A diferença possível


Outro dia, enquanto comentava com um grupo de amigos sobre a atual situação de nosso País, um deles perguntou com sinceridade: como ensinar aos nossos filhos a honestidade com tantos maus exemplos? No calor da conversa, muitas coisas ficaram por ser ditas. E essas palavras buscam ser não uma resposta, mas uma consideração pessoal em torno do tema.

Permita-me o leitor, uma pequena digressão para que o meu ponto de vista se torne mais claro. Conta Cícero, o grande filósofo e orador romano, que na Grécia antiga havia um músico, um tocador de cítara, chamado Aspêndio. Tinha fama de ser um excelente artista. Contudo, poucos tinham o privilégio de ouvi-lo, visto que tocava tão baixo que ninguém conseguia escutá-lo.

De fato, hoje encontramos muitas boas pessoas, honestas e trabalhadoras. Amam os seus filhos e são capazes de grandes sacrifícios por eles. Contudo, muitas vezes eles – e por que não eu, e não você? – são omissos, assim como o “genial” Aspêndio. Um belo poema de Cecília Meireles, intitulado “Os pusilânimes” retrata de forma crua essa situação: “Ó vós, que não sabeis do Inferno, olhai, vinde vê-lo, o seu nome é só – pusilanimidade.”

Essa condenação de pusilanimidade, que pode ser definida como a falta de coragem – covardia – para reagir, tem sua razão de ser. Da pessoa que faz o mal, como vemos nesse novo escândalo da Petrobras, pode-se esperar nada ou muito pouco. Porém, daqueles que buscam viver uma vida reta, espera-se muito, porque podem fazer muito.

Talvez o mau um dia se arrependa, pois cometeu diversos crimes. Mas o omisso parece ser um náufrago num mar de lamentações e parece nunca se arrepende, pois possui uma autoimagem positiva.

Talvez estejamos mesmo mergulhados em águas poluídas. Contudo, é possível, no dia a dia, fazer muito. Nós, os Aspêndios, precisamos nos convencer que não vamos acabar com a fome no mundo, com a corrupção, o crime e todas as demais loucuras humanas. Mas podemos fazer a diferença na vida de poucas pessoas que, multiplicadas pelo exemplo positivo, podem ser muitas. Explico-me.

Um comentário positivo a respeito de um colega de trabalho, em vez de um negativo a respeito de outro, pode ajudar a modificar um ambiente desagradável, marcado pela competição e pela inveja. Enquanto escrevo, escuto alguns pais brincando com os filhos pequenos na rua: o menino de dois anos chuta a bola e o pai exclama: “Muito bem”. Certamente esse pai chegou cansado do trabalho, mas quer fazer a diferença na vida do seu pequeno. Ser presente. Estar presente, que a etimologia da palavra nos lembra que é “estar ao alcance”.

Após a decepção das grandes utopias dos anos 60 e 70, que prometiam um mundo novo para quem se “engajasse na causa”, parece haver duas grandes correntes de pensamento digladiando-se na atualidade.

Uma acredita que a ação individual não é capaz de interferir no curso dos acontecimentos. Assim, a única postura possível é a de um egoísmo digno, ou seja, o individualismo: de que adianta economizar água se o Governo do Estado é incapaz de, por exemplo, consertar as tubulações antigas que causam grandes vazamentos e desperdício? De outro, os que pensam que a ação individual é fundamental: o que eu posso fazer já que muitos não fazem nada, especialmente o Poder Público?

Voltando ao início dessas considerações, a desonestidade de muitos pode corromper outros tantos. Contudo, o que fica gravado na memória de uma criança são os atos que ela presenciou. Não o que estranhos fizeram ou disseram, mas o bem daqueles que lhe são caros.

Agir nas situações que estão ao nosso alcance, apesar de todas as limitações que cada um possui, parece ser o único caminho. Há os que, como Aspêndio, têm medo de agir. Há os que roubam a cítara e se possível roubariam também a música. E há aqueles que cantam. Talvez não seja a melhor voz de todas. Mas é a possível.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE-Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 22/01/2015, Página A2 – Opinião.