“Oh delícia, oh delícia!”…
Não, caros leitores, não se trata de um trecho retirado dos famosos “cinquenta tons” de E.L. James, mas sim do refrão de uma decantada música de uma dupla não menos decantada de sertanejos universitários, cujo sucesso, gostem ou não, é inegável.
Compartilho com os leitores que há pelo menos duas semanas, em razão de eu ter perdido os fones de ouvido que me garantiam uma passagem incólume – musicalmente falando – na van que me leva à universidade, incrementei meu repertório de músicas sertanejas universitárias, e aproveitei a ocasião para refletir sobre o quanto tais músicas espelham os comportamentos de grande parcela da sociedade, em especial dos mais jovens.
Nesse sentido, pude notar que esse gênero musical tem muitas semelhanças e características endêmicas, peculiares às canções “moderninhas”, como a coisificação e a submissão da mulher (“agora sou eu quem mando, agora eu quem decido, o que pode ou não pode, deixa comigo…”), a utilização do carro – há um cantor que tem até jatinho, então seria melhor entender carro como “meio de transporte” – como meio de conquista (bem, aqui basta o tal do camaro amarelo), a falta de compromisso e clandestinidade nas relações amorosas (“vai no banheiro, pra gente se beijar…”), dentre outras.
No entanto, o que mais caracteriza essas músicas é a alta carga de afetividade de seu conteúdo, que, colocando de lado o pouco de razão que ainda existe na vida do sujeito, torna-o alguém que tudo pode, máxime no campo da conquista, circunstância que certamente, somada à mulher e bebida alcoólica (fechando o combo), trará consequências que comumente vemos no dia a dia: acidentes no trânsito, testes de equilibrismo numa blitz – virando show para jornalecos –, mortes por overdose… Ou um filho nove meses depois.
A afetividade, que está intimamente ligada a essas canções, não é em si um mal, senão o seu exagero. Para Aristóteles, a natureza humana tinha três dimensões: a inteligência, a vontade e a afetividade. Todas, contudo, precisam funcionar de maneira equilibrada, isto é, com certa medida. O excesso descaracteriza a cada uma dessas dimensões, e, especificamente quanto à afetividade, sua exacerbação a transforma em sentimentalismo, “que é uma atitude imatura, deturpação da autêntica afetividade”.
Percebam que nessas músicas há sempre um “mocinho” que busca alguém não para amar, instituir um lar, enfim, construir uma relação duradoura, senão um relacionamento que tal qual raio se esvai no mesmo instante, quando muito no dia seguinte; quer-se sempre o prazer imediato, a todo custo, ainda que na humilde residência “a cama esteja quebrada e não haja cobertor”, para tecer homenagens ao cosmopolita Michel Teló…
O problema é que o sentimentalismo acaba ultrapassando as paredes da “balada” e encampando todas as decisões da juventude, porquanto hoje é preferível adquirir um carro a um diploma universitário, forjar uma fama de conquistador à de um grande profissional. Enfim, decisões que antes demandavam um cuidado na apreciação, em razão da importância e durabilidade que lhes são intrínsecas, hoje se renderam ao imediatismo, quando não são postas de lado e deixadas para a posteridade. Pretensões antes secundárias ganharam espaço privilegiado, e, se outrora custava encontrar e conquistar a “moça de fino trato” para constituir uma família, hoje se dispensa em lotes. Se elas são de fino trato já não é de minha incumbência verificar…
Dessa maneira, o sentimentalismo que permeia as músicas sertanejas atuais, ditas universitárias, não é saudável à juventude e apenas serve para fomentar grandes males que já assolam a nossa realidade, como o relativismo, o hedonismo, o consumismo, cujos reinados são gradualmente fortalecidos; essas músicas, difundidas principalmente no meio das futuras gerações, apenas sedimentam a falsa ideia de que o efêmero basta e de que o afeto domina a razão, afastando a harmonia que deve haver entre essas dimensões.
Por fim, é preciso reconhecer que nem tudo está perdido. Em sua recente música, Luan Santana – sim, ele mesmo! – demonstra que nem todos querem algo passageiro e que a mulher deve ser respeitada. Embora eu suspeite que ele esteja acometido do tal complexo de Don Juan, deixo-o, leitor, com uma parte da canção que, dentro das limitações do estilo, é um tanto razoável. Só cuidado para não se converter a um amante – no último grau de sentimentalismo – dessas canções: “(…) Ela quer alguém que leia seu sorriso antes de olhar seu decote/Ela vê suas amigas se entregando ao primeiro que aparecer/Numa tentativa boba de se preencher/Garotas querem mais amor de verdade, mais sinceridade”. Como se vê, o problema não está no estilo musical, mas nos cantores que ditam esse estilo.
Lázaro Fernandes é bacharel em Direito e membro do IFE-Campinas.
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Página A2 – Opinião, em 25 de Outubro de 2013.