Reflexões de ressaca eleitoral

Sem Categoria | 05/12/2014 | |

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Durante as eleições, ouvi, sobretudo dos mais eleitores mais inflamados ideologicamente, questionamentos sobre a lisura deste último processo eleitoral. Não estou falando sobre as notícias de fraude nas urnas, as quais devem ser analisadas, mormente se acompanhadas de fortes indícios de manipulação numérica de votos, em favor do aprimoramento da votação eletrônica, que veio para ficar.

Estou me referindo às hesitações levantadas sobre a lisura institucional do TSE, o qual, por intermédio de seu ilustre presidente, teria agido com o escancarado propósito de favorecer o principal partido da situação em seus votos e decisões administrativas. Em bom português, segundo o miolo mole da trupe dos desconfiados, seus fundamentos jurídicos seriam uma espécie de roupa nova do rei. No fundo, o tal propósito sempre esteve nu e à vista de todos.

Já tive oportunidade de dizer num debate nas redes sociais que eu e a maioria dos juízes brasileiros não temos nada a dever ao currículo do ilustre presidente. Não fomos reprovados duas vezes no concurso, temos livros escritos, títulos acadêmicos e não temos uma longa folha de serviços advocatícios prestados para esse ou aquele partido.

Pode se questionar o mérito de suas decisões ao longo do processo eleitoral, como o fiz várias vezes. Mas não dá para dizer que ele fez isso para favorecer deliberadamente o partido já citado, porque, felizmente, nosso Poder Judiciário, como um todo, goza de um grau muito bom de indepedência e transparência, embora isso possa e deva ser melhorado, segundo o último relatório global de Davos (http://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalCompetitivenessReport_2013-14.pdf).

Segundo as conclusões do estudo, que considera o grau de independência segundo a maior ou menor ingerência de governos, empresas e órgãos não-governamentais nas decisões judiciais de todas as instâncias, sobretudo as inferiores, ocupamos a 55ª posição mundial de 198 países avaliados, com a nota 3,9 de um total de 7. A Nova Zelândia encabeça a lista com o grau 6,7. Na América Latina, estamos em quarto lugar, atrás do Uruguai (5,4), Chile (5,3) e Costa Rica (4,8). No que diz respeito à transparência judicial, o relatório afirma que “o Brasil é o país de maior transparência judicial da América Latina e, provavelmente, do mundo”.

Estamos bem ranqueados e temos um bom caminho a percorrer rumo às primeiras posições. E podemos, porque não tenho a menor dúvida: dos três poderes instituídos, o Poder Judiciário é composto, no geral, pelos quadros mais éticos e preocupados com os destinos da coisa pública brasileira. Mas o relatório obriga-me também, por assim dizer, a sacar umas ideias aprisionadas que pedem para ser libertadas como duas sugestões.

Primeira: na próxima eleição, quando uma corte eleitoral decidir desse ou daquele jeito, não nos coloquem na mesma “cloaca maxima” dos outros dois poderes, como se quiséssemos o protagonismo de um procedimento democrático que pertence legítima e exclusivamente a uma só pessoa, o eleitor. Questionem, à vontade, o teor da decisão, mas não a pessoa do magistrado que decidiu, como se a caneta dele estivesse comprometida com a parcialidade. Segunda: não nos esquadrinhem com a régua de medição chavista que, aliás, no dito ranking, contemplou a Venezuela na última posição mundial (nota 1,1).

Por fim, depois desse desabafo, fico lisonjeado pela expressiva votação recebida para a cadeira 30 da Academia Campinense de Letras. É com grande alegria e responsabilidade que ocupo um lugar neste tradicional e prestigiado recinto do pensamento desta cidade. Será mais um espaço, além da graduação, do grupo de pesquisa e deste conceituado jornal, em que poderei exercer um fecundo e cortês debate intelectual, sempre com espírito juvenil e de aprendiz, motivo pelo qual agradeço nossa Academia por ter incorrido em inobjetividade caridosa na apreciação de meus méritos. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, mestre em filosofia e história da educação, pesquisador, professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP, da ADFAS e da UJUCASP, coordenador do IFE Campinas e titular da cadeira 30 da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).