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As Polonaises de Chopin – uma radiografia histórica – PARTE I (por Álvaro Siviero)

Artes | 26/04/2016 | | IFE CAMPINAS

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A primeira reação do cão quando é atingido por uma pedra é morder a pedra, e não quem a atirou. Essa reação pode também ser a adotada por músicos que se embrenham na recriação de uma obra musical, esquecendo de analisar e aprofundar na causa última da mesma obra: o autor.

O mundo, em 2010, comemora e promove homenagens ao bicentenário de nascimento de um dos maiores filhos que a Polônia gerou. O poeta do piano – como Chopin é comumente designado – foi, na realidade, o menos romântico dos artistas. Enquanto muitos, através de manifestos e reivindicações, definiam o romantismo como uma guerra dos modernos (eles próprios) contra os antigos (seus predecessores) Chopin se apegava ao passado, inspirando-se em Haydn, Mozart e, principalmente, Bach, de quem absorveu sua maestria na técnica do contraponto e que lhe rendeu estonteante facilidade de controle de vozes melódicas em suas obras (vale a pena lembrar que O Cravo Bem Temperado foi a única partitura levada por Chopin em sua famosa viagem a Maiorca).

A obra O Funeral de Chopin, de Benita Eisler, mostra que Chopin nutria dúvidas sobre o que ele mesmo denominava “momentos de falta de bom gosto” em Beethoven, exteriorizava desinteresse pela música de Schubert e, em geral, desdenhava os contemporâneos Berlioz, Schumann e Liszt, com quem, mais tarde, manteria uma complicada relação de amizade e rivalidade. Na arte, preferia o tradicional às ousadas combinações de forma, luz e cores. Social e politicamente era ainda mais conservador. No entanto, paradoxalmente, suas Polonaises introduziram no terreno da música a inovação do impacto nacionalista e do pendor patriótico, transformando-o em modelo proeminente de utilização de sua terra natal como fonte de inspiração.

Compositor polonês, filho de pai francês: a origem mista explica a combinação da melancolia eslava com a elegância francesa de sua arte. Embora de origem modesta, a refinada educação baseada em sólidos valores éticos recebida no lar fez surgir em sua personalidade a caracterí­stica galante da distinção aristocrática, mais pertencente à  alma que ao corpo: era na alma que surgia sua força estarrecedora sendo o corpo frágil, próprio de um homem de pouco mais de 1,50m de altura, 38 kg e doente.

O célebre compositor húngaro Franz Liszt afirmou serem as Polonaises suas mais formosas inspirações. Ao escutá-las acredita-se ouvir o andar, mais que firme, pesado, de homens que afrontam orgulhosos de valentia tudo o que a sorte possa trazer de injusto. É a mensagem da esperança e do otimismo, do espírito combativo, mesmo que permeado de dúvidas. As destemidas repetições melódicas de figuras temáticas utilizadas em sua Polonaise Op.44 ou na célebre Polonaise Op.53, “Heróica”, unidas ao vigor enérgico do característico pulso ternário, adquirem na leitura do mestre polonês uma dimensão insuspeitada, onde não há espaço para a apatia ou a indiferença. Marciais quase todas, reproduzem tanto a bravura de um povo que relembra os tempos gloriosos de seus salões aristocráticos como o fracasso de quem é massacrado por numerosas guerras: analisá-las e interpretá-las é descrever uma parte da história da Polônia que Chopin tanto amou e pela qual tanto batalhou no campo raso de seu piano.

As origens da dança polonaise – também designada pollaca – perdem-se no passado. Acredita-se que sua primeira apresentação oficial tenha ocorrido na cidade de Cracóvia, em 1574, durante cortejo da nobreza ante seu novo rei, Henrique III de Valois. Mais tarde, os salões aristocráticos foram invadidos pelo elegante hábito de iniciar suas festas ao som dessa dança: o anfitrião convidava a mais nobre e respeitada das damas presentes (não necessariamente a mais formosa) para início do baile sendo, a seguir, acompanhado pelos restantes cavalheiros presentes, todos formando pares da mais alta estirpe, em procissão dançante pelo suntuoso salão, em elegante vestimenta.

O ano de 1810, que fez nascer Frederic Chopin na pequena vila de Zelazowa-Wola, nos arredores de Varsóvia, fez também da dança polonaise rainha suprema, mesmo com a existência de muitas outras formas musicais de dança espalhadas pela Europa. Adotada e explorada, inclusive por compositores como Bach, foi a polonaise a adotada pelo jovem Frycek no início de sua carreira na área da composição e improvisação: as Polonaises n.11 em sol menor e n.12 em si bemol maior, datadas de 1817, são formalmente consideradas suas primeiras composições e, como esperado, carecem do amadurecimento psicológico e emocional fortemente encontrados em suas polonaises posteriores. Após quase trinta anos, em sua veemente Polonaise em lá bemol maior, Op.61, “Polonaise-Fantaisie”, sua última obra para piano em grande escala, o quadro emocional traçado é bastante diverso.

A tão almejada liberdade política buscada por muitos poloneses reflete-se nesta obra, para desafio do artista, por sua extrema liberdade estrutural de expressão e forma, dificultando imensamente o encontro da exata coesão interpretativa. O pulso ternário chega a correr o risco de ser dirimido em seu rigor rítmico ou até mesmo esquecido pelos intérpretes que se deixam levar pela atmosfera nebulosa, temerosa e insegura densamente explorada no início da obra, e que representam uma verdadeira radiografia da personalidade interior do mestre polonês. Em aparente atitude contraditória, é como se Chopin transferisse suas dúvidas aos pianistas de todos os tempos, fazendo-os vivenciar sua incerteza na busca da verdadeira liberdade.

Liszt afirmou não haver nesta obra quadros luminosos ou animados, repleta de uma tristeza assustada. Saint-Saens, julgando excessiva a severidade da análise, enxergava a obra como um legado, um testamento de quem deixa esta vida, de confiança na imortalidade, próprios de quem vivenciou experiências amorosas repletas de instabilidade e de quem convive com o avanço crescente de uma tuberculose grave e incurável. De fato, Schumann condensou o estilo chopiniano ao defini-lo como “verdadeiras balas de canhão escondidas sob flores”.

Os anos 1845-1846 tinham deteriorado significativamente a situação emocional de Chopin pelo agravamento de sua relação amorosa com a escritora George Sand: não se previa a tão próxima ruptura. A obra Lucrecia Floriani, escrita e publicada pela escritora, funcionou, sem dúvida, como uma válvula de escape para relatar o peso opressivo de uma ligação que a paixão já não mais sustinha, mas acelerou o afastamento com suas descrições pouco cuidadosas do caráter do homem que estava tão perto dela e, ao mesmo tempo, tão longe. Certamente a lembrança do amor de suas inúmeras admiradoras – desde a pureza límpida do afeto com Constança Gladowska à intensidade da decepção pelo frio rompimento com Maria Wodzinski – somente serviu para avivar essa nova dor.

Um fator explicativo para entendimento das alternâncias anímicas encontradas nas Polonaises está baseado no claro discernimento que sua tuberculose lhe trazia sobre a transitoriedade desta vida, sobre a limitação dos bens deste mundo, traduzidos em necessidade de sentido para a existência, conduzindo-o a uma busca silenciosa de conversão e deitando raízes nos valores absorvidos dos lábios de seus pais durante o seu tempo de infância, musicalmente descritos nos acordes introdutórios de sua Polonaise-Fantaisie e repetidos de forma modulada e insistente nos compassos subseqüentes. Chopin era, definitivamente, um homem em busca. Entende-se melhor agora a enorme dificuldade de Chopin em encontrar um nome para esta obra.

CONTINUA…

 

Álvaro Siviero é considerado um dos mais talentosos pianistas da atualidade, reconhecido mundialmente pela excelência na interpretação de grandes compositores. Músico que participa ativamente do cenário brasileiro como camerista e solista, atuou diante de diversas orquestras nacionais e internacionais como a London Festival, Budapest Chamber, The City of Prague Philharmonic, Sinfonia Rotterdam, Salzburg Chamber, Academica de Madrid, I Musici de Montreal, entre outras. Foi o único brasileiro convidado a representar o Brasil no histórico Encontro Mundial de Artistas, celebrado na Capela Sistina, em Roma. Com especialização em Educação Multicultural pelo Lesley College, Cambridge, é também graduado em Física pela USP (www.alvarosiviero.com)

O gênio de El Greco (por Renato José de Moraes)

Artes | 05/10/2015 | | IFE RIO

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Qualquer pessoa que tenha ido a Toledo, na Espanha, concordará que é uma cidade maravilhosa. Somente a Catedral seria suficiente para tornar o local obrigatório para qualquer turista, estudioso da arte ou homem culto, e é inesquecível passar horas contemplando aquelas paredes, imagens, pinturas e soluções arquitetônicas que fazem do edifício algo – não apenas pela sua destinação – sobrenatural. O resto da cidade também é admirável, com as ruas estreitas da época medieval, os bairros dos judeus e dos muçulmanos, as várias igrejas, o Alcázar, os palácios…

Tudo isso de fato impressiona. Porém, além disso, Toledo foi o local onde se desenvolveu a parte mais importante da carreira de um gênio: El Greco. O pintor nascido em Candia, na ilha de Creta, provavelmente no ano 1541, é um desses artistas que trazem novos rumos para seu ofício, estando muitas vezes à frente do seu tempo. Não que El Greco não tenha sido admirado pelos seus contemporâneos; ele o foi. Tanto que seu estúdio era grande e movimentado, com uma carga extraordinária de trabalho entre 1600 e 1608.

Porém, não conseguiu ser o pintor do Escorial, o palácio que estava sendo construído por Filipe II. A pintura que El Greco apresentou para que o rei visse seu trabalho, O martírio de São Maurício, era demasiado distinta do que o próprio pintor havia feito antes com maestria; era menos um quadro para fomentar a devoção, e mais para admirar e refletir a respeito. Parece que Filipe II gostou do trabalho – pelo qual pagou uma boa quantia –, pois o manteve em sua coleção; no entanto, não o empregou para o retábulo do Escorial, conforme seria o desejo do artista.

É uma pena que El Greco não tenha sido o responsável pelas pinturas do palácio real. Contudo, talvez isso tenha sido um bem, porque os pintores da corte deveriam exercer concomitantemente uma série de outras tarefas burocráticas, que atrapalhavam a produção artística. Foi o que se deu com Velásquez. Além de evitar essa dificuldade, El Greco pôde participar de um círculo culto e refinado de cidadãos toledanos, que o valorizavam e admiravam. Vários desses cidadãos foram os que encomendaram as obras do pintor, e dessa forma o sustentaram e tornaram possível que ele se desenvolvesse.

El Greco é o exemplo de artista que bebeu das influências de muitos mestres, especialmente italianos – ele admirava especialmente Ticiano, para ele o maior pintor da época, e também reverenciava Michelangelo e Rafael –, que ele soube conjugar com seu berço grego, marcado pela pintura de ícones e pelo estilo bizantino. Posteriormente, sem rejeitar esses predecessores, ele alcançará um estilo muito próprio, que será considerado por alguns críticos como extravagante e ridículo, mas que na realidade representava uma abertura de horizontes que será devidamente valorizada por grandes nomes modernos, como Picasso e Rainer Maria Rilke.

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No início de sua carreira em Toledo, por volta de 1577, El Greco recebeu duas encomendas: um retábulo para a igreja do mosteiro de São Domingos e um quadro para a sacristia da catedral, O despojamento de Cristo. Nessas obras, ele emprega um estilo romano, calcado em Michelangelo, que privilegia o desenho. Em certo sentido, ele muda da concepção que seria, até então, aparentemente a sua preferida: a de Ticiano, cuja marca distintiva seria primordialmente o uso das cores, que flutuam. O acerto dessas obras garantiu a entrada de El Greco no mundo de Toledo, e toda a Espanha passa a ver nele um pintor excepcional.

Nos anos seguintes, El Greco seguirá nessa trilha e produzirá obras inesquecíveis, especialmente para os que tenham a chance de vê-las ao vivo. Sua Imaculada Conceição, a Anunciação, as diversas representações dos apóstolos e dos santos, o Pentecostes, tudo isso modifica a arte europeia, em especial a religiosa. O fato de as pessoas pagarem para que o pintor as fizesse, e em muitos casos generosamente, mostra que a sociedade em que ele vivia não era especialmente fechada ou conservadora em termos artísticos, ao menos em comparação com os outros países do ocidente. Em 1614, o artista faleceu na cidade de que aprendeu a gostar.

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Toledo é uma cidade de sorte. Nos meus sonhos, parece um ótimo lugar para se morar. De manhã, ir à Catedral; trabalhar; no final da tarde, caminhar próximo do Tejo e comer em algum café ou restaurante. Passear no dia a dia pelas vielas medievais. De vez em quando, tornar a contemplar algumas das inúmeras obras que El Greco deixou por lá. Realmente, nada mal…

Bibliografia: SCHOLZ-HÄNSEL, Michael. El Greco. Köln: Taschen, 2014. 96 p.

* Renato José de Moraes é advogado e doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Publicado originalmente em <http://www.dicta.com.br/o-genio-de-el-greco/>

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“Música é música, Sr. Gershwin”: Uma conversa com Roberto Minczuk

Artes | 01/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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O Maestro Roberto Minczuk em regência.

O Maestro Roberto Minczuk em regência.

“Música é música, Sr. Gershwin” – Uma conversa com Roberto Minczuk, por Guilherme Malzoni Rabello

Neste ano, o maestro Kurt Masur, apesar dos seus oitenta e um anos, dispôs-se a vir ao Brasil para reger a nona sinfonia de Beethoven com a orquestra dos bolsistas do Festival de Inverno de Campos. Os dias de ensaio foram uma experiência muito interessante (ao menos para mim, espectador), mas devem ter custado um pouco para os protagonistas diretos. Os jovens músicos estavam nervosíssimos com a regência exigente. Masur, um senhor corpulento que se move com certa dificuldade mas se transforma num gigante quando sobe ao pódio, estava tenso com a orquestra desacostumada. E, por trás da cena, o maestro Roberto Minczuk fazia das tripas coração para os dois lados se entenderem…

A certa altura, com toda a veemência germânica, Masur interrompeu a orquestra, olhou para os músicos e disse: “O que vocês pensam que estão fazendo? Isto aqui é música! Façam MÚSICA!” Pois bem, foi esta frase marcante que procurei usar como lema na entrevista com Roberto Minczuk, que (paradoxalmente…) gira toda em torno da música. Apesar da sua agenda carregadíssima – naqueles dias, ele estava ensaiando a ópera La Bohème, de Puccini -, o maestro conseguiu achar um tempo para conseguirmos encontrar-nos em um café de Ipanema, em uma bela tarde carioca de fins de agosto. Além dele e de mim, estava lá a Valéria Minczuk, esposa do Roberto. São gente tão amável que nem a presença do gravador conseguiu estragar o ambiente e transformar uma conversa distendida numa entrevista formal. E o resultado é o que se poderá ler nas próximas páginas.

GMR: Ser um maestro não é ter uma profissão como outra qualquer. Um corretor de imóveis ou um engenheiro podem sair do escritório e deixar todo o seu dia-a-dia lá… Para um maestro, é possível fazer a mesma coisa?

RM: Acho que não. Um maestro, e na verdade a maioria dos artistas, precisa envolver-se com os projetos que faz. Aquilo o acompanha e, no caso da música, às vezes chega a ser um problema. Agora, por exemplo, estou ensaiando La Bohème, e desde há um mês estou com frases e até com a ópera inteira de Puccini na cabeça praticamente o tempo inteiro. Vou dormir com La Bohème e acordo com La Bohème!

Isso chega a irritar, principalmente quando é uma única frase que se repete continuamente. Nestes casos, o que preciso fazer é ouvir outra música. Normalmente, chego em casa e ligo um CD; depois de uma apresentação, por exemplo, ouço Música Popular Brasileira ou vou a um bar de jazz. Preciso colocar uma informação diferente na cabeça; é a maneira que tenho de conseguir desligar-me um pouco.

O Bruno Tolentino dizia com freqüência que ninguém escolhe ser poeta: ou se é ou não se é. Com a música, isso talvez seja até mais verdadeiro, porque é algo que surge muito cedo. Você acha que escolheu ser músico e maestro, ou simplesmente não poderia agir de maneira diferente?

Eu acho que tinha de sê-lo. Sempre me digo, e digo a outras pessoas, que não, que eu poderia fazer outra coisa. Quero acreditar nisso, mas na verdade já nasci num lar em que a música estava muito presente. O meu pai era músico, e para ele a música era a coisa mais importante; a minha mãe cantava no coro da igreja; eu sou quinto filho de uma família de oito, e os mais velhos já tocavam quando eu era pequeno. Ou seja, praticamente não tive escolha: eu tinha de tocar para sobreviver naquele ambiente. Era uma forma de destacar-me ali, e era também interesse do meu pai e da minha mãe.

Na verdade, acho que mesmo antes de nascer eu já vivia a música: imagino a minha mãe, grávida, cantando e ouvindo música o dia inteiro. Isso evidentemente deve ter afetado o meu desenvolvimento. Em resumo, a verdade é que sempre me vi envolvido pela música.

O fato de você ter ouvido absoluto [1] também deve ter ajudado nesse processo. Como descobriu?

Foi também quando era muito pequeno. Uma das coisas que o meu pai fazia, comigo e com o meu irmão, era treinar o nosso ouvido através de brincadeiras. Brincadeiras de ouvido absoluto: ele tocava uma nota em vários instrumentos, e ganhava quem acertasse mais. Fazíamos isso desde os sete anos de idade.

Ter ouvido absoluto chega a incomodar de vez em quando?

Incomoda, porque o tempo inteiro aquilo que não está perfeitamente afinado atrapalha muito. Mas aprendi a desligar isso; aliás, preciso desligá-lo muitas vezes porque, caso contrário, fica impossível trabalhar: seria preciso parar a cada nota e corrigir a afinação da orquestra. Pequenas variações sempre ocorrem, mesmo nas grandes orquestras; por isso, às vezes preciso desligar essa percepção, ou pelo menos reduzir a sensibilidade.

Parece-me que há uma diferença entre a percepção e, principalmente, o entendimento que um maestro tem da música, e nós, simples ouvintes, mesmo que gostemos de música. Você percebe isto? Como é essa relação entre o entendimento e a música para você?

Vou responder com um exemplo: La Bohème é uma peça que tem um significado muito especial para mim. Foi uma das primeiras óperas que toquei na vida, quando tinha treze anos e era primeira trompa do Teatro Municipal de São Paulo. Eu estava ali, sentado ao lado do meu professor – um italiano chamado Enzo Pedini, que foi um grande mentor para mim -; tudo naquele momento era novo: eu estava descobrindo a música do Puccini, que é maravilhosa; descobrindo o que é um teatro de ópera, que é uma fonte de beleza inesgotável. Eram duas horas de música com uma ária mais linda que a outra. E tudo isso aos treze anos!

Ter contato com esse tipo de beleza, fazer parte daquilo tudo, é uma experiência muito impactante. É claro que mais tarde estudei, tive toda uma trajetória como músico, depois como maestro, mas a emoção que a música traz é muito importante. E continua importando hoje, num momento em que retorno a esta ópera como regente.

Evidentemente, há aspectos específicos nos quais me concentro. Por exemplo, a perfeição da parte orquestral, da performance orquestral, é o que mais chama a minha atenção, porque sou especialista em orquestra sinfônica. Por isso, a minha abordagem de qualquer obra começa sempre pelos instrumentos. Nas óperas, vou ao detalhe da orquestração e da performance da orquestra para deixar tudo pronto para os solistas, para a parte cênica – que é quem faz o todo do espetáculo. Antes de chegar a esse “todo”, porém, existe uma atenção muito técnica ao detalhe: à dinâmica, ao colorido do som, aos tempos, à articulação, à acentuação e ao fraseado. E isso é o que mais toma a minha atenção.

Outro aspecto interessante é que ouço notas. Quando escuto uma música, presto atenção em cada uma das notas. Seria mais ou menos como se, ao conversar, você não ouvisse as sentenças ou as palavras, mas sílaba por sílaba daquilo que está sendo dito. E isto é uma parte muito importante da maneira como percebo a música: ouço as notas e praticamente a vejo a música impressa na folha.

Também o meu gesto faz parte dessa percepção. Vira e mexe, ouço uma música sentado, o pensamento me vem, a música me ocorre na mente, e imediatamente as minhas mão começam a fazer o gesto da regência, naturalmente e sem que eu me preocupe com isso. Até quando dirijo o carro, o que deixa a Valéria muito incomodada: “Como você consegue dirigir e reger ao mesmo tempo? Não faça isso!”, diz ela. Evidentemente, tem medo de que a gente tenha um acidente…

Valéria: O que já aconteceu, não é, Roberto?!

Ouvir alguns tipos de música no carro deveria ser proibido, então? Mahler só em estradas retas, Wagner só quando o trânsito é muito intenso…

Mas se a música aparece na sua mente como se você ouvisse sílaba por sílaba, ao mesmo tempo você tem de ter uma compreensão completa. Se eu falasse apenas em sílabas, você provavelmente não entenderia o que digo, mas o fato é que você entende. Há uma apreensão global, ou o global vem só depois do particular?

Na verdade, o importante mesmo é o todo. É a seqüência e a frase: a arquitetura da obra, digamos. E isso, eu o tenho muito claro. Mas para conseguir reger bem, é essencial ir nota por nota, senão você perde o detalhe. Ao mesmo tempo, algumas pessoas concentram-se demais no detalhe e perdem a noção do todo. As duas coisas caminham juntas e o trabalho do maestro, no ensaio, é destrinchar esse emaranhado: é desmontar a música e montá-la de novo, parte por parte, com absoluta perfeição no ajuste das engrenagens, para que fiquem absolutamente azeitadas e com aquele “molho”, aquele “algo a mais” que precisa haver.

Dentro dessa percepção, como ficam as noções matemáticas? Quer dizer, de Bach a Schoenberg, há em muitas composições uma noção matemática, princípios matemáticos muito presentes. Isso tem alguma função para você?

Com certeza, absolutamente. Principalmente na música instrumental; na sinfonia é essencial. Porque o maravilhoso da música instrumental é que ela é totalmente abstrata, não existe um programa. As exceções só confirmam a regra geral: a música pode significar algo para mim e algo bem diferente para você como ouvinte ou intérprete. O que não significa que a música não conte uma história, pelo contrário. Eu acredito que toda música, por mais abstrata que seja, tem uma história.

Grande parte do repertório que interpreto é composto por músicas baseadas em formas muito estritas. A forma sonata, por exemplo, foi utilizada nas maiores composições, nas sinfonias, com um enorme rigor lógico e matemático. Na verdade a própria organização da música, de todas as notas, dos tons e semitons… A música ocidental é toda construída em cima dessas noções matemáticas.

Agora, tomemos esse assunto pelo lado oposto. Para mim, é muito clara é a beleza de uma prova matemática, de um teorema; mas muitas pessoas que não têm inclinação matemática simplesmente parecem incapazes de entender esse tipo de beleza. Isso faz sentido para você?

Todo o sentido! A percepção não começa pela matemática, evidentemente; o que interessa é o resultado estético daquela música. Mas, quando você começa a analisar, a estudar, percebe que aquilo também é matematicamente perfeito, o que torna a música ainda mais maravilhosa.

O caso de Bach, que eu considero o maior gênio da música de todos os tempos, é impressionante, porque essa perfeição matemática é aparente só de olhar a página da partitura. Tenho vários fac-símiles de manuscritos seus, e basta olhá-los para ficar admirado e realmente emocionado. São manuscritos únicos. Ele raramente revisava uma obra, e praticamente não há qualquer tipo de correção na página – a música é, neste sentido, simplesmente perfeita, acabada, sem erro. Mas da mesma forma dá para ver que Bach criava regras matemáticas e depois desobedecia a elas, e também essas exceções soam perfeitas.

Quais as suas composições preferidas de Bach?

Eu gosto muito das obras maiores – a Paixão segundo São Mateus -, amo a Paixão segundo São João, a Missa em Si Menor… que são as mais grandiosas; mas também das obras mais simples e menos famosas, como os prelúdios que escrevia para os alunos e que são de uma beleza tão profunda que fico fascinado e me pergunto: “Como é possível?”

Bach é tão universal que a sua música pode ser tocada tanto no cravo, no órgão ou nos outros instrumentos originais, quanto em qualquer outra versão; é possível ouvir uma versão em marimba dos Prelúdios e Fugas ou uma versão em qualquer instrumento de percussão ou sopro. Até com sintetizador e instrumentos eletrônicos…; e continua sendo tão maravilhosa quanto a ária de soprano das cantatas. Enfim, é uma música realmente universal.

E por que é universal? Ou essa pergunta simplesmente não faz sentido?

A pergunta faz sentido, e acho que a resposta passa pelo fato de a música dele fazer sentido tanto para o músico mais simples como para o músico mais arrojado, para o ouvinte mais simples e o mais arrojado. A sua música é de uma beleza contagiante e de uma complexidade intrigante, que estimula tanto o leigo quanto o especialista. Bach é um compositor que fascina.

Apesar de ele não ter tanta coisa para orquestra, você pode dizer que é mais difícil reger Bach?

Na verdade, Bach não é especialmente difícil. O problema é que hoje as orquestras tendem a especializar-se muito, e os maestros também. Eu rejo mais obras do período romântico, a música germânica e a russa dos séculos XIX e XX. Rejo menos as obras clássicas e barrocas simplesmente porque existe uma demanda maior por aquele repertório. Por outro lado, tenho necessidade de trabalhar com a música de Bach, mesmo com a orquestra com que trabalho, que é uma orquestra moderna, com instrumentos modernos. Neste sentido, sim, pode-se dizer que Bach se torna um pouco mais difícil, porque a interpretação da orquestra será comparada às abordagens puristas que se vêm fazendo, com instrumentos de época e toda a exploração dessa técnica.

Essa tendência continua em voga hoje em dia. Mas não era mais intensa há algumas décadas?

Continua em voga, sim. Evidentemente, hoje existe mais liberdade, o que é muito bom. Não me oponho a nenhuma das abordagens: gosto das versões românticas de Bach, com grandes orquestras, e gosto também das versões com instrumentos de época e orquestras pequenas. Enfim, para mim o que vale é a qualidade da apresentação, a excelência da apresentação.

Glenn Gould tocando Bach, por exemplo?

Maravilhoso! Maravilhoso, único, fantástico. Excêntrico e fantástico.

Agora, voltando para a questão da relação do maestro com a orquestra, é possível afirmar que a orquestra é o instrumento do maestro?

Sim! A orquestra é o instrumento do maestro, ou seja, ele sozinho não é nada, precisa da cooperação dos músicos, de um trabalho conjunto e harmonizado.

Neste caso, até onde vai a liberdade do maestro, até que ponto ele está livre para criar? Penso por exemplo numa declaração do Karajan, que certa vez disse: “Quando eu era jovem e regia na Alemanha, era comum reger o finale [da 7ª Sinfonia de Beethoven] muito mais devagar do que se ouve hoje em dia. Eu sabia que aquilo não estava certo, mas não podia sair da tradição devido à dificuldade de interpretar o conteúdo interior da música”. Até que ponto você se sente livre para mudar o tempo, fazer a sua interpretação etc.?

Sou contra o abuso. Tudo pode funcionar muito bem quando feito na medida certa. Principalmente no caso da música, que depende essencialmente do espaço e do tempo. Depende muito do instrumento que o maestro tem nas mãos, e nesse sentido a orquestra é como um carro: às vezes você tem um carro com uma enorme potência, às vezes um carro com menos potência; esse carro pode ser enorme ou pequeno; às vezes você tem um carro muito sofisticado numa estrada de terra esburacada, por exemplo. Ou tem um 4×4. Ou seja, existem tipos de orquestras e tipos de espaços onde essa orquestra irá se apresentar, que são os teatros e as salas de concerto.

E a música também não existe num tempo absoluto. “Este é o tempo definitivo, e não pode ser nem mais rápido nem mais lento”: não! Isso depende, por exemplo, de quantos músicos você tem na orquestra: se for uma orquestra maior, é preciso acomodar o som e o tempo precisa de mais amplitude. Se a sala for enorme, com muita reverberação, os tempos não podem ser muito rápidos ou a música embola, perde a clareza.

Todos esses fatores precisam entrar em consideração. Por outro lado, acho que não se pode alterar aquilo que está na página musical, corrompendo a idéia do compositor. Na verdade o maestro está sempre servindo o compositor que deixou a informação na página.

Aliás, isso também é curioso. Existem compositores que são absolutamente minuciosos. Johannes Brahms, Beethoven, Bartók são muito minuciosos. E outros são completamente diferentes: Villa-Lobos, por exemplo. Ele compôs mais de mil obras e nenhuma delas foi revisada por ele mesmo. Muitas vezes faltam dinâmicas, articulações etc. Ao invés de usar o tempo para fazer a revisão de uma obra, o Villa-Lobos preferia compor mais três! E esse é o estilo dele. Beethoven já não: ele revia, reescrevia. Por isso que o maestro precisa ter conhecimento para saber diferenciar uma obra de outra e, certamente, a tradição também colabora para que se possam manter certas alterações ou não.

No fim das contas, eu sou a favor dessa liberdade que vem de inspiração com conhecimento. Uma inspiração bem fundada, não simplesmente uma coisa aleatória que vem e não se sabe o porquê. É preciso ter uma justificativa por que vai se fazer desta forma e não de outra. Senão é melhor manter exatamente aquilo que o compositor pede – eu respeito as interpretações que são mais fiéis ao texto.

O curioso é que, quando se tenta uma “extrema pureza”, descobre-se que no fim das contas ela não é possível. Ou seja, uma parte é sempre do maestro ali, naquele momento e naquele lugar…

Exatamente; se não, a música pode tornar-se fria, e eu tenho certeza de que nenhum compositor gostaria de ouvir a sua música interpretada de maneira fria. O Gustav Mahler, por exemplo, também foi um compositor minuciosíssimo. A vantagem do Mahler é que, antes de ser compositor, ele já era maestro, e continuou maestro a vida inteira. Ele conhecia como ninguém a orquestra e o seu funcionamento. Por isso, nas suas partituras dá indicações de, por exemplo, reger aqui em 2, reger aqui em 4, reger ali em 3. Porque ele sabia exatamente o que queria, quais as dinâmicas etc. Foi um dos primeiros compositores a colocar tanta informação na partitura, e até a criar novos termos musicais.

Mas, ao mesmo tempo que tinha toda essa preocupação, um dos intérpretes preferidos do Gustav Mahler foi o Mengelberg, um holandês diretor da Concertgebouw. E Mengelberg desprezada muitas das indicações do próprio Mahler. Ele fazia a seu modo, e Mahler adorava! E é isso mesmo, no fundo acho que todo compositor que ouvir a sua música tocada com honestidade, com muita garra, com muito fogo e com muita paixão, vai gostar. Vai gostar, mesmo que a interpretação tenha idéias diferentes das que ele propôs.

Uma história que me parece ilustrar isto muito bem foi o encontro entre o Gerswin e o Alban Berg, em 1928. Como anfitrião, o Berg convidou um trio de cordas para tocar uma de suas composições para o visitante americano. Depois da apresentação, o Gershwin, que era, digamos, um pouco inseguro, ficou completamente perplexo com o que havia ouvido e por isso relutou quando o Berg o convidou para tocar uma das suas músicas ao piano. A resposta do Alban Berg foi, na minha opinião, sensacional: “Mr. Gershwin, music is music”. Como quem dissesse, “Vá lá e toque, porque música é música, não interessa que seja diferente”.

Por outro lado, também não é tão fácil assim: “Música é música”, mas e daí? Não seria necessária uma educação musical? Você acha que ela é possível e proveitosa?

Penso que é exatamente isso: “Música é música”. E dando continuidade a esta magnífica frase do Alban Berg, digo que não importa o gênero, não importa o instrumento: o que importa é a qualidade da música e da sua interpretação. E a educação musical começa com aprender a apreciar a música. E, sobretudo, aprender a apreciar o que é bom.

Os meus filhos, por exemplo, ouvem de tudo, todos os estilos de música. Acho fantástica justamente a exposição a toda essa diversidade. Eu, pessoalmente, gosto tanto de música de concerto quanto de techno music
e afirmo que existe techno music de excelente qualidade: inteligente, bem feita e bem trabalhada. Música de raiz, MPB, jazz… Enfim, gosto até de música étnica, com instrumentos exóticos que não me são muito familiares, porque há qualidade nela, enquanto muita música clássica não tem qualidade nenhuma.

Muitos compositores clássicos escreveram coisas que você vai ouvir uma vez e nunca mais quererá ouvir de novo. São músicas que cairão no esquecimento porque têm mesmo de cair no esquecimento. Na época de Bach existiam centenas de compositores e apenas uma dúzia sobreviveu aos dias de hoje. Na época de Stravinski, a mesma coisa. No tempo de Mozart então, mais ainda! São raríssimos os compositores do período clássico que sobreviveram.

Por outro lado, a música erudita não exige um pouco mais do ouvinte?

Acho que não! A música clássica bem executada só exige talvez um pouco mais de concentração, de um espaço adequado. Na verdade, todo tipo de música foi criado para um espaço específico, e só vai funcionar bem neste espaço. Há, por exemplo, música feita especialmente para piano bar, e é perfeita para isso. A música de câmara foi pensada para uma “câmara”, um ambiente pequeno para poucos instrumentistas. Jamais terá o mesmo efeito se um quarteto de cordas tocar numa sala para 3.000 pessoas: é preciso ficar perto do músico…

Como a música clássica nasceu num ambiente mais requintado, dentro de palácios da aristocracia, ou numa igreja, ela requer um ambiente propício. Ao ouvir música clássica como fundo musical, por exemplo, nunca se consegue o mesmo efeito. Mas também ouvir música de piano bar numa sala de concerto não é certo, sempre vai parecer que falta alguma coisa.

Por isso, penso que não é uma questão de requerer mais do ouvinte, mas de poder dispor do ambiente onde se possa ouvir de maneira adequada.

Mas não requer nenhum conhecimento técnico, histórico?

Não, em princípio não. Basta ser música boa e bem executada. Porque a própria música tem em si a sua força. É como um grande livro: o livro está ali e você precisa lê-lo, concentrar-se. Mas a história pode ser fascinante para qualquer tipo de público, até para crianças! Ou seja, tudo depende da forma como vai ser apresentada, contada e absorvida. A música é universal, e por isso tem impacto em qualquer tipo de público.

E dentre os compositores, você tem os seus preferidos? A gente falava de Bach, mas quem mais?

Bach é meu compositor preferido, o que eu mais admiro. Mas diria que são três imbatíveis: Bach, Mozart e Beethoven, nessa ordem.

Beethoven é também um compositor com quem me identifico. Além de regê-lo com mais freqüência, ele também é muito central na música clássica. Está ali no final do século XVIII, começo do XIX, justamente a meio caminho entre o barroco e a música dos séculos XX e XXI. Beethoven é muito central em vários sentidos: as orquestras não são nem muito pequenas nem as enormes orquestras de hoje; ele é fundamental na música sinfônica, mas também desenvolveu o quarteto de cordas, a música de câmara, a música para voz e os concertos. E tudo simplesmente com uma qualidade absoluta e com uma mensagem universal.

Beethoven foi um grande humanista, mas ao mesmo tempo uma pessoa de fé. Ele era religioso no sentido de saber da existência de um Criador, com o qual sempre teve uma relação muito conflituosa, mas ao mesmo tempo muito pessoal. Beethoven, através da sua música e da sua vida, discutia com Deus, argumentava sobre o porquê das coisas, a razão de a vida ser como ela é. E o que se vê é Beethoven, na verdade, fazendo as pazes com a vida, aceitando. E ao mesmo tempo expressando profunda gratidão: isso é que é maravilhoso nessa pessoa e na sua música!

É a mesma coisa gostar de ouvir um compositor, e gostar de reger as obras de um compositor?

Interessante, porque há muita música que gosto de ouvir e não posso reger. Muita música de câmara, muita música que são canções com acompanhamento de piano. Ou música para piano solo, em que vivo sonhando: “Puxa, preciso orquestrar essa peça, ela é linda demais”. Mas depois penso: “Não, não vai soar tão bem quanto no piano solo“. Clair de Lune de Debussy, por exemplo, é uma das peças pelas quais sou apaixonado e quero fazer alguma coisa com orquestra, mas questiono-me, porque ela é perfeita ao piano solo.

Mas as peças que rejo, adoro ouvi-las todas. E quero ouvir diferentes versões; gosto muito de ouvir versões completamente diferentes das minhas, porque a música transcende. E também para ver como se pode ter a liberdade de interpretar de várias formas: porque você sempre enfatiza certos aspectos, e não necessariamente um é mais importante do que o outro. Mas, enfim, gosto de reger aquilo que gosto de ouvir, e vice-versa.

E não há a necessidade de voltar a certas obras?

O que sempre é fundamental é estar absolutamente apaixonado por aquilo que estou regendo no momento. É uma entrega, um entrar na mente e na alma do compositor para poder realmente fazer jus à obra. Isto é essencial, e de fato fico absorvido pelas obras que estou regendo.

E isso acontece sempre?

Às vezes eu tenho que reger coisas que não necessariamente quero reger. Mas realmente encaro isso com uma mente muito aberta e busco a beleza da peça, como se tivesse garimpando umas pepitas de ouro dentro de um vasto rio, buscando encontrar onde está a beleza. E faço isso para conseguir dar a tudo a melhor forma possível. Às vezes, chego à conclusão de que aquela peça não vale a pena, que é um esforço demasiado, que nem eu percebi esta beleza nem muito menos o público, aí é melhor engavetá-la. Ou obras em que chego à conclusão: “Não, essa obra não é para mim”.

Há  algum exemplo em que você chegou a essa conclusão?

Na verdade, não muitos. Acabo tendo um relacionamento muito forte com todas as peças que rejo. Por outro lado, existem algumas obras que, por escolha, eu não quero reger. E é engraçado, porque não quero regê-las por causa da inspiração da obra, da mensagem ou do texto, de que por princípio eu talvez discorde. Há obras de cuja música gosto muito, gosto de regê-las, mas por ser contrário à mensagem da peça vou deixá-las de lado…

Algum caso concreto de que você se lembre?

Carmina Burana . É uma peça que já regi muito e gosto de regê-la. Ultimamente, porém, tenho analisado, prestado mais atenção na sua mensagem, e vejo que vai contra princípios meus, contra coisas em que acredito firmemente; portanto, penso que não devo expor essa mensagem. É uma mensagem em que não acredito, apesar de a música ser boa, uma música linda, uma música de que gosto. Nesse sentido, pretendo tomar mais cuidado com as escolhas que faço.

Você diz que não gostaria de reger os Carmina Burana por uma questão de princípios. Então o artista em geral, e o maestro em particular, têm de levar isso em consideração? Há uma dimensão moral na arte?

Para mim, isto é claro. Você pode causar danos à sociedade com coisas que aparentemente não têm maior importância. Há sempre um risco de difundir uma mensagem que acaba sendo nociva, por isso acho que é preciso concentrar-se naquilo que é bom, naquilo que edifica e constrói. Não é possível sublimar uma coisa que é, na sua essência, algo ruim e destrutivo.

Wagner entraria nisso, ou é diferente? Porque aí o problema não é a música, mas enfim…

Wagner… É curioso, nunca fiz a produção de uma ópera de Wagner. A música dele que faço é puramente instrumental e, abstraindo-se a essência da música, é de uma beleza também universal. O Wagner não era das pessoas com o caráter mais íntegro, mas a música dele…

Na verdade, para mim ele é uma prova de como Deus é justo. O sol brilha sobre todos, justos e ímpios, assim como a chuva cai para todos. Wagner é um gênio, tem esse dom genial, e isso é independente das escolhas que ele fez, de como usar esse talento e de como ser enquanto pessoa. O ser humano faz escolhas, tem a liberdade de escolher o rumo que vai tomar. E nem por isso a música dele deixa de ser absolutamente genial, uma música divina.

Isso acontece com o ser humano em geral: você vê pessoas brilhantes com um caráter questionável, quer pelas atitudes, quer pelas ações ou pelas obras, mas isso não diminui a sua genialidade e poder criativo. Por isso, penso que consigo separar as duas coisas.

Quando ouço a voz do Pavarotti, emociono-me, e sempre ia ouvi-lo. Independentemente da personalidade, do caráter, de como tratava as pessoas, tinha uma voz maravilhosa.

De fato, as saídas fáceis que buscamos – querer julgar um compositor por critérios unitários – sempre são falsas. Voltamos à frase do Berg: “Music is music”.

Por outro lado, como você enxerga o caráter transcendente na obra de arte e na sua vida? Qual a relação da religião com seu trabalho – se é que essa pergunta faz sentido?

A questão da fé faz sentido a partir do momento em que creio que nós existimos porque fomos criados, e que Deus criou o universo, a natureza. Uma das primeiras manifestações do Criador é a natureza, esse universo maravilhoso com todas as suas belezas, que vemos e que se mostram absolutamente perfeitas quando percebemos que há uma ordem em tudo. E eu acho que a música é um dom divino, é uma dessas bênçãos, uma forma de comunicação que transcende épocas, idiomas, nacionalidades…, tudo. Encaro a capacidade do ser humano de fazer música, de interpretar música, como um grande privilégio que nos foi dado.

A religião e o seu trabalho se complementam? Você acha que é possível ser maestro e não ter fé?

Penso que é possível, sim. É possível ser uma pessoa sem fé e ser um grande intérprete, inclusive de obras religiosas. O que é preciso é ter essa sensibilidade. Penso no Réquiem de Verdi, por exemplo, que se declarava ateu e escreveu uma obra baseada num texto religioso que simplesmente transcende; que é, enfim, maravilhosa. Isso para mim também é uma das provas de como Deus é justo, como uma pessoa que o rejeita é capaz de fazer algo tão bem quanto tantos outros. No fundo, isso é o amor do Criador, para mim isso prova simplesmente o Amor – e isso me nutre e inspira.

No entanto, se rejo uma obra religiosa e acredito naquilo que estou regendo, com certeza ela tem uma força maior. Quando rejo a Missa Solemnis de Beethoven, ou a Missa em Dó Menor de Mozart, e acredito em cada palavra que está sendo cantada, para mim aquilo passa a ter uma importância que transcende simplesmente a execução musical e a beleza da escrita.

Então você diria que é uma experiência mais completa? Ou é mais intensa…

Mais intensa, não diria mais completa. Porque é muito direta…

É como o que se diz de Bach: que ele seria a pessoa mais feliz do mundo, porque, quando queria conversar com Deus, simplesmente sentava-se e escrevia uma cantata…

É por aí. Bach, como Davi, simplesmente fazia tudo através da poesia e da música.

A formação de músico é muito exigente e exclusiva. Você teve contato com outras áreas – filosofia, literatura…? Isso é importante?

Considero isso essencial. Tive contato com outras áreas, encantei-me com filosofia e literatura. Assim como disse que o primeiro contato com uma ópera de Puccini é maravilhoso, o primeiro contato com Shakespeare, ou com Platão, causa um impacto inacreditável. Faz-nos pensar: “Como alguém foi capaz de discorrer sobre a vida e sobre esse assunto de uma forma tão inteligente, clara, sensata e bela?” Isso me causa um fascínio. Também a música expressa idéias de uma forma muita clara, mas através de outro meio. Assim como as artes plásticas…

Tudo isso torna-nos seres humanos mais experientes e, na medida em que envelhecemos, que vivemos e podemos identificar-nos mais com as situações e as inspirações que há nessas grandes obras, tudo isso vai ficando sempre mais maravilhoso. O conhecimento também pode ser destrutivo, e é preciso tomar cuidado com isso, é claro; mas quando o absorvemos de forma positiva, torna-se fundamental para o desenvolvimento do ser humano, e também o do artista.

Voltando à regência, você disse agora há pouco que acaba regendo mais música dos séculos XIX e XX, que é uma música mais complexa em vários sentidos… Acha que um maestro pode errar mais na música a partir do romantismo que antes, por exemplo?

Não, isso não faz sentido. Errar tecnicamente no repertório pode ser mais comum a partir do século XX, porque tecnicamente a música se torna mais complexa. Stravinski, Bartók e tantos outros que se seguiram depois exigem muito do maestro. Mas de forma alguma você pode dizer que a música anterior não exige a mesma entrega.

E como entender o modernismo? – porque muitas coisas mudam a partir de Stravinski, Schoenberg, Debussy. Entre elas, por exemplo, a relação com o público, que fica estremecida, ou a relação com a crítica… Às vezes, parece-me que a música perde a função de agradar, ou que passa a agradar de maneira diferente: em todo o caso, é certamente muito mais difícil que Schoenberg nos agrade. Quase tenho a impressão de que é uma música feita para ser lida, não ouvida… E a própria música mudou muito. Você gosta da música que foi feita a partir dali?

Em relação à música dodecafônica, tentou-se estabelecer uma regra que, parece-me, acabou por tornar-se uma camisa-de-força. Tentou-se estabelecer alguns limites para escrever música que julgo desnecessários. Mas se você prestar atenção em Alban Berg, que de todos os compositores dodecafônicos foi o mais inspirado, encontra composições maravilhosas. Mesmo o próprio Schoenberg, e também Webern, conseguiram algumas músicas geniais, apesar das limitações que eles se impuseram.

Enfim, é uma música menos acessível, mas também muito interessante. Na verdade, é mais gostoso executar do que ouvir esses três compositores. É gostoso tocar Schoenberg, pois desafia técnica e emocionalmente, porque é uma música linda de se tocar.

Também aprecio muito a música contemporânea, e a moderna igualmente. De todas as formas, até as mais abstratas, mais inovadoras. E o critério é sempre a qualidade. Ligetti, por exemplo, é um desses compositores ultramodernos pelos quais sou apaixonado. Amo a música dele, que é de um efeito extraordinário.

Um ponto importante nessa questão talvez seja o público. De todos os segmentos artísticos, o público de música clássica é o mais conservador. O público das artes plásticas é muito mais aberto, e o do teatro, do cinema, também. Mas isto talvez esteja mudando: conheço pessoas que não são especialistas nem grandes conhecedores de música, que simplesmente vão a concertos, e que adoram a música moderna. Outro dia, um amigo da área de teatro foi a um concerto no qual eu estava fazendo a estréia mundial de um compositor sino-canadense muito moderno. No programa, depois dessa peça, havia uma sinfonia de Brahms. As sinfonias de Brahms são uma das coisas mais belas que existem, mas, curiosamente, esse amigo gostou mais da peça moderna. Disse-me depois: “Não sei, mas isso tem mais a ver com a minha geração, com a minha faixa etária, com aquilo que eu curto”.

Não custa repetir: o importante é sempre a qualidade. A resistência que houve talvez tenha sido fruto de um excesso de radicalidade, quase como um choque. Mas a música, e as artes em geral, caminham à frente das suas gerações, sempre sugerem o novo, aquilo que será.

Para bem e para mal, ou só para bem?

Para bem e para mal. A música moderna passou a ser muito violenta, muito explosiva. Nós vivemos mergulhados nisso hoje, vivemos em cidades barulhentas, com criminalidade. Estamos expostos à violência diariamente, e a música, de certa forma, nos prepara para isso.

Outro ponto é que, quando você está numa exposição de arte, pode escolher quanto tempo dedica a apreciar uma obra. Quando está numa sala de concertos, não tem escolha: é obrigado a ouvir e, se a peça dura quinze minutos, você vai ouvir quinze minutos, a não ser que saia no meio. Na música, não temos muita opção quanto ao quê e ao quanto vamos apreciar, e por isso ela pode ser mais irritante – afinal, somos obrigados a ouvir aquilo que não queremos.

E a situação das orquestras? Hoje em dia, a quantidade de boas orquestras no mundo, e até no Brasil, parece ter aumentado. É um bom momento para a música?

É um bom momento, porque hoje temos mais orquestras de boa qualidade. E isso tende a melhorar, principalmente agora, graças a essa nova lei da obrigatoriedade do ensino musical em todas as escolas. Ainda vamos colher os frutos dessa decisão acertada.

O público existe, está aumentando – vejo isso nos concertos – e o crescimento econômico do Brasil se está refletindo também no investimento na área cultural. Evidentemente, queremos muito mais, porque o investimento em educação e cultura é primordial; basta ver o exemplo dos países asiáticos, que fizeram um investimento maciço na educação e na cultura. Enquanto isso, no velho mundo, assistimos a uma decadência; na Europa e nos Estados Unidos – que também já são “velho mundo” -, o investimento é cada vez menor. Nós vamos começar a fazer o investimento que os EUA fizeram há cinqüenta ou setenta anos, que foi um período maravilhoso para a América do Norte.

O papel de uma orquestra, de um músico, dentro da sociedade é algo que me parece absolutamente claro. Se você quer educar a sociedade, comece ensinando música às pessoas, porque sempre se começa a educação pela sensibilidade. Se as pessoas não conseguem apreciar o belo, não conseguirão fazer o bem e nem aprender o verdadeiro.

Você sente isso? Mesmo com relação à sua experiência recente aqui no Rio de Janeiro, nestes três anos desde que você assumiu a OSB, já parece haver uma mudança perceptível, ao menos para quem está de fora.

Também percebo isso e fico muito feliz. Justamente na música existe uma força muito grande, uma capacidade de impactar as pessoas. Ela nos torna pessoas melhores, mais sensíveis, mais atentas.

Toda a grande música, de certa forma, reflete o espírito do seu tempo, mas por isso mesmo ela dura para sempre, impacta todas as gerações futuras. Por isso Bach é ouvido até hoje. Por isso Beethoven ainda é ouvido; ele tinha tudo a ver com a época dele, os ideais democráticos, da liberdade de expressão e tudo o mais; e por ser tão rico em temas que eram atuais para ele, mantém-se vivo até hoje.

Da mesma forma, podemos ver hoje em dia o exemplo de John Adams, que escreveu On the transmigration of the souls, uma música inspirada e dedicada às vítimas do 11 de setembro. A arte talvez seja a única forma de abordar esse assunto sem que nos percamos em discursos e argumentos. Na sua simplicidade e universalidade, a música consegue transmitir uma mensagem capaz de consolar e de fazer sentido para toda essa geração, e também para sempre.

Nesse mundo, vemos mudar também a posição do maestro. Cada vez mais, o maestro precisa ser um pouco empresário, preocupar-se com orçamentos, com a administração de uma empresa. Isso o incomoda?

Incomoda-me apenas na medida em que me rouba um tempo que poderia dedicar à música em si. Ao mesmo tempo, é necessário e preciso participar dessa discussão. O maestro também precisa estar em contato com a realidade, dentro e fora da orquestra, do público, de quem na verdade mantém aquilo, quer seja o governo, uma empresa privada que nos patrocina ou a venda de ingressos. Hoje não há mais como não fazer parte de tudo isso.

Paralelo a isso está a relação do poder com a música. O próprio Karajan contava que, quando se encontrou com a Margaret Thatcher, ela lhe teria dito que invejava o “poder absoluto” do maestro, a sua figura, o controle que tem sobre a orquestra. Por outro lado, qual a relação que o maestro precisa ter com o poder público, com o Estado? Como você lida com tudo isso? O melhor é esquecer…?

Na verdade, penso que o Karajan deveria ter respondido à Dame Thatcher que nós, maestros, é que invejamos o poder dela, principalmente o poder sobre o orçamento da cultura… Ela simplesmente cortou todos os subsídios, e hoje em dia, infelizmente, os músicos ingleses têm um dos piores salários do mundo, precisam de uma jornada tripla para viver. E isso, em grande parte, graças a Margaret Thatcher, que foi uma excelente administradora sob muitos aspectos, mas certamente não investiu muito na música.

Com relação ao poder do maestro, na verdade não é nada daquilo que se costuma pensar. O objetivo do maestro é conseguir uma unidade sonora para poder servir à música, servir ao compositor. Conseguir fazer com que noventa e tantos músicos toquem com o mesmo propósito, consigam moldar uma frase da mesma forma. A música sinfônica representa isso: um esforço coletivo que produz algo imensamente belo, mesmo que na orquestra existam pessoas completamente diferentes, pessoas que às vezes podem não concordar entre si, mas no momento da performance conseguem realizar algo absolutamente unificado, e tão belo! Isso é que é fascinante e impacta a todos, começando por aqueles que são intérpretes, até chegar àqueles que estão ali, apreciando. É um privilégio o maestro poder ser uma figura de líder nesse processo.

É claro que existem abusos de poder, sobretudo na rotina, nos ensaios, mas isso não é positivo para ninguém. O poder do maestro precisa ser usado para conseguir o resultado de excelência e perfeição com a dignidade que a própria música propõe. A música dignifica o músico e o ouvinte. Esse é o resultado que a gente busca e que deve ser buscado, não outro.

E o sucesso seria apenas uma conseqüência?

O sucesso é a conseqüência de um trabalho bem feito. Hoje em dia, o sucesso tem uma importância maior porque é a partir dele que se conseguem mais recursos para manter o trabalho vivo. Ajuda assim a garantir que o trabalho terá continuidade e, nesse sentido, é importante, sim.

Valéria, faça uma pergunta. Você conhece o Roberto melhor do que eu.

VM: Pergunta para o Roberto… Nossa, acho que sei quase tudo. Mas já lhe perguntei qual é o seu sonho? Até onde você pensa que conseguirá ir, para onde está mirando, até onde quer chegar?

No ano passado, o Kurt Masur esteve dando uma seqüência de Master Classes aqui no Rio de Janeiro, e uma das obras era a quinta sinfonia de Beethoven. Depois de uma semana de Master Classes, aulas e profunda análise dessa obra, chamou todos os que estavam participando e fez um belo discurso, em tom de conversa, e terminou dizendo-lhes: “Olhem, vou completar oitenta anos de idade daqui a umas semanas e, se Deus quiser, ainda terei alguns anos de vida pela frente, talvez uns três ou quatro. O que quero dizer é que pretendo passar boa parte desse tempo estudando Beethoven”. Aquilo foi muito marcante, porque não consigo imaginar uma pessoa que conheça mais Beethoven do que ele…

Por isso, acho que não há limites para o que posso explorar na minha área e na minha profissão. O meu objetivo é fazer bem aquilo que faço, da melhor maneira possível. Fazê-lo com excelência e tornar-me um maestro cada vez melhor. E sempre digo honestamente: a minha primeira experiência em reger foi na igreja, regendo obras muito simples para públicos muito simples, apresentações ao ar livre em praça pública na Vila Zelina, na Vila Prudente… Alguns anos mais tarde, regi a Filarmônica de Nova York no Central Park para noventa mil pessoas, e não posso dizer que reger a Filarmônica de Nova York para noventa mil pessoas tenha sido mais importante, melhor ou mais gostoso do que reger um grupo de jovens amadores na Vila Zelina. Não! Tive o mesmo prazer, o prazer de fazer algo bem feito e de poder deixar uma marca nas pessoas que estão tocando e ouvindo. Não vai fazer muita diferença se eu estiver aqui, no Rio de Janeiro, em Ribeirão Preto, em Calgary ou em outra cidade. Quando eu saio do palco e aquela sinfonia de Brahms foi muito bem tocada, fez jus àquela grande partitura, é uma sensação de missão cumprida.

VM: Você está sempre rodeado de gente. Quem são os seus amigos? Família é família, e você está sempre presente; mas quem são as pessoas com que você conta?

Quem são meus amigos? Você sabe muito bem que é a minha melhor amiga! O Joshua, meu filho, é o meu melhor amigo. Tenho conversas com ele – conversas curtas demais! -, mas falo com ele, explico-lhe algumas coisas pelas quais estou passando, e ele me conta coisas dele, depois oramos juntos e lemos a Bíblia. Sinto que ganhei o dia quando fazemos isso! Não existe coisa semelhante à relação entre pai e filho, porque é um amor incondicional. E com você igualmente, que é minha esposa; temos um vínculo já de vários anos…

De resto, sou uma pessoa de alguns poucos amigos. O Hugo, por exemplo, o irmão da Valéria, é o meu melhor amigo: posso ligar para ele a qualquer hora da noite, ou posso também ficar meses sem falar com ele, e quando nos falamos não mudou nada. Ele não precisa de mim para nada, não tem nenhum interesse, e eu também não tenho. Somos amigos porque nos respeitamos, gostamos um do outro, e vamos ser amigos para sempre.

O Sr. Armando, que é a pessoa com quem fui morar quando fui para os Estados Unidos, é outro grande amigo. Também é uma pessoa com quem posso ficar um ano sem falar, mas quando eu chego lá nada mudou, sempre tem um conselho dos mais sábios à disposição. Sei do carinho e do amor que ele tem por mim, e vice-versa.

É uma amizade, são amizades que construí com muito tempo, porque não sou uma pessoa fácil: sou bastante esquisito às vezes, sou um pouco aéreo, não dou atenção imediata para ninguém, deixo-me absorver completamente pelo trabalho e pela música. Também não sou uma pessoa de muito contato físico, de abraçar – não! As minhas amizades são amizades que crescem aos poucos.

Perdi tragicamente o meu melhor amigo, uma pessoa que eu realmente amava, e sinto-me como se tivesse perdido um braço; perdi uma parte de mim quando essa pessoa foi embora. Era o Reginaldo, também um cunhado, casado com a minha irmã. Ele morreu em um acidente de carro quando tinha trinta e três anos de idade; era seis anos mais velho do que eu, e me ficou um buraco. Esse é um amigo, porque até hoje penso nele praticamente todos os dias. O meu único consolo é que sei que vou encontrá-lo novamente um dia. Sei disso como tenho certeza de que isto aqui é um café que vou tomar. Assim: vou encontrá-lo. Vou encontrar-me com o Reginaldo um dia, e olhá-lo novamente nos olhos.

 

Roberto Minczuk é diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Filarmônica de Calgary, e diretor artístico do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão. Dentre os prêmios que recebeu nos últimos anos estão o Martin Segall; o Grammy Latino de Melhor Álbum Clássico, com o CD Jobim Sinfônico; o Emmy e o APCA como Melhor Regente de 2006. Com a Filarmônica de Londres, gravou obras de Ravel, Piazzolla, Martin e Tomasi, e com a Sinfônica do Estado de São Paulo, a integral das Bachianas brasileiras e outro CD dedicado a danças brasileiras.

Guilherme Malzoni Rabello é engenheiro naval, membro-fundador do Instituto de Formação e Educação (IFE) e Doutor em Neurociência pela UNIFESP com pós-doutorado em Neurociência pela “New York University”.

 


NOTAS:

[1] Em música, a memória auditiva capaz de reconhecer as notas pela freqüência de vibração do som (altura).

[2] A famosa cantata de Carl Orff, elaborada a partir de um conjunto de canções medievais em latim vulgar e dialeto alemão medieval, chamada Carmina Burana (“canções de Beuren”) porque os manuscritos originais provêm do mosteiro de Bene-
diktbeuren, na Baviera. Os autores anônimos dessas canções parecem ter sido na sua maioria goliardos, isto é, estudantes universitários mais assíduos na taverna que em sala de aula… A seleção feita por Orff pretende ser uma parábola da vida humana: principia pelo símbolo da “roda da fortuna”, expressão do destino cego que ora ergue o homem, ora o lança na lama; exalta a natureza, os prazeres e o vinho, e o amor fútil; e termina novamente por um apelo à Fortuna.


Entrevista publicada originalmente na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Edição nº 2, Dezembro/2008.


Imagem: extraída do site de Roberto Minczuk, disponível [online] no link <http://www.robertominczuk.com/App_Themes/red/images/header.jpg>. Último acesso em 01/09/2015.

 

Entre a arte e a ciência (por Roger Scruton)

Artes | 23/07/2015 | | IFE CAMPINAS

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"View of Beirut", 1861, Edward Lear

“View of Beirut”, 1861, Edward Lear

 

Quando Mohamed Atta enfiou o vôo 11 da American Airlines na torre norte do World Trade Center, no dia 11 de setembro de 2001, deu expressão ao seu ressentimento para com tudo o que aquele prédio simbolizava: o triunfo do materialismo secular, o sucesso e a prosperidade da América, a tirania do mercado financeiro e a hybris da cidade moderna. Exprimia também um antigo rancor para com o modernismo arquitetônico, rancor que já havia manifestado na sua dissertação de mestrado para a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Hamburgo. O tema dessa dissertação foi a antiga cidade de Aleppo, danificada pela implacável perseguição movida pelo presidente sírio Hafiz al-Assad contra a Fraternidade Muçulmana e danificada ainda mais pelos arranha-céus que apagam os contornos das ruas antigas e se erguem bem acima dos dedos finos e implorantes das mesquitas. A sucata do modernismo representava, para Atta, um símbolo da impiedade do mundo moderno e do seu desprezo brutal pela cidade muçulmana.

As antigas cidades do Oriente Médio, captadas nos belos desenhos e aquarelas de Edward Lear, eram lugares onde comunidades muito unidas se abrigavam em torno das mesquitas e onde os minaretes tocavam o céu num gesto de oração contínua. Eram lugares de piedosa laboriosidade, e as suas vielas, pátios e bazares – o pano de fundo típico das narrativas árabes, das Mil e uma noites até os romances de Naguib Mahfouz – ocupam um lugar inamovível na memória dos muçulmanos, especialmente daqueles que, como Atta, se encontram flutuando entre estranhos nas ruínas de concreto da cidade ocidental.

Hoje, essas cidades antigas do Oriente Médio estão muito diferentes, com as mesquitas pateticamente esmagadas pelos arranha-céus gigantescos, os antigos pátios comprimidos entre prédios de apartamentos populares e as vielas rasgadas por avenidas. Apesar de as causas desse desastre social e estético serem muitas – uma delas a superpopulação, outra a corrupção e, no caso da Arábia Saudita, a especulação imobiliária da família Bin Laden -,
não se pode negar que o modernismo arquitetônico tem a sua parcela de culpa. Foi o projeto insano de Le Corbusier para Argel que lançou a idéia de que as antigas cidades muçulmanas poderiam ser completamente remodeladas sem se levar em conta nenhuma das necessidades religiosas e sociais da população. Embora somente uma horripilante parte do projeto tenha sido construída, este é, no entanto, estudado assiduamente nas escolas de arquitetura como uma das grandes “soluções” para um problema que ninguém havia percebido antes de Le Corbusier.

O “problema” consistia em como encaixotar as pessoas numa cidade e depois permitir que elas se movessem livremente por ela. A solução do arquiteto foi construir pistas elevadas para carros enquanto a população se amontoava em blocos de apartamento debaixo delas. Casas e vielas antigas deviam ser demolidas e edifícios comerciais gigantescos deviam ser construídos à beira-mar, reduzindo a nada mesquitas e igrejas. O prefeito da cidade, eleito pelos moradores, opôs-se a esses planos, o que levou Le Corbusier a aproximar-se do governador não-eleito da província (um francês) para pedir-lhe que passasse por cima do prefeito. “O projeto deve prevalecer”, escreveu. “É o plano que está certo. Ele proclama realidades indubitáveis”. E ainda em 1941, como líder da Comissão Nacional de Construção Civil do governo de Vichy, insistia em classificar os seus planos para Argel como prioridade máxima.

Nunca ocorreu a Le Corbusier que a natureza congestionada de uma cidade muçulmana é o subproduto natural de um modo de vida. Pátios e vielas exprimem a própria alma dessa comunidade – uma comunidade que pára cinco vezes ao dia para rezar, que se define a si própria pela obediência e pela submissão e que se refugia na família sempre que as coisas se complicam. São justamente as avenidas e os edifícios que matam a cidade muçulmana e enviam os seus filhos para o estrangeiro, cheios de ódio e sede de vingança – como Atta – contra o modernismo que os desenraizou.

* * *

Quando a cidade de Nova York, na esteira do terrível crime de Atta, começou a pensar na reconstrução do ground zero, não faltaram sugestões sobre o que se deveria fazer. A minha preferida era o projeto de Alexander Stoddart e outros, proposto nas páginas do City Journal. Este projeto envolvia um retorno à escala e à densidade da parte mais antiga do baixo West Side, e a restauração de um bairro de finalidade mista, residencial e comercial; o principal espaço público seria a rua, ao invés dos assépticos parques e praças. O antigo calor e aconchego dos bairros de Nova York voltariam a instalar-se por meio do frutífero entrelaçamento do trabalho com a residência e o lazer.

Projetos como esse, porém, não atraem a atenção das autoridades municipais, uma vez que quase todas procuram símbolos que mostrem quão esclarecidas são, e a maioria delas engoliu a doutrina de que a arquitetura é uma arte que deve ter como meta a sua própria vanguarda. Cidades que contam com corporações de alto nível profissional e financeiro para financiar os seus projetos, confiam-nos a um grupo cada vez menor de arquitetos-superstars escolhidos em função da sua capacidade de chocar o gosto dos cidadãos comuns com edifícios que se tornam causes célebrespor recusarem ostensivamente qualquer integração com a vizinhança.

A maioria desses arquitetos-superstars – Daniel Libeskind, Frank Gehry, Richard Rogers, Norman Foster, Peter Eisenman, Rem Koolhaas – adquiriu todo um repertório de blablablá pretensioso para mostrar claramente a sua genialidade àqueles que, de outra maneira, não o perceberiam. Ao gastar o dinheiro que pertence a eleitores ou acionistas, as pessoas deixam-se facilmente convencer por esse jargão, pois estimula a sua vaidade levando-as a acreditar que investem numa obra-prima original e revolucionária. Não surpreende, pois, que o prefeito Michael Bloomberg, o então governador George Pataki e o arrendatário Larry Silverstein tenham sido atraídos pelo projeto de Daniel Libeskind, que consistia em substituir as torres do World Trade Center por um fantástico conjunto de caixas de vidro assimétricas, uma delas dotada de uma sinuosa “Torre da Liberdade” que atingiria exatamente 1776 pés quando se acrescentasse no seu topo uma antena de rádio, também esta deslocada com relação ao centro do edifício.

Libeskind, o arquiteto do Museu Judaico de Berlim, é conhecido por projetar edifícios que são esculturas expressionistas, construídos para desafiar a gravidade, a estabilidade e a comunidade, e que envolvem custos enormes e geralmente imprevisíveis na sua construção. Foi este último fator que persuadiu Bloomberg, Pataki e Silverstein a confiar o projeto a Skidmore, Owings e Merrill, na intenção de torná-lo econômica e estruturalmente viável. Foi o que a empresa fez, descartando pura e simplesmente os planos de Libeskind e recomeçando do zero, a fim de produzir uma tediosa fileira de torres sem beleza alguma, alinhadas ao redor de um espaço aberto sem propósito nenhum –
a velha solução da Bauhaus, que tem desagradado a todos em todo o mundo, de Vladivostok a Los Angeles, da Cidade do Cabo a Aberdeen.

Libeskind é um dos alvos de John Silber em Architecture of the Absurd (“Arquitetura do absurdo”), um franco ataque aos arquitetos-superstars e aos seus projetos dispendiosos e auto-afirmativos [1]. Silber é reconhecidamente uma autoridade na moral e na filosofia da religião de Kant, e também um acadêmico que, sem nunca esconder a sua opinião de ninguém que lhe cruzasse o caminho, pôs a Universidade de Boston entre as melhores do país durante a sua administração. Além disso, é filho de um arquiteto e passou muitos dos seus anos de formação no escritório do pai, aprendendo as técnicas de um ofício que nunca viria a praticar. Aposentado, retorna agora a esse seu interesse juvenil e produz uma argumentação vivaz e convincente contra o culto do “gênio”, que teria exercido uma influência perniciosa sobre a arquitetura moderna.

A arquitetura, segundo Silber, não é uma arte “privada” como a poesia, a pintura e a música, cujas inovações podem ser oferecidas aos “iniciados” sem maltratar o gosto e as expectativas de nós outros. É uma realização pública, com um impacto inevitável sobre todos os que fazem uso da cidade e das suas ruas. Deve satisfazer o cliente, mas igualmente o público, que só deseja uma arquitetura que combine bem com as redondezas. Silber não é avesso ao modernismo e faz elogios (bem mais ardentes do que eu jamais me animaria a fazer) ao festejado edifício Seagram, de Mies van der Rohe, que se tornou o modelo de todos os prédios de escritório de vidros escuros encontrados em qualquer lugar da Europa e da América. O seu verdadeiro alvo é a egolatria, especialmente a egolatria que busca a originalidade em detrimento da harmonia e lança toda a humildade aos quatro ventos em nome da necessidade urgente de “aparecer”. Foi isso, pensa Silber, que culminou no culto ao gênio – um culto que pode ter sido importante na revitalização de artes como a poesia, a pintura e a música, mas que não tem cabimento na arquitetura.

Sim, não há dúvida de que há arquitetos que são geniais: Michelangelo, Palladio e mesmo Frank Lloyd Wright. Mas uma cidade não é obra de gênios. É obra de humildes artesãos e efeito colateral do seu contínuo diálogo consigo mesma. É um tecido em constante crescimento, remendado e costurado à medida que os nossos costumes mudam, de modo que a ordem surge pela “mão invisível” dos desejos que as pessoas têm de se relacionarem com os seus vizinhos. É isso o que produz cidades como Veneza e Paris, onde mesmo os mais grandiosos monumentos – San Marco, Notre Dame, a praça Vendôme, a Scuola di San Rocco – confortam os olhos e irradiam um sentido de pertença. No passado, os gênios faziam o máximo para que houvesse harmonia entre o seu projeto e a rua, o céu e o espaço público – como Michelangelo em São Pedro -, ou criavam, como fez Palladio, todo um vocabulário que fosse a língua franca de uma cidade em que todos pudessem sentir-se em casa.

Em contrapartida, a nova arquitetura do absurdo, exemplificada pelo insanamente dispendioso e bombástico Museu Guggenheim de Gehry em Bilbao, é projetada para desafiar a ordem dos arredores, para destacar-se como a obra de um artista inspirado que não constrói para as pessoas, mas “esculpe o espaço” em função das suas próprias finalidades expressivas. Silber não esconde a sua ira perante esse tipo de presunção e usa palavras duras e impactantes para falar do Stata Center do MIT projetado por Gehry, um edifício que, precisamente por pretender ridicularizar os velhos conceitos de paredes e janelas, já está cheio de vazamentos e rachaduras nas junções. A denúncia feroz de Silber detalha todas as deficiências do prédio, incluídos os custos muito maiores do que o orçamento inicial e os gastos necessários para a manutenção.

Mas a crítica mais forte é, de longe, a que evoca a figura de Le Corbusier – que, como Gehry, tinha a mesma concepção apriorística da construção e também se via a si próprio como um gênio revolucionário. Uma vez que o Stata Center devia abrigar todos os pesquisadores altamente qualificados que o MIT vai colecionando, Gehry decidiu projetar um interior que os encorajasse a interagir, a compartilhar idéias, a amplificar a criatividade mútua, permitindo-lhes passar as idéias de sala em sala como se fossem bolas de futebol. Livrou-se assim das paredes internas, tornou transparentes todas as divisões e expôs tudo em espaços abertos, desagradáveis e vazios por causa das cores infantis de supermercado que gritam pelos corredores abertos. Esse tipo de apriorismo da parte de um arquiteto que jamais se deu ao trabalho de observar outros membros da sua espécie, lembra os projetos de Le Corbusier para um hospital em Veneza, no qual não devia haver janelas e todas as portas se abririam para dentro, o que fomentaria a absoluta tranqüilidade de que nasce (segundo o arquiteto) a convalescença. Na vida real, porém, pesquisadores precisam de paredes, privacidade e solidão, se queremos que algum dia produzam idéias que possam passar para os seus colegas, assim como os doentes precisam de luz, ar e contato com a vida exterior, se queremos que melhorem.

São convincentes as críticas que Silber faz a Gehry e Libeskind, e ainda mais a sua rejeição absoluta de Josep Lluís Sert, ex-decano da Harvard Design School, clone de Walter Gropius e seguidor de Le Corbusier, que atulhou Boston e Cambridge dos seus grotescos e desagradáveis monumentos a si mesmo e destruiu a Universidade de Boston com a repulsiva torre da Faculdade de Direito. O que, diga-se de passagem, me levou a perguntar por que Silber não a mandou demolir quando foi reitor de Boston, pois, embora a demolição de um edifício modernista seja cara, os gastos logo se recuperam com os reduzidos custos de manutenção de um edifício tradicional edificado em sua substituição. Por animador que seja o livro de Silber, mais animadora e ainda mais necessária para o ambiente cultural dos Estados Unidos de hoje seria a visão de uma “obra-prima” modernista sendo demolida impunemente – e não é que o reitor Silber alguma vez tenha deixado de fazer alguma coisa por saber que encontraria oposição. Hoje, há poucas pessoas que teriam a coragem de fazer aquilo de que o futuro da Universidade de Boston tanto precisa: eliminar do seu pequeno câmpus qualquer traço de Sert, de modo que a Faculdade de Direito possa abrigar-se num prédio realmente conforme com a lei.

Os desastres que Silber relata aconteceram em parte porque, como ele aponta, a educação disciplinada que seu pai lhe exigiu foi deliberadamente destruída. Poucas escolas de arquitetura ensinam hoje os seus alunos a desenhar paisagens urbanas, fachadas ou figuras humanas; poucas ensinam os alunos a criar composições valendo-se das regras clássicas ou desenhar fenômenos profundamente significativos e transitórios, como a incidência da luz num capitel coríntio – técnicas necessárias que treinam a mão e o olho e que ensinam os arquitetos a prestar atenção em algo mais interessante que eles próprios. A Engenharia e o desenho técnico tomaram o lugar de tudo isso, e o resto não passa dehype – blablablá desconstrucionista projetado para vender qualquer tipo de escultura espacial que você seja capaz de inventar.

Mas qual seria a alternativa? Nathan Glazer afirma no seu livro From a Cause to a Style que as limitações da arquitetura moderna tornam quase impossível para os arquitetos comportar-se como os seus predecessores, que adornavam edifícios com alguma reminiscência eclética do estilo gótico ou clássico, revestiam estruturas de ferro com pedras talhadas e coroavam as fachadas com uma cornija vignolesca em zinco [2]. O que antes era uma solução barata para a demanda pública por ornamento e ordem tornou-se de um custo proibitivo. As maneiras antigas de construir já não são financeiramente viáveis agora que o espaço é limitado, a mão-de-obra especializada é rara e a engenharia de proporções elefantinas é tecnicamente possível e relativamente barata.

Glazer é um sociólogo que dedicou à arquitetura e aos seus efeitos sociais uma atenção considerável ao longo dos anos; o seu livro reúne ensaios bem escritos que relatam a sua desilusão crescente com os estilos e arquétipos modernistas. Como muitos socialistas bem-intencionados (coisa que ele era na época), Glazer em princípio foi um entusiasta da mentalidade planificadora que fincou raízes na Grã-Bretanha do pós-guerra e que procurou varrer os cortiços superlotados e insalubres, substituindo-os por torres higiênicas cercadas de espaços onde a população pudesse desfrutar de luz e ar. Essa receita para melhorar a situação da classe trabalhadora das cidades foi mais influenciada por Gropius e a Bauhaus do que por Le Corbusier. Coincidia com o programa socialista, segundo o qual a habitação era responsabilidade do Estado, todos os arquitetos da época tendiam a endossá-la, e parecia oferecer vantagens insuperáveis em comparação com a receita antiga – que em todo o caso era antes um subproduto da liberdade do que uma escolha consciente -, segundo a qual as casas deviam ficar uma ao lado da outra ao longo da mesma rua.

Contudo, Glazer chama a atenção para o fato de a principal oposição ao projeto modernista de habitação não ter vindo dos críticos, mas das próprias pessoas a que esses projetos eram destinados. Para a surpresa dos planejadores, a população resistiu à tentativa de demolir as suas ruas e de eliminar as doenças familiares e domesticadas que grassavam nos seus quintais atulhados. As pessoas não gostavam nada de viver dependuradas no ar, nem de olhar por uma janela e não ver coisa alguma; queriam a vida da rua, queriam sentir a vida ao seu redor e ao mesmo tempo saber que podiam trancá-la do lado de fora ou deixá-la entrar conforme quisessem. Queriam ter os vizinhos ao lado, não acima ou abaixo. E a maioria delas queria uma casa própria, não uma que fosse propriedade da prefeitura e que depois não pudesse ser transmitida  como herança para os filhos. A tentativa de “bauhausizar” a classe operária foi, portanto, rejeitada pelos próprios operários, que nesse caso como em tantos outros se recusaram a fazer o que os socialistas lhes ordenavam até serem coagidos a fazê-lo pelo Estado.

Assim como Silber, Glazer tem um resto de simpatia pelo modernismo, apesar de, também como Silber, reconhecer que os arquitetos se tornaram individualistas, excêntricos e auto-referentes por causa da suposta competência que o modernismo lhes confere. Os arquitetos-superstars não agradam mais a um que ao outro, e Glazer tem sábias palavras sobre o estrago que o egoísmo arquitetônico é capaz de fazer no entramado de uma cidade, particularmente nos monumentos públicos, em que a população deseja enxergar o “nós” e não o “eu”. Apesar de simpatizar com as abrangentes críticas que o Príncipe de Gales [3] tem feito aos últimos cinqüenta anos de urbanização, Glazer reluta em defender o tipo de retorno aos princípios clássicos proposto por Leon Krier, arquiteto do Príncipe em Poundbury [4]. Glazer procura entender o descontentamento público com os edifícios modernistas, freqüentemente vistos como ofensas à cidade. A alternativa, diz ele, não é nem Levittown [5] nem Poundbury, mas algo que ainda está por surgir, não se sabe como, da crescente percepção pública de que nem tudo está bem nas nossas cidades e de que muito daquilo que perdemos era melhor.

É aqui que entra Nikos Salingaros [6]. A arquitetura, afirma ele, é governada por princípios universais e intuitivos exemplificados em todos os estilos bem-sucedidos e em todas as civilizações que deixaram a sua existência plasmada em construções. A própria vida segue esses princípios e controla o processo que, num organismo complexo, liga uma parte a outra e cada parte com o todo. Reconhecemos intuitivamente a autoridade desses princípios porque correspondem aos nossos processos vitais internos; sentimo-nos à vontade em edifícios que os seguem e desconfortáveis em edifícios que não o fazem. Os contornos, as escalas, os materiais e as superfícies uniformes dos prédios modernos desprezam deliberadamente esses princípios, o que basta para explicar os sentimentos de hostilidade que provocam. A solução não está em retornar aos estilos clássicos (embora Salingaros, ao contrário da maioria dos críticos de arquitetura, não tenha uma aversão puritana a isso); está em retornar aos primeiros princípios e construir dentro dos seus limites, como o fez Gaudí em Barcelona.

Salingaros não é o primeiro a acreditar que os princípios arquitetônicos podem ser expressos com um rigor quase matemático. Neste sentido, reconhece explicitamente a sua dívida para com Christopher Alexander, arquiteto e teórico austríaco naturalizado inglês que hoje leciona em Berkeley e há décadas tem proposto consistentemente a mesma idéia central. Há um modo atemporal de construir, diz ele. Tem milhares de anos e continua a ser hoje o mesmo do passado. Os grandes edifícios tradicionais do passado, os vilarejos, as tendas e os templos em que as pessoas se sentem em casa sempre foram feitos por indivíduos que estavam muito próximos do núcleo central desse modo de construção. Quando não é seguido, torna-se impossível construir edifícios ou cidades espetaculares, lugares belos, lugares onde uma pessoa pode sentir-se ela mesma, pode sentir-se viva. E, como veremos, esse caminho conduz quem quer que queira segui-lo a construções cuja forma é tão antiga como a das árvores e das montanhas, como a forma dos nossos rostos.

Alexander apóia essa tese de vastas repercussões (proposta em The Timeless Way of Building [7]) numa espécie de gramática gerativa das formas arquitetônicas. Lança mão de um conjunto de regras que, se forem postas em prática pelo arquiteto, produzem resultados capazes de ser entendidos pelo usuário normal dessa construção, o qual reconstrói inconscientemente o processo que lhe deu origem.

Salingaros, por sua vez, é professor de Física Matemática na Universidade do Texas em San Antonio. É também um intelectual consciencioso e preocupado com a sociedade, e pensa que os erros encerrados no vernáculo modernista representam uma séria ameaça à possibilidade de habitar nas nossas cidades. Por toda a parte do mundo moderno (e não por último em San Antonio) podemos encontrar evidências disso: com exceção das cidades unificadas pelo emaranhado das suas ruas e quarteirões ancestrais, como as italianas e francesas, ou daquelas que não se desintegram graças a essa espécie de entusiasmo centrípeto que cria o núcleo fervente de São Francisco e Nova York, as cidades vêm-se tornando cada vez mais alheias aos seus moradores, que vêm fugindo delas aos magotes. Ora, desde sempre a cidade é o centro da vida social e criativa, e se fugimos dela acabamos por refugiar-nos numa solidão estéril, como a descrita por James Howard Kunstler (The Geography of Nowhere, 1993 [8])
e Robert Putnam (Bowling Alone, 2000 [9]). Para Salingaros, portanto, nenhuma causa é mais importante que o retorno à ordem natural da arquitetura, que permitirá que voltemos a sentir-nos em casa em um ambiente urbano.

O segredo dessa ordem natural encontra-se no conceito de escala. Os edifícios bem realizados não tiveram o seu tamanho e a sua forma escolhidos, por assim dizer, numa só penada, como se tivessem sido moldados previamente em fôrmas – embora seja precisamente isso o que acontece no caso dos monstros de concreto armado que assolam as nossas cidades. Os edifícios bem realizados atingem o seu tamanho e a sua forma, afirma Salingaros, através de uma hierarquia de escalas que nos permite “ler” as suas dimensões maiores como amplificações das menores. O arquiteto ascende da escala menor à maior por meio da repetida aplicação de uma “regra escalar” que exige que a passagem de um nível para o imediatamente superior se faça através da multiplicação por uma constante.

A escolha dessa constante não é arbitrária, porque a própria vida parece favorecer –
nas estruturas fractais dos flocos de neve e dos cristais, nas camadas sobrepostas de tecidos das folhas ou de células – um número em torno de três. É a “regra do um terço” que, segundo Salingaros, foi aplicada pelos grandes arquitetos ao longo da história – por exemplo, ao estabelecer que a largura de uma janela deveria corresponder a um terço da largura da parede em que essa janela se encontra. No fim, por razões em parte matemáticas e em parte intuitivas, Salingaros opta pela constante e (aproximadamente 2,7) como apropriada para produzir uma ordem inteligível em qualquer edificação, permitindo que os todos maiores sejam compreendidos como expressão natural da ordem contida nas suas partes. Qualquer número menor do que esse produziria uma superfície tensa e congestionada, em que não se consegue distinguir claramente as ordens maiores das menores; e qualquer número muito maior do que esse produziria vastos vazios, como os que observamos nas lisas muralhas de vidro que são o pano de fundo cada vez mais habitual da vida urbana.

Salingaros desenvolve essa idéia, e muitas outras, de maneira instigante, argumentando por exemplo que o modernismo já começou errado ao aplicar a famosa rejeição dos ornamentos por Adolf Loos; essa rejeição deixou sem definir o ponto mais baixo da hierarquia escalar, de modo que os níveis superiores ficaram soltos e flutuantes. Também o uso de materiais pré-formatados ou polidos, que não possuem uma estrutura interna fractal, é em ampla medida responsável pela ausência de vida dos edifícios modernos, cujas superfícies carecem daquelas texturas que percebemos na pele, na casca das árvores ou nos paredões de rocha, texturas que se prestam a ser analisadas de acordo com a progressão escalar. De maneira similar, os limites finos que definem os edifícios modernos – pontas de vigas de aço, troncos abruptos de pilotis, encaixes metálicos de janelas que não podem ser abertas ou beiradas invisíveis de portas giratórias -, contribuem todos para deixar os limites indistintos, artificiais e inflexíveis, além de caros e geralmente fabricados fora do local de construção, sem referência às condições e irregularidades locais (a noção de “limites grossos x limites finos” é de Alexander, a quem Salingaros remete generosamente em todo o livro).

Salingaros vale-se da ciência cognitiva e da psicologia evolutiva a fim de mostrar que os modos tradicionais de construção obedecem a leis impostas pelas nossas faculdades cognitivas. A arquitetura sem detalhes significativos ou texturas granulares provoca um estranhamento em nós porque frustra as capacidades visuais e cognitivas com que exploramos o nosso ambiente. Ao mesmo tempo, tal como Alexander, Salingaros considera que as suas teorias revelam analogias profundas e perceptíveis entre arquitetura e vida. Muitas das maneiras pelas quais as células arquitetônicas se desdobram em edifícios imitam as formas de crescimento das plantas e dos animais; e ao tentar estabelecer uma teoria geral desse tipo de desdobramento, Salingaros retoma um tema que o Príncipe de Gales já havia abordado nos seus escritos.

Numa série de ensaios eruditos e tocantes ao mesmo tempo (Anti-architecture and Deconstruction), Salingaros e vários colegas próximos defendem uma compreensão da arquitetura como pano de fundo da comunidade humana, como a preparação do local onde moramos [10]. Salingaros atribui o modernismo radical dos arquitetos-superstars menos ao egoísmo que a um desejo niilista de negar o caráter gregário das comunidades e de infestar o nosso entorno com objetos que nos impedem de ter conforto. Para ele, o problema não está no culto ao gênio, mas sim no espírito desconstrucionista que se espalhou pelo mundo intelectual como um vírus que desfaz todas as maneiras normais de pensar. Arquitetos como Gehry e Libeskind não constroem para a cidade, mas contra ela – e o mesmo vale para os arquitetos-superstars desde o momento em que Piano e Rogers desferiram o golpe decisivo contra Paris com o Centro Pompidou. Num vívido ensaio sobre Libeskind, Salingaros vai ainda mais longe e diagnostica a desordem entrópica dos projetos de Libeskind como “geometria da morte”: quando aparecem nas nossas cidades, fazem-no como uma espécie de maldição, como estruturas vampirescas que se alimentam da vida do seu entorno.

É impossível resumir num espaço pequeno todos os argumentos que Salingaros aduz para mostrar o que houve de errado e como deve ser retificado. Nem sempre o autor convence – há nele um quê de apriorismo só redimido parcialmente pelo fato de reconhecer que as suas teorias devem fundamentar-se na nossa intuição visual, não em provas matemáticas. No entanto, nenhum leitor de A Theory of Architecture conseguirá ignorar a seriedade de tom e a profundidade de observação plasmadas no texto, nem deixará de apreciar os muitos insights tanto sobre a beleza dos antigos estilos populares como sobre o vazio ofensivo do estilo modernista.

É um sintoma da desesperadora situação do nosso ensino de arquitetura que esse livro e a compilação de ensaios só possam ser encontrados graças a uma obscura editora alemã (distribuída pela ISI), ao passo que os escritos de Le Corbusier e Sigfried Giedion são publicados por editoras universitárias e considerados de leitura obrigatória em praticamente todos os cursos de arquitetura de todas as faculdades. Um dia, Salingaros talvez venha a tornar-se leitura obrigatória dos arquitetos. Se isso acontecer, pode ser que surja uma nova “ortodoxia”, uma ortodoxia na qual a humildade, a ordem e a preocupação social – as virtudes expurgadas dessa disciplina pelos arquitetos-superstars – venham a ser norma. E é possível que, quando isso acontecer, não precisemos de um John Silber para ordenar a demolição de todos e cada um dos prédios de Sert.

 

Notas

[1] John Silber, Architecture of the Absurd. How “Genius” Disfigured a Practical Art. Quantuck Lane, 2007, 128 págs.

[2] Nathan Glazer, From a Cause to a Style: Modernist Architecture’s Encounter with the American City. Prince-ton: Princeton University Press, 2007, 310 págs.

[3] Charles, filho de Elizabeth II, publicou um livro e fez um documentário chamados A Vision for Britain, em que advoga por um urbanismo tradicional, pela retomada de uma escala mais humana nos edifícios e pela restauração das construções históricas, integradas ao desenvolvimento urbano. Segue em geral as idéias de Christopher Alexander e Leon Krier (N. do T.).

[4] Poundbury é um vilarejo experimental criado nos arredores de Dorchester com base nas idéias urbanísticas do Príncipe Charles (N. do T.).

[5] Levittown é um subúrbio de Nova York, o primeiro inteiramente planejado nos EUA, que serviu de modelo para bairros posteriores desse tipo. Muitas das características das casas particulares modernas surgiram ali (N. do T.).

[6] Nikos Salingaros, A Theory of Architecture. ISI Books, 2007, 278 págs.

[7] Christopher Alexander, The Timeless Way of Building, Oxford University Press, 1979, 552 págs. (N. do T.).

[8] James Howard Kunstler, The Geography of Nowhere: The Rise and Decline of America’s Man-Made Landscape. Free Press, 1993, 304 págs. (N. do T.).

[9] Robert Putnam, Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community. Simon & Schuster, 2000, 544 págs. (N. do T.).

[10] Nikos A. Salingaros, Anti-architecture and Deconstruction. ISI Books, 2007, 210 págs. (N.do T.).

 

Artigo traduzido da revista The New Criterion, vol. 26, fevereiro de 2008, página 4. Copyright © Roger Scruton, 2008. Todos os direitos desta tradução reservados a Dicta&Contradicta.

Roger Scruton , PhD em Filosofia por Cambridge com uma tese sobre Estética, interessa-se especialmente por arquitetura. Atualmente, leciona Filosofia no Institute for the Psychological Sciences, tanto em Washington como em Oxford. Além de colaborar com diversas revistas, publicou recentemente, entre outros, os livros A Political Philosophy(Continuum Books, 2006), The West and the Rest (ISI Books, 2001), Culture Counts: Faith and Healing in a World Besieged (Encounter Books 2007) e a terceira edição de A Dictionary of Political Thought (Palgrave Macmillan, 2007).

Tradução de Cristian Clemente, licenciado em Letras pela FFLCH-USP.

Publicado originalmente no site da Revista Dicta&Contradicta.

FINANCIAMENTO COLETIVO À PEÇA “HAMLET FACE À MORTE – ÚLTIMO ATO”

Artes | 07/07/2015 | | IFE CAMPINAS

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Foto: Divulgação.

 

O Grupo Tempo de teatro já apresentou sua versão do Hamlet de Shakespeare em vários locais do Estado, como Limeira, São Caetano do Sul e Campinas. Em Campinas podem-se destacar as apresentações que fizeram no Teatro SESI Amoreiras (14/09/2014) e no Teatro Castro Mendes (15/11/2014), com platéias cheias e diversos elogios. Porém, como todo trabalho, é preciso melhorar e, para isso, farão uma apresentação em praça pública virtual para finalizar sua versão do Hamlet (“Hamlet face à morte – Último ato”). Para este último ato, que terá várias melhorias em relação às apresentações anteriores, eles contam com contribuições/doações via Catarse, que é um projeto de financiamento coletivo. Participar contribuindo traz benefícios para o próprio contribuinte, que podem ser vistos no link do projeto: https://www.catarse.me/hamletfaceamorte

O projeto visa uma profissionalização da peça, a fim de, por exemplo, “aprimorar a qualidade da produção do espetáculo”, com uma obra de arte clássica que traz reflexões fundamentais da existência, como amor e morte.

A respeito da dinâmica do projeto, o Grupo Tempo diz:

Assim como o nosso cenário provisório foi construído com arrecadações colhidas em praça pública, em troca de poemas e cenas de William Shakespeare, o Grupo Tempo se apresenta agora na praça pública virtual, para finalizar HAMLET face à morte.

Abaixo colocamos um resumo deste projeto e do trabalho, por considerarmos um projeto qualitativo em termos culturais, o que condiz com o ideário do Instituto de Formação e Educação (IFE). Aos que contribuírem e forem assistir desejamos desde já uma boa peça!

O Grupo Tempo é uma companhia teatral fundada e coordenada por Roberto Mallet há mais de duas décadas, à qual, no início de 2014, uniu-se um grupo de 7 jovens atores, recém-egressos do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas.Com a colaboração (e sob a direção) de Mario Santana, o grupo mantém 2 espetáculos em cartaz – dois monólogos de Roberto Mallet: “Lições de Abismo”, uma adaptação do romance homônimo de Gustavo Corção, e “Auto-escola de arte dramática GREGORIO”, uma introdução à arte teatral com Mallet e Gregorio, seu clown.

Agora, em parceria com o músico e diretor musical Marcelo Onofri, o grupo parte para mais uma montagem, diferente de suas anteriores por lançar-se ao desafio de adaptar um dos maiores clássicos da literatura ocidental: “HAMLET face à morte” é uma versão do imortal texto shakespeariano, contado por nós, uma trupe de atores que acompanha seu mestre. Para conseguir os recursos necessários para a finalização da produção do espetáculo, o Grupo Tempo recorreu ao site de financiamento coletivo catarse.me, e pede o apoio de todos que desejem contribuir com a arte e a cultura e que confiem no nosso trabalho. Faltam só 5 dias para o fim do prazo do projeto, e se não atingirmos a meta, todo o dinheiro será devolvido aos doadores e não ficaremos com nada.

Conheça o nosso trabalho, e contribua conosco, participando do último ato de HAMLET face à morte!

https://www.catarse.me/hamletfaceamorte