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A lógica do país dos elfos

Opinião Pública | 04/01/2017 | | IFE CAMPINAS

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Nas histórias fantásticas uma lei como a da gravidade pode ser quebrada, mas uma lei clássica como a da não-contradição ainda costuma permanecer inalterada. Nos contos de fada, uma criança pode voar, mas ainda não é possível a ela voar e não voar no mesmo instante, sob o mesmo aspecto. Um garoto pode ou não envelhecer, mas continua idêntico a si mesmo e distinto de qualquer outra criança. Um pequeno príncipe pode até ser o único regente de um asteróide, mas um desenho necessariamente ou representa ou não representa uma jibóia digerindo um elefante.

Se tais princípios lógicos são contextuais, pressupostos ou subjacentes às narrativas, às vezes a lógica é explicitamente empregada ou destacada. Por exemplo, na obra o Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, Pedro e Susana buscam o conselho do Professor a respeito de Lúcia, que afirmava ter encontrado Nárnia. O Professor exclama: “Lógica! Por que não ensinam mais lógica nas escolas?”. Raciocina sobre três possibilidades: ou Lúcia está mentindo; ou ela está louca; ou ela está falando a verdade. Ora, Lúcia não mente e obviamente não está louca, logo, devem assumir que ela está dizendo a verdade. E mais tarde acrescenta: “Eu gostaria de saber o que estas crianças aprendem na escola!”.

As perguntas do Professor são relevantíssimas, especialmente para nós brasileiros, que sentimos na pele o declínio do sistema educacional, crise após crise, reforma após reforma. Os Parâmetros Curriculares Nacionais praticamente não contemplam o ensino da lógica propriamente dita, atribuindo ao ensino de matemática a tarefa de desenvolver o “raciocínio lógico-matemático”. Pobres professores de matemática! Além da árdua tarefa de ensinar equações, funções, figuras planas e espaciais, etc, ainda lhes atribuem a responsabilidade de prover os rudimentos para o pensamento racional, anterior ao fazer matemático. Em resumo, pouquíssimos brasileiros, sejam estudantes, professores ou outros profissionais, conhecem efetivamente alguma coisa de lógica. Paradoxalmente, enquanto o Brasil produz pesquisa em matemática e em lógica de primeiro nível, a maioria da população não possui habilidade mínima nesses domínios.

Tal estado de coisas é muito grave. Se estiverem corretos os autores de subestimadas épocas ao afirmarem que o ser humano é o “animal racional” e de que a lógica é a “arte ou ciência que dirige a razão”, então somos obrigados a nos indagar sobre as consequências da carência de estudos de fundamentos de lógica. Se a lógica é a ética do pensamento e do discurso, como está nosso comportamento no domínio racional?

“Mas, a lógica não é tudo! Nem tudo é racional!”, podem dizer algumas pessoas, especialmente os dados à preguiça de pensar. De fato, a lógica não dá conta de tudo, mas consegue lidar com muita coisa e pode evitar ou pelo menos evidenciar uma série de aberrações. Por exemplo, na história recente, vimos o desenrolar de um processo de Impeachment. Nesses casos, nossa Carta Magna garante a existência de duas penas, a saber, a perda do cargo cumulada com a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. De um ponto de vista lógico, a norma constitucional poderia ser representada da seguinte maneira: “Se A, então B e C”, isto é, “Se houve crime de responsabilidade, então deve haver perda de cargo e inabilitação”. Como temos “A” (considerou-se a ré culpada de crime de responsabilidade), aplicando a regra denominada “Modus Ponens”, deveríamos ter “B e C”, isto é, “perda de cargo e inabilitação”. Todavia, magicamente temos “B e Não-C” (perda de cargo sem inabilitação). Parece que foi aplicada ou a ignorância; ou a lógica dos acordos; ou o rabo preso.

Apesar de sua relevância, a lógica não é uma ferramenta criativa, por isso necessitamos da imaginação para nos completar. Bons livros são um tesouro inestimável para o desenvolvimento da razão e da imaginação. Que tal uma viagem com Alice pelo País das Maravilhas para aquecer? Ou vamos deixar que “cortem nossas cabeças”?

Fábio Maia Bertato é Licenciado em Matemática, Doutor em Filosofia, Superintendente do IFE Campinas e Pesquisador do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp (fmbertato@cle.unicamp.br)

Apresentação Núcleo de Epistemologia e Ciência

Epistemologia e Ciência | 21/04/2014 | | IFE CAMPINAS

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Algo falso não pode ser conhecido. Portanto, a verdade é condição sine qua non para o conhecimento. Mas, o que é a verdade? Tal problema, assim formulado, ressoa a constante indagação efetuada por filósofos de todos os tempos. Dentre todas as possíveis respostas, há uma que merece destaque: a verdade é a adequação da coisa ao entendimento. Deste modo, se expressa a razão formal do verdadeiro, o que a verdade é em sua própria essência.

A origem e fundamento da verdade é o ser. A negligência do ser, que pode ser atribuída à parte significativa do pensamento moderno e contemporâneo, implica na perda do sentido da verdade. O seu entendimento em sentido estritamente prático, na forma de pragmatismo ou na identificação de teoria e práxis, é uma extrapolação perigosa, que se distancia do sentido autêntico de verdade. Do fato de uma coisa ser ou não ser, depreende-se o fato de ser verdadeiro ou falso o nosso entendimento. Se conhecer é apreender no entendimento a coisa como ela é, também é possível identificar outra dimensão da verdade: a sua reflexividade, ou seja, a verdade é conhecida pelo entendimento mediante a sua reflexão sobre o seu próprio ato.

Há na filosofia contemporânea, um renovado interesse pela verdade. Todavia, não se tem conseguido alcançar um equilíbrio entre adequação e reflexão, o que nos leva, por um lado, a um cientificismo positivista e, por outro, a um antropocentrismo subjetivista. Neste contexto, o núcleo de Epistemologia do IFE CAMPINAS tem como propósito fomentar a reflexão que contemple as duas dimensões supracitadas, no tratamento do problema da verdade e do conhecimento, evitando os extremos indicados.