Nossos sonhos e a propaganda

Opinião Pública | 29/09/2014 | | IFE CAMPINAS

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Como é bom sonhar! Desde pequeninos temos sonhos. Uns querem ser pilotos de avião, outros médicos, engenheiros e por aí vai. Outros sonham em ter um super carro, uma super casa. Desde cedo sonhamos. Ao mesmo tempo em que sonhamos quando pequenos, nossos pais colocam ou não limites aos nossos sonhos: ou dizem até onde é possível conquistar o sonho desejado, ou dizem se é impossível ou, ainda, alimentam em nós sonhos impossíveis de se tornarem realidade.

Conforme vamos crescendo, vamos tomando consciência de nossos limites e temos alguns sonhos esquecidos ou frustrados, embora ainda sonhemos com outras coisas. Afinal, é justo sonhar: quantas coisas boas tornaram-se realidade porque alguém as sonhou? Várias obras caritativas foram assim. Várias belas construções arquitetônicas que alegram ou elevam a alma de um povo surgiram assim. E a cura de uma doença conquistada por uma equipe de cientistas que sonharam com ela um dia?

Acontece que, como apontei há pouco, sonhar tem limites. Nossa imaginação pode nos fazer ir longe, a ponto de conceber coisas que não existem nem são possíveis na realidade, como imaginar um centauro ou uma sereia verdadeiros. Podemos até sonhar este mundo com coisas que lhe são impossíveis, como a ausência de sofrimento, dificuldades e problemas de toda sorte. Enfim, com nossa imaginação podemos criar em nossa mente um paraíso.

Isso é mais ou menos o que acontece com boa parte do imaginário do homem contemporâneo, e de modo muito notável no âmbito da propaganda. Esta última alimenta em nosso imaginário cenários e possibilidades irreais. Quando andamos pelas ruas, quando entramos em instituições, quando assistimos tevê, enfim, quase em todo lugar nos é oferecida muita propaganda com imagens, sons e vídeos. Grande parte é ficção em comparação com a realidade concreta de nossa vida cotidiana.

Muitas coisas belas e prazerosas nos são apresentadas como se fossem reais, como o caso que ficou conhecido por muitos como “família Doriana”: uma família irreal que sempre é feliz. Pois uma propaganda apresenta um produto cujo uso está associado à felicidade de uma família, como se aquela família sempre fosse feliz. Ou frases de efeito em meios a jogos de futebol televisionados: “Aqui tem alegria, amor, paz, felicidade”, como se o consumo de tal ou qual produto trouxesse alegria, amor, paz e felicidade. Ou ainda panfletos e outdoors que mostram belas pessoas sorrindo oferecendo uma faculdade ou comércio, como se passar naquela faculdade ou comprar naquele comércio nos trouxesse felicidade. É uma explosão de imagens, sons e vídeos que visam nos seduzir para comprarmos um produto, criando em nós falsas sensações de que sempre é possível uma família feliz, sempre é possível uma boa faculdade; em resumo, de que sempre é possível a felicidade, como se no mundo em que vivemos tudo fosse bom, belo e prazeroso.

Mas tudo isso que recebemos através dos sentidos, se não temos uma consciência vigilante para separá-los ou repudiá-los, mexe com nossa imaginação, criando em nós a idéia de que o impossível é possível, de que todo sonho é realidade. Mas, como sabemos pela própria experiência, não é assim: nem todo sonho é realidade, nem tudo o que concebemos na imaginação pode ser concebido na realidade. Muitas vezes insistimos em mudar algo, e jamais o conseguimos, justamente porque foi semeada em nós a idéia de que aquilo que sonhamos ou desejamos não tem limites, ou de que é possível mudar uma realidade que não muda. Sim, a realidade tem limites e ela não corresponde a tudo o que possamos imaginar. O máximo que conseguimos é sonhar dentro das possibilidades dadas pela realidade. Neste mundo, nunca veremos uma sereia real; nunca veremos a ausência de todos os problemas.

A solução para não cairmos nas armadilhas da propaganda e da nossa própria imaginação é aceitar que somos limitados, apesar de nossa tremenda capacidade imaginativa, e aceitar a realidade que está dentro e fora de nós tal como ela é. Mais precisamente, saber separar a verdade da falsidade, e sempre ficar com a verdade. Não é possível criar um novo mundo, não é possível acabar com todos os problemas, não é possível que façamos deste mundo um paraíso. Justamente, a noção de Paraíso é a de que ele não é este mundo.

João Toniolo é mestrando em Filosofia e Gestor do Núcleo de Filosofia do IFE-Campinas (joaotoniolo@ife.org.br).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 21/12/13, Página A2 – Opinião.