Família partida, guarda compartilhada

Opinião Pública | 25/05/2015 | | IFE CAMPINAS

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Desde o final do ano passado, após a aprovação da Lei 13.058/14 que alterou o Código Civil para trazer novos parâmetros para fixação da guarda de filhos entre pais que não convivem sob o mesmo teto, iniciou-se um debate sobre a chamada “guarda compartilhada”. Embora já prevista no ordenamento brasileiro antes da edição da nova lei, a forma como foi proposta e os argumentos suscitados para fundamentar a sua aprovação trouxeram à tona uma discussão mais profunda, a respeito das relações familiares e do papel do direito de família em nosso tempo.

Ao regulamentar a guarda compartilhada tornando-a a regra do sistema, almeja a nova lei promover um maior envolvimento de ambos os pais na educação e desenvolvimento dos filhos, evitando que aquele que não detém a guarda fique com um papel coadjuvante. A lei propõe objetivos louváveis: convivência harmônica e equilibrada, tomada de decisões conjuntas, participação dos pais na vida dos filhos, entre outros, mas tem a pretensão de promovê-los entre casais separados, com vidas distintas, tendo os filhos como único elo.

De fato, a experiência demonstra ser possível construir um ambiente de relativa paz e maturidade nas relações entre casais separados, muitas vezes demandando regras claras e a intervenção de um juiz. No entanto, a nova lei pretende ir adiante e trazer para as relações desfeitas aquilo que é a virtude das famílias íntegras, sob a promessa de eliminar os prejuízos da separação nas relações entre pais e filhos. Como se pudesse alcançar o bem da vida familiar, sem a necessidade de constituí-la ou mantê-la.

Assim, a guarda compartilhada surge com a expectativa de ser um novo remédio capaz de curar as feridas de uma estrutura familiar desfigurada, que já não cumpre bem o seu papel. Mais que isso, tem a pretensão de lhe conferir os atributos que são a essência do modelo de família que garantiu, por gerações, uma razoável estabilidade nas relações humanas: o modelo natural, baseado na união duradoura entre homem e mulher, fundada no amor fiel, capaz de gerar filhos, de protegê-los e formá-los nos valores.

Sem dúvida a aprovação da lei reflete a preocupação da sociedade com as consequências que o desfazimento do vínculo entre pai e mãe provoca na estrutura familiar, especialmente, os seus efeitos sobre crianças e adolescentes. Todavia, paradoxalmente, surge em um contexto recente de transformações do direito de família que têm conduzido a uma fragilização cada vez maior das famílias, com a facilitação do rompimento dos vínculos, o desprestígio do casamento face às uniões informais e a legitimação de meras relações afetivas como constituintes de famílias. Estas mudanças, somadas a uma cultura de volatilização das relações pessoais, irresponsabilidade social e banalização dos valores, têm causado uma crise sem precedentes da instituição familiar.

Neste sentido, é preciso retomar o papel primordial do direito de família de promotor daquele modelo natural de família, verdadeiro patrimônio da civilização, criando meios de fomentá-lo e protegê-lo como um precioso valor social. Este é o caminho que melhor assegura a maternidade e paternidade responsáveis, possibilitando a convivência harmoniosa entre pais e filhos e o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes.

Porém, o que temos visto neste e em outros debates, é uma mal disfarçada desistência deste modelo, como se ele estivesse ultrapassado e ao direito de família moderno restasse, meramente, chancelar os mais diversos e originais agrupamentos humanos como se família fossem. Infelizmente, soluções jurídicas como a “guarda compartilhada” continuarão a nos iludir com suas promessas de “admirável mundo novo”, enquanto não tivermos a coragem de enfrentar as verdadeiras causas da crise atual da família.

 

João Marcelo Sarkis, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), analista jurídico do Ministério Público de São Paulo, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 22 de maio de 2015, Página A2 – Opinião.