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Hamlet e o desconcerto do mundo (por Renato José de Moraes)

Literatura | 23/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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Introdução

Dentre todas as peças de Shakespeare, Hamlet ocupa um posto singular: é provavelmente a mais representativa, a que suscitou as mais diversas interpretações e, principalmente, a mais admirada e amada. Ao terminar de lê-la, ficamos com a sensação de termos saído de um mundo amplo e complexo, no qual ainda há muito que explorar e conhecer. Como sugere Harold Bloom, utilizando uma expressão que se encontra na própria peça, trata-se de um poema ilimitado pela sua riqueza e qualidade.

Na evolução da arte de Shakespeare, Hamlet representa o ponto de inflexão. Sem dúvida, antes já havia escrito obras imperecíveis, como Romeu e Julieta, Henrique V, as duas partes do Henrique IV, Noite de Reis, Sonho de uma noite de verão, e um longo etc. No entanto, Hamlet representa um salto em relação a tudo o que o dramaturgo inglês havia produzido até então, e ele manterá esse nível em algumas das suas obras posteriores

Hamlet e a saudável “incoerência”

A grandeza de Hamlet é algo que certos críticos têm dificuldade em explicar, apesar de a maior parte deles a reconhecer sem maiores dificuldades. No entanto, T.S. Eliot considera-a “certamente um fracasso artístico. […] De todas as peças, é a mais longa e possivelmente aquela em que Shakespeare empregou maiores esforços; mesmo assim, porém, deixou nela cenas supérfluas e inconsistentes, que mesmo uma revisão apressada perceberia”.

A afirmação de que Shakespeare trabalhou intensamente para escrever Hamlet é sustentada também por W.H. Auden, que vê nisso um sinal de certa insatisfação criativa. Esse esforço de composição é corroborado pela existência de no mínimo três, e talvez quatro, versões diferentes da obra. A primeira teria sido perdida, e alguns estudiosos a denominam ur-Hamlet, datando-a do início da carreira teatral de Shakespeare. A segunda – e a primeira a chegar até nós – é a chamada First Quarto, lançada descuidadamente e, provavelmente, sem autorização ou revisão do autor. A terceira, que é uma correção e ampliação do First Quarto, é o Second Quarto, publicado oficialmente pela companhia teatral de Shakespeare enquanto este ainda vivia. Finalmente, temos a versão que consta no First Folio, volume organizado postumamente por alguns amigos do autor e que recolheu quase todas as suas peças.

Apesar de todo o trabalho que consumiu, a peça teria, sempre segundo Eliot, várias imperfeições e “cenas supérfluas e inconsistentes”. No mesmo sentido, Auden acrescenta que o drama está “cheio de lacunas, tanto na ação quanto na motivação”. Não é fácil contradizer dois críticos que são, ao mesmo tempo, dois dos maiores poetas de língua inglesa dos últimos cem anos. Mas, então, como explicar a sedução que Hamlet exerce há tantos séculos sobre os estudiosos e amantes da literatura? Se é uma peça cheia de equívocos e inconsistências, por que se tornou o trabalho mais estudado e admirado de Shakespeare?

Em certo sentido, Eliot e Auden evidentemente estão certos ao sustentar que a obra tem lacunas e cenas “supérfluas”. Mas cabe aqui perguntar: qual é o problema disso? Esse tipo de “falhas” não é exclusivo de Shakespeare nem de Hamlet, e é encontrado em outras obras consagradas da literatura universal. Um dos mais reconhecidos estudiosos de Cervantes, Martín de Riquer, escreve que o Dom Quixote apresenta alguns defeitos, frutos todos eles da precipitação com que certos capítulos parecem ter sido escritos. Por sua vez, dentre as obras de Dostoievski, a sua preferida por muito tempo foi O idiota; no entanto, a espontaneidade narrativa e o caráter fortuito da ação fazem “desse romance a mais desorganizada das obras mais longas do autor e a mais difícil de analisar a partir de alguma perspectiva unificada”.

A crítica de Eliot chega a ser paradoxal quando nos lembramos da sua “poética do fragmento”, característica de várias de suas obras mais bem conseguidas. Ele mesmo dizia que freqüentemente escrevia poemas em separado e só depois via a possibilidade de fundi-los em um conjunto, perfazendo uma espécie de todo. Ora, Hamlet parece ter sido escrito, em boa parte, exatamente dessa maneira. Isso explica os diversos monólogos e situações da peça que, em um primeiro momento, podem parecer não ter relação direta entre si ou serem mesmo dispensáveis, mas que, em conjunto, formam um todo fortemente impressionante.

Ademais, Shakespeare utilizava de maneira habitual materiais previamente publicados por outros autores para servir de base para seus enredos. Esse método pode gerar “incoerências”, pois neste caso o enredo se origina de uma narrativa que será bastante modificada antes de atingir a forma final, mas é inegável que quase sempre funcionou extremamente bem. Concretamente, Shakespeare empregou, para produzir Hamlet, a história do príncipe dinamarquês Amleth, redigida no século XII por Saxo Grammaticus, no livro Historiae Danicae, e que deve ter chegado ao conhecimento do nosso autor por meio da versão de François de Beelforest, em Histories tragiques (1570). Provavelmente também foi influenciado pela Tragédia espanhola, de Thomas Kid, um drama de vingança hoje praticamente esquecido. Essa mistura pode gerar dificuldades e certos desencaixes, mas tudo isso acaba por enriquecer e tornar mais verdadeiro o drama teatral.

A vitalidade de Hamlet está em que espelha a realidade humana, cheia de inconsistências, incoerências, ações impensadas e coincidências inesperadas. Como escreveu Samuel Johnson, as peças shakespearianas “exibem o estado real da natureza sublunar, que tem partes de bem e de mal, alegria e tristeza, misturadas em uma infinita variedade de proporção e inumeráveis modos de combinação”. Não existe nenhuma vida humana absolutamente coerente e racional, e as obras literárias que tentaram ser “científicas” na composição da sua trama e na construção das personagens foram todas elas “certamente um fracasso artístico”.

Evidentemente, a arte sempre passa por uma técnica e exige certa coerência, mas esta não deve ser bigger than life, sob pena de chegar a algo artificial, sem força nem impacto. Como lembrava Chesterton, “se algum ato humano pode grosso modo ser considerado sem causa, trata-se sem dúvida de um ato menor de um homem cordato: assobiar enquanto passeia, golpear o capim com uma bengala, bater os calcanhares no chão ou esfregar as mãos. […] São exatamente essas ações despreocupadas e sem causa que o louco jamais conseguiria entender; pois o louco (como o determinista) em geral enxerga causas demais em tudo”. Shakespeare não era louco, e por isso foi capaz de escrever situações e cenas “inúteis” que, ao mesmo tempo, estão carregadas de sentido humano.

O mergulho profundo na realidade

A questão crucial de Hamlet, que gera mais controvérsias entre os críticos e leitores, é a apresentada por Harold Bloom: “Como caracterizar a melancolia de Hamlet nos primeiros quatro atos, e como explicar a superação da mesma, no quinto ato, em que Hamlet alcança posicionamento tão singular?”

A melancolia de Hamlet, em um primeiro momento, parece ter sido causada pelos eventos que nos são narrados no início da peça: seu pai havia morrido poucas semanas antes; sua mãe viúva, a rainha Gertrudes, tinha-se casado rapidamente com Cláudio, irmão do rei morto e agora seu sucessor na coroa; pouco depois, o fantasma do falecido rei aparece a Hamlet, contando-lhe que fora assassinado por Cláudio e clamando para que o filho o vingue. De fato, é preciso reconhecer que não lhe faltavam motivos para estar deprimido…

No entanto, na crítica já citada do Hamlet, T.S. Eliot sustenta que a personagem principal é dominada por uma emoção inexprimível, por ser um excesso em relação aos fatos que aconteceram. Realmente, o príncipe não está desgostoso apenas com sua mãe, o rei usurpador e alguns membros da corte dinamarquesa; o seu sentimento derrama-se sobre toda a existência. Apesar dos motivos que a justificam, há nela algo de cósmico, superior aos eventos que a causaram.

Eliot considera essa inadequação entre os sentimentos de Hamlet e os fatos que os geraram uma falta que compromete o valor artístico da peça. Sem concordar com ele, Bloom sustenta que “logo constatamos que o príncipe transcende a peça. […] Algo em Hamlet parece exigir (e fornecer) evidências relacionadas a esferas que estão além dos nossos sentidos”. O crítico americano está certo em dizer que Hamlet transcende a peça, mas não repara que isso acontece porque transcende o mundo. Este é um dos pontos centrais: Hamlet teve um choque de realidade, sofreu um “mergulho profundo” na existência, e passou a ter uma visão diferente de tudo o que o cercava. Viu mais do que a maioria das pessoas jamais fará, e por isso fica como que fora do mundo, observando-o de um ponto de vista privilegiado, até parecendo louco para muitos dos que o rodeiam.

Aqueles que conversam ou ouvem o príncipe, apesar de perplexos com as suas afirmações, percebem que estas são de alguém com inteligência penetrante. Em determinado momento da ação, o rei Cláudio comenta:

Nem o que disse, embora um pouco estranho,

Parecia loucura. Há qualquer coisa

Na qual se escuda essa melancolia,

E eu prevejo que, abertas as comportas,

Venha o perigo [1].

Por sua vez, Polônio pensa em voz alta sobre Hamlet:

Como suas respostas são perspicazes. É uma felicidade que a loucura alcança, às vezes, e que a razão e a sanidade não têm a sorte de encontrar”.

Uma série de monólogos e diálogos de Hamlet denotam sua inteligência e sagacidade, bem como a tristeza, que podemos chamar de “metafísica”, que inunda a sua alma. Por exemplo, um diálogo com Polônio, a respeito da recepção a alguns atores que chegaram a Elsinore:

“Pol.: Senhor, tratá-los-ei de acordo com o seu merecimento.                                                

Ham.: Pelo amor de Deus, homem, muito melhor! Tratai cada homem segundo seu merecimento, e quem escapará à chibata?”

Diz a Ofélia, a quem ainda ama, palavras que mostram um conhecimento superior de si mesmo e da espécie humana:

“Entra para um convento: por que desejarias conceber pecadores? Eu próprio sou passavelmente honesto; mas poderia acusar a mim mesmo de tais coisas, que seria melhor que minha mãe não me tivesse concebido: sou muito orgulhoso, vingativo, ambicioso; com mais erros ao meu alcance do que pensamentos para expressá-los, imaginação para dar-lhes forma ou tempo para cometê-los. O que podem fazer sujeitos como eu a arrastar-se entre o céu e a terra? Somos todos uns rematados velhacos; não acredito em nenhum de nós. Entra para um convento”.

No mesmo sentido, abre-se com dois companheiros, mostrando que sua insatisfação, além de ser com o Homem, é com todas as coisas que o rodeiam:

Ultimamente – não sei por quê – perdi toda a alegria, desprezei todo o hábito dos exercícios, e, realmente, tudo pesa tanto na minha disposição que este grande cenário, a terra, me parece agora um promontório estéril; este magnífico dossel, o ar, vede, este belo e flutuante firmamento, este teto majestoso, ornado de ouro e flama – não me parece mais que uma repulsiva e pestilenta congregação de vapores. Que obra de arte é o homem! Como é nobre na razão! Como é infinito em faculdades! Na forma e no movimento, como é expressivo e admirável! Na ação, é como um anjo! Em inteligência, é como um Deus! A beleza do mundo! O paradigma dos animais! E, no entanto, para mim, o que é esta quintessência do pó?”

 O problema por que certos estudiosos não conseguem compreender a “melancolia” de Hamlet está na falta de conceitos sobre a “noite escura” da alma, a tristeza decorrente de observar a fugacidade, limitação e defeito de tudo o que existe sob o sol. Nas concepções meramente psicanalíticas e materialistas da existência, não há maneira de compreender a sede de infinito, a busca de plenitude que está na alma de cada ser humano, e, conseqüentemente, entender a dor causada pela insatisfação com as coisas criadas. Trata-se de uma crise propriamente espiritual, que não pode ser simplesmente curada com alguns medicamentos ou mediante a ficção de que não existe.

O príncipe dinamarquês, através das decepções com a conduta da mãe e do tio, é
levado a uma nova percepção da realidade que transcende os eventos concretos que a causaram. Essa transformação é narrada com muita freqüência por poetas, pensadores e religiosos; na verdade, é parte integrante da experiência humana. Hamlet parece estar tomado pelo mesmo estado espírito que levou Camões a escrever em “Sobre o desconcerto do mundo”:

Quem pode ser no mundo tão quieto,

ou quem terá tão livre o pensamento,

quem tão exprimentado e tão discreto,

tão fora, enfim, de humano entendimento

que, ou com público efeito, ou com secreto,

lhe não revolva e espante o sentimento,      

deixando-lhe o juízo quase incerto,                

ver e notar do mundo o desconcerto?

Daí a impropriedade de considerar que o príncipe esteja melancólico, ou que seu estado de espírito seja fora de proporção com os fatos presentes na peça, ou ainda que seja um cético. Hamlet sofre porque os fundamentos do seu mundo foram revirados, e percebe que não eram sólidos nem íntegros, como antes os considerava. Percebe que praticamente nada do que conhece pode alegrá-lo, pois tudo é manchado e finito.

A superação da angústia

Procuramos responder a primeira parte da questão de Harold Bloom, isto é, o motivo da “melancolia” de Hamlet nos quatro primeiros atos da peça. Agora, será mais fácil entender como a superou no Quinto Ato.

Antes de tudo, é importante verificar que o príncipe não deixa de agir mesmo quando está envolvido nas suas trevas interiores. Ao contrário do que ocorreria com alguém simplesmente depressivo, Hamlet procura saber se a visão do fantasma é verdadeira e se deve executar a vingança de que foi encarregado. Além disso, precisa agir com toda a cautela, pois Cláudio é considerado rei legítimo pela população e pela corte, e sua pessoa é sagrada.

Por meio de expedientes engenhosos, certifica-se da culpa do usurpador e da veracidade das palavras do espectro. Consegue, com sensatez e o auxílio da Fortuna, sobreviver a um plano traiçoeiro de levá-lo à morte. No decorrer da ação, Hamlet vai amadurecendo para sua missão, que não é uma mera vingança, mas a purificação de toda a Dinamarca, especialmente dos cortesãos e nobres que o rodeiam. Essa purificação virá pela morte e pela tragédia, mas será levada a cabo de maneira admirável.

Ao analisar tudo o que lhe ocorrera até então, de modo principal a fuga da morte que lhe havia sido preparada, Hamlet se reconhece levado pela Providência divina de um modo

irrefletido,                                                  

E a irreflexão me seja abençoada,

Pois nossa insensatez nos vale às vezes,

Quando falham os planos bem pensados,

Para ensinar-nos que há um deus guiando

Nosso fim, seja nosso embora o início.

 Apesar de saber que poderá morrer, o príncipe enfrenta seu destino. Percebe que o rei preparou-lhe uma nova cilada, mas não foge dela; antes, utiliza-a para cumprir seu papel. Antes de ir para o duelo no qual terminará por morrer traiçoeiramente – não sem antes eliminar o monarca usurpador e assassino –, quando pressente que seu fim pode estar próximo, Hamlet tem um importante diálogo com seu amigo Horácio:

Hor.: Se o teu espírito rejeita alguma coisa, obedece-lhe; eu evitarei que venham para cá, dizendo que não estás disposto.                                                                                                                  

“Ham.: De modo algum; nós desafiamos o agouro; há uma providência especial na queda de um pardal. Se tiver que ser agora, não está para vir; se não estiver para vir, será agora; e se não for agora, mesmo assim virá. O estar pronto é tudo: se ninguém conhece aquilo que aqui deixa, que importa deixá-lo um pouco antes? Seja o que for!”

 O príncipe dinamarquês não venceu propriamente a melancolia (porque não a tinha!), mas sua crise interior terminou com uma visão equilibrada e profunda da realidade, na qual tudo está em seu devido lugar. A percepção da fugacidade, maldade e fragilidade das realidades criadas é verdadeira, mas não esgota toda a verdade; há um bem por trás de tudo, uma providência e um sentido que a tudo regem. Quem consegue passar pela “imersão radical” na realidade sem se deixar levar pelo desespero, termina por adquirir uma sabedoria mais completa. Essa sabedoria leva a que Hamlet chegue ao final e faça o que deve fazer.

São verdadeiras as divertidas e profundas palavras de Chesterton sobre o príncipe: “Se Hamlet efetivamente tivesse sido um cético, não haveria a tragédia de Hamlet. Se tivesse tido qualquer ceticismo de que lançar mão, poderia tê-lo usado desde o princípio com relação ao fantasma altamente improvável do seu pai. Poderia ter considerado aquela figura eloqüente uma alucinação ou alguma outra coisa sem significado, ter-se casado com Ofélia e continuado a comer pão com manteiga. Se Hamlet fosse um cético, teria tido uma vida fácil. […] Mas ele era o oposto total de um cético. Era um pensador”.

 Conclusão

Hamlet é uma peça que sempre desafia e empolga. Os caminhos para abordá-la são inúmeros: é possível entendê-la como um drama político ou uma lição a respeito das relações entre os sexos, ou ainda uma análise meramente psicológica de alguns personagens exemplarmente construídos. Contudo, é necessário lembrar sempre que essas análises parciais são incapazes de compreender a peça em toda a sua profundidade.

Assim, a melhor abordagem de Hamlet, e de todas grandes obras literárias, será habitualmente a filosófica e, mais ainda, a teológica, que engloba todos os aspectos da vida humana. Shakespeare trata da condição humana em toda a sua radicalidade, sem admitir escapismos ou compromissos. Não há nada errado em estudá-lo a partir de uma ciência particular, como a psicologia, a política, ou mesmo a ética. Entretanto, apenas a filosofia e a teologia têm a amplitude necessária para compreender melhor o que um autor da sua categoria nos quer dizer.

A crise espiritual de Hamlet, tão bem construída por Shakespeare, é uma constante na vida dos seres humanos que aceitam a profundidade da vida. A superação dessa crise leva à ação purificadora, que terminará causando a morte do protagonista. No entanto, para Shakespeare e seus contemporâneos, a morte não era o pior nem o fim de tudo. A vida de Hamlet encontra sua plenitude no momento em que ele aceita sua morte por um motivo maior.

Hamlet e outras obras do seu nível nos lembram o que é ser humano, em toda a sua fragilidade e grandeza. Esse é um motivo mais que suficiente para que a continuemos lendo e aprofundando o que ela nos ensina.

 

Renato José de Moraes é Mestre pela Faculdade de Direito da USP e professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).

Texto publicado na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Edição nº 1, Jun/2008. Disponível [online] no link: http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-1/hamlet-e-o-desconcerto-do-mundo/

Bella: O poder de fogo da família (por Pablo González Blasco)

Cinema | 16/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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Bella (2006). Diretor: Alejando Gómez Monteverde.

Atores: Eduardo Verástegui. Tammy Blanchard, Manny Perez. 91 min

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Quando me pedem a opinião sobre um filme que ainda não assisti, já sei que mais cedo ou mais tarde acabarei assistindo. É questão de tempo e oportunidade. Não consigo resistir; aliás, para ser franco, nem tento fazê-lo. Afinal, quem ergue a bandeira de que o cinema educa deve manter-se atento às novidades.

Assim ocorreu com “Bella”. Houve perguntas e também comentários que incluíam o ator, Eduardo Verástegui, um cantor e ator mexicano que sofreu um processo de conversão espiritual e milita entre os “Pro Life”. Parece que há uma entrevista com ele, divulgada pela EWTN, a emissora da Madre Angélica, essa surpreendente freira de clausura do Alabama, que no dizer de alguns teria créditos para ser a santa padroeira dos CEOs . De fato, tive oportunidade de ler uma biografia de Mother Angélica, quando acabei me tornando seu fã incondicional – dessa mulher que alia capacidade de gestão e empreendedorismo incomuns, sob o amálgama de gigantesca personalidade espiritual. A santidade, o senso comum e a voz de comando lhe saem pelos poros.

Isso, e saber que “Bella”, surpreendentemente, conquistou o prêmio do Festival de Toronto, fizeram-me pensar que seria um filme ortodoxo, que ofereceria soluções moralmente corretas e opções “pró vida” para a polêmica questão do aborto. Foi com essa expectativa que me sentei para contemplar os 90 minutos de filme. Mas enganei-me rotundamente.

“Bella” é um filme sobre a família, sobre o poder de cura da família, e as feridas que não acabam de sarar quando se carece de um verdadeiro lar. Apalpa-se o realismo, a dificuldade, a miséria humana. Sente-se a dor, a dos personagens e a nossa, que entram em ressonância durante o filme. Junto com a dor, a dúvida, a ingratidão que torna tudo mais difícil, e o destino que parece querer nos afundar de vez. O sofrimento tem um nome: chama-se Nina. E a compreensão – que ouve com paciência e busca saídas – encarna-se em outro protagonista: José, homem igualmente curtido pela dor. Mas no meio de tudo isso, a família, o lugar onde somos compreendidos, onde se tenta entender o que não tem lógica, porque nos ouvem pelo coração, que acolhe as razões que a razão não consegue entender, como dizia Pascal.bella_2

Mês passado regressei de uma viagem a uma universidade da Colômbia, onde conversei com um velho amigo, médico pediatra, pai de doze filhos, professor de um instituto que promove a educação familiar e aconselha tanto as famílias que têm problemas como as que não têm… ainda. “É como medicina preventiva” – disse-me o amigo, que tem longa experiência no trato com a dor, sobretudo de uma classe de dor para a qual dificilmente temos respostas a dar: a dor das crianças. Certa vez contou-me como viu adolescentes, quase-crianças, morrerem nas terríveis guerrilhas do narcotráfico de seu pais. Falamos sobre muitas coisas, inclusive o sofrimento. Em dado momento, com um sorriso próprio de quem está revelando um segredo, afirmou: “Nós, médicos, tratamos a dor com analgésicos, damos morfina. Mas o que funciona de verdade contra a dor é a família”. Olhei-o surpreso, mas continuou: “Na família, encontramos o sentido da dor, o que propicia, paradoxalmente, a sua cicatrização”. Sem família não há cura para a dor que nos oprime”. Ora, as cenas de “Bella” me evocavam o tempo todo esses comentários de meu amigo.

Parece-me que foi Tolstoi, em “Ana Karenina”, quem disse que as famílias felizes se parecem todas entre si, enquanto as infelizes o são cada uma a seu modo. Este pensamento, juntamente com outras recentes vivências pessoais, também me vieram à mente enquanto assistia “Bella”. Meus últimos meses foram marcados por perdas importantes. Amigos perderam parentes. Eu mesmo perdi um familiar querido. Onde estão essas “famílias felizes” a que se refere Tolstoi? Serão felizes as que não têm problemas nem sofrem perdas? Do que depende, afinal, a felicidade? Será que a felicidade – a que conseguimos tocar – é apenas a ponta de um imenso iceberg, de toda uma unidade de sentimentos, vida, missão e postura diante da vida, diante do sofrimento e até da morte?

Pude testemunhar nesses meses o que são famílias unidas e presididas pela dor, e ao mesmo tempo felizes, muito felizes. O tema é profundo e o filme consegue abordá-lo com acerto. A dor vem, queiramos ou não, e a reação – talvez “ação”, que é “proativa”, como se diz ultimamente – depende da estrutura familiar que se tem por base. Razão assiste a meu amigo colombiano: “diante da dor, o que funciona é a família”.

Serão famílias especiais, essas, que conseguem manter a esperança e até a alegria diante da dor? Serão, seus membros, pessoas fora do comum, tão centrados na transcendência que o sofrimento sequer lhes abala? Evidentemente não. São, simplesmente, seres que buscam na família os recursos para se recuperarem, para se apoiarem mutuamente e se refazerem. Sabem extrair da família a fortaleza de que necessitam para digerir a dor e crescer com ela. Alguém apontava em acertada metáfora que tais famílias são como cartas de baralho: sozinhas, não param em pé, mas apoiando-se umas às outras se consegue montar um castelo. “Teus familiares não esperam encontrar em ti alguém extraordinário. Querem apenas contar contigo para poderem se apoiar em e ti, e tu neles.” A frase não é minha, mas de Miriam Weinstein, autora do livro que acabo de ler: “O surpreendente poder das refeições em família – como elas nos fazem mais inteligentes, fortes, saudáveis e felizes”. Um encanto de livro, que mais do que as refeições em família, versa sobre a própria família. A autora realiza uma extensa pesquisa e demonstra o tremendo poder de fogo – de formação educacional – das refeições em família. Por exemplo: entre os adolescentes que jantam com a família cinco ou mais vezes por semana, a incidência de drogas e alcoolismo diminui sensivelmente, acima dos 40%, resultado mais expressivo qubellae o referente ao nível de notas escolares, ou até mesmo à freqüência a grupos religiosos. Recolhe também uma pesquisa realizada em Harvard segundo a qual, na fase de alfabetização, as crianças que alcançam melhor aproveitamento são as que almoçam mais vezes com a família, porque acabam adquirindo um vocabulário muito mais amplo que as demais. Não porque tenham lido mais que as outras, mas porque ouvem os adultos conversarem à mesa. E com não pequena surpresa, a pesquisadora vem a descobrir que há lares onde não há sala de jantar, outros sequer mesa para refeições em família. Não admira que justamente nesses lares verificou-se maior incidência de anorexias e transtornos alimentares.

Vivemos na era do fast-food, do self-service, do delivery, em que parece não haver tempo para detalhes como almoçar em família e conversar. A refeição virou apenas “alimentação”, “nutrição”, e não por acaso, em nossos centros comerciais, a área reservada aos restaurantes costuma se chamar “praça de alimentação”. Pode-se comer de tudo, bastante, rapidamente, mas dificilmente se pode conversar, “perder” tempo, praticar a liturgia das refeições que nos educa no esperar, no escutar, no conviver, nos verdadeiros ritmos da alma. No dizer de Weinstein, parafraseando Epicuro: “Antes de pensar no que comer, bom seria pensar com quem vamos comer. Comer sozinhos é próprio de leões e de lobos”.

A autora acerta em cheio, porque o valor que está em jogo não é apenas o estilo fast-food das refeições, mas a própria família. Hoje, há quem queira obter o título de “família” para justificar qualquer tipo de relacionamento. É como quem quer comprar uma comenda ou um título nobiliário. Alguns se assustam com essas perspectivas aberrantes. Eu, porém, confesso que não perco o sono, pois acho que o horizonte acabará se desanuviando. Será como a purificação do ouro. O fogo se encarregará de separar da escória o que tem valor. A dor chegará algum dia, inevitavelmente, e sob sua luz ficará evidente quem é de verdade família e quem comprou esse “título” para usá-lo como enfeite.

Weinstein – que se apóia na tradição judaica – encerra seu estudo com a história de um sábio Rabino do século XVII. Sempre que os judeus eram ameaçados, este bom homem ia até o bosque, acendia uma fogueira, fazia uma prece, e Deus lhe atendia. Morreu o mestre, e um de seus discípulos seguiu o seu exemplo nos momentos de crise. Ele não sabia como acender o fogo, mas lembrava-se da prece. O milagre acontecia igualmente. Morreu também este, e seu sucessor também se esqueceu da oração. Mas, mesmo assim, ia ao bosque e dizia: “Não sei como acender o fogo, nem mesmo lembro-me da prece, mas pelo menos sei para onde devo ir em momentos como esses”.

Nestes tempos em que tantos desaprenderam a rezar e a acender fogueiras, nós, que pelo menos nos sentimos “família”, sabemos para onde ir nos momentos de dor: ao nosso lar! É na família onde tudo tem conserto, onde nos sobrepomos à dor, onde reconquistamos a esperança de viver.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Fonte: http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2008/12/09/bella-o-poder-de-fogo-da-familia/

Próximo Diálogos CCFT: “Logos and Christianism” (11/04, 14h00) com Gianfranco Basti (Ph.D.)

Diálogos CCFT | 10/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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A5-Dialogos-Abril-2014

Neste sábado, 11 de Abril às 14h00, haverá o próximo seminário dos Diálogos CCFT em parceria com o IFE CAMPINAS, cujo tema é “Logos and Christianism“, ministrado pelo Prof. Gianfranco Basti (Ph.D.), da Itália.

— Inscrições e mais informações neste link: http://bertato.wix.com/ccft

Lembramos que universitários têm desconto: peçam desconto na hora da inscrição.

Para visualizar o PDF deste folder clique aqui.

Ventos do leste: a participação de católicos e ortodoxos na política ucraniana (por Tarcísio Amorim)

Política e Sociologia | 09/04/2015 | | IFE RIO

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Em novembro de 2013, uma crise teve início na Ucrânia quando protestos contra a decisão do presidente Viktor Yanukovych de suspender os planos de um acordo comercial com a União Europeia suscitou uma escalda de acontecimentos que resultou na derrubada do governo. De acordo com o Yanukovych, uma associação com a UE não seria vantajosa visto que a dependência de recursos energéticos dos países do eixo oriental (Rússia, Belarus e Cazaquistão) não seria compensada pelos níveis de exportações para os países ocidentais. Apesar da insistência em reafirmar as bases econômicas da medida, tal evento deflagrou uma série de manifestações nas quais clamores evocando uma identidade europeia evidenciaram que um conflito cultural também estava em jogo.

Com a escalada da violência nos protestos o parlamento votou pela descontinuidade do governo, levando Yanukovych a deixar o país. Tal fato, porém, contribuiu para que uma nova crise se instaurasse em algumas províncias orientais onde a população de fala russa ainda predomina. Após a tomada da Crimeia pelas forças do Kremlin, Donetsk e Luhansk têm estado sobre intervenção do exército ucraniano desde Abril de 2014, quando grupo locais declararam independência à Kiev.

Em meio às disputas étnicas que persistem nos discursos e nas decisões acerca de políticas nacionais, ora enfatizando uma identidade ucraniana com um governo em moldes ocidentais ora uma visão histórica de uma cultura pan-eslávica em linha com o modelo Russo, outro fator tem se mostrado relevante na definição indenitária dos cidadãos ucranianos: a religião. Imagens de sacerdotes intercedendo junto aos protestos, bem como o uso de igrejas como hospitais e ponto de apoio, além de discursos e intervenções de lideranças religiosas desde o início da crise evidenciam a força social que Igrejas e comunidades religiosas tem ajudado a fomentar naquele país. Nesse artigo, procuro demonstrar como ortodoxos e católicos, as duas maiores confissões em número de adeptos no país, tendem a estabelecer padrões de identidade cultural que afetam as relações étnicas nessa república pós-soviética.

 

Raízes históricas do conflito

Em 1991 a Ucrânia tornou-se independente, criando suas próprias instituições políticas, moeda e sistema bancário. Mesmo assim, os longos anos do regime comunista parecem ter influenciado na estruturação de sua economia política já que, com as privatizações altamente restringidas e licenças para a condução de negócios ainda concentradas no corpo executivo, o país construía seu sistema político pautado no verticalismo soviético, criando um aparelho burocrático no qual antigas oligarquias acumulavam poder político e econômico.

Nos primórdios da republica ucraniana, Vyacheslav Chornovil candidatou-se a presidência visando introduzir reformas no sistema político em linha com o projeto de Lech Wałęsa na Polônia. O vendedor, porém, foi Leonid Kravchuk, um ex-membro do Conselho Legislativo da Ucrânia Soviética, que era controlado pelo Partido Comunista. Kravchuk procurou manter o centralismo político com uma constituição que provia fortes poderes ao braço executivo, enquanto estendia sua influência sobre o setor legislativo e judiciário aproveitando-se das brechas e inconsistências que a Carta Magna trazia.

Os poderes presidenciais tornaram-se ainda mais fortes quando, seguindo a vitória de Leonid Kuchma em 1994, uma nova constituição garantiu-lhe o poder de nomear todos os membros do Gabinete executivo, com exceção do primeiro-ministro, e os líderes regionais. Kuchma fora diretor de uma fábrica de misseis no regime soviético e favoreceu os laços com o Kremlin.

Com a consolidação das estruturas verticais do sistema político ucraniano, o país permaneceu por muito tempo sob o controle dos oligarcas que muitas vezes detinham assentos no parlamento e controlavam os partidos políticos. Em meio a escândalos de corrupção, assassinatos de motivação política, e manobras do executivo sobre os outros poderes um novo movimento surgia com força na década de 2000 demandando transparência e democratização das estruturas de poder. Nas eleições presidenciais de 2004 a vitória de Viktor Yanukovych, um candidato pro-Rússia do Partido das Regiões, sob suspeitas de fraude deu início a uma série de protestos liderados por Viktor Yushchenko e Yuliya Tymoshenko, dois líderes favoráveis à reforma política e à aproximação da Ucrânia com a União Europeia. Apelidada de Revolução Laranja, as manifestações contribuíram para que a Suprema Corte anulasse o primeiro resultado e promovesse uma nova disputa eleitoral. Dessa vez, o saldo dava a vitória a Viktor Yushchenko com 52% dos votos, contra 44% de Yanukovych. Pela primeira vez o nome Maidan era usado como símbolo revolucionário a partir de Kiev.

Ainda assim, com as eleições legislativas de 2006, divergências no Parlamento entre o Partido das Regiões e o Bloco de Yuliya Tymoshenko (ByuT) levaram a um impasse sobre a possibilidade de obtenção da maioria prevista para que as reformas constitucionais fossem implementadas. Viktor Yanukovych subira ao cargo de primeiro-ministro e os círculos de empresários, liderados por Petro Poroshenko, correligionário de Yushchenko no partido Nossa Ucrânia (e atual presidente do país), demandavam uma aliança com o Partido das Regiões – o que era visto como uma traição dos ideais da revolução pela extrema-direita[i]. Somado a isso, desentendimentos entre Yuliya Tymoshenko e Viktor Yushchenko ajudaram a dividir ainda mais o Parlamento, acentuando o clima de instabilidade política. Como a constituição ucraniana prevê a possibilidade de novas eleições no caso de um fracasso na formação das coalizões parlamentares, as partes envolvidas concordaram em convocar um novo sufrágio a se realizar em setembro de 2007.

Dessa vez, Yuliya conseguiu fazer Yushchenko concordar com uma “Coalizão Laranja”, dando aos líderes da revolução uma ligeira maioria no Parlamento, com a união do ByuT com o Nossa Ucrânia, reforçada ainda pelo Bloco Lytvyn, de orientação centrista. Tymoshenko, por sua vez, acendia ao cargo de primeiro-ministro, confirmando o governo revolucionário. A aliança ainda era frágil pois ao deixar o Partido das Regiões na oposição os “Laranjas” não conseguiriam obter os 301 votos necessários para emendar a constituição. Em todo caso, ela representou uma vitória temporária da Revolução ao consolidar o domínio do Parlamento combinado com as duas principais posições do executivo.

Tal cenário não se estabeleceu por muito tempo, pois o governo de Yushchenko foi extremamente marcado por intrigas e escândalos de corrupção que acabaram minaram sua base aliada. Em 2010, Viktor Yanukovych derrotou Yuliya Tymoshenko nas eleições presidenciais, restabelecendo os círculos de poder em torno das estruturas oligárquicas estabelecidas e, mais tarde, suspendendo os planos em prol de um tratado comercial com a UE.

Como se percebe, a história política ucraniana tem sido caracterizada por instabilidades na base de poder, propiciada por um sistema constitucional que facilita as ligações entre elites empresárias e o poder público, além das clivagens entre os cidadãos do país, que até recentemente tinham atitudes ambivalentes em relação ao modelo político a ser adotado.

 

Religião e política na Ucrânia

Os ucranianos, assim como os Bielorrussos e por vezes os poloneses, eram chamados de Rutênios até o princípio do século XX. Herdado do mesmo termo que costumava designar as origens comuns dos povos eslavos (“Rus”), este nome fora usado em contraposição a Rossiya, especificamente aplicado aos Russos. Rutênia Vermelha era o antigo nome atribuído à Ucrânia Ocidental, enquanto Rutênia Branca, ou Bielo-Russia, deu origem a Belarus. Após a capitulação dos Mongóis, a Ucrânia ficou sob o domínio da Polônia e da Lituânia e isto contribuiu para que eles desenvolvessem uma cultura própria, marcada por diferenças linguísticas e sensibilidades diversas. De todo modo, compartilhando os mesmos mitos de origem e percebendo-se como herdeiros da mesma linhagem eslava, as fronteiras culturais entre a Ucrânia e a Rússia por muito tempo permaneceram fluidas, enquanto Kiev continuava politicamente atrelado às nações vizinhas até o final da era soviética.

Anne Applebaum sublinha que a religião poderia particularmente ter impactado no fortalecimento das fronteiras entre os dois povos. Como ela reconhece, os Ucranianos do ocidente praticavam uma religião distinta, caracterizada por uma espiritualidade bem especifica que se baseava em ritos orientais mas ainda mantinha laços com Roma[ii]. A Igreja Católica Grega surgiu pela União de Brest em 1596, quando a Ucrânia ainda estava sob o governo polonês, e tais laços dos católicos orientais com o Ocidente devem ser levados em conta na análise das relações étnicas entre ucranianos e russos.

No presente, os ortodoxos do Patriarcado de Kiev constituem cerca de 50,4% da população da Ucrânia, seguido daqueles fiéis ao Patriarcado de Moscou, com 26,1%. Os católicos gregos vêm em seguida com 8%, enquanto outros ortodoxos, católicos latinos, protestantes e judeus compõem 7.2%, 2.2%, 2.2% e 0.6%, respectivamente[iii].

Embora fiéis de outras religiões têm tido uma posição ativa nos recentes eventos que vêm definindo o cenário político na Ucrânia, ortodoxos e católicos somam mais de 90% da população do país e suas tradições históricas marcam a herança nacional de modo particular.

O Patriarcado de Kiev foi formado após um cisma com o Patriarcado de Moscou, seguindo a queda da União Soviética e a independência da Ucrânia. Reivindicando mais autonomia para a Igreja de Kiev, o Patriarca Filaret Denysenko, até então responsável pelo Patriarcado Russo na Ucrânia, afastou-se de seus pares e buscou implantar uma Igreja em linhas nacionais com o apoio do presidente Leonid Kravchuk, acima mencionado. O Patriarcado de Moscou não reconheceu tal separação e a Igreja Ortodoxa Ucraniana é até hoje considerada um órgão autocéfalo e ilegítimo de acordo com o direito canônico da Comunhão Ortodoxa.

Por sua vez, a presença dos católicos gregos, especialmente na Ucrânia ocidental, tem sido de maior importância para o entendimento de padrões sociais de comportamento político no país. Durante o período comunista, a Igreja Greco-Católica foi proibida nos territórios da URSS, enquanto seus membros eram perseguidos pelos líderes soviéticos. Após a Guerra Fria, a Igreja católica na Ucrânia experenciou um reavivamento religioso, que vai bem além do aspecto meramente espiritual. Agindo como um centro de disseminação intelectual em associação com instituições europeias nos arredores de Lviv, seu clero teve uma especial participação nos protestos que marcaram a Revolução Laranja, bem como da recente comoção chamada de “Revolução Euromaidan”. Como pontuou o Arcebispo Sviatoslav Shevchuk, líder da Igreja Greco-Católica ucraniana, seus proponentes não eram “nacionalistas radicais” mas sim defensores de uma Ucrânia “livre, democrática e Europeia”[iv].

É importante sublinhar que os conflitos entre a Igreja Ortodoxa Ucraniana e o Patriarcado de Moscou tem sido um fator decisivo na aliança da primeira com a Igreja Greco-Católica no que diz respeito à promoção dos valores nacionais contra a influência do Kremlin. Com efeito, o clero de Kiev tem rejeitado o conceito de “Russkiy Mir” (Mundo Russo), avançado pela Igreja de Moscou como uma visão teológica de um universalismo eclesiástico centrado no mito de uma civilização eslava sob a liderança da Rússia, da qual Ucrânia e Belarus seriam parte. Contra essa ideia, a Igreja de Kiev vem favorecendo uma concepção de cultura encarnada, na qual a imersão nas línguas e costumes locais são elementos essenciais do desenvolvimento da santidade. Como expressa o teólogo ortodoxo Dr. J. Buciora: embora a realidade contextual dos santos são sempre apresentadas em um prisma de transfiguração, esta “pressupõe sofrimentos, dores, lutas, e imagens de uma situação particular”[v]. É neste sentido que a vida dos santos Ucranianos torna-se inspiração para os féis e veículo de transformação.

De modo semelhante, a identificação dos greco-católicos com o legado da Igreja de Kiev propicia uma teologia enraizada nas tradições ucranianas e na experiência do passado. De acordo com o Bispo Borys Gudziak, antigo reitor da Universidade Católica de Lviv (a qual os ucranianos costumam referir-se como a única Universidade Católica do antigo mundo soviético), o objetivo da instituição é construir uma “nova síntese social, intelectual e teológica” do legado dos mártires ucranianos – o que John L. Allen classificou como uma teologia “nascida das catacumbas”[vi].

Embora, como veremos, os ortodoxos ficaram divididos com relação a um projeto político social nos primeiros anos da República, as tendências autônomas do Patriarcado de Kiev, especialmente na atual conjuntura política nacional, tem contribuído para unir Católicos e Ortodoxos na luta pela democracia. Como afirmou o Reverendo Cyril Hovorum, antigo responsável pelo Departamento de Relações Externas na Igreja Ortodoxa Ucraniana:

“Maidan, além de um importante evento civil, parece ter sido um importante evento religioso… Havia orações senso executadas todos dias de manhã e de noite. Foi um fenômeno religioso além de ter sido um fenômeno político e social, e também foi um evento ecumênico porque a revolução Maidan realmente uniu muitas Igrejas, muitos líderes que antes nunca tinham se comunicado uns com os outros”[vii].

 

O voto católico e ortodoxo nas eleições parlamentares de 2007

Dito isto, é valido analisar como Católicos e Ortodoxos tem se comportado politicamente com relação às disputas entre as coalisões pró-europeias e pro-russas. Como as informações sobre o atual cenário sócio-político ainda são escassas no país, tomo como ponto de referência os dados sobre votos para a coalizão laranja (liderada por Yuliya Tymoshenko e Viktor Yushchenko) e azul (liderada por Viktor Yanukovych pelo Partido das Regiões). Minha fonte é a pesquisa publicada pela Associação de Dados Arquivísticos de Religião, sob título de “International Social Survey Programme 2008: Religion III”[viii].

Tendo em conta os dados apresentados, eu combinei a variável relacionada à confissão religiosa e produzi dummies, isto é, novas variáveis na qual o valor 0 corresponde a um não-seguidor e 1 representa um seguidor. O mesmo foi feito com relação aos votos para a coalizão laranja e azul, com 0 para “não votou” e 1 para “votou”[ix]. A partir dos resultados obtidos pelos cálculos de software, eu executei uma regressão logística[x] para calcular a probabilidade estatística de um voto católico ou ortodoxo para as duas coalizões, que eu chamei pró-europeia (Pro-EUR) e pro-russa (Pro-RUS).

Como se observa, enquanto os votos de ortodoxos dão resultados próximos a 50% para cada coalizão, sem atingir o requisito mínimo de 95% de significância estatística[xi], os católicos favorecem massivamente os partidos associados à coalizão laranja, embora figurem em menor número na pesquisa (137 para 1270).

 

Regressão: Católico (x = 1) – Voto EUR (y = 1)

=============================================

Católico              2.717***

(0.435)

Constante          -0.449***

(0.071)

———————————————

Observações               898

Log Prob                    -577.532

Akaike Inf. Crit.          1,159.063

=============================================

Nota:             *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

 

P[y=1|x=0] = 0.3896937

P[y=1|x=1] = 0.9062514[xii]

 

Por essa amostra, percebe-se a probabilidade de um voto pro-EUR sobe de aproximadamente 39% para 90% para o caso de o indivíduo ser católico. Este resultado é estatisticamente significante ao nível de 99% (p < 0.01).

Para ortodoxos, temos:

 

Regressão: Ortodoxo (x = 1) – Voto EUR (y = 1)

=============================================

Ortodoxo           0.08487

(0.140)

Constante         -0.35004***

(0.112)

———————————————

Observações               898

Log Prob                    -577.532

Akaike Inf. Crit.          1,159.063

=============================================

Nota:             *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

 

P[y=1|x=0] = 0.41337

P[y=1|x=1] = 0.43409[xiii]

 

Como se percebe, a probabilidade de um voto pro-EUR para ortodoxos é de 43%, e sobe apenas 2 pontos com relação a um voto de um não ortodoxo. Como se tratam de dummies e não há outras variáveis, o resultado para votos Pro-RUS é o inverso: aproximadamente 58% para não ortodoxos e 56% para ortodoxos.  De todo modo, como não há indicador de significância para a variável ortodoxo, isso quer dizer que a análise não atingiu o mínimo de 95% requerido, o que implica que a pesquisa não encontrou um padrão significativo no voto ortodoxo, impossibilitando uma apreciação acurada da margem de erro.

De todo modo, como religião é uma categoria que se sobrepõe a outros elementos a influenciar no resultado, pode-se adicionar variáveis de controle[xiv], visando um cálculo mais preciso do impacto da religião para o voto por meio da exclusão de outras variáveis. Uma delas é a região, pois se sabe que os ucranianos na parte ocidental do país tendem a votar em partidos ligados à UE, enquanto no Oriente os laços com o vizinho oriental são mais fortes, dada a concentração de cidadãos de fala russa naquelas regiões. Outra variável a ser controlada, é a visão política (esquerda ou direita), pois ao isolarmos seu efeito, pode-se verificar se a preferência partidária teve um papel fundamental no resultado ou se a religião é mesmo o principal fator a influenciar o voto. Por último, a renda pode ter um papel decisivo, pois sabe-se que o sistema oligárquico produzido pelas estruturas políticas ucranianas favorece as elites ligadas ao governo Russo. Como para todas as outras categorias, eu converti esse elemento em uma variável dummy, na qual cidadãos ganhando mais de 3200 UAH figuram como 1, e os outros como 0.

Para votos Pro-EUR, eu controlei para regiões de fala ucraniana (ocidente) e visão política de direita, enquanto para votos Pro-Russia eu controlei para regiões de fala Russa (oriente) e posicionamento de esquerda, visto que a maioria dos partidos da coalizão azul endossam uma identidade comunista e soviética. Com esse procedimento, obtemos o seguinte quadro:

 

Regressão: Católico (X=1) – Voto EUR (Y=1) + controles

=============================================

Católico              1.556***

(0.511)

Ocidente             2.376***

(0.182)

Direita                15.065

(538.018)

Renda 1              -0.507

(0.754)

Constante          -1.477***

(0.126)

———————————————

Observações               756

Log Prob                    -377.739

Akaike Inf. Crit.           765.477

=============================================

Nota:             *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

 

P[y=1|x=0] = 0.4107

P[y=1|x=1] = 0.7675[xv]

 

Como vemos, mesmo depois de controlar para região, visão política e renda, a probabilidade de um voto católico para a aliança laranja é de aproximadamente 77%, mais de 35% de diferença para não católicos (41,07%), e o resultado ainda é significativo a 99%.

Para ortodoxos e voto pro-Rússia, temos:

 

Regressão: Ortodoxo (X=1) – Voto pro-RUS (Y=1)  + controles

=============================================

Ortodoxo            0.269

(0.197)

Oriente               2.383***

(0.189)

Esquerda           17.171

(443.815)

Renda 1             0.415

(0.759)

Constante         -18.181

(443.816)

———————————————

Observações               756

Log Prob                    -358.342

Akaike Inf. Crit.          726.684

=============================================

Note:             *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

 

P[y=1|x=0] = 0.1521

P[y=1|x=1] = 0.190149[xvi]

 

A probabilidade de um voto ortodoxo para um partido pro-Rússia sobe de aproximadamente 15% para 19% em relação a não ortodoxos, quando executamos o teste com as variáveis de controle. Há um decréscimo de aproximadamente 25% com relação à probabilidade de um voto Pro-RUS para ortodoxos quando não se controla para as outras variáveis (de 56,59% para 19%). Para católicos, o decréscimo é de aproximadamente 14% (de 90,62% para 76,75%), o que indica que a religião tem maior impacto no voto para católicos que para ortodoxos. Isso se percebe também pelo fato de que a região e outras variáveis têm maior peso na escolha de um partido pro-RUS, o que pode ser verificado pelo nível de significância de Oriente (99%) nessa regressão, sendo os outros elementos estatisticamente insignificantes.

Ainda assim, é possível perceber que a renda 1 (acima de 3200 UAH) influi positivamente para o voto pro-RUS e negativamente para o voto pro-EUR. O posicionamento político, por sua vez, é praticamente insignificante, dado o alto valor do erro padrão nas duas amostras (538.018 e 443.815), o que impossibilita uma generalização precisa a partir das respostas à pesquisa.

Considerações finais

A partir dessa análise, pode-se concluir que os católicos tenderam a votar massivamente para os partidos da aliança laranja nas eleições de 2007. Para os ortodoxos, porém, o teste mostra resultados ambivalentes, o que pode estar relacionado à própria indefinição cultural na qual a Ucrânia se insere, estando na fronteira entre a Europa e o mundo Russo. As variações na escolha do voto para os cidadãos ucranianos converge com a política de neutralidade endossada pelo clero da Igreja de Kiev nos anos que antecederam a revolução Maidan. Apoiada pela classe política ucraniana na época em que ainda era próxima aos aliados do Oriente, ela permaneceu distante da Europa, ainda que separada da Rússia. Os greco-católicos, pelo contrário, tendo construído sua identidade sobre os laços culturais com a Polônia e a Lituânia, o que também lhe valeu a perseguição sofrida durante o período soviético, vem sendo bem mais assertivos em seu posicionamento político. Como reconheceu o Reverendo Cyril Hovorun: “os greco-católicos, ou Católicos de rito Oriental leais a Roma, foram os que primeira e mais ativamente apoiaram os protestos”[xvii].

Em termos gerais, isso significa que os católicos na Ucrânia, ainda que constituindo uma minoria, têm demostrado um claro comprometimento com uma concepção democrata e cristã de governo, assinalando o impacto dos valores articulados pelas visões religiosas na percepção identitária e na escolha individual –  que adquire claramente um caráter comunitário. Por outro lado, os ortodoxos mostraram mais moderação em suas visões políticas, refletindo as condições culturais da sociedade ucraniana como um ponto de equilíbrio entre o Oriente e o Ocidente.

Apesar disso, a recente tomada da Crimeia e a atual crise no leste da Ucrânia são fatores que tendem a mudar esse cenário, já que a escalada da violência tem levado cada vez mais o clero ortodoxo e membros de outras religiões a apoiarem o movimento de democratização em termos patrióticos. Ademais, a interferência do Patriarcado de Moscou, com suas declarações contra o novo governo ucraniano e seus aliados, incluindo os Greco-Católicos e os Ortodoxos de Kiev, mais do que nunca tem sido interpretado no país como uma tentativa de deslegitimar não somente a autonomia e especificidade da Igreja de Kiev, mas também a soberania política do país, com uma visão pan-eslávica fundada no universalismo russo. Como Andrew Sorokowski sublinha:

Para Moscou, a própria ideia de uma Ucrânia é uma traição da unidade eslava oriental, enquanto a união que resultou na Igreja Greco-Católica é uma traição da solidariedade ortodoxa. A premissa de fundo é que Moscou é o árbitro e garantidor de ambas – como a capital tanto de uma única Igreja Russa como de um único “Mundo Russo”.

A Ucrânia, e sua Igreja Greco-Católica, desafia essa concepção. A Ucrânia como nação pressupõe o pluralismo étnico, cultural e nacional, em um mundo onde a unidade é fortalecida, não ameaçada, pela diversidade[xviii].                

Em meio aos protestos do Patriarca de Kiev[xix] contra o apoio do clero russo aos rebeldes no leste, e dada a queda substancial no suporte à liderança do Kremlin após sua intervenção militar no país[xx], é possível prever que o particularismo eclesiástico da Ucrânia deverá se desenvolver de modo a fortalecer seu ideário nacional, unindo católicos e ortodoxos e fazendo jus aos tradicionais laços entre religião e sociedade nesse país. Para as nações ocidentais, a visão dessa aliança pode servir de inspiração para lembrar aos europeus que o vigor da crença pode dar um novo alento à democracia, a fim de que não se perca na frieza de um legalismo burocrático desvinculado de suas raízes.

 

[i] Pawel Wolowski. Ukrainian politics after the Orange Revolution – how far from democratic consolidation? In: Sabine Fischer (ed.) Ukraine: quo vadis?. Chaillot Paper, n. 108. Feb, 2008. Disponível em: <http://www.iss.europa.eu/uploads/media/cp108.pdf>.

[ii] Anne Applebaum. Between East and West. Pan Macmillan Australia Pty,  1995.

[iii] Cf. http://www.scu.edu/ethics-center/world-affairs/politics/By_Countries_Regions/Ukraine.cfm

[iv] John L. Allen Jr. A Church with verve is at risk in Ukraine. Crux, 13 Sep, 2014. Disponível em: <http://www.cruxnow.com/church/2014/09/13/a-church-with-verve-is-at-risk-in-ukraine/>.

[v] Fr. Dr. J. Buciora. The Moscow Patriarchate’s Utopian Vision Of Russian Civilization. Risu, 2011. Disponível em:http://risu.org.ua/en/index/studios/studies_of_religions/41614/.

[vi] John L. Allen Jr. For the future of new evangelization, look to Ukraine. NCR online, 22 Oct. 2012. Disponível em:  <http://ncronline.org/blogs/ncr-today/future-new-evangelization-look-ukraine>.

[vii] Sophia Kishkovsky. Ukrainian crisis may split Russian Orthodox church. Religion News Service, 2014. Disponível em:  <http://www.religionnews.com/2014/03/14/ukrainian-crisis-may-split-russian-orthodox-church/>

[viii] International Social Survey Programme 2008: Religion III. Association of Religion Data Archives. Dados disponíveis em: <http://www.thearda.com/Archive/Files/Descriptions/ISSP08.asp>. Todos os dados quantitativos presentes neste artigo resultam da manipulação das variáveis e da tabulação feita pelo autor, a partir do banco de dados original, por meio do uso do Software “R”.

[ix] Eu classifiquei os votos em Pro-EUR (Europa) e Pro-RUS (Russia), a partir das respostas fornecidas pelos entrevistados acerca de seu voto nas eleições parlamentares de 2007, tendo em conta os partidos mencionados na pesquisa, a saber: Pro-EUR [Bloco de Yuliya Tymoshenko (ByuT)/União Toda Ucrânia Terra Pátria, Nossa Ucrânia/Defesa Popular/Movimento dos Povos da Ucrânia, Bloco Lytvyn/Partido Popular, União Toda Ucrânia pela Liberdade]; Pro-Rússia [Partido das Regiões, Partido Comunista da Ucrânia, Partido Socialista da Ucrânia, Partido Socialista Progressista da Ucrânia].

[x] Regressões são utilizadas em análises estatísticas quando se quer identificar uma função que possibilite ao pesquisador encontrar o resultado de uma variável dependente (Y), dado o valor/posição da variável independente (X) em um gráfico. Uma linha de regressão pode ser estabelecida no mesmo gráfico a partir da média dos resultados em Y dado os valores de X. Geralmente essa função é descrita como Y = β0 + β1X, em que β0 é o ponto onde Y intercepta X (constante) e β1 é a proporção na qual Y varia em função de X. Quando a variável dependente (Y) tem um valor binário (com os resultados variando somente entre 0 e 1), utilizamos a regressão logística (log), pois como não existem valores intermediários, a linha de regressão só pode representar a probabilidade de um resultado 0 e 1. A fórmula para este tipo de caso é P[y=1] = 1 / ( 1 + exp (-y*)), em que Y* é o valor de Y em uma regressão comum (Y = β0 + β1X).

[xi] Em análises estatísticas, o valor p determina o grau de significância para a amostra, a partir de um cálculo que indica se os padrões encontrados são realmente representativos da população em geral ou se os resultados são devido ao acaso. Em ciências sociais, 95% (p < 0.05) é o valor comumente aceito para se determinar a significância de uma análise. Em termos gerais, ele indica que caso a pesquisa fosse repetida infinitas vezes, em 95% dos casos o mesmo resultado seria encontrado.

[xii]   y* = -0.4486 + 2.7173X

y* [y=1|x=0] =  -0.4486

y* [y=1|x=1] = 2.2687

 

P[y=1] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

 

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (4486*))

P[y=1|x=0] = 0.3896937

 

P[y=1|x=1] = 1 / ( 1 + exp (-2.2687*))

P[y=1|x=1] = 0.9062514

 

[xiii]   y* =  -0.35004 + 0.08487X

y* [y=1|x=0] =  -0.35004

y* [y=1|x=1] = -0.26517

 

P[y=1] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

 

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (0.35004))

P[y=1|x=0] = 0.41337

 

P[y=1|x=1] = 1 / ( 1 + exp (0.26517))

P[y=1|x=1] = 0.43409

 

[xiv] Variáveis de controle são utilizadas em regressões quando outros elementos, que não a principal variável independente, podem impactar no resultado da variável dependente, dificultando uma análise precisa da influência de cada um desses elementos, pois aparecem muitas vezes sobrepostos à principal variável independente. Por exemplo, ao se analisar o impacto da aquisição de um grau universitário para o valor do salário, o pesquisador pode ter que controlar para outras variáveis como “pro-ativismo”, pois esse elemento pode influir tanto na aquisição do grau quanto no desempenho laboral, que por sua vez impacta no salário. A fórmula para regressões com variáveis de controle é: Y =  β0 + β1X + β2A + β3B + … … BnZ. Em regressão logística: Y =  β0 + β1X + β2(meanA) + β3(meanB) + … … Bn(meanZn), em que mean é o termo usado para “média”, ou seja, o valor médio de uma variável em uma dada amostra (no caso de dummies, algo entre 0 e 1).

[xv]   y* = -1.4767 + 1.5557X + 2.3757*0.4621 + 15.0655*0.02079002 – 0.5068*0,5825

y* = -0.360888 + 1.5557X

 

y* [y=1|x=0] =  -0.360888

y* [y=1|x=1] = 1.1948

 

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (0.360888*))

P[y=1|x=0] = 0.4107

 

P[y=1|x=1] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (-1.1948*))

P[y=1|x=1] = 0.7675

 

[xvi]  y* = -18.1808 + 0.2690X + 2.3832*0.5378193 + 17.1705*0.8700624 + 0.4148*0,5825

y* = -1.718042 + 0.2690X

 

y* [y=1|x=0] =  -1.718042

y* [y=1|x=1] = -1.449042

 

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

P[y=1|x=0] = 1 / ( 1 + exp (1.718042*))

P[y=1|x=0] = 0.1521

 

P[y=1|x=1] = 1 / ( 1 + exp (-y*))

P[y=1|x=1] = 1 / ( 1 + exp (1.449042*))

P[y=1|x=1] = 0.190149

 

[xvii] Sophia Kishkovsky. Ukrainian crisis may split Russian Orthodox church. Religion News Service, 2014. Disponível em:  <http://www.religionnews.com/2014/03/14/ukrainian-crisis-may-split-russian-orthodox-church/>.

[xviii] Sorokowski,  Andrew. Russia and the Uniates. Risu, 2014. Disponível em: <http://risu.org.ua/en/index/expert_thought/authors_columns/asorokowski_column/57958/>.

[xix] Em junho de 2014, o Patriarca Filaret enviou uma carta ao Patrirca Kirill em Moscou, em nome da Igreja Ortodoxa Ucraniana, na qual urgia o mesmo a conversar com Vladimir Putin pedindo a este para interromper a intervenção militar em terras ucranianas. Filaret criticou veementemente o Patriarca de Moscou por não reconhecer a soberania da Ucrânia e apoiar a política russa em nome da concepção de Mundo Russo (Russky Mir). Ver Filaret. Letter to Patriarch Kirill of Moscow. Risu, 2014. Disponível em: <http://risu.org.ua/en/index/all_news/community/religion_and_policy/56778/>.

[xx] Dados da organização Gallup mostram uma queda de cerca de 90% no apoio à uma concepção russa de governo para antes e depois da crise, com um maior impacto nas regiões do leste da Ucrânia. Ver Julie Ray and Neli Esipova,Ukrainian Approval of Russia’s Leadership Dives Almost 90%. Gallup 2014. Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/180110/ukrainian-approval-russia-leadership-dives-almost.aspx>.

 

Tarcísio Amorim é Doutorando em Ciência Política pela University College Dublin e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Texto publicado no site da revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta em 01/04/2015.  Disponível no link: http://www.dicta.com.br/ventos-do-leste-a-participacao-de-catolicos-e-ortodoxos-na-politica-ucraniana/

Próximo Diálogos CCFT: "Logos and Christianism" (11/04, 14h00) com Gianfranco Basti (Ph.D.)

Diálogos CCFT | 07/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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A5-Dialogos-Abril-2014

Neste sábado, 11 de Abril às 14h00, haverá o próximo seminário dos Diálogos CCFT em parceria com o IFE CAMPINAS, cujo tema é “Logos and Christianism“, ministrado pelo Prof. Gianfranco Basti (Ph.D.), da Itália.

— Inscrições e mais informações neste link: http://bertato.wix.com/ccft

Lembramos que universitários têm desconto: peçam desconto na hora da inscrição.

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