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Considerações sobre o atentado em Paris: cultura ocidental e extremismo (por Cesar A. Ranquetat Jr.)

Política e Sociologia | 06/07/2015 | | IFE CAMPINAS

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Em 7 de janeiro o mundo assistiu com um misto de perplexidade e revolta as imagens do atentado ocorrido em Paris contra os cartunistas e jornalistas do semanário Charlie Hebdo. Três homens armados – vinculados a grupos extremistas islâmicos – foram os autores do massacre.  O pretexto absurdo para a ação jihadista foi de que este jornal havia publicado charges em tom de zombaria com a figura mais importante da religião muçulmana o profeta Maomé. Ato bárbaro, covarde e, sob todos os aspectos, injustificável que ilustra de maneira cabal o caráter doentio do fanatismo e do extremismo político e religioso.

Este nefando acontecimento, contudo, enseja uma reflexão sobre o tema da liberdade de expressão e dos destinos da cultura ocidental. Para muitos analistas apressados estaríamos diante de um confronto entre os valores sacrossantos do laicismo, da democracia e das liberdades ocidentais contra a selvageria e o primitivismo religioso islâmico. Embate entre a ilustrada e racionalista cultura francesa e a retrógada e arcaica cultura oriental muçulmana.  Sinto frustrá-los, mas a questão não é tão simples assim.

Em primeiro lugar, os jihadistas não representam a totalidade da tradicional e milenar civilização oriental islâmica, mas uma facção “moderna”, minoritária e belicosa do islã que, equivocadamente, instrumentaliza a religião para fins políticos. Por outro lado, a cultura liberal e iluminista francesa é apenas uma expressão secularizada, particular, e, ainda, muito recente da denominada civilização ocidental. Cultura iluminista e laicista que, cabe destacar, em seus primórdios fora marcada pelo seu ódio medular e irracional ao cristianismo. Em síntese, o Ocidente não é apenas o iluminismo francês.

Além disso, importa lembrar que o semanário Charlie Hebdo não apenas escarneceu – através de desenhos de gosto duvidoso – da imagem do profeta Maomé, mas sucessivas vezes zombou de maneira irresponsável dos símbolos mais caros às tradições cristãs e judaicas. Blasfemar e ultrajar imagens religiosas são também atitudes condenáveis e, ademais, sacrílegas. Há um inegável laivo de barbarismo e mesmo de satanismo em blasfemar contra o divino.

Ao contrário do que pensam os porta-vozes da cultura ilustrada, a liberdade de expressão não é um valor absoluto e um direito ilimitado. A liberdade infrene acaba por descambar em libertinagem e licenciosidade. Uma liberdade vazia, sem conteúdo, irresponsável e autodestrutiva, aliás, vigora hoje na sociedade ocidental moderna.

Os corifeus do anarquismo pós-moderno e do “socialismo libertário” defendem ardorosamente e inescrupulosamente a bandeira de uma falsa liberdade que destrói os pilares da civilização ocidental, de acordo com a penetrante observação do diplomata e cientista político Mário Vieira de Mello:

 A liberdade – que está sendo carregada como o pavilhão, a bandeira, o símbolo essencial da civilização contemporânea – não é a verdadeira liberdade. Em nome desse falso símbolo se criticam, se rejeitam, se desmerecem valores que são legítimos representantes da substância cultural do Ocidente.

Reina soberanamente uma concepção radical e anárquica da liberdade, uma liberdade espúria e destrutiva para ofender, mentir, perverter, vilipendiar, blasfemar, atiçar ódios e paixões ignóbeis. Liberdade bastarda que não tem direção nem medida, hostil a qualquer vínculo e compromisso moral e alérgica a todo tipo de norma e ordem. O homem moderno parece ter esquecido a lição elementar de que a liberdade deve estar orientada pela verdade, conforme assevera o teólogo Joseph Ratzinger: “[…] a liberdade está associada a uma medida, a medida da realidade, que é a verdade. A liberdade de destruir a si mesmo ou destruir o outro não é liberdade, mas uma paródia demoníaca”.

Não tenho dúvidas, os desenhos satíricos e ofensivos do semanário francês, assim como o fundo ideológico anarquista e progressista radical que alimenta este periódico, são uma expressão e um sintoma doentio da própria corrosão interna e da dissolução moral que assola a civilização europeia contemporânea.

Por sua vez, o laicismo, a licenciosidade e o relativismo moral hoje dominantes no ocidente moderno não são barreiras protetoras contra o avanço do fundamentalismo islâmico; pelo contrário. A cultura ocidental moderna desvinculada de suas raízes morais e religiosas tradicionais torna-se uma presa fácil para qualquer tipo de radicalismo e extremismo, pois encontra-se espiritualmente vazia e privada de fundamentos superiores e sólidos. Segundo a arguta colocação do filósofo Rob Riemen

[…] a ameaça que o fundamentalismo islâmico representa para a nossa sociedade é muito menor do que a crise inerente à sociedade de massas – a crise moral, a trivialidade e o embrutecimento crescente que minam a nossa sociedade. Esta crise da civilização representa a verdadeira ameaça aos nossos valores fundamentais, esses valores que devemos proteger e salvaguardar para possamos continuar a ser uma sociedade civilizada.

Como afirma o escritor espanhol Juan Manuel de Prada, uma cultura que renega suas tradições espirituais está pronta para ser conquistada e dominada por bárbaros. A verdadeira civilização ocidental, a autêntica e grandiosa cultura europeia não se encontra bem representada no Charlie Hebdo. Devemos procurá-la em outras fontes, instituições, símbolos, convicções, normas e valores.

 

Cesar A. Ranquetat Jr é Doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor universitário

Publicado originalmente no site da Revista Dicta&Contradicta. 

Éticas ‘Light’, ‘Diet’ e New Age: o eu, o outro e a solidão

Sem Categoria | 16/12/2014 | |

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Pintor: Hans Thoma (1839–1924). Títlo: Loneliness (“Solidão”). Local:  [show]National Museum in Warsaw (NMW). A imagem está em domínio público.Hans Thoma (1839–1924), “Loneliness” (“Solidão”), National Museum in Warsaw (NMW)

Hoje, nossa cultura tem sido influenciada por dois extremos que, a meu ver, não ajudam a bem compreendê-la: de um lado, o discurso social alarmista que lamenta o fim da moral e, de outro, a manifestação festiva e cínica deste fato.

Não faz muito tempo, a sociedade buscava incessantemente sua libertação de tudo que representasse um passado moralista, porquanto se tratava de puro farisaísmo, efeito colateral da repressão burguesa reinante. De repente, por toda parte, assiste-se a uma louvável onda de imperativos éticos: luta contra a corrupção, proteção ao meio ambiente, ações humanitárias, códigos de linguagem não discriminatórios, chamamentos à responsabilidade e ética corporativa.

Os cantores de música oferecem seus decibéis aos mais necessitados e os artistas partem para ações de generosidade. Tal efervescência ética é tão plural que permitiu a restauração de antigos deveres, porque “já não é obrigatório ser liberal em tudo”. No entanto, causa-me a impressão de que a noção de dever absoluto e toda construção teórica que a cortejava desapareceu completamente. Ninguém quer mudar as coisas substancialmente, mas todos estão dispostos a corrigir a superfície.

Do mesmo modo que a sociedade moderna erradicou os matizes arbitrários do poder político, também desqualificou de vez a imposição de normas austeras e disciplinadoras sobre o comportamento dos indivíduos. A era pós-moralista não é transgressiva nem acanhada, é apenas “correta”. Ou melhor, politicamente “correta”.

A nova moral, uma espécie de ética light, é uma ocupação privada justificada desde o momento em que não existam causas públicas que demandem algum holocausto pessoal. Trata-se de um cosmético que ao menos torna mais gratificante sua apresentação externa, de sorte que todos os novos imperativos categóricos morais devem ter o mesmo padrão estético. A dúvida reside na sustentabilidade dessa versão light da ética social.

Aí está o berço da nova moral doméstica, do hedonismo ecológico, da obsessão pelo visual externo. No lugar de uma teia de relações e dependências inerentes às sociedades tradicionais ou até mesmo revolucionárias, existe, hoje, uma justaposição de indivíduos soberanos ocupados diuturnamente com a administração de sua qualidade de vida e com a otimização da gestão do eu.

Nessa ótica, é importante não depender do outro, a fim de se construir um ethos de autossuficiência e de autotutela, típico de uma época em que o próximo é muito mais um perigo ou uma moléstia do que um elo de atração. E o próximo tornou-se uma ameaça, porque, quando se perde a noção de transcendência vertical, fundamento último dos valores, o esfacelamento da transcendência horizontal é só uma questão de tempo. E de espaço.

Na era moderna, de várias maneiras procedeu-se à redução da ideia de Deus e do alcance desta, até sua eliminação implícita ou explícita, provocado por um secularismo dessacralizante da existência. De várias formas, as inúmeras correntes filosóficas indicaram valores objetivos determinados, na maioria das vezes, desligando-os de um vínculo divino. O Iluminismo, pai de todos os racionalismos, é um exemplo significativo desse eclipse transcendental, em razão do princípio de que os valores podem provir unicamente da razão humana.

De lá para cá, todos os valores proclamados pelo Iluminismo foram minguando-se aos poucos, justamente por estarem desvinculados daquele vínculo capaz de sustentá-los e de lhes conferir consistência ontológica. Hoje, como nenhum deles restou de pé, vivemos sob o império do niilismo, da completa ausência de juízos de valor e a máxima nietzschiana “Deus está morto” é uma expressão teórica extremamente lúcida, pois significa exatamente a separação dos valores de seu fundamento ontológico.

Privada de uma âncora de valores, a barca da humanidade está à deriva no oceano da realidade. Buscar uma tábua de salvação na ética light não resolverá a situação, porque os valores desta ética são como castelos de areia, que não têm solidez, desmoronam-se e, logo em seguida, a primazia do eu é restabelecida. A ética light é uma filosofia romântica e vaga: filosofia que serve de pouco quando nos deparamos com a inexorável realidade do outro.

Por outro lado, a cultura da autodeterminação narcisista, efeito atual de um processo de individualismo que culminou com o niilismo existencialista, não submeteu a esfera da moral às forças de um egoísmo impetuoso, mas a deslocou para uma variante muito sutil, a de uma moral sem deveres: a ética diet. Em voga, estão a caridade sem obrigação, o altruísmo brando e a ética mínima da solidariedade compatíveis, é claro, com a primazia do eu.

Nessa ótica, é importante não estar preso ao outro, sobretudo numa época em que o próximo é fonte de desejos inconfessados, mas também de receio ou de perigo. Por isso, o preservativo tem um valor simbólico muito grande e, porque não dizer, paradoxal. Trata-se de um envoltório que protege o indivíduo que não quer se comprometer com nada, porém deseja relacionar-se com o todo.

É um dos símbolos de uma cultura que, sob o manto de uma simpatia universal, esconde uma sensação de incômodo ante a presença ameaçadora dos outros. Equivale a uma situação de guerra de todos contra todos onde os combatentes foram privados de uma arma mortífera e só podem agir defensivamente. Só que, agora, não dá mais para ouvir Hobbes dizer que auctoritas non veritas facit legem (Leviatã, p.2, c.26), porque, afinal, cada um tornou-se a autoridade de si próprio.

Essa é a imagem do outro que fica no subconsciente das pessoas. Como exemplo, tome-se o bombardeio de propaganda contra a indústria do tabaco e do combate à AIDS, ações que, por si só, são louváveis. Quem é o próximo? O próximo reduz-se a um ser fumante e contagioso. O que é a sociedade? Um mero sistema de compartimentos estanques que permite somente o trato e a comunicação impessoais.

E o outro? Fica relegado ao ostracismo? O outro merece a devida atenção sempre e quando não se pretenda ir mais além de um altruísmo indolor, num altruísmo que não muda as pessoas substancialmente. Aliás, substância lembra robustez e, certamente, hoje, é o que menos se vê na aparência física das pessoas, principalmente no mundo da moda.

Assim, pode-se afirmar que esse afã estético acaba por refletir no agir ético de cada um: surge uma ética diet, uma ética sem robustez. Sem substância.Não é à toa que nunca se exibiram tantas realidades inadmissíveis, numa espécie de convocação à solidariedade, acompanhada de uma linguagem de reprovação.

Entretanto, tal êxtase de alteridade é epidérmico e pontual, pois é somente uma identificação superficial com o outro, devido à repugnância do espetáculo do sofrimento alheio. Um compromisso moderado e distante, sendo suficiente um gesto de indignação para que a consciência não fique dolorida.

Se todo um discurso moral limita-se à ótica narcisista, não há como se justificar o menor sacrifício. O problema do sacrifício (decorrente do dever) é um dos temas centrais da ética. O sacrifício é razoável, ainda que soe como um profundo mistério.

É uma ingenuidade pensar que se pode amar alguém, repartir os recursos escassos, tolerar as ideias contrárias ou proteger o meio ambiente sem carregar sobre si toda uma série de inconvenientes presentes e futuros, entenda-se, sem algum gênero de sacrifício.

Os homens ouvem as vozes dos seres que o rodeiam e é próprio do ser humano sentir-se obrigado por essas vozes. Elas são ouvidas, porque o homem é dotado de inteligência, a qual rompe o cerco da psicologia instintiva. Surge o dever de respeito por tais vozes e descobre-se que elas não existem apenas em função das necessidades do outro, mas subsistem por si mesmas e também têm necessidades profundas e não meramente superficiais. Eis o sentido do dever.

A ética diet exige muito do homem e, ao mesmo tempo, muito pouco: muito pouco, porque não o obriga a encarar as contingências da vida, nem o exorta ao dever e à responsabilidade; muito, pois o abandona em seus medos e o deixa sozinho ante a necessidade de orientação, desconhecendo a debilidade de sua natureza.

Não podemos esquecer o fato de que o ser humano tem o particular atributo de ser incapaz de viver sem deveres, os quais são, por sua vez, necessárias limitações de sua liberdade e protetores de sua fragilidade. Por isso, a apoteose do eu não causa uma eliminação da moral, mas apenas sua modificação.

Como a energia, os deveres não se eliminam, transformam-se. Motivo pelo qual o assento dos deveres nunca está vacante. Mas nem sempre está ocupado pelos mais razoáveis, principalmente quando o homem converte-se num ser egocêntrico: eis o principal efeito da ética diet.

Contemporaneamente, um dos males mais gritantes está na diminuição da estatura ontológica do homem a uma única dimensão, a dimensão física. Trata-se do resultado tardio do materialismo ontológico que, a partir do século XVII, formulou que tudo aquilo que existe é realidade física ou epifenômeno desta e, logo, o ser em todas suas manifestações possíveis, é reduzido ao plano físico.

 

No âmbito antropológico, negada a existência de qualquer outra dimensão que não seja a física, todas as características psicológicas do homem (no sentido etimológico do termo), segundo essa visão abrangente, seriam apenas epifenômenos do físico. Ou seja, um fenômeno secundário, que acompanha o principal e é por ele causado: em suma, sem existência própria.

A imagem do homem seria, então, aquela que nos é dada pelas ciências humanas, que têm, como modelo, as ciências da natureza. O homem é, assim, reduzido a uma mera peça da realidade material, subsistente por si mesma e sem referência ao transcendente, um elo da cadeia que se articula na dinâmica social, sobretudo da produção e do consumo, sujeito e objeto ao mesmo tempo de conflitos de natureza vária.

Um bom exemplo disto está na questão do belo, infectado pelo relativismo decorrente deste vazio transcendente, onde se supunha já haver alcançado um nível abissal: compara-se o concerto nº5 para piano de Beethoven com o batuque do Timbalada, uma poesia de Drummond com uma letra do MV Bill, os afrescos de Michelangelo com grafites de viaduto e “O Pensador” de Rodin com o urinol de Duchamp. Como dizia Leo Strauss, se todos os valores são relativos, o canibalismo é só uma questão de gosto…

Nessa imagem, a antiga máxima “o homem é um fim em si mesmo” perde todo significado e é substituída por outra “o homem é um meio”, isto é, um instrumento, um objeto, qualificativo atribuído aos escravos nas sociedades da História Antiga. E, assim, nessa ótica ética new age, todos os homens seriam, principalmente, instrumentos vivos de produção e de consumo, inseridos nas engrenagens de um sistema social cuja lógica lhes escapa. Não é à toa que, acerca da atual crise da razão, sentencia-se a morte do homem, o falecimento de sua dimensão metafísica.

No fundo, o homem perdeu a fé em seu valor, conforme dizia Nietzsche em seus Fragmentos Póstumos. Engendrado numa teia de relações sociais em que atua mais como objeto do que como sujeito, sem qualquer abertura ao transcendente, o homem só tem um refúgio a buscar, a saber, o próprio homem. E o individualismo que lhe resta nesta situação acaba por influenciar seu agir frente à ordem moral e reforçar o império das éticas light e diet.

As notícias da imprensa estão repletas de exemplos que fizeram do amor pelos seus apenas um meio de satisfazer seus próprios desejos. São políticos, empresários, cantores, artistas, atores que sacrificaram a plenitude de sua vida em nome da respectiva carreira, submetendo as necessidades alheias a seus próprios interesses e abraçando a ambição privada.

Depois, quando vem a fatura – o insucesso, o ostracismo, a doença, a velhice – descobrem-se como estranhos num mundo de estranhos mais excêntricos ainda, mas, ainda, desejosos de uma “nova” vida, algo que provavelmente não sucederá, porque a existência tão esperada se revelará uma trama de fracassos e desilusões latentes na memória.

Os homens do século XX trocaram o amor de doação, tão bem ilustrado na literatura, na pintura, na escultura, enfim, na história da arte, depositária das experiências mais ricas da humanidade, por um amor de aquisição, verdadeira máscara, bonita por fora, como as de Veneza, mas que, na face interna, a face oculta, representa o individualismo levado ao extremo.

Tais máscaras, vistas nas tragédias diárias das revistas especializadas, digamos, em retratar as amenidades alheias em pormenores (na falta de uma expressão melhor), escondem o progressivo esquecimento do sentido de doação, de serviço gratuito e de oferta sem pedir nada em troca. As miragens dos interesses individuais provocam um deslumbramento interior que, aos poucos, vai minando o rol cada vez mais diminuto de valores que a pessoa carrega consigo.

Um autor estrangeiro diagnosticou bem esse problema ao ter dito que “(…) as paixões que consomem se consomem velozmente; o amor se enfraquece multiplicando-se, e com o tempo se torna frágil. Os encontros que fazem nascer um novo amor matam o antigo amor. Os casais se desfazem, outros casais se formam e depois novamente se afastam. No amor entre o mal da instabilidade, da pressa, da superficialidade, que reintroduz o mal da civilização esmagado pelo amor”.

O individualismo exacerbado conduz a sociedade à atomização total dos indivíduos e, consequentemente, à inevitável solidão, seu efeito mais nefasto, e a resultante final das três éticas aqui abordadas: a light, a diet e a new age.

A solidão sempre nos conduz à uma reflexão pretérita, mas de nada adianta olhar para trás, pois o tempo cobriu nosso passado existencial com invisíveis mortalhas. Esse mesmo passado é o porto de onde a nossa embarcação já se afastou há muito. Vemo-lo ao longe, por entre as brumas. Mas, certamente, não há mais chance de regresso. Só de inconfessáveis lamentos.

por André Fernandes (IFE Campinas)

Bom senso em extinção

Opinião Pública | 11/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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No meio acadêmico e até mesmo nas rodas de conversa é lugar comum afirmar que a educação é algo essencial para mudar um país. Muita gente até se arrisca a fundamentar essa afirmação utilizando o caso de países do pós-guerra. Nesse quesito não há nada de criativo ou inovador nos autores e especialistas que defendem essas receitas prontas para solucionar os problemas da sociedade. Precisamos de educação, mas de quê “educação”?

O Iluminismo, no século XVIII já propunha a redenção do gênero humano pela ampliação do uso da razão. Durante a Revolução Francesa (movimento que se apropriou dos ideais iluministas), os rebeldes jacobinos invadiram e profanaram a Catedral de Notre Dame, em Paris, substituindo a imagem de Nossa Senhora pela imagem da voluptuosa deusa da Razão. Este foi um movimento que se pretendia racional, mas que na prática não gozava do mínimo de lógica, pois fundamentava-se nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade sem respeitar a liberdade dos católicos franceses, igualando-os à força ao que a revolução desejava, sem os considerar como irmãos. Para constatar isso tudo não é necessário ser especialista em História ou Sociologia, basta usar o bom senso, o que, diga-se de passagem, está se tornando artigo de luxo numa sociedade como a nossa que é tão habituada a reproduzir, mas pouco afeita a produzir conhecimento.

O Iluminismo de ontem continua a ser requentado nas ideologias de hoje. Um professor ou qualquer pessoa em condição de ensinar alguém, pode facilmente juntar meia dúzia de argumentos e metê-los goela abaixo de seus ouvintes, os quais sequer se darão conta de que estão aderindo a ideias risíveis, pueris e sem fundamento algum. Não se aperceberão do que fazem, e, aliás, talvez nem mesmo o transmissor desses conhecimentos se dê conta disso, o que se deve ao fato de provavelmente ser mais um idiota útil na ciranda da confusão de ideias impostas pela Revolução Gramsciana. Isso explica, ao menos em parte, a atual tendência e se acreditar em tudo sem que se analise absolutamente nada. Um exemplo corriqueiro é a cifra de um milhão de abortos por ano, no Brasil. Somos o único país onde “existe” estatística para algo que é ilegal! Como se chega a números dessa espécie se o aborto é ilegal e, portanto, realizado de forma clandestina? Outro exemplo foi a recente pesquisa, publicada e depois desmentida, que afirmava que mais da metade dos homens brasileiros seriam favoráveis ao estupro. Essa pesquisa gerou o massivo e ignorante (porque partiu de um pressuposto falso) protesto pelas redes sociais, nos quais moças quase sempre seminuas postavam suas fotos com um cartaz contendo os dizeres: “eu não mereço ser estuprada”.

Mas há quem diga que esse discurso de Marxismo Cultural ou de Revolução Gramsciana seja balela, e em geral os que assim pensam, negam aquilo para o que trabalham sem se darem conta de que o fazem. Negam o que praticam e se creêm “iluminados”, “esclarecidos” pela razão que pensam usar bem.

Pensar exige em primeiro lugar bom senso e uma capacidade desapaixonada de analisar as coisas buscando conhecê-las. Nesse processo, o primeiro elemento a ser desvendado somos nós mesmos. O antigo e famoso Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga tinha em seu frontispício uma sentença que resume toda a filosofia e toda busca do ser humano por resolver suas questões e inquietações mais íntimas: “Conhece-te a ti mesmo”!

Se começarmos por nós mesmos desenvolveremos uma outra virtude muito escassa: a honestidade intelectual! Se conhecemos nossos limites e reconhecemos as coisas tais como elas são não iremos romantizar a realidade dos fatos e poderemos conhecê-las objetivamente. No entanto, se defendemos uma ideologia e manipulamos a realidade para produzir um ambiente artificial, a fim de que a realidade caiba dentro dos critérios que criamos, então já foi inaugurado um novo “país das maravilhas” do qual dificilmente nos desfaremos.

Luiz Raphael Tonon, professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 03 de Julho de 2014, Página A2 – Opinião.