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“Estado da Arte”: Música no Século das Luzes

Artes | 30/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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O programa Estado da Arte é produzido e apresentado por Marcelo Consentino, presidente do IFE e editor da revista Dicta & Contradicta. A cada edição três estudiosos põem em foco questões seminais da história da cultura, trazendo à pauta temas consagrados pela tradição humanista.
A seguir apresentamos a edição que foi ao ar em 07 de outubro de 2014

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O século XVIII se notabilizou como um período de intensa agitação intelectual e social, fruto da confiança ilimitada no poder da razão humana celebrada pelo chamado Iluminismo. Da física newtoniana à máquina a vapor, a cada dia uma nova descoberta científica prometia ampliar virtualmente ao infinito nosso conhecimento e domínio sobre a natureza. E enquanto a vida aristocrática atingia um zênite de requinte e sofisticação nas cortes absolutistas, nos burgos filósofos e reformadores sociais disseminavam as ideias igualitárias que iriam implodir o Antigo Regime durante a Revolução Francesa e a Independência Norte-americana. Mas do fundo de toda essa fúria a cultura da época extrairia uma sonoridade singularmente harmônica, e, sendo ou não adequado o título habitual de a Era da Razão, é também plausível denominar esse período, talvez como nenhum outro antes ou depois, o Século da Música.

Bach, Handel, Vivaldi, Mozart, Beethoven são só alguns dos nomes arqui-conhecidos cuja presença massiva nas salas de concerto e estúdios fonográficos do mundo inteiro só faz aumentar ano a ano, e que, compondo na época da invenção do piano, da consolidação da sinfonia e da popularização da ópera, definiriam aquela que hoje reconhecemos como a música “clássica” por excelência.

Mas quem foram esses homens? O que pensavam sobre a música? E quais as suas motivações ao compor? Acaso, como declararia posteriormente o escritor Ernst Hoffmann, estariam dominados por um “anseio ardente e insaciável” de “ultrapassar os aspectos comuns da vida” e “atingir na terra a promessa celestial que repousa em nossos corações, o desejo de infinito que nos liga ao mundo superior” ou, ao contrário, como dizia à época Joseph Haydn referindo-se às suas próprias composições, desejavam somente que “os cansados, os fatigados e os preocupados com negócios pudessem gozar de alguns momentos de consolo e repouso”?

Convidados

– Mário Videira, coordenador do curso de pós-graduação em música
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e autor de O Romantismo e o Belo Musical.

– Leandro Oliveira, mestre em musicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, idealizador e professor do projeto “Falando de Música” da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

– Monica Lucas, chefe do departamento de música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, musicista e professora de história da música.

Referências
  • Breve História da Música (History of Music) de Roy Bennett (Ed. Zahar).
  • Music in the Seventeenth and Eighteenth Centuries de Richard Taruskin (Oxford University Press).
  • História da Música Ocidental (A History of Western Music) de Donald J. Grout e Claude V. Palisca (Ed. Gradiva).
  • O Livro de Ouro da História da Música de Otto Maria Carpeaux (Ediouro).
  • O Romantismo e o Belo Musical de Mário Videira (Unesp).
  • Barroco, Neobarroco e Outras Ruínas de João Adolfo Hansen.
  • Mozart – Sociologia de um Gênio (Mozart – The Sociology of a Genius) de Norbert Elias (Ed. Zahar).
  • Dicionário Groves de Música (Groves Dictionary of Music and Musicians) organizado por Stanley Sadie (Ed. Zahar).
  • A History of Musical Style de Richard L. Crocker (Dover Music).
  • The Classical Style de Charles Rosen (W.W. Norton).
  • Mozart: A Life de Paul Johnson (Penguin Books).

 

Apresentação
Marcelo Consentino

Produção técnica
Ariel Henrique e Julian Ludwig

Fonte: http://oestadodaarte.com.br/musica-no-seculo-das-luzes/

"Estado da Arte": Música no Século das Luzes

Artes | 30/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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O programa Estado da Arte é produzido e apresentado por Marcelo Consentino, presidente do IFE e editor da revista Dicta & Contradicta. A cada edição três estudiosos põem em foco questões seminais da história da cultura, trazendo à pauta temas consagrados pela tradição humanista.
A seguir apresentamos a edição que foi ao ar em 07 de outubro de 2014

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O século XVIII se notabilizou como um período de intensa agitação intelectual e social, fruto da confiança ilimitada no poder da razão humana celebrada pelo chamado Iluminismo. Da física newtoniana à máquina a vapor, a cada dia uma nova descoberta científica prometia ampliar virtualmente ao infinito nosso conhecimento e domínio sobre a natureza. E enquanto a vida aristocrática atingia um zênite de requinte e sofisticação nas cortes absolutistas, nos burgos filósofos e reformadores sociais disseminavam as ideias igualitárias que iriam implodir o Antigo Regime durante a Revolução Francesa e a Independência Norte-americana. Mas do fundo de toda essa fúria a cultura da época extrairia uma sonoridade singularmente harmônica, e, sendo ou não adequado o título habitual de a Era da Razão, é também plausível denominar esse período, talvez como nenhum outro antes ou depois, o Século da Música.

Bach, Handel, Vivaldi, Mozart, Beethoven são só alguns dos nomes arqui-conhecidos cuja presença massiva nas salas de concerto e estúdios fonográficos do mundo inteiro só faz aumentar ano a ano, e que, compondo na época da invenção do piano, da consolidação da sinfonia e da popularização da ópera, definiriam aquela que hoje reconhecemos como a música “clássica” por excelência.

Mas quem foram esses homens? O que pensavam sobre a música? E quais as suas motivações ao compor? Acaso, como declararia posteriormente o escritor Ernst Hoffmann, estariam dominados por um “anseio ardente e insaciável” de “ultrapassar os aspectos comuns da vida” e “atingir na terra a promessa celestial que repousa em nossos corações, o desejo de infinito que nos liga ao mundo superior” ou, ao contrário, como dizia à época Joseph Haydn referindo-se às suas próprias composições, desejavam somente que “os cansados, os fatigados e os preocupados com negócios pudessem gozar de alguns momentos de consolo e repouso”?

Convidados

– Mário Videira, coordenador do curso de pós-graduação em música
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e autor de O Romantismo e o Belo Musical.

– Leandro Oliveira, mestre em musicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, idealizador e professor do projeto “Falando de Música” da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

– Monica Lucas, chefe do departamento de música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, musicista e professora de história da música.

Referências
  • Breve História da Música (History of Music) de Roy Bennett (Ed. Zahar).
  • Music in the Seventeenth and Eighteenth Centuries de Richard Taruskin (Oxford University Press).
  • História da Música Ocidental (A History of Western Music) de Donald J. Grout e Claude V. Palisca (Ed. Gradiva).
  • O Livro de Ouro da História da Música de Otto Maria Carpeaux (Ediouro).
  • O Romantismo e o Belo Musical de Mário Videira (Unesp).
  • Barroco, Neobarroco e Outras Ruínas de João Adolfo Hansen.
  • Mozart – Sociologia de um Gênio (Mozart – The Sociology of a Genius) de Norbert Elias (Ed. Zahar).
  • Dicionário Groves de Música (Groves Dictionary of Music and Musicians) organizado por Stanley Sadie (Ed. Zahar).
  • A History of Musical Style de Richard L. Crocker (Dover Music).
  • The Classical Style de Charles Rosen (W.W. Norton).
  • Mozart: A Life de Paul Johnson (Penguin Books).

 

Apresentação
Marcelo Consentino

Produção técnica
Ariel Henrique e Julian Ludwig

Fonte: http://oestadodaarte.com.br/musica-no-seculo-das-luzes/

As Polonaises de Chopin – uma radiografia histórica – PARTE II (por Álvaro Siviero)

Artes | 02/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Le compositeur et pianiste polonais Frederic Chopin (1810-1849)  au piano, tableau  --- polish composer and pianist Frederick Chopin (1810-1849)  at the piano, painting

Le compositeur et pianiste polonais Frederic Chopin (1810-1849) au piano, tableau — polish composer and pianist Frederick Chopin (1810-1849) at the piano, painting

 

Os mais variados biógrafos – entre eles Casimir Wierzinsky e Benita Eisler – fazem explícita referência ao fator religioso, místico buscado por Chopin, especialmente em seus últimos momentos (…) “seu longo amigo de infância, o Padre Alexandre, pediu ao moribundo que oferecesse alguma coisa… a alma. “Compreendo-te”, contestou-lhe Chopin. “Aqui a tens, toma-a”. O padre Alexandre dá-lhe um crucifixo e ajoelha-se à cabeceira. Todos os presentes saíram do quarto, entre eles o violoncelista Franchomme – a quem Chopin dedicou sua Sonata para violoncelo que será interpretada pela exímia Maria João Pires e pelo violoncelista Pavel Gomziakov dentro das comemorações promovidas pela Sociedade Chopin no Brasil. A agonia durou quatro dias. Esgotado, o moribundo ainda pode dizer a seu confessor e velho amigo: “Graças a ti não morrerei como um porco”. A crise de tosse durou muito tempo; quando terminou, o rosto do doente tornou-se negro e rígido. Faziam-lhe massagens nos braços e pernas. O médico inclinou-se, com uma vela na mão, e perguntou-lhe se sofria. “Plus…” (Já não…), respondeu em voz quase imperceptível. Queria o amigo Alexandre sempre junto de si, agarrava-lhe uma das mãos e pedia que rezasse. Cerca das duas horas da madrugada de 17 de outubro de 1849, vitimado pela tuberculose pulmonar, Chopin entregava definitivamente sua alma”. O pintor Teófilo Kwiatkowski desenha-lhe um retrato depois de morto e o escultor Clesinger tira-lhe o agora famoso molde em gesso de seu rosto. Os médicos extraíram-lhe o coração que foi enviado para a Igreja de Santa Cruz, em Varsóvia. Chopin é enterrado no cemitério de Père Lachaise, em Paris.

Tive a oportunidade de interpretar para diferentes públicos e em diferentes países a integral das polonaises e verificar a reação enlouquecida da platéia diante dos estados de alma contraditórios manifestados por Chopin quando se trata de aprofundar em seu sentido patriótico. Não fosse Chopin um tuberculoso, um fraco e um impotente permeado de esperança, jamais surgiriam muitas de suas obras que se eternizariam. A música de Chopin não impõe, propõe. E sua força reside justamente aqui.

A Polonaise Op.40 n.1, finalizada na Ilha de Maiorca em 1838 e mais conhecida como “Militar”, é a única das polonaises que se mantém em um único compasso brilhante até sua finalização, um verdadeiro hino triunfal. Diz a tradição que Chopin acalentava o sonho de vê-la um dia executada quando da coroação de um novo rei, em uma nova Polônia, livre e independente. Dedicada a seu grande amigo Fontana, a quem sempre Chopin escrevia pedindo mil recomendações e centenas de favores, ela curiosamente termina de forma discreta, pouco suntuosa, próprios de quem já se prepara a sair de um ambiente de alegria e heroísmo dando passagem à atmosfera triste e melancólica, repleta de desânimo, de sua subseqüente polonaise: a Polonaise Op.40 n.2, em dó menor. Fontana chegou a exigir que Chopin trocasse o final da Polonaise Militar. Como prêmio a todos os favores, Chopin comprometeu-se, em carta escrita desde Maiorca, a fazer essa substituição e algumas outras alterações, o que acabou não ocorrendo. Deledicque afirma que “se a Polonaise Militar não evoca mais que os triunfos e antigos esplendores da Polônia, a Polonaise Op.40 n.2, integralmente escrita em Maiorca durante o trágico e agudo período da enfermidade de seu autor, não reflete mais que tristeza, luto, derrota e ruínas”. Escrita em uma das piores épocas atravessadas por Chopin, é a imagem do desaparecimento da esperança. O profundo contraste existente entre essas duas obras, intencionalmente publicadas em conjunto, mostra claramente a intenção do compositor em simbolizar musicalmente os destinos da Polônia: a sua grandeza e a sua tragédia. Os pólos antagônicos entre os quais Chopin evoluía transformavam-se em correntes magnéticas que não se repeliam. Ao contrário, a ação recíproca de uma sobre a outra era a origem dessa genialidade. Essa mesma dicotomia é encontrada em suas Polonaises Op.26.

Napoleão disse certa vez que geografia é destino. A nenhum outro país europeu se aplica melhor isso que à história da Polônia, situada entre dois mundos de enormes diferenças culturais, étnicas e religiosas, e também hostis: o mundo germânico e o eslavo. Fragilizada por suas extensas planícies destituídas de proteções naturais, a Polônia vivia em contínua instabilidade. Muitos de seus horrores – a Segunda Guerra Mundial que dizimou o país com as batalhas brutais travadas entre os exércitos de Hitler e Stalin, as forças de ocupação nazista contra judeus, ciganos e outras minorias nos campos de concentração de Auschwitz, Birkenau, Treblinka, Sobibor, entre outros – foram vivenciados e pressentidos pela arte de Chopin.

A sua Polonaise op.44, um verdadeiro pesadelo de música, finalizada durante o inverno de 1845, é por muitos considerada a melhor tradução do teor militar. Eletrizante é a gravação (Deutsche Grammophon) desta obra realizada pelo pianista sérvio Ivo Pogorelich, que recentemente se apresentou no Brasil. Chopin buscou a partir do compasso 79 uma drástica redução dos parâmetros de harmonia e melodia que, unidos à obstinada insistência sobre uma única nota durante toda a seção, dão à passagem uma singularidade percussiva que não guarda paralelo com qualquer outra obra. A indicação forte pedida na obra não se traduz em insensibilidade ou atitude inflexível, mas em atitude inexorável. A originalidade de Chopin atinge a vertigem da maturidade quando, no desenvolvimento central da obra, as vozes do baixo e soprano, inicialmente condensados em única linha musical, se tornam independentes, desdobrando-se. Vários autores são unânimes em afirmar que esse desdobramento musical é reflexo de outro, político, com a qual o jovem Frycek convidava vários de seus conhecidos a participar de reuniões clandestinas, visando a ampliar em desdobramentos diversos os adeptos que lutavam contra a dominação russa na Polônia. O efeito hipnótico da insistente repetição de nota e ritmo deste momento dá passagem, surpreendentemente, ao lírico trio, em Tempo di Mazurca, definido por James Huneker como “uma flor entre dois abismos, uma desesperada ironia”: é a discrepante dualidade mais uma verificada. A delicadeza e o alto grau de refinamento encontrado nesta obra, característicos da nobreza e personalidade do autor, evidenciam a força e inigualável grau de perfeição artística encontrados.

Momentos antes de falecer, após exprimir o quanto desejava que fosse seu coração transportado a Varsóvia, deram-lhe uma folha de papel, onde escreveu com mão trêmula: “Esta tosse sufoca-me: suplico-vos que mandeis abrir o meu corpo a fim de não ser enterrado vivo”. Era a sua última vontade, idêntica, aliás, à de seu pai.

Mas Chopin vive. E é essa verdade que deve delinear qualquer discussão sobre a performance de suas célebres polonaises, começando e terminando com uma exortação: celebre a vida! Dizem que a vida é um combate. Oxalá o ano do bicentenário do mestre polonês sirva-nos de inspiração a transformar as batalhas diárias, principalmente aquelas mais escondidas, em música divina, celestial, como o fez Chopin.

 

LEIA TAMBÉM A PARTE I

 

Álvaro Siviero é considerado um dos mais talentosos pianistas da atualidade, reconhecido mundialmente pela excelência na interpretação de grandes compositores. Músico que participa ativamente do cenário brasileiro como camerista e solista, atuou diante de diversas orquestras nacionais e internacionais como a London Festival, Budapest Chamber, The City of Prague Philharmonic, Sinfonia Rotterdam, Salzburg Chamber, Academica de Madrid, I Musici de Montreal, entre outras. Foi o único brasileiro convidado a representar o Brasil no histórico Encontro Mundial de Artistas, celebrado na Capela Sistina, em Roma. Com especialização em Educação Multicultural pelo Lesley College, Cambridge, é também graduado em Física pela USP (www.alvarosiviero.com)

As Polonaises de Chopin – uma radiografia histórica – PARTE I (por Álvaro Siviero)

Artes | 26/04/2016 | | IFE CAMPINAS

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A primeira reação do cão quando é atingido por uma pedra é morder a pedra, e não quem a atirou. Essa reação pode também ser a adotada por músicos que se embrenham na recriação de uma obra musical, esquecendo de analisar e aprofundar na causa última da mesma obra: o autor.

O mundo, em 2010, comemora e promove homenagens ao bicentenário de nascimento de um dos maiores filhos que a Polônia gerou. O poeta do piano – como Chopin é comumente designado – foi, na realidade, o menos romântico dos artistas. Enquanto muitos, através de manifestos e reivindicações, definiam o romantismo como uma guerra dos modernos (eles próprios) contra os antigos (seus predecessores) Chopin se apegava ao passado, inspirando-se em Haydn, Mozart e, principalmente, Bach, de quem absorveu sua maestria na técnica do contraponto e que lhe rendeu estonteante facilidade de controle de vozes melódicas em suas obras (vale a pena lembrar que O Cravo Bem Temperado foi a única partitura levada por Chopin em sua famosa viagem a Maiorca).

A obra O Funeral de Chopin, de Benita Eisler, mostra que Chopin nutria dúvidas sobre o que ele mesmo denominava “momentos de falta de bom gosto” em Beethoven, exteriorizava desinteresse pela música de Schubert e, em geral, desdenhava os contemporâneos Berlioz, Schumann e Liszt, com quem, mais tarde, manteria uma complicada relação de amizade e rivalidade. Na arte, preferia o tradicional às ousadas combinações de forma, luz e cores. Social e politicamente era ainda mais conservador. No entanto, paradoxalmente, suas Polonaises introduziram no terreno da música a inovação do impacto nacionalista e do pendor patriótico, transformando-o em modelo proeminente de utilização de sua terra natal como fonte de inspiração.

Compositor polonês, filho de pai francês: a origem mista explica a combinação da melancolia eslava com a elegância francesa de sua arte. Embora de origem modesta, a refinada educação baseada em sólidos valores éticos recebida no lar fez surgir em sua personalidade a caracterí­stica galante da distinção aristocrática, mais pertencente à  alma que ao corpo: era na alma que surgia sua força estarrecedora sendo o corpo frágil, próprio de um homem de pouco mais de 1,50m de altura, 38 kg e doente.

O célebre compositor húngaro Franz Liszt afirmou serem as Polonaises suas mais formosas inspirações. Ao escutá-las acredita-se ouvir o andar, mais que firme, pesado, de homens que afrontam orgulhosos de valentia tudo o que a sorte possa trazer de injusto. É a mensagem da esperança e do otimismo, do espírito combativo, mesmo que permeado de dúvidas. As destemidas repetições melódicas de figuras temáticas utilizadas em sua Polonaise Op.44 ou na célebre Polonaise Op.53, “Heróica”, unidas ao vigor enérgico do característico pulso ternário, adquirem na leitura do mestre polonês uma dimensão insuspeitada, onde não há espaço para a apatia ou a indiferença. Marciais quase todas, reproduzem tanto a bravura de um povo que relembra os tempos gloriosos de seus salões aristocráticos como o fracasso de quem é massacrado por numerosas guerras: analisá-las e interpretá-las é descrever uma parte da história da Polônia que Chopin tanto amou e pela qual tanto batalhou no campo raso de seu piano.

As origens da dança polonaise – também designada pollaca – perdem-se no passado. Acredita-se que sua primeira apresentação oficial tenha ocorrido na cidade de Cracóvia, em 1574, durante cortejo da nobreza ante seu novo rei, Henrique III de Valois. Mais tarde, os salões aristocráticos foram invadidos pelo elegante hábito de iniciar suas festas ao som dessa dança: o anfitrião convidava a mais nobre e respeitada das damas presentes (não necessariamente a mais formosa) para início do baile sendo, a seguir, acompanhado pelos restantes cavalheiros presentes, todos formando pares da mais alta estirpe, em procissão dançante pelo suntuoso salão, em elegante vestimenta.

O ano de 1810, que fez nascer Frederic Chopin na pequena vila de Zelazowa-Wola, nos arredores de Varsóvia, fez também da dança polonaise rainha suprema, mesmo com a existência de muitas outras formas musicais de dança espalhadas pela Europa. Adotada e explorada, inclusive por compositores como Bach, foi a polonaise a adotada pelo jovem Frycek no início de sua carreira na área da composição e improvisação: as Polonaises n.11 em sol menor e n.12 em si bemol maior, datadas de 1817, são formalmente consideradas suas primeiras composições e, como esperado, carecem do amadurecimento psicológico e emocional fortemente encontrados em suas polonaises posteriores. Após quase trinta anos, em sua veemente Polonaise em lá bemol maior, Op.61, “Polonaise-Fantaisie”, sua última obra para piano em grande escala, o quadro emocional traçado é bastante diverso.

A tão almejada liberdade política buscada por muitos poloneses reflete-se nesta obra, para desafio do artista, por sua extrema liberdade estrutural de expressão e forma, dificultando imensamente o encontro da exata coesão interpretativa. O pulso ternário chega a correr o risco de ser dirimido em seu rigor rítmico ou até mesmo esquecido pelos intérpretes que se deixam levar pela atmosfera nebulosa, temerosa e insegura densamente explorada no início da obra, e que representam uma verdadeira radiografia da personalidade interior do mestre polonês. Em aparente atitude contraditória, é como se Chopin transferisse suas dúvidas aos pianistas de todos os tempos, fazendo-os vivenciar sua incerteza na busca da verdadeira liberdade.

Liszt afirmou não haver nesta obra quadros luminosos ou animados, repleta de uma tristeza assustada. Saint-Saens, julgando excessiva a severidade da análise, enxergava a obra como um legado, um testamento de quem deixa esta vida, de confiança na imortalidade, próprios de quem vivenciou experiências amorosas repletas de instabilidade e de quem convive com o avanço crescente de uma tuberculose grave e incurável. De fato, Schumann condensou o estilo chopiniano ao defini-lo como “verdadeiras balas de canhão escondidas sob flores”.

Os anos 1845-1846 tinham deteriorado significativamente a situação emocional de Chopin pelo agravamento de sua relação amorosa com a escritora George Sand: não se previa a tão próxima ruptura. A obra Lucrecia Floriani, escrita e publicada pela escritora, funcionou, sem dúvida, como uma válvula de escape para relatar o peso opressivo de uma ligação que a paixão já não mais sustinha, mas acelerou o afastamento com suas descrições pouco cuidadosas do caráter do homem que estava tão perto dela e, ao mesmo tempo, tão longe. Certamente a lembrança do amor de suas inúmeras admiradoras – desde a pureza límpida do afeto com Constança Gladowska à intensidade da decepção pelo frio rompimento com Maria Wodzinski – somente serviu para avivar essa nova dor.

Um fator explicativo para entendimento das alternâncias anímicas encontradas nas Polonaises está baseado no claro discernimento que sua tuberculose lhe trazia sobre a transitoriedade desta vida, sobre a limitação dos bens deste mundo, traduzidos em necessidade de sentido para a existência, conduzindo-o a uma busca silenciosa de conversão e deitando raízes nos valores absorvidos dos lábios de seus pais durante o seu tempo de infância, musicalmente descritos nos acordes introdutórios de sua Polonaise-Fantaisie e repetidos de forma modulada e insistente nos compassos subseqüentes. Chopin era, definitivamente, um homem em busca. Entende-se melhor agora a enorme dificuldade de Chopin em encontrar um nome para esta obra.

CONTINUA…

 

Álvaro Siviero é considerado um dos mais talentosos pianistas da atualidade, reconhecido mundialmente pela excelência na interpretação de grandes compositores. Músico que participa ativamente do cenário brasileiro como camerista e solista, atuou diante de diversas orquestras nacionais e internacionais como a London Festival, Budapest Chamber, The City of Prague Philharmonic, Sinfonia Rotterdam, Salzburg Chamber, Academica de Madrid, I Musici de Montreal, entre outras. Foi o único brasileiro convidado a representar o Brasil no histórico Encontro Mundial de Artistas, celebrado na Capela Sistina, em Roma. Com especialização em Educação Multicultural pelo Lesley College, Cambridge, é também graduado em Física pela USP (www.alvarosiviero.com)

Afetos em notas e acordes

Opinião Pública | 10/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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Foto: Fernando Vivas / Ag. A Tarde.  Via Wikipedia.

Foto: Gustavo Lima em apresentação, tirada por Fernando Vivas / Ag. A Tarde. Via Wikipedia.

 

“Oh delícia, oh delícia!”…

Não, caros leitores, não se trata de um trecho retirado dos famosos “cinquenta tons” de E.L. James, mas sim do refrão de uma decantada música de uma dupla não menos decantada de sertanejos universitários, cujo sucesso, gostem ou não, é inegável.

Compartilho com os leitores que há pelo menos duas semanas, em razão de eu ter perdido os fones de ouvido que me garantiam uma passagem incólume – musicalmente falando – na van que me leva à universidade, incrementei meu repertório de músicas sertanejas universitárias, e aproveitei a ocasião para refletir sobre o quanto tais músicas espelham os comportamentos de grande parcela da sociedade, em especial dos mais jovens.

Nesse sentido, pude notar que esse gênero musical tem muitas semelhanças e características endêmicas, peculiares às canções “moderninhas”, como a coisificação e a submissão da mulher (“agora sou eu quem mando, agora eu quem decido, o que pode ou não pode, deixa comigo…”), a utilização do carro – há um cantor que tem até jatinho, então seria melhor entender carro como “meio de transporte” – como meio de conquista (bem, aqui basta o tal do camaro amarelo), a falta de compromisso e clandestinidade nas relações amorosas (“vai no banheiro, pra gente se beijar…”), dentre outras.

No entanto, o que mais caracteriza essas músicas é a alta carga de afetividade de seu conteúdo, que, colocando de lado o pouco de razão que ainda existe na vida do sujeito, torna-o alguém que tudo pode, máxime no campo da conquista, circunstância que certamente, somada à mulher e bebida alcoólica (fechando o combo), trará consequências que comumente vemos no dia a dia: acidentes no trânsito, testes de equilibrismo numa blitz – virando show para jornalecos –, mortes por overdose… Ou um filho nove meses depois.

A afetividade, que está intimamente ligada a essas canções, não é em si um mal, senão o seu exagero. Para Aristóteles, a natureza humana tinha três dimensões: a inteligência, a vontade e a afetividade. Todas, contudo, precisam funcionar de maneira equilibrada, isto é, com certa medida. O excesso descaracteriza a cada uma dessas dimensões, e, especificamente quanto à afetividade, sua exacerbação a transforma em sentimentalismo, “que é uma atitude imatura, deturpação da autêntica afetividade”.

Percebam que nessas músicas há sempre um “mocinho” que busca alguém não para amar, instituir um lar, enfim, construir uma relação duradoura, senão um relacionamento que tal qual raio se esvai no mesmo instante, quando muito no dia seguinte; quer-se sempre o prazer imediato, a todo custo, ainda que na humilde residência “a cama esteja quebrada e não haja cobertor”, para tecer homenagens ao cosmopolita Michel Teló…

O problema é que o sentimentalismo acaba ultrapassando as paredes da “balada” e encampando todas as decisões da juventude, porquanto hoje é preferível adquirir um carro a um diploma universitário, forjar uma fama de conquistador à de um grande profissional. Enfim, decisões que antes demandavam um cuidado na apreciação, em razão da importância e durabilidade que lhes são intrínsecas, hoje se renderam ao imediatismo, quando não são postas de lado e deixadas para a posteridade. Pretensões antes secundárias ganharam espaço privilegiado, e, se outrora custava encontrar e conquistar a “moça de fino trato” para constituir uma família, hoje se dispensa em lotes. Se elas são de fino trato já não é de minha incumbência verificar…

Dessa maneira, o sentimentalismo que permeia as músicas sertanejas atuais, ditas universitárias, não é saudável à juventude e apenas serve para fomentar grandes males que já assolam a nossa realidade, como o relativismo, o hedonismo, o consumismo, cujos reinados são gradualmente fortalecidos; essas músicas, difundidas principalmente no meio das futuras gerações, apenas sedimentam a falsa ideia de que o efêmero basta e de que o afeto domina a razão, afastando a harmonia que deve haver entre essas dimensões.

Por fim, é preciso reconhecer que nem tudo está perdido. Em sua recente música, Luan Santana – sim, ele mesmo! – demonstra que nem todos querem algo passageiro e que a mulher deve ser respeitada. Embora eu suspeite que ele esteja acometido do tal complexo de Don Juan, deixo-o, leitor, com uma parte da canção que, dentro das limitações do estilo, é um tanto razoável. Só cuidado para não se converter a um amante – no último grau de sentimentalismo – dessas canções: “(…) Ela quer alguém que leia seu sorriso antes de olhar seu decote/Ela vê suas amigas se entregando ao primeiro que aparecer/Numa tentativa boba de se preencher/Garotas querem mais amor de verdade, mais sinceridade”. Como se vê, o problema não está no estilo musical, mas nos cantores que ditam esse estilo.

Lázaro Fernandes é bacharel em Direito e membro do IFE-Campinas.

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Página A2 – Opinião, em 25 de Outubro de 2013.