dos manipuladores, a inocência dos idiotas úteis, a covardia dos bons, a audácia dos maus, o relativismo moral e tantos outros males que de forma inequívoca comprovam que a noção verdadeira de “lei” vai se apagando. Não obstante, isso não se constitui num motivo para desânimo ou desespero, mas para uma santa ousadia, como a dos beneditinos da Alta Idade Média que não consideravam os bárbaros como “incivilizados”, mas apenas como “ainda não civilizados”, tanto que apostaram naqueles que os romanos desprezavam e o fruto foi a organização de uma sociedade imperfeita, sim, mas coesa em sua fé, valores e ações. Como tudo, essa sociedade teve seu desenvolvimento, ápice e declínio, e hoje nos serve como exemplo inspirador para cultivar a esperança frente à neo-bárbarie em que vivemos. A História, aliás, serve para isso: olhamos para o passado a fim de compreender o presente e alterar o futuro evitando os mesmos erros. Nem sempre nossa visão é lúcida o suficiente para evitar o mal, porém, vale o princípio de São Bernardo de Claraval: “Esforçar-se para ser perfeito já é um sinal de presença da perfeição em si”. Jamais conseguiremos atingir perfeição social, cultural, espiritual ou de qualquer natureza que seja nesta vida e neste mundo, porém, isso não nos exime de buscá-la incessantemente.

Luiz Raphael Tonon é professor de História e Filosofia e gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas (raphael.tonon@ife.org.br).

Apresentação Núcleo de Teologia

Teologia | 21/04/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Numa sociedade marcada pelo imanentismo, estudar o fenômeno transcendente de Deus parece algo desafiador na medida em que leva o homem contemporâneo a refletir sobre sua própria existência, reconhecendo-se como ser humano integral, ou seja, que compreende e admite o eixo corpo-espírito como base para suas reflexões.

Partindo da dialética entre o imanente e o transcendente, o Núcleo de Teologia do IFE-Campinas tem como propósito desenvolver uma ampla reflexão ético-antropológica que possibilite o estudo histórico da fé cristã em diálogo com as demais expressões religiosas e com a cultura humana como um todo, buscando reconhecer na sociedade atual as bases lançadas pela tradição judaico-cristã e sua importante herança que marca a edificação da sociedade ocidental.

Para concretizar esse intento, partiremos do estudo da história do Cristianismo e da Igreja, da teologia litúrgica e sua aplicação na celebração da fé; passando pelo estudo da teologia moral e suas conseqüências para uma vivência da fé, seguido pelo estudo dos princípios básicos da teologia espiritual, da teologia pastoral e do Direito Canônico, visando sempre aprofundar a partir da fé o sentido último da existência humana, investigando, postulando e aprofundando de maneira sistemática os dados da fé contidos na Revelação, de acordo com a Tradição e o Magistério. Os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Teologia pretendem fornecer o instrumental teórico necessário para interpretar os dados da sociedade à luz da fé revelada.