The Rise of Early Modern Science (resenha)

Sem Categoria | 17/12/2014 | |

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The rise of early

The Rise of Early Modern Science: 

Islam, China, and the West

Toby E. Huff

Cambridge: Cambridge University Press, 2003,

409pages. $18.95 paperback (ISBN0-521-49833-3).

 

Este estudo examina a longa questão posta acerca dos motivos pelos quais a ciência moderna surgiu e se desenvolveu no Ocidente e não nas civilizações islâmica e chinesa, apesar do fato que estas civilizações fossem cientificamente mais avançadas à época. Para explicar essa virada científica e civilizacional, Huff explora os contextos culturais – religioso, legal, filosófico e institucional – nos quais a ciência era praticada no Oriente Médio, na China e no Ocidente. Ele descobre, por meio da investigação da história do direito e da revolução cultural europeia dos séculos XII e XIII, as principais pistas que conduziram às razões pelas quais um ethos científico surgiu no Ocidente, criando as condições favoráveis para um exclusivo boom da moderna ciência somente na Europa e, depois, na América. Esta tese central conduz o leitor para novas e intrigantes ideias sobre o conceito legal e a teoria moral da corporação, o qual é única no mundo ocidental e que fomentou o advento dos conceitos de espaço coletivo, de universitas e de livre investigação racional.

Resenha por Scott B. Noegel, Ph.D. Universidade de Washington, Seattle

Tradução de Beatriz Resende

Revisão de André Fernandes

O intrigante estudo de Huff em sociologia histórica e comparativa visa responder uma questão debatida há tempos: as razões pelas quais uma revolução científica ocorreu no início da Europa moderna no século XIII, apesar do fato de as civilizações islâmica e chinesa serem tecnologicamente muito superiores à época. Os astrônomos muçulmanos al-Tusi e Ibn-Shatir, por exemplo, tinham desprezado a astronomia ptolomaica em favor de um modelo matemático que antecipou o de Copérnico (embora o modelo islâmico não fosse heliocêntrico).

Similarmente, deram-se os avanços islâmicos na área da ótica, que em muito superaram os do Ocidente antes de 1300. A China também era tecnologicamente mais avançada do que o Ocidente, especialmente em matemática, mas assim como a ciência islâmica, não conseguiu progredir de forma significativa depois do século XIV. Ao aprofundar as obras de Max Weber, Thomas Kuhn, Joseph Needham, Robert Merton e, seu próprio mentor, Benjamin Nelson, Toby Huff aborda a questão dos motivos pelos quais o Ocidente, e não o Oriente, deu origem à revolução científica, estabelecendo os contextos legal, social, filosófico e teológico das respectivas culturas.

É de especial interesse para Huff a forma como os valores culturais subjacentes e a dinâmica de cada sociedade serviram para inibir ou catalisar o avanço científico. Huff observa: “Então, eu argumentaria que, na medida em que podemos falar de uma instituição específica da ciência, seus agentes normativos são derivados de um ambiente cultural muito mais amplo e, acima de tudo, apoiam-se em pressuposições religiosas e legais que antecedem em longa data o surgimento da ciência moderna no século XVII” (p. 25).

Fundamental na análise de Huff é o papel das crenças medievais em contribuir para a transformação das instituições jurídicas europeias nos séculos XII e XIII. Aqui, Huff dá crédito ao surgimento de corporações autônomas pelo advento de investigações racionais autônomas. A corporação que Huff destaca como sendo a mais importante desses avanços é a universidade. Na visão de Huff, é exclusivamente a universidade que incentivou a busca por verdades universais e que preparou o cenário para transformações.

Consequentemente, o formato corporativo das universidades europeias com sua certificação corporativa do conhecimento, em última análise, serviu para promover uma visão de mundo universalista de verdades racionais que transcendem o indivíduo. Huff afirma: “Enquanto os sistemas jurídicos ocidentais haviam adotado a razão e a consciência em adição à ideia da lei natural como fim último para aceitar ou rejeitar uma prática jurídica específica ou um princípio, a lei islâmica optou pela tradição e pelo consenso acadêmico” (p. 133).

Continua Huff: “Por essa razão, a filosofia e os trabalhos científicos gregos foram incluídos e incorporados no currículo universitário. De fato, alguns diriam que foi a herança grega do pensamento intelectual, sobretudo seu compromisso com o diálogo racional e com a tomada de decisão por meio da lógica e da argumentação, que determinou, daí por diante, o caminho para o desenvolvimento intelectual no Ocidente” (p. 133).

Por outro lado, Huff argumenta que a civilização islâmica sofria de uma incapacidade de conciliar a investigação racional com sua teologia. Sua ênfase na “lei sagrada” shari’a, “estabeleceu de uma vez por todas os padrões de conduta e de gestão adequada dos assuntos humanos para todos os muçulmanos” (p. 67). A ciência e a filosofia grega eram toleradas apenas na medida em que serviram para ressaltar a concepção da natureza e das relações humanas segundo o Alcorão.

O pensamento jurídico, filosófico e teológico autônomos eram desaprovados. Huff expressa-o da seguinte forma: “Inovação, em questões religiosas, era equivalente a heresia” (p.117). Consequentemente, as instituições jurídicas e educacionais que surgiram no início da civilização ocidental não apareceram no Oriente islâmico. Além disso, o foco educacional das madrassas era na lei islâmica e na lógica; as ciências permaneceram nas mãos dos instrutores particulares. Assim, não houve certificação corporativa do conhecimento, apenas a certificação de instrutores individuais.

Embora Huff admita que a China era mais avançada do que o Ocidente em matemática, ele também dá um passo adiante ao separar “ciência” da “tecnologia” (e, de fato, estes empreendimentos eram diferenciados até o século XX) e ao caracterizar o avanço matemático chinês como um progresso na tecnologia. Isso lhe permite manter o seu argumento de que a civilização chinesa não avançou cientificamente. Os fatores responsáveis pelo declínio no progresso científico chinês, de acordo com Huff, eram um tanto diferentes daqueles do mundo islâmico.

“Enquanto os chineses reconheceram um tipo de direito positivo promulgado pelos homens, seu maior compromisso é com o li, com os ritos sagrados do passado, e esse compromisso está enraizado em poderosas pressuposições interligadas” (p. 263). Além disso, enquanto o governo chinês exerceu esforços para inibir a investigações racionais, originais e autônomas, o avanço científico chinês foi igualmente prejudicado pela falta de um sistema euclidiano de provas, bem como os avanços correspondentes da astronomia.

De acordo com Huff, a civilização chinesa também sofria de uma inacessibilidade à ciência e à filosofia grega e de uma disposição intelectual para modos de pensar que preferia explorar as relações entre os pares de opostos à determinação de suas causas. “Ao invés de avançar em direção a modos mecânicos e causais de pensar que reconheciam as forças naturais impessoais, o impulso chinês foi sempre para a criação de uma visão de mundo harmoniosa que ligasse todas as forças e elementos em uma harmonia cósmica centrada no homem” (p.299). Adicionalmente, e de certa forma, como consequência, o governo chinês colocou ênfase na manutenção de uma administração ordenada e efetiva.

“Ao mesmo tempo, o pensamento chinês enfatizava a importância de preservar as tradições exemplares que refletiam a realização harmoniosa do Tao, através da responsabilidade coletiva. Enquanto todas as pessoas são chamadas a viver uma vida exemplar, o imperador e seus funcionários têm a obrigação primordial de ordenar corretamente suas condutas (e assuntos de Estado), para facilitar a ordenação correta do mundo social em harmonia com a natureza” (p. 271).

Assim, conclui Huff: “O problema com a ciência chinesa não se dava fundamentalmente pelo fato de ser tecnologicamente falha, mas que as autoridades chinesas nem criavam nem toleravam instituições de ensino superior independentes, dentro das quais estudiosos imparciais podiam ir em busca de suas inspirações” (318 p.). Portanto, ao contrário do Ocidente, que tolerava investigação racional independente, o mundo nascente da investigação científica islâmica e chinesa foi inerentemente preparado para o declínio.

Embora este trabalho contribua, principalmente, para a nossa compreensão do quão poderosas as dinâmicas sociais, intelectuais e teológicas são para determinar o ethos e o avanço científico de uma civilização, por outro lado, também merece um comentário crítico. Acima de tudo, a temática mais importante é a questão iminente proposta pela tese de Huff, isto é, se aceitarmos a resposta abundante e convincente de Huff do porquê a ciência islâmica e chinesa estagnou após o século XIII, também devemos perguntar como as civilizações islâmica e chinesa ascenderam à superioridade tecnológica e científica antes de 1300.

Se as civilizações islâmica e chinesa não estavam legal, intelectual e teologicamente propensas ao avanço, como elas avançaram primeiro? A abordagem evolucionária de Huff no que diz respeito ao avanço científico é igualmente problemática em alguns ponto. Seu tratamento do avanço científico ocidental, por exemplo, baseia-se na noção de que a história da ciência é de alguma forma uma progressão linear e estática.

Certamente, isso é um paradigma demasiado simplista, que trai as “poderosas suposições interligadas” (p. 263) da época de Huff, e que negligencia momentos históricos periódicos de regressão científica, como a rejeição dos humanistas do currículo escolástico em favor dos textos da antiguidade clássica.

Além disso, a chamada “revolução científica” dos anos 1600 apareceu na época, não como um estágio evolutivo de uma cadeia sempre progressiva de acontecimentos, mas como uma reação automática a um longo período de repressão e declínio. No entanto, a abordagem de Huff aos avanços científicos islâmicos e chineses assume uma posição oposta e sugere que vejamos as instituições e as teologias islâmicas e chinesas como imutáveis.

Por exemplo, Huff argumenta que as madrassas não poderiam se tornar corporações, porque elas estavam legalmente obrigadas às intenções de seus fundadores. Porém, historicamente, este não é o caso, pois as intenções dos fundadores institucionais islâmicos poderia ser, e muitas vezes eram, suplantados pelas necessidades dos contemporâneos da instituição (como demonstra a leitura através de estudos sobre os primeiros fatwas).

Similarmente, a discussão de Huff do pensamento chinês aparece, às vezes, tendenciosamente seletiva. Por exemplo, o trabalho não presta atenção às lutas frequentes e informativas entre facções, como os budistas e confucionistas. Tal tratamento monolítico dos sistemas de crenças islâmicas e chinesas obscurece as correntes intelectuais multifacetadas e muitas vezes significantes que fundamentam a sua tese.

Consequentemente, embora não intencional, percebe-se, nas generalizações frequentes de Huff, noções latentes de incontestável superioridade cultural. Da mesma forma, e isso volta ao tratamento de Huff do avanço científico como linearmente progressivo, a questão que este trabalho tenta responder tem como premissa um otimismo científico evidente e um pressuposto de que o avanço cultural pode ser avaliado ou medido pela produção científica de uma civilização, o que nem sempre é verdadeiro.

No entanto, não se pode deixar de ficar impressionado com a enorme amplitude e o exímio domínio da literatura primária e secundária de Huff. Sempre bem argumentada e documentada em detalhe, este livro demonstra a utilidade de uma perspectiva holística para explicar a dinâmica da mudança cultural e científica. Eu recomendo este trabalho para estudantes universitários avançados interessados em se engajar nas difíceis questões que enfrenta o sociólogo da ciência.