[sátira] Carreiras para nossos filhos – por Evelyn Waugh

Literatura | 03/11/2017 | | IFE BRASIL

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O jornalista completo.

Segredos do sucesso na imprensa

Na semana passada, contei a você como tornar-se um repórter junto a um dos nossos jornais populares. Em um mês, mais ou menos, você estará apto a identificar-se com aquela inefável organização de influência oculta e regeneração moral, “A Imprensa”; você estará apto a fazer um telefonema a pessoas totalmente estranhas usando o mágico “Daily Excess falando” e terá a certeza de que será ouvido respeitosamente; a sua palavra mais singela reverberará até a última mesa de café da província, constituindo e depondo governos, criando novos estilos para a decoração das mesas e para o mobiliário dos berçários, censurando romances, descobrindo assassinos, dissecando os segredos mais profundos da vida nacional. Ao redor da sala dos repórteres você verá também jornalistas. Perdido em sonhos de poder oriental, você espera ser chamado para tomar parte no trabalho.

Pode ser que você tenha de esperar um bom tempo. Qualquer dia, num dos escritórios do periódico, pode ser que um velhinho seja visto revirando os arquivos com um olhar de expectativa e, de vez em quando, virando-se para a porta do editor. Ele tinha sido contratado temporariamente durante a guerra, na época em que os jornalistas eram um produto escasso. Até obteve certa vez um quarto de coluna com uma entrevista com um chefe de estação cujo filho tinha capturado um espião. Desde então o jornal mudou de dono, editores vieram e se foram, mas ele continua a alimentar esperanças de conseguir mais uma “matéria”.

Muito depende de como você passa os primeiros dias no escritório. Há um certo número de pessoas que conseguem ficar sem fazer nada por um longo período sem parecerem entediadas. A seu tempo, essas almas privilegiadas serão presenteadas com todas as manifestações da prosperidade mundana. Enquanto espera por trabalho, você é confrontado com o duplo problema de manter-se animado e de permanecer sóbrio. Só aos repórteres mais experientes é permitido ficar bêbado no escritório.

Eventualmente uma “matéria” lhe será concedida. Você verá o editor do jornal se aproximando: “Ei, Waugh”, dirá talvez ele, “acabaram de achar um cadáver de mulher em uma das Salas de Escultura da Academia Real. Você pode sair e ir atrás do assassino”, ou “Aqui está um novo romance escrito por um cara que uma vez esnobou o editor. É só sentar aí e banir o livro, pode ser? Bom garoto”, ou então “Estou te mandando hoje à noite de avião para o Porto Said. Queremos uma série de artigos sobre a vida noturna na parte nativa”.

É possível que ele peça algo assim; mas é mais provável que seja algo do tipo, “Ei, dá pra ir até o zoológico e escrever uma matéria sobre como os animais estão se preparando para o Natal?” (na verdade essa é uma das favoritas dos editores), ou “Estão abrindo uma nova represa em Hendon. Acho que não deve dar uma matéria, mas seria bom você aparecer a fim de evitar que alguém se afogue”, ou “Dizem que vai haver uma nova moda em matéria de suíças para homens. Consiga algumas opiniões a esse respeito – uma atriz, um bispo, uns fidalgos”.

Em casos desse tipo, o procedimento correto é ficar imediatamente de pé, tomar o chapéu e o guarda-chuva e cair fora do escritório como quem corre apressadamente para o cinema mais próximo. Geralmente de nada adianta entrevistar pessoas. Se se tratar de gente interessante, eles não vão querer encontrar você; e se eles recusaram uma entrevista, é bem possível que dêem uma olhada no seu jornal no dia seguinte. O que se deve fazer é simplesmente ir até um cinema, sentar-se por uma hora ou algo assim, fumar um cachimbo e pensar no que poderiam ter dito. Mesmo que o bispo em questão de fato olhe o seu jornal no dia seguinte e descubra que ele está fazendo o possível para banir o uso de suíças na sua diocese, é improvável que ele vá fazer algo a respeito.

O jornalismo das colunas sociais é uma arte à parte, algo com o qual qualquer homem ou mulher jovens podem ganhar muito dinheiro. Duros comentários são feitos sobre a “venda de amigos” por aqueles que nunca são vendidos. A verdade, é claro, é que a sociedade secretamente adora a publicidade a seu respeito. Quando você se tornar conhecido como o “Sr. Fofoca do Daily Express” a sua publicidade social estará assegurada, e então convites vindos de gente completamente estranha cobrirão a decoração da sua lareira.

Aquela idéia popular de um convidado não desejado, escondido atrás de cortinas e palmeiras usando roupas de aluguel para eventos noturnos, rabiscando os escândalos dos grandes em seu bloco de anotações, pode ter tido o seu fundamento no passado; mas hoje as coisas são bem diferentes. Sua maior dificuldade é evitar ferir os sentimentos daquelas coisinhas espertas que clamam pela sua atenção. “Pobre Peter”, elas dizem, “ele realmente não está bem de vida, e é tão corajoso tentando se sustentar. Seria uma boa ajudá-lo quando for possível. Quer saber? Vou ligar para ele e dizer o que vou usar hoje na casa da Sra. C.”. Clubes noturnos “fechados” imploram para que ele peça admissão; restaurantes lhe oferecem refeições; famosos retratistas oferecem surpreendentes detalhes sobre as suas vidas privadas. Seu telefone toca continuamente enquanto vozes ansiosas trazem “rumores” sobre seus próprios relacionamentos; todos estão loucos para ajudá-lo.

Entretanto, a sua carreira durará pouco. E lá estão as baronesas alucinadas lutando por um lugar nas animadas danças-da-cadeira da Fleet Street. Nomes tendem a se repetir na sua coluna na medida em que as pessoas da sua relação se tornam mais insistentes; ele colocará uma fotografia da fidalga viúva Lady C. com a inscrição “Lady C., uma das Pessoas Jovens de Destaque que pode ser vista todas as noites no Cocktail Club”. Algo dará errado e ele terá de procurar uma nova carreira.

Literatura.

O caminho para a fama

Há muito o que dizer em favor das Artes. O que elas têm de exclusivo é oferecer a única carreira em que o fracasso comercial não é, necessariamente, algo negativo. Uma aparência desgastada e uma vida irregular são não só perdoáveis ao artista, mas também algo que se espera dele. A Arte oferece a justificativa certa para uma preguiça profunda e prolongada, e em caso de sucesso traz uma recompensa bastante desproporcional ao esforço despendido.

De todas as Artes, a mais recomendada ao jovem iniciante é a literatura. A pintura é uma bagunça; a música é barulhenta; e as artes aplicadas e o artesanato exigem um certo nível de habilidade. Já a arte de escrever é limpa, silenciosa, e pode ser praticada em qualquer lugar, a qualquer tempo e por qualquer pessoa. Tudo aquilo de que você precisa é um pouco de tinta, uma folha de papel, uma caneta e um vago conhecimento de ortografia. Até esta última não é necessária caso você empregue um datilógrafo competente.

Tudo o que você precisa fazer é escrever “Capítulo Um” no cabeçalho da sua folha de papel e de agora em diante, para o melhor ou para o pior, você é um escritor. Muitos não irão além disso.

O melhor livro para se começar é uma biografia. Se você quer ser bem sucedido com ela, escolha como assunto alguém muito famoso sobre o qual se tem escrito muitos livros. Muitos escritores jovens cometem o erro de escolher algum clérigo do período carolíngio ou um viajante do século XVIII. Eles acabam ficando profundamente interessados no seu tópico de estudo, passam dias sombrios na Sala de Leitura do Museu Britânico e escrevem uma obra elegante, cuidadosamente documentada. Mas ela faz sucesso? Não. A razão é que ou o editor nunca ouviu falar do seu clérigo ou viajante, e deste modo não se dá ao trabalho de mandar escrever uma resenha do livro, ou então ele caiu nas mãos de alguém que pessoalmente se tinha sentido atraído pelo personagem, sabe a respeito dele tanto como você e achou melhor escrever ele mesmo o livro. Nesse caso ele pulará sobre todas as inevitáveis inexatidões com terrível severidade.

Por outro lado, se você escolhe alguém como Disraeli ou Shakespeare ou Pitt, o Velho [1], pode ter certeza de que terá o que chamam uma “acolhida respeitosa”. Isso significa que todos os críticos famosos que escrevem artigos semanais em periódicos eruditos verão no seu livro uma deliciosa oportunidade de mais uma vez emitir as suas excelentes opiniões sobre Disraeli ou Pitt, ou sobre quem quer que seja que você tenha escolhido. Toda vez que a vida de alguém realmente famoso é publicada, eles vêm com aquele velho artigo que escreveram quando estudavam em Oxford. São duas colunas fáceis para eles e, se estiverem se sentindo amáveis, mostrarão a sua gratidão escrevendo um prefácio aos seus ensaios com alguma pequena alusão ao seu livro. “Um novo escritor, vindo ao seu mister com jovial exuberância mas maduro entendimento”, eles escreverão, “novamente trouxe a lume a sempre atual e fecunda questão que envolve Pitt, o Velho”.

Você não ganhará muito dinheiro com esse primeiro livro, mas irá obter toda uma lista de comentários gentis que o seu editor poderá estampar na contracapa do próximo a ser publicado. Este deverá ser um romance, de preferência um que seja levemente perturbador. Sua biografia fez de você um “homem de letras” e deixou clara a sua integridade de propósitos. Editores que viram a referência respeitosa a você feita por alguns críticos de nota sofrerão de letargia ao pensarem em banir o seu livro.

As resenhas não preocupam muito quando se trata de um romance. O importante é fazer as pessoas falarem dele. Você pode fazê-lo forçando a sua entrada nos jornais de outro modo. Tente atravessar o Canal; seja preso injustamente em um parque público; desapareça. Há inumeráveis meios de atrair a atenção do público. De qualquer modo, um grave acidente em um vendaval deve ser suficiente para assegurar-lhe uma comissão para uma série de artigos sobre “A Igreja” ou tópico semelhante.

Daí em diante a sua fama está assegurada. Pedirão o seu conselho por telefone a respeito de questões atuais; fotógrafos oferecerão poses complementares; você será inundado de cartas de viúvas de clérigos morrendo de fome oferecendo-se para trabalhar para você como datilógrafas, caso ganhem uma máquina de escrever e um curso por correspondência. Pedirão a você que dê uma palestra nos Estados Unidos e que dê consultoria especializada nos tribunais, e os restaurantes lhe pagarão para colocar no seu próximo livro cenas de sedução envolvendo seus estabelecimentos.

Finalmente, após uma vida feliz e plena, você poderá esperar um título de nobreza, uma pensão na Listagem Civil e um funeral na Abadia de Westminster, desde que você jogue as suas cartas com sucesso no início.

Educação.

Algumas verdades sobre o ensino

Uma coisa esplêndida na educação é que todo mundo a deseja; e, assim como a gripe, ela pode ser transmitida a qualquer pessoa sem que nos livremos dela. Quando chegamos à idade em que nos tornamos insuportáveis em casa, somos mandados às escolas e lá retidos enquanto nossos pais ainda tenham dinheiro. Se eles são realmente ricos, podem continuar “educando-nos” por toda a sua vida, mandando-nos de universidade a universidade pelo mundo afora. Do ponto de vista deles, as vantagens da educação são enormes. Através de um expediente muito simples eles se livram das responsabilidades morais e inconvenientes físicos de nos terem em casa. Quando acabamos na cadeia, eles podem dizer: “Muito bem, muito bem, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Nós lhe demos uma excelente educação”.

Tendo sido educado, você nunca passará fome; você pode sempre, chegando a sua vez, educar. Por irregular, mal pago e muitas vezes absurdamente ridículo que seja o emprego de professor, ele está sempre acessível – sejam quais forem os nossos fracassos na vida. É o grande privilégio, que não pode ser perdido por nenhuma desventura ou desgraça. É o orgulhoso direito do inglês instruído de instruir os outros.

Certa feita, tive a oportunidade de conversar com um homem de meia idade que parecia já ter sofrido todos os infortúnios que podem atingir um homem na vida civilizada. Ele fora expulso da sua escola pública por roubo e mandado a Cambridge em razão de um alcoolismo crônico; fora réu em dois casos de divórcio e cumprira pena de trabalhos forçados por chantagem; fora privado do seu salário durante a guerra por crimes demasiado terríveis para serem aqui mencionados e salvo da pena de morte em razão de deserção por intervenção do Armistício. “Então veja só”, concluiu ele, “não havia outra saída a não ser me tornar professor”. Naquela ocasião ele dava aulas de futebol e geometria numa escola particular de sucesso. “Não ficarei muito tempo nesse emprego”, ele admitiu, “mas eles sempre me mandam embora com uma boa recomendação e a ficha limpa. O senhor compreende, eles não ousam admitir terem empregado um sujeito tão perverso como eu. Isso é ruim para a reputação da escola”.

Nunca se deve pensar que é fácil a vida de um professor de escola. Bem ao contrário. As escolas particulares inglesas são para as classes instruídas o que os miseráveis asilos paroquiais [2] são para os miseráveis. O alívio é oferecido a todos os que queiram se aproximar, mas concedido na forma mais intragável que seja possível. As primeiras horas, a relação próxima com homens tão degradados e banidos do reino da Esperança como você, as risadas sarcásticas e o desprezo de garotinhos incansáveis, a grosseira petulância das matronas e das esposas dos diretores, tudo isso e muitos outros incômodos menores, demasiado numerosos para serem referidos aqui, são o preço que você precisa pagar apenas para sobreviver.

Os diretores, ao contratá-lo, admitirão livremente que “não há futuro nisso aí”. Ninguém sabe como ou onde os diretores de escolas particulares morrem; talvez, quando se tornam muito velhos para ir adiante, sejam discretamente incinerados pelos alunos.

Todavia, algumas escolas são menos ruins do que outras, e um velho guerreiro sempre acaba por descobrir meios de mitigar alguns dos desconfortos mais agudos. A coisa mais fácil do mundo é conseguir um emprego. Você se inscreve numa agência e ela o apresenta a alguns diretores. Vista-se limpa e pacificamente para a entrevista e escolha a gravata para garotos de alguma escola pública de boa reputação. Não deixe o diretor interrogá-lo a respeito da sua pessoa. Tome a iniciativa e comece a perguntar-lhe a respeito da sua escola. Qual o tamanho da piscina? Qual a porcentagem dos garotos que aprendem música? Quantas partidas eles ganharam no último período? Quais são as chances de se conseguir um jogo de golfe de quando em vez? O vigário local é da High Church? [3]

Deixe muito claro que é você que o está entrevistando. Depois de uns 10 minutos, diga: “Bem, tive uma boa impressão a respeito da sua escola, e acho que ficarei contente por trabalhar lá. Quando começa o próximo período letivo?” Ele dirá um tanto hesitante, “Ah, e sobre o salário?” Diga: “Mil e quinhentos, mais lavanderia”. Então ele dirá: “Está bem”.

Quando chegar à escola, lembre-se de se comportar como um homem mundano diante de seus colegas. Compare a escola com as outras em que você já esteve de modo desfavorável, e sugira que você só permanecerá nela por um ano mais ou menos, até que o seu tio venha a falecer deixando-lhe uma bela fazendinha no norte. Eles não lhe darão crédito, mas esse é o tipo de malandragem que eles esperam de você; ela preserva a auto-estima da sala dos professores. Narre alguns dos seus bons “excessos” nos lugares “quentes” e sugira alguns casos amorosos.

Com os garotos é essencial assumir uma atitude de severidade inflexível desde o início. Qualquer sugestão de bom humor ou humanidade contribuirá para o seu descrédito. Castigue o primeiro garoto que cochilar ou deixar cair um livro. O uso desse método durante aproximadamente uma semana estabelece a correta atmosfera de submissão hostil. A partir disso você conseguirá fazer com que as coisas sigam o seu curso natural. Certa feita eu tive aulas com um professor de matemática cuja fórmula invariável, logo ao entrar na sala, era “Abram os seus livros de Álgebra na página 116. Leiam a explicação sobre as equações simples. Façam o máximo que conseguirem de cada exercício. Confiram as suas respostas e me entreguem as suas anotações ao final de uma hora”. A seguir, abria um dos romances do Sr. Nat Gould [4] e passava o resto do tempo em paz.

É de boa praxe escrever um tipo qualquer de diagrama na lousa em caso de inspeção. A maioria dos diretores, entretanto, acaba por chegar à conclusão de que esse tipo de visita mais atrapalha do que melhora a reputação da escola.

Crime.

Como ser rico e desonesto

Afinal de contas, não há profissão que ofereça melhores oportunidades aos rapazes e moças de iniciativa e bom senso do que o crime. Evidentemente, nos dias que correm, a última moda em legislação fez de todos nós, em certo grau, criminosos. O mero ato de violar a lei não tem em si mesmo valor algum para ninguém. Ninguém se aproxima da prosperidade comprando cigarros tarde da noite ou estacionando o carro em frente à porta do vizinho.

Não tenho a intenção de recomendar uma carreira de ofensas menores desse tipo, e nem uma que envolva aquelas soberbas orgias de degradação aptas a levar os nossos lordes do comércio às estonteantes alturas de uma declaração do imposto de renda de sete dígitos. Eu me refiro na verdade a uma estável rotina de desonestidade e violência por meio da qual qualquer jovem de capacidade pode, com razoável boa sorte, sustentar-se com algum conforto e assegurar uma velhice repleta de lazer.

Apenas essa carreira permite a um jovem de boa educação e instrução regular iniciar já numa posição superior à dos seus rivais. Em todas as grandes nações, com exceção de uma, essa vocação constitui ainda hoje uma ligeira afronta em virtude de um resquício dos dias teocráticos da Idade das Trevas. Os adiantados Estados Unidos conseguiram superar esse preconceito, e por isso lá o crime é praticado abertamente por pessoas de sentimentos refinados e posição social elevada. Mas na Inglaterra, com algumas honrosas exceções, a classe criminosa provém quase inteiramente de pessoas de poucos recursos. Existem mil vezes mais Bill Sikes [5] do que Raffles [6]. Iniciar-se no crime com portentosos antecedentes de classe-média; estar preparado, em caso de flagrante, com um fácil “Boa noite, seu guarda”; ter um ou dois primos na carreira episcopal prontos a darem testemunho de que você possui boa índole; tudo isso, embora não pareça importante, conta muito para os padrões da sociedade atual.

Outra grande vantagem que o crime oferece sobre outras atividades e profissões são os feriados. Não se trata de um trabalho de período integral. Alguns dos nossos delinqüentes mais bem-sucedidos passam os seus dias como tutores universitários ou condutores de ônibus.

É uma boa começar de uma vez com algo ambicioso. Muitos jovens entram para o crime com uma série de especulações precipitadas e pouco frutuosas: uma nota de dez shillings de um caixa não vigiado, seis moedas na caneca de um mendigo cego, uma ou duas jardas de seda de uma loja de tecidos. Só depois de terem sido descobertos e repreendidos é que se decidem a construir a sua carreira a sério, mas nesse momento a sua reputação, que representa nove décimos do seu capital, já está arruinada.

O assassinato é, evidentemente, o rei dos crimes. Mas o homicídio com vistas ao lucro raramente dá certo, pois ele naturalmente atrai a atenção para o seu autor. De longe o melhor, o mais básico dos crimes de utilidade é o roubo cometido com violência. Tudo o que você precisa fazer é armar-se com um martelo, cobrir a parte inferior do seu rosto com um lenço e esconder-se atrás de uns arbustos numa área rural pouco freqüentada. Espere até alguém passar, certificando-se de que ele ou ela esteja decentemente vestido e apresente uma débil constituição física. Então saia do seu esconderijo, acerte-os em suas cabeças, pegue o dinheiro e volte para casa a tempo de tomar um banho antes do jantar. Talvez seja a própria simplicidade do processo que encoraje tantas pessoas a tentar algo mais elaborado. Naturalmente ele tem a desvantagem do lucro incerto; mas isso é esperado em todos os crimes, com exceção do suicídio.

O seguinte crime genial pode ser cometido mais ou menos uma vez por ano. Você entra em um hotel e pede uma bebida que se possa pagar com uma nota de cinco libras. Quando o garçom voltar com o seu troco, diga a ele que, com toda segurança, você lhe tinha dado uma nota de dez libras. Ele dirá que com certeza foi uma nota de cinco libras. “Bem”, você diz, “eu sei que se trata de uma nota de dez porque descontei essa manhã um cheque de 30 libras. Eis as outras duas. Veja, elas têm números consecutivos. Dê uma olhada no caixa e veja se não há uma nota de dez libras com um número consecutivo”. O garçom vai até lá, descobre que há e volta com abundantes desculpas e o troco de cinco libras, o qual você dividirá, de acordo com uma proporção que julgue razoável, com o seu cúmplice que, dez minutos antes de você entrar, trocara uma nota de dez libras no balcão.

Outro crime cometido com surpreendente freqüência consiste em ir a uma loja Cartier e dizer: “Sou o Lorde Beaverbrook. Por favor, me dê aí uns diamantes”, e então sair e vendê-los. Esse expediente chama-se “falsidade ideológica com o desiderato de lograr, quando à evidência de culotes não se tratar, que estes manifestamente, e com emprego de ardil, enganados sejam”.

A invasão de domicílio é mais um artesanato do que uma arte, e não deve ser tentada sem a assistência de um entendido. Uma valiosa dica, quando se empreende um trabalho desse tipo, é vestir um pijama e calçar umas pantufas; assim, se alguém o interromper, você pode fingir que é um sonâmbulo.

Outra precaução similar que se deve ter antes de arriscar invasões a domicílio à luz do dia é ter por perto um amigo usando o uniforme de um sanatório. Se você for pego, basta que ele se aproxime e diga, “Perdão pelo incômodo, senhor. O cara tem um parafuso solto. Pensa que é o Charles Peace” [7], e o coloque imobilizado num táxi.

Uma última coisa: depois de cada crime, uma boa é ferrar o seu cúmplice. Se você não o fizer, mais tarde é ele quem vai ferrá-lo.

Título original ‘Careers for our Sons’, impresso na coletânea A Little Order, Ed. Donat Gallagher, 1978.

Tradução de Julio Lemos.


[1] William Pitt (1708-1778), primeiro Conde de Chatham. Estadista inglês que liderou o país durante a Guerra dos Sete Anos, conhecido como The Great Commoner por se ter recusado durante muito tempo a aceitar um título de nobreza.[2] O autor refere-se aos Union Workhouses, temidos pensionatos para viúvas, orfãos e anciãos estabelecidos na Inglaterra desde o século XVI.

[3] Ala da Igreja Anglicana mais próxima à Igreja Católica, também conhecida como anglo-católica.

[4] Nathaniel Gould (1857-1919), jornalista e romancista inglês, autor de alguns best-sellers.

[5] Personagem de Charles Dickens presente em Oliver Twist, famoso pela sua maldade; um homem de modos violentos e de “baixa extração social”.

[6] Arthur J. Raffles, personagem criado por E. W. Hornung, era um ladrão de jóias que vivia na companhia da alta sociedade vitoriana.

[7] Famoso ladrão e assassino inglês.

Publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Edição 4, Dezembro/2009. Disponível em <http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-4/carreiras-para-nossos-filhos/>. Acesso em 03/11/2017.