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O “métier perdido” e a arte – por Affonso Romano de Sant’Anna

Artes | 17/11/2017 | | IFE BRASIL

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Museu do Louvre, em Paris (Le Louvre et sa Pyramide, de nuit, Free On-Line Photos (FOLP), image 2269)

 

“A pintura neste fim de século está mal. Para quem ama a pátria dos quadros não restará em breve mais que o interior dos museus, como para quem ama a natureza só restarão reservas de praças, para aí cultivar a nostalgia daquilo que não existe mais” (Jean Clair).

 

O que tem a antropologia a nos dizer sobre a crise das artes plásticas no século 20? Venho me fazendo esta pergunta, dentro do clima de celebração, em 2009, dos cem anos de Lévi-Strauss, e depois de ler e reler um texto seu, pouco divulgado: “Le métier perdu” (“O ‘métier’ perdido”). Reli este texto, há alguns anos, no volume Tout l’art contemporain est-il nul? (“Toda a arte contemporânea é nula?”). Neste livro há uma série de autores como Lévi-Strauss, Tom Wolfe, Jean Clair, Henri Meschnnic, Jean Phillippe Domecq, Marc Le Bot, Jean Baudrillard, Luc Ferry e alguns outros, pensando a arte de nosso tempo, essa que se quer “contemporânea” e “pós-moderna”.

O referido texto de Lévi-Strauss é sintomático da complexidade da questão que há cerca de cem anos enfrentamos. Não se pode dizer que este autor seja um “forasteiro” em termos de arte, como em geral retrucam os que não aceitam qualquer critica à arte oficial de nossos dias [1]. Ao contrário, Lévi-Strauss além de ser o mais notável antropólogo do século XX é um bom conhecedor de música (que aplica em suas análises antropológicas) e igualmente conhecedor de literatura e de artes em geral. É um pensador, um artista, um filósofo na pele do antropólogo que, como tal, influenciou o pensamento contemporâneo.

O texto de Lévi-Strauss, primeiramente nos incita a uma re/visão da pintura impressionista, essa arte, esses pintores que se tornaram representantes de uma revolução na pintura e que são tanto cotadíssimos pelo mercado quanto amados pelo público. Ele assinala que “a despeito das obras maravilhosas que produziu, o impressionismo conduziu a um impasse” [2] e que os epígonos não tinham a “ciência” e o talento dos impressionistas primeiros. Por isso, para ele, depois de um século “a história da pintura chegou a um paradoxo” e um “saber precioso hoje desapareceu”.

Além disto, o antropólogo nos sugere, além de uma certa cautela quanto à revolução impressionista, que é preciso pensar na questão de um métier que se foi perdendo no correr do século 20, de tal modo que, já há algum tempo, em muitas escolas de arte, a palavra “ desenho”, “gravura”, “modelo vivo”, se tornaram estranhas, malditas e sinônimo de algo retrógrado a ser definitivamente esquecido e enterrado.

É possível que alguém alegue que Lévi-Strauss não tenha podido apreender algo novo que estava surgindo e que ele tenha generalizado seu severo julgamento sobre a modernidade. Mas há no seu texto algo intrigante que está exatamente na área da antropologia, e só um antropólogo poderia entrar neste assunto mencionando “o métier perdido”.

Com efeito, há um certo consenso dentro da modernidade, um pressuposto meio axiomático de que a história seria a história de um sucessão de técnicas sempre superadas por outras técnicas. Este é o pensamento do homem comum e de alguns pensadores e artistas encharcados de modernidade e do conceito retilíneo de progresso. No entanto, dois subentendidos intrigantes e complexos estão aí e não se sustentam:

1. Primeiro evidencia-se um conceito “linear” de história, uma noção de “progresso”, que se aplica muito mais à indústria do que às artes. São muitos os autores, são incontáveis os tratados dos que já se dedicaram a diferenciar “arte” de “indústria”. Isto está tanto num filósofo como Platão quanto em Virginia Woolf. Aqui e ali explica-se, por exemplo, que o conceito de um modelo de carro novo em oposição a um carro antigo, não se aplica ao confronto entre Picasso e Rembrandt. Nas artes tais comparações são assimétricas. Por exemplo: o exército americano, com razão, porque é “moderno”, não usa no Iraque ou no Afeganistão as quadrigas de guerra dos romanos, nem lanças, espadas e escudos do exército ao tempo de Felipe II. Não obstante, nós podemos assistir a Sófocles e ler Homero, Shakespeare ou Cervantes com igual ou maior deleite e proveito que os contemporâneos deles. E podemos gostar tanto de Piero della Francesca quanto de Chagal, tanto de Bach quanto de jazz.

Portanto, os que, em termos de arte, pressupõem “superação” de estilos e formas devem ser mais cautelosos em não misturar séries diferentes do saber e da representação simbólica. A melhor arte inscreve-se além do tempo e do espaço cronológico.

2. Outro mal-entendido no bojo da questão, além da “linearidade”, é pensar a história apenas em termos de “exclusão”. Este conceito foi predominante até há algumas décadas, antes que se percebesse que os “excluídos” também têm história. Os personagens e fatos “pequenos” têm tanto interesse quanto os “grandes”. Neste sentido, uma “nova história” nos ensinou a lidar com o que tinha sido “relegado”, “oculto”, “refugado” e começou-se a perceber que a compreensão da(s) história(s) exige a “inclusão” daquilo que havia sido afastado ao se privilegiar o centramento ideológico e simbólico.

3. Por isto, há uma outra observação que pode ser desentranhada do lamento de Lévi-Strauss. E aqui eu começo a introduzir outros elementos para ampliar (por minha conta e risco) a observação feita pelo antropólogo.

Consideremos, antes de retomarmos frontalmente essa questão, a palavra “esquizofrenia” e a expressão “sabedoria perdida”. Aparentemente “esquizofrenia” e “sabedoria perdida” não têm nada a ver entre si. Mas é na junção delas, e em busca de um elo perdido entre elas, que poderemos prosseguir na análise de nossa cultura.

É enriquecedor trazer um outro antropólogo do século XX para esta discussão. Refiro-me a Gregory Bateson. A partir de alguns de seus textos poderemos corrigir, expandir e talvez entender melhor a questão do “métier perdido” e da arte de nosso tempo.

Gregory Bateson, que foi casado com Margareth Mead e com ela trabalhou entre os primitivos na Nova Guiné nos anos 30, desenvolveu um trabalho transdisciplinar que, vindo da antropologia, passou pela biologia (seu pai também era biólogo) e pela psicanálise. A partir dos anos 50 e 60, Bateson foi formulando mais claramente uma teoria correlacionando a “mente” e a “natureza”. Ele vinha também de estudos sobre cibernética, mas sua obra conflui naturalmente para uma teoria estética do conhecimento.

Não, ele não se referiu expressamente ao “métier perdido”. De novo, o risco teórico vai por minha conta, pois a formulação de Bateson talvez faça avançar o que está contido ou insinuado no pensamento de Lévi-Strauss. Ou, então, pode corrigir o que de incompleto e criticável ainda se poderia localizar no pensamento do antropólogo francês. Bateson não se refere necessariamente a Lévi-Strauss; no entanto, disserta sobre uma “sabedoria” ou “saber perdido”, algo que tem a ver com o “métier perdido” de Lévi-Strauss. Assinala, por exemplo, que ignoramos “parte da nossa mente” e, perseguindo propósitos estreitos, “perdemos a sabedoria de nos conhecermos melhor”. Isto que ocorre individual e psicologicamente, segundo ele, ocorre também socialmente, porque perdemos o saber na nossa relação com o mundo natural.

Em 1960, quando a situação climática da Terra não estava tão comprometida, quando ainda não se falava muito dos pesticidas, quando as geleiras não estavam visível e ameaçadoramente se derretendo, enfim, quando a palavra “poluição” não tinha entrado para o vocabulário comum, ele advertia que valorizando extremadamente a “consciência” e a “racionalidade” estávamos implementando a nossa própria destruição. E adiantava algo que poderia parecer utópico, mas que cinqüenta anos depois é a opção que muitos perseguem para evitar um apocalipse global: “Eu não sei qual o remédio, mas a coisa é a seguinte: a consciência pode se alargar bastante através da arte, da poesia, da música, por exemplo. E através da história natural, dos aspectos da vida que a civilização industrial deprecia e ignora” [3]. Dito isto, saindo da teoria para a vida prática, fechava sua advertência com um conselho político para o cidadão seu contemporâneo: “Nunca vote numa pessoa que não seja um poeta, um artista ou um observador de pássaros” [4]. Interessado em religar o individuo ao cosmos, à natureza e a si mesmo através de um diálogo entre a parte e o todo, Bateson nos dá um elemento a mais para trabalhar a problemática da cultura de nosso tempo quando ele, antropólogo e psicanalista, operacionaliza os termos “totalidade” e “esquizofrenia”.

Por isto, dando alguns “passos para uma ecologia da mente” ele vai dizer claramente que a sobrevivência do organismo está ligada ao ambiente e “que estamos aprendendo através de uma experiência amarga que o organismo que destrói o ambiente se destrói a si mesmo” [5].

Para entender a vitalidade da proposta de Bateson, cada vez mais adequada e urgente à nossa cultura na virada do século XX para o século XXI, façamos um movimento inverso, retrocedamos cerca de cem anos, ao que sucedeu após o impressionismo, quando os movimentos futuristas e modernistas em todo o mundo, da Rússia ao Brasil, passando por Paris e Nova York, acreditavam soberana e desdenhosamente que a história e a arte fosse uma sucessão de técnicas que se superam linear e continuamente.

É forçoso lembrar, neste ano de 2009, quando o futurismo de Marinetti completa cem anos de vida, que uma das falácias do futurismo e da modernidade foi acreditar na “máquina” como substituta do “homem”. Chegou- se até a propugnar, como Corbusier, que as casas fossem “máquinas de morar”. A produção em série de automóveis da Ford, surgida naquela época, introduziu como padrão simbólico e ideológico o que chamo de “efeito metonímico”. Ou seja, a troca da parte pelo todo e do homem pela máquina, da quantidade em vez da qualidade. E a arte que sempre foi predominantemente metafórica passou a correr o risco de ser apenas metonímica; ou seja, produto de uma linha de montagem, simples objeto sem sujeito, objeto que substitui outro objeto. Enfim, objeto sem sujeito, mesmo porque a sofisticação da modernidade levaria certo pensamento ocidental a propalar a “morte do homem”, a morte do “autor” e a morte da “história”. Coincidência reveladora é que isto surge congeminado com a vulgata que decretou a “morte da arte”. Disto tratei em O enigma vazio (Ed. Rocco, 2008) ao falar da mórbida tanatologia do século XX, que saiu dizimando pessoas e raças, mitos e conceitos e chegou enfim aos gêneros artísticos.

Mas aqui me interessa destacar outro aspecto. O “homem modernista e futurista” jubilosamente mecanizado, aspirou ser um autômato conferindo esteticidade ao complexo industrial militar. E esse “homem” era um personagem tão totalitário e machista, que decretou que a mulher, esse “outro” ameaçador para o macho futurista, se convertesse num “mesmo” metonímico ou numa máquina. Este é um dos equívocos mais retrógrados e elucidativos da modernidade. A rigor não foi ainda estudado devidamente esse item: a conversão (que o imaginário artístico dos machos fez) das mulheres em máquinas. Estaria ocorrendo apenas a atualização de um comportamento arcaico de dominação. São muitos os exemplos. E se quisermos mencionar, ainda que de passagem, uma obra emblemática, tomemos o “Grande Vidro” de Marcel Duchamp, obra “definitivamente inacabada” entre 1912 e 1922. Diga-se de passagem que o crítico inglês Robert Hughes é dos poucos que indiciam esse tema, ou seja, de como o amor à máquina foi um quesito ideológico e erótico que predominou na arte do princípio do século XX, dentro daquela ideologia guerreira que forneceu exemplares como Marinetti e outros.

Assim foi preciso esperar muitas décadas no século passado para que se começasse a falar não mais de “homem” (incluindo passivamente as mulheres), mas a substituir “homem” por “pessoa humana”. Igualmente tivemos que “desautomatizar” o discurso e deixar de, “maquinal” e “metonimicamente”, falar do homem como se mulher fosse um apêndice.

As alterações discursivas são sintomas de processos de transformação histórica. Pois foi em torno dos anos 60 que o discurso dos “gêneros” começou a se desautomatizar, a perder sua mecânica totalitária e machista louvada “naturalmente” pelo futurismo e pelo modernismo. Mas foi também a partir dos anos 60 que se tornaram mais visíveis as reações contra o capitalismo selvagem e contra a sociedade afluente que havia colocado a quantidade e o consumo como objetivo final. Iniciou-se (e não é preciso me alongar sobre isto, pois já pertence ao acervo de nossa cultura) a redescoberta da natureza e dentro dela uma revalorização não mais escamoteada e pejorativa do “feminino”. Alguns críticos de arte, como Susan Gablick [6], estudam a emergência do aspecto “feminino” na arte pós-anos 60.

Adicionemos, porém, um outro raciocínio capaz de complementar o que estamos indiciando. A ecologia parece que tem algo a nos dizer sobre a questão da arte e do “métier perdido”. E aqui vemos ressurgir, de novo, a questão da interdisciplinaridade como enfoque indispensável ao esclarecimento do “enigma” contemporâneo. A ecologia, e não apenas a psicanálise, a sociologia, a economia, a teoria literária, tem algo a nos dizer. Já nos acostumamos a ver na imprensa movimentos para salvar, proteger certas espécies em extinção: no caso brasileiro, a tartaruga, a baleia, a ararinha azul, o mico leão dourado. Enfim, cada país começou a descobrir em seu espaço algumas espécie ameaçadas de extinção. Simples cidadãos, ONGs e políticas governamentais indicaram uma redescoberta da natureza como forma não apenas de sustentabilidade, mas como ultimato para salvar também a humanidade. Isto decorreu não apenas de um idealismo, mas impôs-se pela percepção objetiva de que a vida no planeta está organizada em forma de sistema e que a deterioração de parte do sistema afeta a todos. Daí as tentativas de acordos internacionais, a urgência de combater a extermínio da camada de ozônio, de deter o derretimento das geleiras na Groenlândia ou na Antártica.

O conceito de “alienação” que o pensamento marxista fez circular, advertia para a fratura entre o indivíduo e o mundo, ponderava que era preciso aproximar o ser humano de si mesmo para que ele não se transformasse em puro objeto entre outros objetos. É nesta acepção que as noções de esquizofrenia e de “double bind” (laço duplo/ambíguo), externadas por Bateson podem ser aplicadas num sentido histórico e social. A dualidade clássica entre “natureza” e “cultura”, da qual a antropologia se aproveitou para formular alguns modelos, deve ser operacionalizada como um ponto de partida e não como ponto de chegada. A melhor e mais produtiva análise antropológica não deve pressupor a superioridade da cultura sobre a natureza, mas um outro patamar de observação. Os dois conjuntos –
natureza e cultura – deveriam manter um diálogo de auto-regulação, não mais entendidas, colonizadoramente, como se a cultura e natureza fossem inimigas.

Esta noção colonizadora foi a que predominou no pensamento branco ocidental até que o século XX, inclusive com Lévi-Strauss, começou a ter uma nova visão dessa dualidade. Anteriormente, nossa sociedade ao escolher o modelo do “capitalismo selvagem”, ao decretar que a natureza era para ser “subjugada” e até “destruída”, criou problemas que nos levaram a patéticos impasses na passagem do século XX para o XXI. Daí muitos prognósticos científicos trazerem já para a nossa geração o apocalipse, caso persistamos serrando o próprio galho em que estamos sentados ou envenenando a própria água que tomamos e o alimento que comemos.

Procurando aproximar estética e ecologia Bateson estava combatendo a esquizofrenia de nossa cultura machista e autodestrutiva. Ele chega a falar de “epidemiologia da esquizofrenia”. Nisto aproximava-se tanto de um pensador como Aldous Huxley quanto de um poeta como Walt Withman, os quais procuravam a unidade ou a “graça”. Evidentemente esse termo “graça”, por mais que Bateson tenha tentado tirar dele toda a carga religiosa, insistindo num religare [7] não místico, mas vinculado aos “processos primários” de nossa natureza, esse termo está por demais carregado de significados religiosos [8].

Para Bateson, a arte é um modo de nos conectar com a natureza. A natureza externa e nossa natureza interna. Neste sentido, o nosso inconsciente não seria somente a sede da repressão, como viu Freud, mas algo muito mais poderoso e complexo. Em suma, Bateson, que tanto valorizava a metáfora como algo capaz de dizer mais objetivamente aquilo que a objetividade racional não conseguia, considerava que essa força natural é como a poesia, e “a poesia não é a prosa torcida. É o contrário disto: prosa é poesia que foi submetida à lógica”[9].

O que isto tem a ver com a arte de nosso tempo e com o pensamento de Lévi-Strauss?

Quando se fala de “métier perdido”, corre-se o risco de se pensar em algo morto, empalhado. Penso, ilustrativamente, no magnífico Museu de Artes e Ofícios (de Belo Horizonte), onde estão objetos, instrumentos, saberes antigos de séculos passados, que foram “arquivados” e não encontram mais uso na sociedade tecnológica de hoje. Ir a esse precioso museu é evidentemente visitar o passado, admirando-o, mas não com o desejo necessário de voltar ao século XVIII e ter a extração de dentes feita por um boticão de farmacêutico, como o era ao tempo de Tiradentes.

Pode-se pensar também, ao falar de “métier perdido”, em algo como taxidermia, coleções onde borboletas, pássaros, peixes, toda série de insetos e animais aparecem mortos, empalhados, espetados ou em repouso nos vidros com formol e álcool. Esses seres estão parados no espaço e no tempo. Vê-los, deste modo, é como achar um pedaço de cerâmica numa escavação: pura memória de ontem.

Mas é de outra coisa que se fala e outra coisa que se pode pensar quando retomamos a relação entre arte e antropologia, a partir da advertência de Lévi-Strauss. E para esclarecer ainda mais o que tenho a dizer, vou reinserir um texto do crítico Jean Clair que de algum modo ilustra essa problemática, ainda que sem resolvê-la. Dizia ele: “A pintura neste fim de século está mal. Para quem ama a pátria dos quadros não restará em breve mais que o interior dos museus, como para quem ama a natureza só restarão reservas de praças, para aí cultivar a nostalgia daquilo que não existe mais” [10].

Então nos perguntamos: será que devemos olhar as obras de “ontem” como um taxidermista desconsolado ou como uma melancólico antropólogo? Será que estamos mesmo num “museu de artes e ofícios” repassando a história à distância? Ou será que é possível uma outra visão, exatamente a partir da mudança de perspectiva que a ecologia propiciou desde os anos 60? Ora, o que os movimentos de preservação da natureza trouxeram, a grande novidade, é que não nos devíamos conformar com a idéia de ir aos museus de história natural para ver o mundo de ontem, mas transformar a natureza, ainda que tardiamente, num museu vivo, ou seja, num antimuseu, numa “negação” do museu, posto que seria a reintegração do espaço da vida na própria vida, e não mais friamente armazenada, condensada, segregada, empalhada atrás de uma vitrina.

A ecologia é um passo adiante da taxidermia. Ela é realmente “contemporânea”, pois coloca a natureza no mesmo tempo & espaço do observador.

Com efeito, duas anomalias ocorrem no espaço das artes hoje. Primeiro, alguns artistas e teóricos que se julgam pós-modernos pretendem que a história da arte seja uma repetição da taxidermia, ou seja, julgam que os museus de arte são uma espécie de “museus de história natural” onde só existem coisas mortas, paralisadas no tempo e no espaço. Ali estariam alojados espécimes que não têm mais função. Neste sentido, chegam a olhar o museu pejorativamente, como se fossem um entrave ao “progresso” da “cultura”. Esta posição ecoa uma das frases mais patéticas, infelizes e danosas de Marcel Duchamp: “É preciso acabar com a arte enquanto é tempo”.

Tal frase parece dizer: temos que acabar com os dinossauros, os elefantes, os inimigos do homem enquanto é tempo. Alguém poderia alegar que era uma boutade. Não era. E isto está demonstrado na análise que fiz de sua obra e de seus textos em “O enigma vazio”. Seria a arte, então, como quer esse pensamento duchampiano, uma inimiga do homem e da cultura? Este é o conceito implícito quando se fala de “métier perdido” em termos de arte e quando a encaramos como um ramo da taxidermia

É incontornável lembrar que os futuristas, comandados por Marinetti, propunham a queima dos museus (como outros ainda incendeiam florestas). Mas existe um paradoxo que é necessário desentranhar dentro da esquizofrenia de nossa época, pois as pessoas continuam indo aos museus para sentirem “no passado” o que não mais sentem diante das obras de seu tempo.

Alguém erroneamente poderia dizer que essas pessoas estão indo ao cemitério. (Duchamp dizia que um quadro morria depois de cinqüenta anos). Que estariam indo depositar flores nos túmulos de Da Vinci, Matisse, Van Gogh, Lucas Cranach. Seria isto verdade? Os museus são um espaço de necrofilia ou o espaço onde a cultura retoma os elos, constrói a totalidade da compreensão do fenômeno humano através do mistério da arte e de seus “processos primários”?

Mas nos museus contemporâneos ocorre algo sintomático que tem tudo a ver com a esquizofrenia entre o indivíduo e a cultura dominante. Algumas salas, por sinal as que vão da Renascença até o princípio do século XX, estão sempre cheias de visitantes, por oposição ao constrangedor vazio que existe nas salas mais “contemporâneas”. Será então que certas obras de ontem são mais contemporâneas que algumas obras de hoje?

A essa questão, viciosa e precariamente, alguns respondem dizendo que o artista vem sempre à frente do seu tempo. Este é um mito da modernidade. Mito romântico e vanguardista. Mais um mito da modernidade que tem de ser revisto por uma nova epistemologia; pois de tanto querer vir “à frente” e anunciar o “futuro”, muitos acabam não anunciando nada, afastando-se de si mesmos e da temporalidade de seu tempo.

As teorias da “evolução” e do “progresso” vindas de outros séculos dominaram subreptícia e arrogantemente o século XX. A arte não escapou dessa jubilosa ideologia que trabalha com a exclusão. Certos artistas e teóricos, exercitando uma utopia perversa, alardearam uma alucinada autonomia da arte, como se ela não tivesse nada a ver com a comunidade, com a história, com o contexto e com os indivíduos. Assim, perdeu-se até a lição daqueles artistas que, no princípio da arte moderna, foram buscar na arte primitiva e na tradição novos elementos de trabalho.

A história é um constante reprocessar de técnicas, fazeres e saberes.

Não há métier perdido. Há artistas perdidos, e pior, sem métier.

Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, escritor e ensaísta. Autor de mais de 50 livros sendo o último Perdidos na Toscana (L&PM Editores, 2009).


[1] Em 2002 a propósito de uma série de artigos publicado em O Globo, e que depois reuni em Desconstruir Duchamp (Ed. Vieira & Lent, Rio, 2003), fui acusado de “forasteiro” pelos que não tinha argumentos para rebater minhas formulações críticas sobre a arte de nosso tempo. Na ocasião, respondi com o artigo “O forasteiro e a cidadela”, também incluído no mencionado livro.

[2] Idem, p. 73.

[3] Charlton, Noel G. Understanding Gregory Bateson (State University of New York Press, New York, 2008, p. 100).

[4] Ibidem.

[5] Bateson, Gregory. Steps to an ecology of mind (The University Chicago Press, 1972, p. 491).

[6] Ver da autora The Reenchantment of Art e Modernism, ambos da Thames and Hudson.

[7] Edgar Morin também trabalhou sobre esse tema. Ver: A religação dos saberes-desafio do século XXI (Ed. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2002).

[8] Eu preferiria usar a idéia estética e psicológica de “epifania”, de percepção, como acontece em alguns autores que já estudei (Clarice Lispector e Carlos Drummond) e que embrionariamente estava também em James Joyce.

[9] Understanding Gregory Bateson, ob. cit., p 106.

[10] Clair, Jean. Considèrations sur l’état des beaux arts (Gallimard. Paris, 1983, p 11).

***

Texto publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação, Dicta&Contradicta, Edição 4, Dezembro/2009. Disponível no link <http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-4/o-metier-perdido-e-a-arte/>.

O gênio de El Greco (por Renato José de Moraes)

Artes | 05/10/2015 | | IFE RIO

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Qualquer pessoa que tenha ido a Toledo, na Espanha, concordará que é uma cidade maravilhosa. Somente a Catedral seria suficiente para tornar o local obrigatório para qualquer turista, estudioso da arte ou homem culto, e é inesquecível passar horas contemplando aquelas paredes, imagens, pinturas e soluções arquitetônicas que fazem do edifício algo – não apenas pela sua destinação – sobrenatural. O resto da cidade também é admirável, com as ruas estreitas da época medieval, os bairros dos judeus e dos muçulmanos, as várias igrejas, o Alcázar, os palácios…

Tudo isso de fato impressiona. Porém, além disso, Toledo foi o local onde se desenvolveu a parte mais importante da carreira de um gênio: El Greco. O pintor nascido em Candia, na ilha de Creta, provavelmente no ano 1541, é um desses artistas que trazem novos rumos para seu ofício, estando muitas vezes à frente do seu tempo. Não que El Greco não tenha sido admirado pelos seus contemporâneos; ele o foi. Tanto que seu estúdio era grande e movimentado, com uma carga extraordinária de trabalho entre 1600 e 1608.

Porém, não conseguiu ser o pintor do Escorial, o palácio que estava sendo construído por Filipe II. A pintura que El Greco apresentou para que o rei visse seu trabalho, O martírio de São Maurício, era demasiado distinta do que o próprio pintor havia feito antes com maestria; era menos um quadro para fomentar a devoção, e mais para admirar e refletir a respeito. Parece que Filipe II gostou do trabalho – pelo qual pagou uma boa quantia –, pois o manteve em sua coleção; no entanto, não o empregou para o retábulo do Escorial, conforme seria o desejo do artista.

É uma pena que El Greco não tenha sido o responsável pelas pinturas do palácio real. Contudo, talvez isso tenha sido um bem, porque os pintores da corte deveriam exercer concomitantemente uma série de outras tarefas burocráticas, que atrapalhavam a produção artística. Foi o que se deu com Velásquez. Além de evitar essa dificuldade, El Greco pôde participar de um círculo culto e refinado de cidadãos toledanos, que o valorizavam e admiravam. Vários desses cidadãos foram os que encomendaram as obras do pintor, e dessa forma o sustentaram e tornaram possível que ele se desenvolvesse.

El Greco é o exemplo de artista que bebeu das influências de muitos mestres, especialmente italianos – ele admirava especialmente Ticiano, para ele o maior pintor da época, e também reverenciava Michelangelo e Rafael –, que ele soube conjugar com seu berço grego, marcado pela pintura de ícones e pelo estilo bizantino. Posteriormente, sem rejeitar esses predecessores, ele alcançará um estilo muito próprio, que será considerado por alguns críticos como extravagante e ridículo, mas que na realidade representava uma abertura de horizontes que será devidamente valorizada por grandes nomes modernos, como Picasso e Rainer Maria Rilke.

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No início de sua carreira em Toledo, por volta de 1577, El Greco recebeu duas encomendas: um retábulo para a igreja do mosteiro de São Domingos e um quadro para a sacristia da catedral, O despojamento de Cristo. Nessas obras, ele emprega um estilo romano, calcado em Michelangelo, que privilegia o desenho. Em certo sentido, ele muda da concepção que seria, até então, aparentemente a sua preferida: a de Ticiano, cuja marca distintiva seria primordialmente o uso das cores, que flutuam. O acerto dessas obras garantiu a entrada de El Greco no mundo de Toledo, e toda a Espanha passa a ver nele um pintor excepcional.

Nos anos seguintes, El Greco seguirá nessa trilha e produzirá obras inesquecíveis, especialmente para os que tenham a chance de vê-las ao vivo. Sua Imaculada Conceição, a Anunciação, as diversas representações dos apóstolos e dos santos, o Pentecostes, tudo isso modifica a arte europeia, em especial a religiosa. O fato de as pessoas pagarem para que o pintor as fizesse, e em muitos casos generosamente, mostra que a sociedade em que ele vivia não era especialmente fechada ou conservadora em termos artísticos, ao menos em comparação com os outros países do ocidente. Em 1614, o artista faleceu na cidade de que aprendeu a gostar.

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Toledo é uma cidade de sorte. Nos meus sonhos, parece um ótimo lugar para se morar. De manhã, ir à Catedral; trabalhar; no final da tarde, caminhar próximo do Tejo e comer em algum café ou restaurante. Passear no dia a dia pelas vielas medievais. De vez em quando, tornar a contemplar algumas das inúmeras obras que El Greco deixou por lá. Realmente, nada mal…

Bibliografia: SCHOLZ-HÄNSEL, Michael. El Greco. Köln: Taschen, 2014. 96 p.

* Renato José de Moraes é advogado e doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Publicado originalmente em <http://www.dicta.com.br/o-genio-de-el-greco/>

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São João: Traços do barroco em Guignard – por Iura Breyner Botelho

Artes | 19/09/2014 | | IFE CAMPINAS

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SãoJoão-Guignard

São João, de Guignard : óleo sobre tela – 1961

 

por Iura Breyner Botelho

São João é uma obra do pintor carioca Alberto da Veiga Guignard, nascido em Niterói/RJ em 1896 e falecido em Belo Horizonte/MG em 1962.  Sua temática gira em torno de uma paisagem imaginária inspirada na geografia montanhosa da Minas Gerais Histórica, com suas igrejas barrocas, morros, cachoeiras, neblinas, caminhos de terra, carros de boi, dias e noites de festejos populares e rezas, elementos estes que foram fonte de inspiração e encantamento para o artista e sua obra nos seus últimos dezessete anos de vida. Trata-se de uma tela de 49,5 por 39,9 cm, pintada a óleo em 1961, um pouco menos de um ano antes de seu falecimento em Belo Horizonte.

São João é uma obra vertical carregada de movimento em cada centímetro. Sua harmonia se dá pelo equilíbrio das direções espaciais para as quais as figuras apontam; ora para cima e para direita; ora para baixo e para esquerda, com algumas variantes contrárias de direções alternadas de forma que se tem a impressão de uma cascata ou escada em ziguezague, conforme o olhar é puxado predominantemente para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo.

Esta impressão de “deslocamento” do centro ótico da obra e a conseqüente assimetria observada nas disposições e relações de proporção entre as figuras pode nos remeter às influências do valores estéticos e espaciais do período barroco, em que esta perspectiva descentrada é predominante. Assim, pretende-se nesta análise sobre a obra, investigar a figura da elipse barroca e seus desdobramentos sob dois aspectos: o figurativo e o espacial. O primeiro refere-se às relações entre as figuras; o segundo ao espaço e a forma como é construído na obra.

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INTRODUÇÃO

São muitas e variadas as temáticas da obra de Guignard; retratos, paisagens reais, paisagens imaginárias, figurativas, botânicas, religiosas e histórico-imaginárias. Dentre elas a paisagístico-imaginária “São João” de 1961 foi escolhida como alvo desta análise, por conta de alguns fatores que talvez nos possam levar mais diretamente a pensar em termos de uma estética barroca como prelúdio das diversas estéticas posteriores, chamadas modernas, inclusive e especialmente no Brasil (DE SANT’ANNA, 2000).  Em primeiro lugar, pelo deslocamento do centro ótico do quadro, pela descentralização de algumas figuras, como a lua pálida no quadrante superior esquerdo, montanhas e nuvens em ziguezague de ambos os lados e na parte superior, assim como a assimetria das figuras como balões, ajuntamentos de povo, caminhos, morros, igrejas, túneis, ponte e rio. Depois, o aparente contraste nas proporções relativas entre as figuras:  igrejas quase no mesmo tamanho das montanhas; ajuntamentos de povo em festejo próximo a  palmeiras de copas muitas vezes menores que os balões em sobe e desce… Por fim, o contraste na intensidade das cores que se alternam entre o colorido vivíssimo dos balões queimando ou de alguns dos pontinhos populares, das palmeiras e do mato em volta das igrejas, do riacho, do céu noturno em torno da lua e os tons pastéis esbranquiçados mediando uma figura e outra.

Guignard era carioca de nascimento, viveu a sua primeira juventude estudando em Escolas de Belas Artes na Suíça e na Itália, tendo voltado ao Brasil após os falecimentos consecutivos de sua mãe e a única irmã, fixando residência na então Capital do país, a cidade do Rio de Janeiro.  Partiu em direção a Minas a pedido do então Governador do Estado, Juscelino Kubitschek, no intento de fundar a primeira instituição educacional voltada para as artes plásticas de Minas, a Escola Municipal de Belas Artes de Belo Horizonte, implantando ao mesmo tempo a primeira Exposição de Arte Moderna na capital mineira naquele ano.

Viveu Guignard naquela região nos dezessete anos subsequentes, tirando dali inspiração para uma variada série de obras de cunho paisagístico, entre rascunhos, desenhos, pinturas a óleo sobre tela ou sobre madeira, bem como desenhos e pinturas retratando pessoas com quem conviveu ou encontrou esporadicamente.

Da obra paisagística de Guignard, no quesito referente às questões estéticas e mais específicas, fala o artista plástico, pesquisador e crítico Carlos Zílio, herdeiro da linha estética do pintor por parte de Iberê Camargo. Zílio afirma que o mais importante da obra de Guignard está na diluição da figura e do fundo provocando uma dissolução do espaço formal e das pessoas retratadas em seus quadros (Zílio, 1982).  Este aspecto, se analisado pelo ponto de vista estilístico, não deixa de lembrar a questão do deslocamento da perspectiva tão característico na arte barroca que influenciou toda a concepção da arte moderna e contemporânea.

Guignard, sem deixar de ser um artista de seu tempo e dono de uma técnica inconteste, não ficou indiferente ao estilo barroco que impregnava (ontem como hoje e sempre) a cultura e as construções mineiras, as quais se adequam à paisagem como roupa feita sob medida. De formação clássica, mas com uma vivência profunda e pessoal dos movimentos modernos da arte europeia dos anos em que lá estudou, adquiriu e aprimorou um estilo próprio e inconfundível em seus desenhos, traçados e pinturas, que desde o início de seu restabelecimento no Brasil no ano de 1929 o tornaram conhecido e invejado no meio artístico e acadêmico.

SÃO JOÃO – 1961

“Movimento é, por assim dizer, arquitetura viva – viva no sentido de troca de localizações e assim como de troca de coesão. Esta arquitetura é criada pelos movimentos humanos e é constituída por trajetórias que traçam formas no espaço. Uma construção só pode se manter se suas partes tiverem uma proporção, a qual é fornecida por um certo equilíbrio do material do qual ela é construída.

Arquiteturas de sonhos podem negligenciar as leis do equilíbrio. Do mesmo modo, acontece com os movimentos de sonhos, mesmo assim, um fundamental senso de equilíbrio sempre permanecerá conosco, mesmo nas mais fantásticas aberrações da realidade  (LABAN, 1966, p. 5).”

São João é uma obra de pintura em óleo sobre tela de 49,5 x 39,9 cm cuja temática gira em torno de uma paisagem imaginária inspirada na região montanhosa de Minas, com suas cidades históricas, igrejas barrocas e festejos populares.

O quadro é vertical e carregado de movimento em cada centímetro. Sua harmonia se dá pelo equilíbrio das direções espaciais para as quais as figuras apontam; ora para cima e para direita; ora para baixo e para esquerda, com algumas variantes contrárias de direções alternadas de forma que se tem a impressão de uma cascata ou escada em ziguezague, conforme o olhar é puxado predominantemente para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo.

Suas cores: azul marinho e celeste (céu e rio); cinza rosáceo, laranja – ocre; amarelo; branco, tons cromados entre o marrom e cinza, verde bandeira (copas das árvores e palmeiras, bandeirinhas) e branco (igrejinhas, ponte, fumaça do trem, nuvens e lua). As figuras são variadíssimas mas estão compostas de maneira a relacionarem-se umas com as outras harmoniosamente, tendo como ponto comum as direções de onde procedem ou para onde apontam.

O plano, à primeira vista, parece chapado, como se todas as figuras se dispusessem igualmente no espaço sem a predominância que uma perspectiva geométrica clássica proporciona a umas figuras sobre as outras, mas isso é apenas uma ilusão. Se se observa com um pouco mais de atenção a obra, percebe-se em primeiro lugar uma significativa diferença de tamanho e proporção entre os homenzinhos e as igrejas, entre os trenzinhos e o “carro de boi” (à direita do trem), entre estes e as vias sobre as quais se apóiam – no caso o viaduto e a estrada de terra –, bem como entre as árvores, os rios, as montanhas e as nuvens e o céu.

Depois se nota também uma sutil gradação de proporções entre os picos dos morros e montanhas onde se fincam as igrejas, figuras estas que conduzem mais facilmente o nosso olhar para este movimento de ziguezague do canto inferior esquerdo para o superior direito, de modo que vão nos parecendo mais e mais distanciados à medida que “sobem” no espaço da tela.

Depois disso tudo os olhos já têm condições de perceber o jogo de perspectiva do quadro, que não se compõe com um único ponto de fuga em seu centro material, mas sim com vários, que se dispõem e se relacionam entre si como  elementos que sobem ou descem gradativamente em planos inclinados e alternados.

A Elipse e os valores estéticos barrocos

Sabe-se pela literatura crítica da obra de Guignard*[i] que esta ilusão de perspectiva dos planos inclinados em espiral foi inspirada primeiramente na perspectiva dos planos de fundo de alguns quadros renascentistas como o da Mona Lisa de Da Vinci e a Virgem das Rochas de Rafael. No entanto, a impressão de “deslocamento” do centro ótico da obra e a conseqüente assimetria observada na disposição e relações de proporção entre as figuras nos remete com mais força para as influências do valores estéticos e espaciais do período barroco.

Mas… que valores estéticos são estes? Para onde tais valores levaram os artistas de seu tempo e posteriores? Para onde levam o olhar do observador e do público?

Vejamos alguns artistas e suas obras, como Bernini, Borromini, delia Porta, Caravaggio e Dürer.  Estará o elemento “elipse” presente em todas e em cada uma das respectivas obras? Em Bernini a elipse é explícita, especialmente quando se pensa, por exemplo, nas colunas do Baldaquino da Catedral de São Pedro, mas também está, de maneira mais detalhada e menos escancarada no “êxtase de Santa Thereza”. Também encontramos a elipse “escancarada” na escada de Borromini e na Igreja “Il Gesú”, de Giacomo delia Porta, com suas volutas. Obras como “O Narciso” e “A deposição no túmulo” de Caravaggio sugerem uma perspectiva elíptica, para que se possa contemplar as figuras de um ponto de vista de quem olha de frente para elas. “O Rinoceronte”, obra de Dürer, está crivado de imagens elípticas, dando lhe uma aparência tridimensional e muito mais realista do que as figuras até então conhecidas sobre estas e outras espécies de animais selvagens ou exóticos.

As obras barrocas, tanto as européias quanto as brasileiras, estão carregadas do cientificismo racionalista da época. Esta questão levada ao campo dos estudos da perspectiva abriu uma gama de novos horizontes nas técnicas de desenho e pintura de então, que seriam por sua vez as ferramentas mais importantes para a construção de uma maneira realista de se fazer e de se ver o mundo representado nas obras de arte. Se num primeiro momento – na Itália e em outros países europeus – se formou um sentimento de repulsa por este tipo de ótica, por não corresponderem seus elementos com os ideais clássicos de proporção, equilíbrio e harmonia na representação, num momento seguinte elas constituem já o centro e a referência do fazer artístico em toda a Europa, ainda que de modos e estilos que variavam muito de país para país, de região para região.

Portanto, faziam parte da estética barroca e de todos os seus paradigmas, o realismo na representação, conquistado através de um deslocamento da perspectiva do centro físico do quadro para o centro “virtual”, isto é, “dramático-fictício” da obra. Além disso esta estética nova busca nas suas obras não só a aparência de equilíbrio pelo movimento, mas o movimento mesmo, que se equilibra pela oposição de seus vetores básicos.

Transportando este ideal para suas paisagens, também o Mestre Guignard conseguiu uma dupla e ao mesmo tempo dual impressão de realismo e fantasia em suas paisagens, à medida que, mantendo as proporções entre povoado e igrejas, estas e as montanhas, estas últimas e as nuvens, deixou a impressão de alguém que via tudo isso como que de uma janela de avião num horizonte distante e paralelo. Mais uma vez se manifesta uma característica barroca na obra de Guignard: a unidade dual; a ambigüidade revelada nas proporções entre os elementos de composição que dialogam entre si através destas pontes elípticas invisíveis que são as direções no espaço para as quais cada elemento aponta.

O Jogo Elíptico na forma e na composição espacial entre as figuras

As figuras, por si só, já sugerem movimento: o trenzinho Maria-fumaça na ponte, a cachoeira e o riacho, os balõezinhos subindo e descendo, as nuvens no céu e entre as montanhas, as bandeirinhas nos mastros, o carro de boi na estrada de terra (em baixo, à esquerda) e os ajuntamentos populares. As igrejinhas, os picos, montanhas e neblinas ao longe sugerem, por sua vez, um movimento mais sutil: o do observador, que parece contemplar a paisagem num momento durante um vôo distante. Além disso, se observarmos as disposições das figuras e as direções por elas apontadas ou das quais indicam a procedência, encontraremos um sem número de formas elípticas que as relaciona e interliga por todo o quadro.

A cachoeira e o riacho não correm, como se pode ver, em linhas retas (não seria natural, é claro); os balõezinhos não caem perpendicularmente, mas de forma oblíqua. Os rastros de fogo e fumaça por eles deixados desenham pequenas elipses rasgando a paisagem. Assim também, os ajuntamentos populares perfazem desenhos sinuosos e espiralados, dando a impressão de um contínuo movimento de ir e vir pelos caminhos e largos que cortam os morros em direção às igrejas. Também os morros e montanhas perfazem um movimento de subida em espiral e as nuvens e neblinas ora os recobrem, ora os revelam,  num incessante subir e descer em volta dos picos. Também os arcos da pequena ponte sob o trenzinho sugerem movimentos elípticos interrompidos nas suas bases sob a terra ou o rio.

Também no jogo de luzes e sombras – claros e escuros, bem como suas gradações – se revela a presença do elemento elíptico. Assim, a fumaça, a ponte iluminada, as bases escuras de terra que sustentam as igrejas bem como as nuvens que recobrem os montes, tudo vai também  se alternando na composição de claro-escuro, de forma perfeitamente harmônica, porém irregular.

A obra não é somente construída a partir de movimentos, mas também gera um movimento, porquanto praticamente obriga o observador a um “passeio sinuoso e pouco ordenado” pela paisagem.

Todos estes elementos dispostos como estão e inter-relacionados nesta obra conferem-lhe um poderoso sentido de unidade e harmonia, ao mesmo tempo em que revelam o seu caráter tri-dimensional.  A ponte, o riacho, os caminhos espiralados, os carros de boi em contraposição ao trenzinho passando sobre a ponte; assim como as igrejas, os festejos, os balões subindo e descendo, as nuvens e os picos semi-recobertos de neblina e por fim a própria lua que por hora aparece entre as nuvens – todas estas figuras – destacam-se e parecem “saltar” da tela, sem no entanto, saírem do lugar por um momento sequer. O que significa tudo isto?

Considerações finais

Isto significa que a realidade pode se apresentar ante os olhos do observador de formas diversíssimas: muitas vezes sob a aparência de uma combinação simétrica entre as figuras e os espaços que as circundam; muitas outras, escondida discretamente sob o véu de uma paisagem distorcida e assimétrica, onde os elementos fictícios, os representativos e realísticos se combinam e alternam de maneira absolutamente harmônica e equilibrada. Esta é uma idéia mestra dentro de todos os movimentos intelectuais e artísticos ou científicos da chamada Modernidade, desde a invenção da Imprensa até o final da Segunda Grande Guerra, mas também depois e até hoje.

As figuras e as linhas espiraladas conferem esta unidade à obra ao mesmo tempo em que fazem com que através de figuras ou paisagens fictícias ou mesmo abstratas, nos deparemos como num espelho diante da realidade que nos cerca. Não seria o ponto em comum entre as obras de ­­­­Caravaggio, Velasquez, Seurat, Van Gogh, Courbet, Mondrian, Picasso, Pollock, Much, Klimt, Dali e mesmo Duchamp?

É por isso que tantas vezes tem-se a impressão de se poder penetrar na obra, como um personagem a mais, ou de que a obra mesma interfere direta ou indiretamente na realidade que nos circunda, quando não em nós mesmos. Mesmo o belo na obra de arte tem sempre algo em si que incomoda e fere, talvez por ser maior que o próprio artista, que o observador, que o próprio homem: algo que o transcende e de certa forma o desnuda revelando-o na sua real proporção em relação ao Universo e aos outros homens. O nome deste processo de identificação que fere e cura ao mesmo tempo é CATARSE[ii].

SãoJoão_e_Guignard

 2 – Mídia de exposição do artista – http://cubobranco-br.blogspot.com.br/2005/12/o-brasil-na-viso-de-guignard.html

 BIBLIOGRAFIA­

ANDRADE; Rodrigo Vivas.  Os salões municipais de belas artes e emergência da arte contemporânea em Belo Horizonte: 1960-1969;  IFCH – UNICAMP; 2008;

Modernismo: Desdobramentos Marcos Históricos (Tese de doutorado): Universidade Estadual de Campinas, IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; Institucional; Instituto Cultural Itaú; São Paulo; 1993;

AULICINO; Marcos Rodrigues. O distante próximo, o próximo distante: a elaboração de um espaço imaginário nas paisagens de Guignard: (Tese de doutorado): UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas; Instituto de Artes; Campinas, SP: 2007;

De SANT’ANNA, Affonso Romano. Barroco: do quadrado à elipse: Editora Rocco, SP; 2000;

CAMARGO, Pierina e ESTEVES, Rosa (Institucional); Viajando com Guignard: Prefeitura Municipal de Campinas e MACC – Museu de Arte Contemporânea de Campinas: 2001.

VIEIRA, Ivone Luzia. A Escola Guignard na cultura modernista de Minas: 1944-1962:  Pedro Leopoldo: CESA, 1988;

ZÍLIO, Carlos; A Modernidade em Guignard: EPI Empresas Petróleo Ipiranga, s.d.,  PUC – RJ, Rio de Janeiro, 1982;

NOTAS

[i] (*) – VIEIRA, Ivone Luzia – 1988; AULICINO, Marcos Rodrigues – 2007.

[ii] (**) – http://www.dicio.com.br/catarse/ –  Catarse: designação comum de purgação ou purificação. Refere-se à libertação do que é estranho a natureza do sujeito.
Estética. Teatro. Num espetáculo trágico, refere-se ao desenvolvimento de uma espécie de purgação de alguns sentimentos do público (como pavor ou compaixão).

Alberto Da Veiga Guignard – O Poeta Das Tintas

Artes | 18/08/2014 | | IFE CAMPINAS

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Fonte: http://www.pinturasemtela.com.br/alberto-da-veiga-guignard-pintor-brasileiro/

 

Alberto da Veiga Guignard, carioca de nascimento, viveu os anos mais importantes e produtivos de sua vida em Belo Horizonte, MG, com contínuas viagens às cidades históricas deste Estado. Foi mestre de importantes nomes da arte moderna brasileira como Iberê Camargo, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Farnese de Andrade e outros.

Relevantes foram os fatores e acontecimentos que envolveram a permanência do artista na Capital e cidades históricas mineiras, para uma melhor e mais profunda compreensão da grandeza e singularidade de sua obra como um todo, mas especialmente no que tange à sua temática paisagística e religiosa. Entretanto, para além da experiência com o barroco mineiro, a obra de Guignard sofre viva influência dos anos de estudo na Europa em que pôde ver de perto tanto grandes obras clássicas como as modernas: da perspectiva de Da Vinci às “distorções” do Expressionismo Alemão de Munch.

Infelizmente, como acontece em tantas e tantas vezes, a obra deste excepcional artista só tem sido devidamente reconhecida nos últimos 25 anos. Mesmo artistas e críticos de seu tempo demoraram em degluti-lo e aceitar o caráter verdadeiramente moderno de sua obra, simplesmente por se fecharem em seus esquemas ideológico-valorativos parciais, não admitindo que outros modos criativos, outras formas e idéias pudessem caber no que “eles” haviam determinado e proclamado como “moderno no Brasil” – refiro-me especificamente aos chamados artistas, críticos e literários modernistas – logo “eles” que insistiram tanto em “libertar” as artes brasileiras das amarras formais dos  “modos parnasianos”: armaram outra “armadura” para quebrar a antiga…!

Um comentário de Marcos Rodrigues Aulicino em sua tese de doutorado utilizando-se de uma citação de Amilcar de Castro exemplifica e fundamenta a minha “crítica” da crítica moderna assim arriscada:

“Muitas vezes esta elaboração espacial de Guignard foi identificada com a autonomia da linguagem plástica alcançada pelo pintor, questão esta que problematizamos ao discutir a crítica dos anos 80 e 90 e a construção de um lugar “à margem” do modernismo oficial, reservada a este pintor, legitimando-o como verdadeiramente moderno, pois distante das filiações literárias. Em tal leitura algo da pintura de Guignard se perde, algo que está num conluio com a imaginação poética. Discutiremos nas paisagens “imaginantes” outras categorias interpretativas. ‘Olhar e ver a dança das cores  ritmo do mundo. Cor é emoção e pensamento descoberta e procura  certeza e espanto  fundamento e caminho.  E caminhar com as cores é testemunhar com o silêncio da luz. Cor não existe uma.  E muitas  quanto uma sustenta a outra  todas solidárias tramam intrigam  comprometem o tempo e o espaço no lugar  onde a beleza acabou de nascer verdade. E assim esse pintor poeta fundou.Ouro Preto em cor.  Grande Mestre (CASTRO, 1992, p.22-23).”

 A história deste grande artista foi permeada do início ao fim por tristes intervenções humanas que, qual tintas sombrias numa paisagem luminosa de verão, vão dando relevo e profundidade ao grande quadro que foi sua própria vida. Assim, se por um lado a vida imita a arte, não deixa de ser também verdade que a arte, mais do que a “imitação” da vida, é o fenômeno da sua recriação ou releitura pelo artista.

Por este prisma entendo estas mesmas tristes circunstâncias que a liberdade mal administrada de outros homens provocou na história de Guignard, como fatores decisivos para o seu amadurecimento pessoal e artístico – assim como o de sua obra como um todo – cunhando em sua personalidade – como também em sua obra – um caráter teimosamente autêntico e livre que em última instância fizeram dele o gênio incomparável, inovador e singularíssimo que foi.  Por outro lado, ainda, graças a este mergulho estilístico independente possibilitado por seu modo sereno e forte de enfrentar as contínuas adversidades,  é que sua obra, de tão singular que é, passa a ser também universal.

Guignard começou seu namoro com Minas bem antes de sua mudança para Belo Horizonte, conforme comenta Marcos Rodrigues Aulicino em sua tese de doutorado:

“Viajou para Minas Gerais em 1941, perfazendo o circuito modernista pelas cidades históricas, além de Paraná, interior do Rio de Janeiro e São Paulo, atendendo aos objetivos do prêmio. Em 39 já havia ido para Sabará e Ouro Preto, registrando uma série de paisagens da arquitetura colonial e o seu entorno. (AULICINO; Marcos Rodrigues, “O próximo distante, o distante próximo”, CAMPINAS, UNICAMP – IFCH – 2007)”.

Com a Exposição Moderna de 1944, talvez, pela primeira vez a produção de Belo Horizonte tenha conseguido alguma visibilidade fora das fronteiras de Minas Gerais. A partir deste momento  e principalmente nos governos municipais seguintes ao de Juscelino, Guignard passou a ser implacavelmente perseguido por seus opositores, liderados pelo arquiteto e desenhista Aníbal de Mattos, acadêmico, bem como pelos dois sucessores de Juscelino na prefeitura de Belo Horizonte, cujas visões e tendências em termos de apoio às artes eram também acadêmicas e tradicionalistas.  Quem relata com detalhes este período é o jornalista e escritor Frederico Morais, em seu livro Alberto da Veiga Guignard (Editora Monteiro Soares Editores e Livreiros,1979).

Carlos Zílio foi aluno do artista Iberê Camargo e hoje é artista plástico, pesquisador e crítico.  É pesquisador e estudioso da obra de Guignard, sob o foco de sua inserção no contexto da arte moderna como um todo, sem perder de vista as suas próprias especificidades técnicas e criativas, levando em conta as especificidades do ambiente intelectual e artístico da Capital Mineira, no qual estava profundamente imerso nos seus últmos 18 anos. Zílio afirma que o mais importante da obra de Guignard está na diluição da figura e do fundo provocando uma dissolução do espaço formal e das pessoas retratadas em seus quadros. Este autor está mais preocupado com as questões estéticas e territorializadas da arte em Guignard, do que, propriamente em questões de caráter biográfico.  Assim sendo nos oferece uma análise mais aprofundada de sua obra paisagística partindo do ponto de vista estético e sígnico no contexto da arte moderna brasileira.

Considerando-se que, do ponto de vista da sociologia, a arte é um sistema de comunicação inter-humana (ARAGÃO, Solange; Comunicante-comunicado-comunicando: método de estudo de obras de arte; II Encontro de História da Arte, IFCH-Unicamp, 27 a 29 de Março de 2006, Campinas, SP), artista, obra e público devem ser levados em conta e inter-relacionados entre si quando o objeto de estudo é qualquer um desses três elementos.

A história da Arte tem por premissa a importância de se transmitir e conservar a memória dos fenômenos artísticos com seus sujeitos e objetos, situando-os no contexto da civilização. Portanto, em seus estudos e investigações, interessa sobremodo o valor de um objeto artístico, não medido em cifras monetárias, mas enquanto objeto de significação e representação, que faz dele produto e mensagem ao mesmo tempo, remetendo-o diretamente à  sua origem e destino: o artista, espelho e síntese do homem de seu tempo. Interessa o valor do objeto artístico enquanto vestígio e reflexo do homem enquanto ser singular e universal que é; o homem histórico e antropológico.

Neste sentido a obra de Guignard, ainda tão pouco explorada por nossas instituições artísticas e educacionais, pode oferecer um novo prisma no que tange a uma identidade genuinamente brasileira (ainda que diversa e não excludente em relação a tantas outras manifestações artísticas nacionais) no painel artístico pictórico moderno nacional. Esta identidade, retratada nas imagens que reúnem o povo, as festas, a religiosidade e a paisagem montanhosa típica das regiões históricas de Minas, tem hoje o poder de lançar o “contemplador” num estado de aspiração ou desejo de um tempo-espaço que partindo daquele experimentado em tais lugares (Minas histórica/ Minas montanhosa) o transcende, à medida que se reconstrói idealmente na sua imaginação poética.

Mas… que importância teve Guignard  para o seu tempo? Que importância tem para o nosso, bem como às gerações futuras do nosso Brasil culturalmente despedaçado? Guignard tem para o homem de todos os tempos e especialmente para o homem brasileiro, a importância da direção para onde aponta o seu olhar contemplativo: o desejo do ser humano de plenitude, de harmonia com o meio, de felicidade; a importância da integração harmoniosa entre homem e paisagem, homem e contexto histórico social, homem e espiritualidade.

Por Iura Breyner Botelho – Pós graduação em História das Artes – Crítica e Teoria – FPA – Faculdade Paulista de Artes – 2012. Iura Breyner Botelho é colaboradora do IFE Campinas.