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Os gênios das artes: Mozart

Artes | 26/01/2015 | | IFE CAMPINAS

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Mozart é um caso único na história da música, ou melhor, na história das artes. Aos cinco anos já compunha, ainda que com a ajuda do pai. Viveu apenas 35 anos (1756-1791) e escreveu 626 obras. Já em sua época, um dos grandes nomes da música e maior nome da música então, Joseph Haydn, disse a Leopold, pai de Mozart que “seu filho é o maior compositor que conheço (…). Ele tem gosto e, além disso, o maior conhecimento possível da ciência da composição.” (Op. Cit. pág. 138)

Quando adolescente, conta-se a história de que havia uma composição que era executada apenas na Capela Sistina, o Miserere de Allegri. A música era muito bonita, mas ninguém tinha autorização para fazer cópias da partitura. Entretanto, Mozart assistiu à uma apresentação da obra. Fixou-a na memória e foi correndo ao hotel em que estava hospedado. Em uma segunda audição corrigiu os erros que havia feito. Em pouco tempo a música caiu em domínio público. ¹ (Vida de Mozart, H. De Curzon, pág 48). Outro fato que se conta sobre o modo como Mozart demonstrava seu talento era o plano de programa de concerto que ele exibiu em 1770 (14 anos). O jovem Mozart apresentava as suas composições e, em seguida, um concerto para cravo era apresentado e executado à primeira vista, ou seja, um outro músico tocava uma composição inédita para o jovem que logo após a repetia integralmente.

Conhecido como menino prodígio nas cortes européias, pois o pai viajava com o garoto pela Inglaterra, França, Itália desde que ele tinha 6 anos, Mozart sofreu com o fato de que quando cresceu já não despertava a curiosidade das pessoas, apesar de ser Konzertmeister na Corte de Salsburg desde os 13 anos de idade, onde permaneceu até os 25 anos. Um paralelo para que se possa entender a mudança pela qual passou o compositor é o ator mirim que quando criança faz sucesso, mas ao crescer já não é mais “engraçadinho”.  O crítico Otto Maria Carpeaux analisou assim o fato: “Quando Mozart cresceu, o público esperava dele milagres, mas quando os realizou não estava preparado para assimilar a sua genialidade” (História da Música Ocidental). O crítico John Stone também vê assim o desenvolvimento de Mozart: “O magnífico progresso do menino Mozart pela Europa como prodígio de Salzburg teria sérias consequências quando, como rapaz, ele teve de enfrentar o mundo não mais como uma excentricidade encantadora e muito favorecida, mas como um artista supremo (Mozart, um compêndio, págs. 160-161)

Com esse pensamento, Mozart pediu demissão do cargo na corte de Salzburg no dia 8 de junho de 1781. A relação do compositor e do arcebispo Colloredo, responsável por sua nomeação, não era das melhores. Mozart mostrava insatisfação não só com o trabalho que lhe era solicitado: tinha de tocar na Igreja, na corte, na capela, ensinar os meninos do coro, compor música religiosa e secular, mas, principalmente com o tratamento que lhe era dado. A gota d’água foi o dia 8 de abril. Mozart foi obrigado a tocar para o arcebispo na mesma noite em que a condessa Thun o convidara para se apresentar em sua residência. Não seria nada de mais, caso não fosse a presença do imperador na casa da condessa. Além disso, Mozart receberia o equivalente a metade do seu salário anual para esse concerto. Parte para Viena.

Em Viena – 1781-1791

Ao contrário do que se pensa, Mozart não viveu na pobreza em Viena. Os primeiros anos passados na corte foram de muito sucesso. Apenas nos últimos anos de sua vida passou por dificuldades financeiras. Os críticos analisam esse fato tendo em vista o meio social em que vivia, entre os ricos, e em uma cidade cara e devido à sua condição de “freelancer”: somente em 1787 ele teve um emprego com salário regular. Deve-se levar em conta também a opinião do pai do compositor sobre a sua maneira de ser: “Se não precisa de nada, então fica imediatamente satisfeito, se torna despreocupado e preguiçoso. Se é forçado à atividade, então se agita e quer prosperar imediatamente.” (Carta à condessa Waldstätten, 23 de agosto de 1782). Em 1782 casa-se com Constanze Weber, que teve seis filhos. É também durante essa primeira etapa em Viena que Mozart tem duas doenças graves

Em relação à música, os primeiros anos são de grande atividade. Compõe serenatas, os seis quartetos dedicados a Haydn, as óperas “As Bodas de Fígaro” e “Don Giovanni”. Em 1782-3 compõe três concertos para piano e no ano seguinte mais seis.

A genialidade

O que mais surpreende os críticos da obra de Mozart é que não há uma relação direta entre a obra e a vida do compositor. Sente muito a morte do pai, em 1787, mas em sua obra nada se nota. Em maio morre Leopold, em agosto compõe a sua obra mais popular até hoje, a Pequena Música Noturna (Eine Kleine Natchmusik, KV 525).

Há duas características da obra de Mozart que são pouco admiradas hoje em dia, mas que sempre acompanharam os grandes artistas. A primeira é que nunca buscou a originalidade. A segunda era a preocupação de Mozart em fazer músicas que fossem acessíveis ao grande público, como explica em carta ao pai: “Aqui e ali só os entendidos podem extrair satisfação, mas de uma tal maneira que o não entendido se agradará sem saber por quê (28 de dezembro de 1782).”

É de se notar que suas últimas composições o fizeram voltar às origens. Mozart não compunha música sacra desde 1781. Mas no último ano de sua vida compõe duas obras belíssimas: Ave verum corpus e o Réquiem.

Essa última gerou muitas lendas. Mas se sabe hoje que foi encomendado por um misterioso personagem que não era nenhum enviado do além, mas um aristocrata que gostava de encomendar obras em sigilo para exibir como suas. Aliás, atualmente, até esse fato é contestado. Ao que tudo indica, o tal misterioso, o conde WallseggStuppach, costumava fazer apresentações em sua casa para que os participantes adivinhassem quem era o compositor (Mozart, um compêndio, pág. 370).

Outro belo fato sobre essa composição é que Mozart, no leito de morte, pediu para que os que estavam ao seu lado cantassem um trecho do hino, Lacrimosa:

Lacrimosa dies illa                         Dia de lágrimas será aquele

qua resurget ex favilla                   no qual os ressurgidos das cinzas

judicandus homo reus.                  serão julgados como réus.

—–

Huic ergo parce, Deus                  A este poupa, ó Deus

pie Jesu Domine                           piedoso Senhor Jesus

Dona eis requiem, Amen.             Dá-lhes repouso. Amém.

 

Vale a pena ouvir:

Eine Kleine Natchmusik – KV 525 (numeração da obra). Composição mais famosa de Mozart, porém, não a mais bela, mas de um charme irresistível

 Quartetos a Haydn – KV 458, chamado posteriormente de “A caça” e KV 428 (de um total de seis, todos ótimos). Como o título diz, dedicados ao famoso compositor Joseph Haydn.

Requiem – KV 626

Ave Verum corpus – KV 618

Concerto para piano e orquestra, KV 595 – especialmente o segundo movimento, um dos mais belos da história da música.

 

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista e publicitário e Gestor do Núcleo de Literatura do IFE Campinas.

Tire esse seu piercing do caminho que eu quero passar com a minha dor – por Iura Breyner

Artes | 15/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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Foto: Användare:Zelina (Wikimedia Commons)

Foto: Användare:Zelina (Wikimedia Commons)

 

Hoje, não por acaso, escutei a canção “Piercing” de Zeca Baleiro, uma reflexão profunda sobre a vida contemporânea e seus contrastes. A letra começa assim:

“Quando o homem inventou a roda, logo Deus inventou o freio. Um dia, um feio inventou a moda… e toda a roda amou o feio.” – uma provável alusão à inteligência humana, a uma ampliação sempre crescente dos limites de sua liberdade e a conseqüente imprevisibilidade que, por assim dizer, obriga Deus a pôr freio, como forma indireta de controle, ou moderação.  Na continuação, faz referência a “um feio” – indivíduo ou grupo humano – fora do padrão, que, por sua vez despadroniza por contágio a outros indivíduos e ambientes que em algum momento e por razões diversas incorporam ou padronizam o que antes era considerado “contra-padrão”.

Lembrei-me por um instante de como alguns movimentos sócio-políticos de caráter contestatório como o “Hippie e o “Punk[1], surgidos nos EUA e Europa entre os anos 70 e 80, foram rapidamente absorvidos pelas mídias dos grandes centros urbanos dos cinco Continentes, transformando-se em modas febris e passageiras que desfiguraram total ou parcialmente a mensagem-mãe daqueles movimentos. Pensei mesmo nas mais importantes invenções e descobertas do homem, como por exemplo, a roda e o domínio do fogo com seu efeito-dominó, cuja última peça não seja outra que não aquela em que O Próprio Deus resolva pôr – quando queira – o Seu Divino Dedo.

Pergunto-me se a questão seria mesmo a da incontrolável inteligência humana e não a da sua inata liberdade, pela qual cada geração e cada indivíduo tem o poder e a responsabilidade de deliberar seu rumo histórico.  Neste caso, de modo algum teria sido Deus a inventar o freio, mas o próprio Homem, sujeito ativo e passivo de seu  livre arbítrio, como único ser na natureza com capacidade de domínio e controle sobre os demais seres e os de sua própria espécie.

Voltemos à letra da música; desta vez ao refrão que a intitula: “tire o seu piercing do caminho, que eu quero passar, quero passar com a minha dor!”. Demos um salto na história  e nos contextualizamos na chamada pós-modernidade; o período cultural urbano do “pós-guerra”, ou da guerra e da morte institucionalizadas nas culturas urbanas do nosso mundo.

A letra faz referência à velha canção de Nelson Cavaquinho – “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor…” – a referência na letra é sublinhada pela melódica; uma espécie de “colagem musical” em que uma voz chorada e abafada canta ao fundo a segunda parte do trecho original como resposta à provocação recriada da primeira. Agora já não é mais o sorriso ferino da amada, alheio e até talvez sarcástico ante a dor do poeta desprezado, mas o “piercing” – signo da provocação “punk” à sociedade cuja característica mais marcante é o horror à dor manifestado na hipervalorização do conforto e do prazer e na hipócrita negação da própria realidade com suas imperfeições e cicatrizes indisfarçáveis. Signo desgastado e esvaziado de significação pelo uso excessivo, repetitivo e indiscriminado por esta mesma sociedade que o incorpora, como no evento inicialmente descrito, transformando-o em moda vazia.

O piercing, deslocado de seu contexto inicial e esvaziado de sentido numa sociedade “fast food” deixa de apontar-lhe ironicamente o dedo indicador para trazê-la cuidadosamente no anelar esquerdo. Sim; casou-se com ela e de agora em diante a representa em lugar de acusá-la. É precisamente a este piercing – traidor, representante de uma colorida e atraente bolha de plástico à vácuo – que o poeta Zeca Baleiro impetra que lhe seja tirado da frente para que siga adiante com a sua dor.

E o que é precisamente, esta “dor” do poeta? Voltemos à letra: 

“Pra elevar minhas idéias não preciso de incenso
Eu existo porque penso
tenso, por isso existo
São sete as chagas de cristo
São muitos os meus pecados
Satanás condecorado
na tv
tem um programa
Nunca mais a velha chama
Nunca mais o céu do lado
Disneylândia eldorado
Vamos nós dançar na lama

Bye bye adeus Gene Kelly
Como santo me revele
como sinto como passo
Carne viva atrás da pele

aqui vive-se à míngua
Não tenho papas na língua
Não trago padres na alma
Minha pátria é minha íngua
Me conheço como a palma
da platéia calorosa

Eu vi o calo na rosa
eu vi a ferida aberta

Eu tenho a palavra certa
pra doutor não reclamar
Mas a minha mente boquiaberta
Precisa mesmo deserta
Aprender aprender a soletrar

Tire o seu piercing do caminho,
Que eu quero passar, quero passar com a minha dor…”

Em que pode consistir a dor de um poeta? A sua dor é a dor da vida; a dor do mundo que grande parte do mundo não sente; a dor de um homem com o pé na terra e o desejo no infinito; um homem inteiramente sozinho no sentir e sorver o paradoxo e o mistério da própria existência. A muitos outros homens, a máquina do “panis et circencis” mundial consegue acalmar com suas belas promessas de fogos de artifício, mas não a uma alma de poeta. Ela passa por entre as mesas e os espetáculos que aos demais delicia – ela mesma tantas vezes pão e circo entre outros, para os outros – alimentando-se apenas das migalhas pobres do prazer alheio, qual peregrino no deserto em busca do Paraíso perdido.

A alma de um poeta passa, vê, aponta e vai-se embora mambembe. Pode até ficar no mesmo lugar anos a fio, mas não permanecem os mesmos, nem o poeta, nem os que por ele passam, nem o terreno à volta de seu passo. Adentrando as inóspitas terras de si mesmo, ele faz andar o mundo que o cerca. Neste passar por entre outros, a alma de um poeta deixa rastros de si mesma, de sua insatisfação com este mundo e também da direção para a qual seu caminhar – mesmo que incerto – aponta: a do Absoluto.

Por isso o passo de um poeta nunca passa despercebido e na maioria das vezes incomoda e muito. Os pesados homens do “não pense” atiram-se sobre ele; tentam comprá-lo, moldá-lo ou anulá-lo a todo custo: “a modernidade é uma matilha de cães raivosos e assustados…” diz a letra; e é assim mesmo. Uma alma de poeta conhece o vale por onde passa; sabe seus perigos e encantos, mas não se detém a considerar estes ou aqueles; leva em conta apenas a necessidade imperiosa do seguir em frente até a morte – cortina divisória entre o faz de conta e o real.

A alma do poeta não teme a morte – quase a deseja – mas teme sim o tornar-se zumbi – um morto-vivo – em seu próprio mundo. A alma de um poeta deseja atravessar as noites com os olhos, os ouvidos e a boca abertos; deseja olhar, ouvir e dizer. Despreza a palavra macia e falsificada – o falso “belo” dos homens políticos e da mídia comum – ; ama toda palavra, fonte de comunicação entre os homens de bem. Deixo Baleiro cantar:

Não me diga que me ama
Não me queira não me afague
Sentimento pegue e pague
emoção compre em tablete
Mastigue como chiclete
jogue fora na sarjeta
Compre um lote do futuro
cheque para trinta dias
Nosso plano de seguro
cobre a sua carência

Eu perdi o paraíso
mas ganhei inteligência
Demência, felicidade,
propriedade privada
Não se prive não se prove
Dont’t tell me peace and love
Tome logo um engov
pra curar sua ressaca
Da modernidade essa armadilha
Matilha de cães raivosos e assustados&
O presente não devolve o troco do passado
Sofrimento não é amargura
Tristeza não é pecado
Lugar de ser feliz não é supermercado
 

Tire o seu piercing do caminho…”

O que é a felicidade? – pergunta o autor – Em que consiste o ser feliz neste mundo? No conforto? Na ausência de dor? Na posse de uma série de bugigangas que dão status a quem as exibe? Quem sabe num certo grau de demência que faz o homem material e socialmente bem colocado no seu mundo ignorar quase por completo as sub-humanas condições em que vivem outros homens, tão dignos de felicidade quanto ele? Quem sabe, talvez então, não estaria a felicidade na supressão tecnológica e comportamental de toda privação ou provação, na construção artificial de uma espécie de sociedade perfeita na qual palavras como sofrimento, amargura e tristeza sejam definitivamente banidas como “ilegais, imorais ou engordativas”?

Entretanto, se não é possível extirpar da sociedade tais termos, por conta de uns tantos extra-terrestres humanóides que parecem vindos a este mundo só para incomodar com suas deficiências, pobreza e sofrimento, ao menos se pode empurrá-los para o mais longe possível da nossa convivência; seja jogando-os para as periferias de nossas cidades, seja pela construção de muralhas como meios de distinção e segurança para as nossas confortáveis e belas moradias. 

“O inferno é escuro
não tem água encanada
Não tem porta não tem muro
Não tem porteiro na entrada
E o céu será divino
confortável condomínio

Com anjos cantando hosanas
nas alturas nas alturas
Onde tudo é nobre
e tudo tem nome
Onde os cães só latem
Pra enxotar a fome
Todo mundo quer quer
Quer subir na vida
Se subir ladeira espere a descida
Se na hora “h” o elevador parar
No vigésimo quinto andar
e der aquele enguiço
Sempre vai haver uma escada de serviço
 

Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar, Quero passar com a minha dor”
 

Haverá uma ponte possível entre estes dois universos paralelos da pobreza e da riqueza? O que se entende hoje por “caridade”? Dar presentes, roupas, ou comida ao pobre? Onde poríamos a linha que distingue estes dois termos – caridade e justiça?

Bento XVI afirmava magistralmente em sua Encíclica Spe Salvi, que a “Caridade chega onde a Justiça não alcança”. Não que a Justiça não possa ser perfeitamente cumprida neste mundo, o que em sentido estrito é bem verdade, mas não por isso. Ainda que uma sociedade possa alcançar um avançado grau de justiça legal e moral neste nosso mundo contemporâneo, haveria sempre nele a carência desta outra virtude, a da Caridade, que não consiste propriamente em dar o que nos sobra – quando não o que nos estorva mesmo – mas sim em dar-nos a nós mesmos até a última gota do coração com toda a sua capacidade de amar, de querer, de desculpar, perdoar e compreender. A Caridade – o Amor Fraterno – situa-se num nível ligeiramente superior ao da Justiça; anda lado a lado com ela e não a prescinde, mas situa-se em outro patamar moral, o da liberalidade.

Em tal patamar, não busca o homem tal virtude por si mesmo, mas para chegar ao outro. A Justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido. A Caridade consiste num abrir-se total e ilimitadamente ao outro, porque descobre nele a diversidade de dons e valores, ao mesmo tempo que a similaridade da espécie, que nos faz todos iguais em termos de valor e dignidade. A Justiça, como a Caridade e todas as demais virtudes, como tais, consistem em hábitos; predisposições da pessoa para o bem através da repetição de atos morais bons. A virtude, enquanto hábito adquirido e/ou por se adquirir, custa trabalho e persistência.

Todo mundo sabe tudo todo mundo fala”, diz a letra – fácil é falar… “Mas a língua do mudo ninguém quer estudá-la!” : uma claríssima referência à pouca ou nenhuma disposição natural das pessoas a moverem-se no sentido de verdadeiramente escutar; interessar-se sincera e retamente pelos outros. Pergunto-me a respeito deste verso, o quão disposta estaria eu – estaríamos nós – a dar espaço ao outro no meu pensamento e na minha vontade, de forma que o “eu” se ponha voluntariamente em segundo plano em favor do “outro”. Sim, é preciso estar disposta e treinar diariamente:Quem não quer suar camisa não carrega mala; revólver que ninguém usa não dispara bala.”

Tenho que aprender a me enxergar e enxergar o outro, pensando que a fraqueza dele é também a minha. Tenho que entender que todos somos passíveis de engano e erro. Tenho que sair da minha zona de conforto e aprender a me comunicar com aqueles que não são da minha rua ou que não pensam como eu. Tenho que aceitar ser uma estranha para o outro e sentar-me formalmente em sua “sala de visitas” para chegar à intimidade de seu quarto, onde só ele, além de Deus, sabe das dores e alegrias de se ser o que mais íntima e verdadeiramente se é.

“Pra chegar na minha cama tem que passar pela sala
Quem não sabe dá bandeira quem sabe; sabiá cala
Liga aí; porta-bandeira não é mestre-sala
E não se fala mais nisso!
– Mas nisso não se fala!
E não se fala mais nisso

Mas nisso não se fala

Tire este seu piercing do caminho que eu quero passar,
Quero passar com a minha dor!”

NOTAS:

[1] O Movimento hippie surgiu nos EUA nos anos 70, questionando a utilização de homens jovens como “bucha de canhão” pelo Estado em seus jogos de guerra, bem como a hipervalorização das regras morais da sociedade, não na sua essência, mas apenas no seu aspecto formal, e o segundo a exaltação da frivolidade e do luxo da sociedade de consumo ocidental capitalista dos anos 80, especialmente pelas mídias televisivas e cinema americano desta época.

Por Iura Breyner Botelho, especialista em História da Arte e Crítica de Arte.

Espetáculo Musical “Morte e Vida Severina” (Teatro)

Artes | 02/12/2014 | | IFE CAMPINAS

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SINOPSE

Morte e Vida Severina é um poema no qual João Cabral estetiza a árida caminhada dos retirantes sertanejos em fuga da morte iminente propiciada pela seca… fuga que é também uma esperançosa saga em busca de melhores condições de vida… do sertão, mar de miséria, ao litoral com seu mar de concreto e asfalto… mas no caminho rumo a vida o homem topa com a morte a cada curva… e ao chegar desengana-se… será que seguia o próprio enterro?

Retirar-se de um ambiente que ‘seca’ toda forma de vida, animal ou vegetal… que resseca olhos, boca, pele, corpo e a vida dos severinos… os faz sonhar com água, cidade grande e emprego… por que o nascimento de uma criança em condições tão ruins é tão festejado? Será que é o suficiente para continuar a vivermos?

O espetáculo é uma montagem dos alunos do terceiro ano do curso de Artes Cênicas da UNICAMP, como finalização do segundo semestre de 2014.

FICHA TÉCNICA

Direção: Mário Santana

Direção Musical e Composição: Marcelo Onofri

Preparação Corporal: Eduardo Okamoto

Cenografia: Mario Santana e elenco

Concepção de Figurino: Dante Paccola e Vanessa Petrongari

Concepção de luz: Presto Kowask

Elenco: Andressa Moretti, Brenda Avelino, Cadu Ramos, Dante Paccola, Gabriel Corrêa, Marília Magalhães, Natalia Ruggiero, Tato Brasil, Tay Paschoini, Tess Amorim e Vanessa Petrongari

Data: dias 10, 11, 12, 13 e 14 de Dezembro

Horário: 20h

Local: PAVIARTES (Barracão) UNICAMP – Rua Pitágoras, 500.

Entrada franca com retirada dos ingressos uma hora antes do espetáculo.

FONTE: Divulgação (via Marília Magalhães).

Teatro: “Hamlet face à morte” no Teatro Castro Mendes no próximo sábado, 15/11

Artes | 11/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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Cartaz (provisório) de HAMLET face à morte

O Grupo Tempo de teatro – do qual Roberto Mallet, o palestrante do último seminário IFE/ACL, é membro – apresentará a peça “Hamlet face à morte” no  Teatro Castro Mendes de Campinas-SP. Segundo a página do Grupo Tempo no Facebook, “HOJE [11/11/14] COMEÇA a distribuição de ingressos para ‘HAMLET face à morte’, que apresentaremos no Festival de Artes SAE/UNICAMP do dia 15/11, sábado, às 20h, no Teatro Castro Mendes. Lembrando que, a partir de hoje, você pode retirar seu INGRESSO GRATUITO na bilheteria do Teatro Castro Mendes, das 16h às 21h, ou pode retirá-lo no próprio sábado, 15, se ainda houver remanescentes.”

O endereço do Teatro Castro Mendes é R. Conselheiro Gomide, 62, Vila Industrial, Campinas-SP. Telefone (19) 3272-9359. O horário de funcionamento das bilheterias é de 3ª a domingo, das 16:00h às 21:00h.

O release do Grupo Tempo para esta peça é o seguinte:

Sobre a peça “Hamlet face à morte”:

A Dinamarca de Hamlet não parece ser muito diferente do cenário cultural em que vivemos hoje, em que conceitos opacos à luz do sentido e reflexões sem vigor fazem de todos nós covardes, ou razoavelmente honestos: nem tão virtuosos e nem tão vis. Por isso a história do nobre príncipe dinamarquês ainda tem muito a nos ensinar, não nos deixando esquecer o necessário embate com nossa própria condição, o ser no mundo e a única certeza que podemos ter em vida: a morte. Os atores vão à cena como Horácio, assumindo a tarefa de lembrar a todos a história do homem que questionou a própria existência, e com ela, nossa natureza e mortalidade. Pela perspectiva do teatro como isca da mentira, convenção, buscam atrair a carpa da verdade – uma verdade sobre o homem e seu destino final incontornável. Em Hamlet face à morte, é a própria morte quem brada: “Lembra-te de mim!”.

Sobre o Grupo Tempo:

O Grupo Tempo, fundado em setembro de 1992 sob a direção de Roberto Mallet, constrói seus espetáculos aliando o rigor técnico a formas poéticas que, apesar de sua sofisticação, são acessíveis ao público contemporâneo, recusando toda espécie de hermetismo e vanguardismo. Colocando no centro de seu teatro o homem e sua ação no mundo, sua poética tem por matéria a própria ação do ator, gerando metáforas e símbolos que não surgem de maneira direta, ilustrativamente, mas encarnados na própria tessitura da cena. Além das 8 montagens realizadas ao longo desses 22 anos, vem mantendo uma constante reflexão sobre teatro, arte e filosofia, promovendo cursos e seminários, além de oferecer textos para estudo em seu site na internet, www.grupotempo.com.br.

Bienal 2014 – Uma Prova; Uma Provocação (por Iura Breyner Botelho)

Artes | 16/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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Bienal - 2Dia 06 de setembro do mês passado deu-se a abertura da 31ª BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera, evento que perdura até o dia 07 de dezembro deste ano.

Segundo consta no site da Wikipédia, “a Bienal de São Paulo (ou ainda Bienal Internacional de Arte de São Paulo) é uma exposição de artes (em geral de grandes proporções) que, como o nome indica, ocorre a cada dois anos na cidade de São Paulo, mais propriamente no chamado Pavilhão da Bienal, do Parque Ibirapuera. (Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo – acesso em 06/10/2014)”.

Marca registrada deste evento, como na maior parte dos que o antecederam, é a polêmica de cunho religioso e/ou moral, gerada pela presença de trabalhos abertamente acintosos para a religião e a moral cristã,  mais especificamente católicas. Constam entre elas:

– Estruturas de armação, tulhe vermelho e fita cinza com os dizeres: “útero: mi boca cerrada y mi útero abierto” sob o título de “Espaço para abortar” evocando o tema sobre a liberação total do aborto;

– Uma imagem barroca da Virgem da Conceição e o Menino Jesus em uma redoma de vidro com baratas e escorpiões;

– Um Cristo crucificado, sendo devorado por corvos;

– A Santa Ceia dentro de uma frigideira, para ser fritada, e uma imagem de Nossa Senhora, prestes a ser triturada por um ralador de cozinha;

– Outra imagem da Virgem com uma serpente totalmente enrolada em seu corpo, esmagando-a;

– Duas figuras transexuais de mãos dadas, numa foto, unidas por uma espécie de “veia comum”, ligando o coração de um ao de outro sob o titulo “Deus é maricas”;

– Corpos andrógenos e relações homoeróticas em frente a imagens religiosas, como a da Virgem de Guadalupe”;

– Uma Virgem barbada num quadro com moldura dourada”;

– Uma petição a que os grupos são convidados a assinar no final da visita endereçada ao Papa Francisco, para que ele decrete o “fim do conceito de inferno”; entre outras.

Os grupos de militância das causas feministas e homossexuais usualmente tomam posturas radicalmente anti-cristãs/católicas em suas manifestações; isto já é esperado, especialmente quando o assunto é cultura e arte. O discurso comum é que “o Cristianismo e a Igreja Católica inventaram uma crença sobre um Deus Patriarcal e Machista, que só escolhe homens para o seu serviço, que domina as mulheres com a desculpa de que foi Eva ‘quem caiu na tentação e ofereceu o fruto proibido a Adão’ e a imposição do duplo “tabu” sobre a virgindade/maternidade sagradas, únicas opções válidas para a mulher”, etc, etc, etc…

Que sua produção cultural reflita tais idéias e “ideais” é mesmo coisa previsível; o inaceitável numa sociedade chamada pluralista e democrática é a exposição e promoção pública de obras que agridam crenças e valores – quaisquer que sejam – intrínsecas a outros grupos humanos co-habitantes da mesma sociedade. Afinal, se as palavras-chave desta são convivência e respeito mútuo“toda fobia será castigada…” – por que não valeria a regra quando a cultura objeto da fobia é a cristã ou católica?

O título do evento deste ano – “Como (…) coisas que não existem” – é, segundo a explicação do texto do site oficial, “uma invocação poética do potencial da arte e de sua capacidade de agir e intervir em locais e comunidades onde ela se manifesta.”. Neste parêntesis leem-se os seguintes verbos: ouvir, sentir, ler, entender, usar, imaginar, encontrar, lutar com, sonhar com, aprender com, falar sobre, viver com.  Seu logotipo se baseia em um desenho comissionado e uma estrutura tipográfica. O desenho, espécie de carapaça em espiral no formato de uma torre de Babel carregada por um conjunto de pernas e pés humanos, simboliza o esforço conjunto da equipe curatorial unida num caminhar – ainda que incerto (?)* – na mesma direção.

Neste sentido, a equipe caminhou para uma conclusão comum em relação à proposta do trabalho, que é a tangibilidade de tais coisas – que não existem, segundo eles – em ocasiões de confronto entre o que se experimenta como realidade e o que se deseja na vida humana. Tais situações provocam o ser humano no sentido de uma resposta, que pode ser uma fuga ou uma mudança radical – uma “virada” – necessária, urgente, mas nem sempre linear e/ou progressiva.

Para que tal “virada” de fato se dê na mostra como um todo sendo ela mesma uma provocação de “virada” para cada expectador, a equipe curatorial se propõe analisar diversas maneiras de gerar conflito através das obras, já muitas vezes contraditórias em si, bem como através do diálogo e o confronto entre elas. Neste caso a equipe teria alcançado seu intento, antes mesmo de abrir a mostra à visitação pública, na medida em que as temáticas anti-católicas são radicalíssimas e tremendamente agressivas.

Segundo o texto oficial do site “as dinâmicas geradas por esses conflitos apontam para a necessidade de pensar e agir coletivamente, modo mais poderoso e enriquecedor do que a lógica individualista que nos é geralmente imposta (31ª Bienal – Como (…) coisas que não existem. – http://www.31bienal.org.br/pt/information/754; último acesso em 08.10.2014)”. Muito bem, belo intento! Imperou, pois na equipe o respeito mútuo e as opiniões e valores de todos! Pena que tal sentença não foi considerada em relação às comunidades externas ao evento; pelo que esqueceram a regra de ouro: “não fazer para os demais o que não se quereria que se fizesse consigo”.

Em outro desenho, um desdobramento do principal, uma espécie de tronco recortado por linhas espirais multiplica-se em raízes que tocam o “chão” e o “céu” do espaço em pontos diversos. Esta figura, pode talvez representar melhor a proposta deste evento que se funda, segundo o texto explicativo, não em objetos de arte, mas em pessoas que trabalham intrincadamente com projetos colaborativos de grupos, implicando numa espécie de espiral humana aberta que desemboca dinamicamente em diversos setores da sociedade, incluindo os visitantes e seus próprios grupos sociais.

“Essa abertura do processo precisa ser entendida como um meio de aprendizagem: uma troca educacional estabelecida ao longo e em cada um dos níveis e que é, por conseguinte, não resolvida e experimental. (idem; Bienal 2014)” – diz o texto curatorial e nos faz pensar. Diz o refrão que a crítica, para ser válida, tem que ser construtiva e não o oposto. É educativo ridicularizar e menosprezar publicamente crenças e valores morais alheios? A pergunta é lançada à equipe curatorial e ao público leigo, qualquer que seja sua posição em relação ao ponto citado, simultaneamente, através deste artigo, que pretende chegar a uns e a outros.

A expectativa da equipe curatorial é de que todos os que entrem em contato com esta Bienal possam explorar algumas das possibilidades que ela oferece através dos trabalhos, levando consigo algo novo e transformador. Um dado interessante neste sentido é que os trabalhos – instalações, obras e performances – são “itinerantes”, isto é, mudam de lugar constantemente até o fim da exposição. Assim, por meio do que o texto explicativo denomina de “atos artísticos da vontade”, “espera-se desta Bienal que as coisas que não existem possam ser trazidas à existência, contribuindo para uma visão diferente do mundo – potencial provável da arte”.

Neste sentido espera-se que a própria equipe seja provocada, não por uma resposta escandalizada e esparsa à polêmica criada, mas pela pressão da opinião pública em geral que, talvez possa, com ajuda dos profissionais ligados à Arte e à Imprensa abrir-se ao novo e ao inusitado, mas sem gratuitamente engolir fezes humanas a ela lançadas.

Bienal - 1

*A figura em si mesma é dúbia, pois, se por um lado os pés apontam para uma direção que pode mudar em algum momento, por outro, a “cabeça” aponta indubitavelmente para frente e para cima – para o céu e/ou contra ele.

 

por Iura Breyner Botelho, especialista em História da Arte e Crítica de Arte.