Arquivo da tag: Cotidiano

image_pdfimage_print

[cinema] Paterson: A poesia no quotidiano

Cinema | 02/12/2017 | | IFE BRASIL

image_pdfimage_print

Fazia tempo que não publicávamos uma crítica de cinema. Pois bem, voltamos com uma crítica de nosso parceiro Pablo González Blasco.

Paterson. (2016). Diretor: Jim Jarmusch. Adam Driver, Golshifteh Farahani, Kara Hayward, Sterling Jerins, William Jackson Harper. 112 min.

Paterson - coverTinha lido a crítica no jornal e chamou-me a atenção o motorista poeta. Depois chegou um desafio desses que, como sem querer, te lançam no grupo de colegas da faculdade, por ter criado uma fama imerecida de crítico de cinema. Dizia mais ou menos assim: “Assisti a um filme minimalista do Jim Jarmusch “Paterson” que indico. Curiosamente, pelo site de cinema ImDb acessei uma crítica do filme em espanhol cujo resenhista se chama Pablo Blasco…embora sei que não é você”. Recolhi a luva, e a guardei para ver a melhor ocasião para o duelo. Pouco depois outro amigo me espetou: “Tenho o filme para você. Paterson. Veja e me diga o que lhe parece”. Não havia mais o que esperar, agora com duas luvas no bolso. O duelo -um modo de dizer- estava lançado, quase que em simultânea, como aquele primeiro onde D’Artagnan enfrenta os três mosqueteiros, chegam os guardas de Richelieu e acaba conquistando a confiança de Athos, Porthos e Aramis.

Sentei para ver o filme e respondi a estocada da segunda luva, de bate pronto. “Assisti Paterson. Impactante. Mas para público seleto. A poesia do quotidiano. A rotina que vira verso. Desprendimento e simplicidade contundente. E a força da vocação e da arte que nunca morre. Páginas em branco são sempre excelentes oportunidades”. Depois continuei pensando sobre o filme, e os pensamentos cristalizam nestas linhas, atrasadas, mas decantadas na serenidade rodeada da poesia que nos cuida e nos cura.

Paterson - 1Não sei se o filme seria a poesia no quotidiano ou melhor, transformar o afazer quotidiano em poesia, o que é muito mais difícil. Fazer da prosa diária poesia, como dizia um santo contemporâneo. Em qualquer caso, temos diante um ensaio que faz pensar, mas não é um filme intelectual, porque o quotidiano -a rotina mais chã- inunda todos os fotogramas. Um motorista de ônibus, interpretado por um ator de sobrenome Driver. Coincidência? O nome do protagonista é o mesmo da cidade onde vive e dirige o seu ônibus: Paterson. Também é o mesmo nome de uma série de poemas de William Carlos Williams que era nascido na região e, naturalmente, um ícone admirado pelo motorista.

Paterson - 2Rotinas tremendas, que se sucedem dia após dia, com uma meticulosidade que dá para ajustar o relógio. Tempos curtos, espremidos, do horário de trabalho, para alinhavar alguns versos no caderno que Paterson carrega sempre consigo. Enquanto esquenta o ônibus, depois do almoço, numa parada ao voltar para casa. E em casa está Laura, a esposa, sempre mudando o visual, mas sem sair dos tons em branco e preto. Uma variedade desafiante do que é possível fazer apenas com duas cores. A mulher que quer mudar tudo, transforma, mas não sai do bicolor. Como um avião na pista, corre, supera o carro de fórmula 1, mas falta-lhe puxar do mancho para decolar. O mancho é justamente a poesia, que permite ver as coisas com perspectivas diferentes, com altura, volume, relevo, enfim, profundidade insuspeitada.

Paterson - 3Houve conversas sobre o filme, que acabam decantando nestas linhas. Alguém me disse: “E o que você achou do contraste entre ele (sempre a mesma rotina) e a esposa (constante mutação), do tipo Parmênides X Heráclito?” Confesso que o touché que me chegou nesta comparação com os filósofos pré-socráticos fez-me pensar. E tive de responder à estocada com o primeiro que me veio à cabeça, também em moldes filosóficos:  “Sim, o branco e preto constante da Laura (que tem o nome da mulher ideal de Petrarca, não por acaso) é algo que me fez pensar. Ela muda, sim; mas conserva o padrão branco e preto, e com ele transforma absolutamente tudo. Não sei se é Heráclito e Parmênides, ou mais Aristóteles e Tomás de Aquino com a essência, substancia e os acidentes. Tem o que permanece e o que muda. Mas o fundo está lá”.

Paterson - 4Diz Fernando Pessoa, que muito entendia de poesia: “A vida é terra, e vive-la é lodo / Tudo é maneira, diferença ou modo/ Em tudo quanto faças sé só tu/ Em tudo quanto faças sé tu todo”. Somos rotina, pouca coisa, terra que os primeiros pingos das adversidades, transformam os sonhos em barro, nos melecamos por inteiro. Não há como evitar a condição de que somos pó, um recado bíblico, e voltaremos ao pó. A diferença é por nossa conta, a atitude que consegue transformar o pó rotineiro em verso romântico. A poesia conduz à reflexão que busca sentido no que faz diariamente, e justamente porque o encontra, dedica-se com afinco. A rotina -disse alguém- não é fazer as coisas de sempre, mas fazê-las ‘como sempre’. O que nos arranca da modalidade -do ‘como sempre’- é justamente o olhar poético. E essa atitude nos protege das vicissitudes -do lodo- que sempre chega, dos imprevistos, porque conseguimos chegar mais longe com a perspectiva poética.

Paterson - 5Sem perder a condição de pó sofredor, de poeira que outros pisam ao caminhar, mas com a dignidade de quem sabe se elevar por cima do rasteiro e trivial. Vem à minha mente -esse é o risco da poesia, que uma puxa outra- os versos do poeta espanhol, Quevedo, quando fala da morte, e que estampo no original pela força que leva dentro: “Cerrar podrá mis ojos la postrera sombra que me llevare el blanco día (…)Alma a quien todo un Dios prisión ha sido, venas que humor a tanto fuego han dado/ médulas que han gloriosamente ardido, su cuerpo dejará, no su cuidado/ serán cenizas, mas tendrán sentido/ polvo serán, mas polvo enamorado”. Reduzidos a pó, após a morte, mas com o palpitar presente que fazem dos restos pó enamorado, cinzas com sentido, nas que permanece o mesmo cuidado estético e apaixonado.

Paterson - 6A poesia do quotidiano, o caderno do motorista Paterson, evoca aqueles flash-mobs que encontramos no Youtube, onde no meio de uma praça, no mercado municipal, começam a soar acordes e de repente surge o brinde de La Traviata, o coro dos peregrinos de Nabuco, o Hino da Alegria, da nona sinfonia de Beethoven. E lá, entre o açougue e a peixaria, com roupas do ofício, marcadas e fétidas, tenores, sopranos e barítonos configuram um cenário lírico impensável em aquelas circunstâncias. E some o cheiro a peixe, a sujeira, enquanto o gari se transforma em Alfredo que convida a Violeta (até o momento a feirante de frutas) a abandonar a vida frívola e acompanha-lo nas aventuras do amor. Sem trocar de roupa, sem cenários, ao natural, porque a enxurrada artística releva os detalhes da rotina.

Paterson - 7Houve quem disse que depois de Auschwitz a poesia não teria vez. E outros que, diante das carências humanas, se perguntavam qual o sentido da poesia em tempos de miséria, pois não enche as barrigas. Vendo Paterson e sentindo a dimensão da poesia fica claro que a colocação é justamente a contrária: a poesia nos salva do naufrágio no quotidiano, da miséria humana -própria e alheia- porque é alavanca que permite levantar-se sobre a poeira que nos cega e irrita. Outra lembrança abre-se espaço na memória: a figura de Mandela preso na cela, naquele filme superior de Clint Eastwood, Invictus, enquanto se escutam os versos de Henley: “Eu sou o mestre do meu destino, eu sou o capitão da minha alma”.

Paterson - 8

Os clássicos afirmavam que o homem é um ser que esquece. E para remediar esta quase amnésia vital, Zeus, o rei dos deuses, criou as musas e as artes como recurso para recordar. Esquecemos sim, mas não dos detalhes e das bobagens, nem das ofensas que levamos com cuidadosa contabilidade no coração que vai se azedando. Esquecemos do essencial: quem somos, para que servimos, qual é o sentido da nossa vida. E nos redemoinhos da desorientação, buscamos absurdamente respostas no Google, mendigamos consolos nas redes sociais, corremos sem nos perguntar onde vamos. “Bene curris, sed extra viam” -dizia Santo Agostinho, em frase de impacto que dispensa a tradução. E esquecemos que as respostas estão no poema, no quadro, na música.

Anota Wittgenstein que daquilo que não se pode falar, melhor é calar. Do que não se pode falar de maneira científica, é melhor calar e mostrar: o amor, a piedade, a luta pelo bem, a mística. Calar-se para viver com obras, com sentimentos, com alegrias e tristezas, todo esse capítulo humano para o qual não existe ciência, mas sim sabedoria. Essa é a dimensão que a poesia nos oferece. Essas são as páginas em branco do caderno de Paterson, que vai recheando no meio do tedioso itinerário do ônibus, e as que cada um de nós tem de preencher para fazer da nossa vida, simples, um belo poema que encante, anime os outros, e faça um mundo melhor. Sim, precisamos de poesia, justamente hoje: essa é a diferença e o modo que Pessoa nos recomenda para safar-se do lodo. Uma decisão que vale a pena -diz ele- se temos magnanimidade, se a alma não é pequena.

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Publicado originalmente em <http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2017/12/01/paterson-a-poesia-no-quotidiano/> Acesso em 01/12/2017.

A arte da província

Opinião Pública | 18/05/2015 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

IMG_58094790274969

Viver no interior reserva algumas surpresas. Ainda é possível encontrar em alguns rincões hábitos e costumes que preservam a “arte de viver”, tão desprezada pelos nossos tempos modernos. Em gestos simples ressoa o espírito de pessoas integradas à natureza das coisas e que enfrentam a vida com coragem e singela alegria, pois preservam uma sabedoria que não aprenderam em nossas escolas e universidades.

Numa tarde, na avenida da cidade, encontrei a pequena porta de uma casa velha, daquelas em que as portas e janelas dão direto para a rua e que lembram que já houve uma época em que não precisávamos de muros e grades. Eu levava meus sapatos para o conserto e fui recebido com um sorriso pelo sapateiro dono da casa. Com paciência ouviu o que precisava, tomando-os nas mãos, respeitoso como se segurasse uma obra de arte. Três dias depois, quando voltei, levantou-se da cadeira entusiasmado ao me ver entrar, chamando-me pelo nome. Com brilho nos olhos mostrou-me o serviço pronto e descreveu os detalhes, passando os dedos sobre o couro, contente com seu trabalho. Com os braços esticados, afastou o olhar admirando os sapatos quase novos e suspirou: Que beleza! Então, deu o preço, recebeu o dinheiro e despediu-se oferecendo seus préstimos para quando eu precisasse.

Saí dali constrangido. Percebi que não sabia o seu nome. Sentia-me culpado. Eu era um mero consumidor, um cidadão bem consciente de seus direitos e deveres, que simplesmente queria a prestação eficiente de um serviço. O ambiente que encontrei era hostil. Não havia filas, nem caixas, nem mocinhas bem treinadas perguntando-me se vou pagar em dinheiro ou cartão ou se vou querer meu CPF na nota fiscal. Não me ofereceu nenhuma promoção, não me empurrou produtos (não tinha metas a cumprir) e não vi o exemplar do Código de Defesa do Consumidor sobre o balcão. Havia balcão?

Dentro do carro, ainda defronte à estranha sapataria, lembrei-me de um restaurante, muito diferente dos que normalmente encontro por aí, principalmente em praças de alimentação de shopping centers. A cozinheira nos recebeu no carro. Apresentou-nos o lugar, com cerca bem feita, animais no curral, lago, pomar, tudo inspirando beleza, cuidado e trabalho. Tomamos suco de carambola, bolo de cenoura e pão-feito-em-casa. Mesa rústica, com cadeiras duras, sem cardápio. Ela nos serviu, depois veio sentar-se conosco, tendo gosto de nos ver comer sua comida e prosear. Uma comida saborosa feita toda ali, nascida naquela terra, com aquele suor. Que ela nos oferecia, como quem oferece um presente. Quanto pagamos? Não posso lembrar. Nem se registrou o momento da entrega do dinheiro. Foi apenas um detalhe pequeno que se apagou neste dia de visita. A cozinheira, uma anfitriã. Poucos almoços me foram tão felizes.

Alguns podem neste momento sentir-se convocados a levantar uma bandeira e dar um grito de ordem, exigindo passeatas em nome da paz, da gentileza ou não sei mais o quê. Lamento decepcionar, mas não tenho um plano para um mundo melhor, uma pauta de reivindicações, nem pretendo conscientizar ninguém sobre nada. Outros talvez me acusem de romântico e sonhador, esquecendo-se de que lhes narro fatos reais da minha experiência, ocorridos há poucos meses.

Dou apenas o testemunho daquilo que vi pela pequena janela de onde contemplo o mundo, às vezes com a sensação de que somos uma geração de monstros, navegando à deriva, em direção ao caos. Quando, em plena era digital, entre fabulosas máquinas, largas avenidas e arranha-céus, recebi uma centelha de esperança no encontro com um sapateiro e uma cozinheira, que me abriram as “portas da percepção normativa”, na expressão do “man of letters” Russell Kirk, devolvendo-me à normalidade e à ordem.

Para o grande filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, as metrópoles são o “primeiro capítulo” de uma época de decadência, pois enquanto as províncias continuam a ser as “guardiãs das culturas”, aquelas representam a “depressão de todos os valores do homem”, substituídos por “brilhos de moeda falsas”. Pergunto-me se estas províncias e metrópoles são definidas em mapas ou são estados de alma, cultivados em todos os lugares. Não duvido que seja possível encontrar muitos destes sapateiros e cozinheiras vivendo nos bairros das grandes metrópoles do mundo. Na verdade, tenho firme esperança de encontrá-los, pois creio que o nosso futuro está nas mãos destes homens de província.

João Marcelo Sarkis, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), analista jurídico do Ministério Público de São Paulo, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 06 de Dezembro de 2013, Página A2 – Opinião.

A diferença possível

Opinião Pública | 24/02/2015 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Outro dia, enquanto comentava com um grupo de amigos sobre a atual situação de nosso País, um deles perguntou com sinceridade: como ensinar aos nossos filhos a honestidade com tantos maus exemplos? No calor da conversa, muitas coisas ficaram por ser ditas. E essas palavras buscam ser não uma resposta, mas uma consideração pessoal em torno do tema.

Permita-me o leitor, uma pequena digressão para que o meu ponto de vista se torne mais claro. Conta Cícero, o grande filósofo e orador romano, que na Grécia antiga havia um músico, um tocador de cítara, chamado Aspêndio. Tinha fama de ser um excelente artista. Contudo, poucos tinham o privilégio de ouvi-lo, visto que tocava tão baixo que ninguém conseguia escutá-lo.

De fato, hoje encontramos muitas boas pessoas, honestas e trabalhadoras. Amam os seus filhos e são capazes de grandes sacrifícios por eles. Contudo, muitas vezes eles – e por que não eu, e não você? – são omissos, assim como o “genial” Aspêndio. Um belo poema de Cecília Meireles, intitulado “Os pusilânimes” retrata de forma crua essa situação: “Ó vós, que não sabeis do Inferno, olhai, vinde vê-lo, o seu nome é só – pusilanimidade.”

Essa condenação de pusilanimidade, que pode ser definida como a falta de coragem – covardia – para reagir, tem sua razão de ser. Da pessoa que faz o mal, como vemos nesse novo escândalo da Petrobras, pode-se esperar nada ou muito pouco. Porém, daqueles que buscam viver uma vida reta, espera-se muito, porque podem fazer muito.

Talvez o mau um dia se arrependa, pois cometeu diversos crimes. Mas o omisso parece ser um náufrago num mar de lamentações e parece nunca se arrepende, pois possui uma autoimagem positiva.

Talvez estejamos mesmo mergulhados em águas poluídas. Contudo, é possível, no dia a dia, fazer muito. Nós, os Aspêndios, precisamos nos convencer que não vamos acabar com a fome no mundo, com a corrupção, o crime e todas as demais loucuras humanas. Mas podemos fazer a diferença na vida de poucas pessoas que, multiplicadas pelo exemplo positivo, podem ser muitas. Explico-me.

Um comentário positivo a respeito de um colega de trabalho, em vez de um negativo a respeito de outro, pode ajudar a modificar um ambiente desagradável, marcado pela competição e pela inveja. Enquanto escrevo, escuto alguns pais brincando com os filhos pequenos na rua: o menino de dois anos chuta a bola e o pai exclama: “Muito bem”. Certamente esse pai chegou cansado do trabalho, mas quer fazer a diferença na vida do seu pequeno. Ser presente. Estar presente, que a etimologia da palavra nos lembra que é “estar ao alcance”.

Após a decepção das grandes utopias dos anos 60 e 70, que prometiam um mundo novo para quem se “engajasse na causa”, parece haver duas grandes correntes de pensamento digladiando-se na atualidade.

Uma acredita que a ação individual não é capaz de interferir no curso dos acontecimentos. Assim, a única postura possível é a de um egoísmo digno, ou seja, o individualismo: de que adianta economizar água se o Governo do Estado é incapaz de, por exemplo, consertar as tubulações antigas que causam grandes vazamentos e desperdício? De outro, os que pensam que a ação individual é fundamental: o que eu posso fazer já que muitos não fazem nada, especialmente o Poder Público?

Voltando ao início dessas considerações, a desonestidade de muitos pode corromper outros tantos. Contudo, o que fica gravado na memória de uma criança são os atos que ela presenciou. Não o que estranhos fizeram ou disseram, mas o bem daqueles que lhe são caros.

Agir nas situações que estão ao nosso alcance, apesar de todas as limitações que cada um possui, parece ser o único caminho. Há os que, como Aspêndio, têm medo de agir. Há os que roubam a cítara e se possível roubariam também a música. E há aqueles que cantam. Talvez não seja a melhor voz de todas. Mas é a possível.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE-Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 22/01/2015, Página A2 – Opinião.