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PALESTRA NESTE SÁBADO 28/11: Tecnologia e Ética: 'O urgente desafio de proteger a nossa casa comum'

Diálogos CCFT | 25/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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A5-Dialogos-Nov-2015-mailCaso não esteja visualizando a imagem acima, clique aqui.

Convidamos-lhes para a palestra deste sábado, Tecnologia e Ética: ‘O urgente desafio de proteger a nossa casa comum’, em mais uma atividade de nossos Diálogos CCFT, anterior ao nosso Seminário IFE/ACL (sábado que vem). — Entrada franca. — Inscrições abertas!

Inscrições a informações no site: http://bertato.wix.com/ccft

PALESTRA NESTE SÁBADO 28/11: Tecnologia e Ética: ‘O urgente desafio de proteger a nossa casa comum’

Diálogos CCFT | 25/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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Convidamos-lhes para a palestra deste sábado, Tecnologia e Ética: ‘O urgente desafio de proteger a nossa casa comum’, em mais uma atividade de nossos Diálogos CCFT, anterior ao nosso Seminário IFE/ACL (sábado que vem). — Entrada franca. — Inscrições abertas!

Inscrições a informações no site: http://bertato.wix.com/ccft

A sacralização da política (por Cesar Ranquetat Júnior)

Política e Sociologia | 19/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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maquiavel

Tradicionalmente a política foi concebida como um modo de ação que objetivava a organização da vida social. Era por meio da ação política que se buscava a articulação e a mobilização das vontades individuais tendo como fim último a realização do bem comum. Para os filósofos clássicos, Aristóteles e Platão, e medievais como Santo Tomás de Aquino, a política visava, sobretudo, a constituição de uma ordem social justa e relativamente harmônica.

A comunidade politicamente ordenada, por sua vez, deveria possibilitar o surgimento de uma atmosfera cultural e institucional que estimulasse o desenvolvimento e florescimento das virtudes morais e intelectuais. A política, para os antigos e medievais, tinha uma caráter intrinsecamente ético. O estadista, o legislador e o cidadão tinham a incumbência de se portar de maneira correta, honesta e virtuosa. Como lembra Eric Voegelin, eram homens maduros que atingiram a plena estatura humana.

Na perspectiva clássica a política, além de uma atividade prática, era vista,  como uma ciência, uma virtude e uma forma de arte. Uma ciência prática relacionada com as decisões e ações humanas na vida pública e social. A prudência era a virtude central da atividade política. Esta, fundamentalmente entendida como a reta razão no agir humano, como hábito de agir bem, de maneira equilibrada, realista, razoável e com bom senso. Como arte era vista como um modo de agir sobre as vontades individuais tendo em vista a realização de ideais e objetivos comuns e coletivos. Em suma, a política visava à realização da “boa vida”, da “boa sociedade”, ou seja, a ordenação da comunidade de acordo com normas, regras e princípios morais. Cabia à atividade política a proteção e a custódia do modo de vida de um povo, de suas tradições, de sua religião e de seus valores morais. A política deveria conservar o ethos de uma coletividade, seus costumes e hábitos.

Contudo, a partir do século XVI e XVII, a perspectiva clássica acerca da política perde força e vigor. Emerge a noção da atividade política divorciada de princípios morais, uma política amoral. Maquiavel e Hobbes são os grandes artífices da concepção moderna da política. Com o advento da modernidade a política torna-se mera técnica de poder. O ideal clássico da atividade política regida por homens maduros, sensatos e prudentes esboroa-se. Em seu lugar surge a imagem do “príncipe maquiavélico” capaz de manter-se ou alcançar o poder a todo custo. A vilania, a astúcia, o embuste e a dissimulação são armas usadas pelo governante para levar a cabo seu projeto de poder. A par da desvinculação da política de princípios morais, outro fenômeno que ocorre na modernidade é a absolutização da política

Se, para a perspectiva clássica, a política era concebida como uma das múltiplas dimensões da vida humana, na modernidade a política é sacralizada. De uma das várias esferas da vida social, ela é transformada no centro ordenador da vida humana que tudo abarca. De meio e instrumento para busca da ordem social, ela transmuta-se em um fim em si mesmo, tudo é politizado e colonizado por interesses de ordem política. A absolutização da política na modernidade tem, evidentemente, um caráter patológico. É ela a fonte de todos os utopismos, dogmatismos, totalitarismos e maniqueísmos que marcaram os últimos séculos da história humana.

A sacralização e absolutização da política acabam por instrumentalizar os variados campos da vida social. A educação, a ciência, a cultura, a arte e a religião tornam-se servas do poder político, perdendo sua autonomia e independência. Além disso, o “messianismo” político moderno – conforme definição do historiador Jacob Talmon – parte de esquemas doutrinários abstratos e apriorísticos, de uma visão dogmática, racionalista e uniformizante que violenta a complexidade multifacetada da realidade social: “Poderia ser chamado messianismo político, no sentido de que postula esquemas de realidades perfeitas, preordenadas e harmoniosas, até os quais os homens são levados irremisivelmente […] reconhece um só plano da existência: o político. Estende o campo da política até abarcar toda a existência humana.”

O messianismo político moderno anseia uma mutação radical da natureza humana e da vida social. Almeja obstinadamente a construção de uma sociedade ideal, perfeita, sem tensões e desequilíbrios. Enfim, ambiciona,  por meio de um amplo processo de planejamento e engenharia social,  a realização do paraíso na terra.

Conforme o teórico político Michael Oakeshott, trata-se da percepção moderna e progressista da “política de fé”, da crença nos poderes demiúrgicos e alquímicos da ação política. A fé na política, a transformação da política num modo de crença, como uma espécie de panacéia universal está intimamente relacionada com as ideologias políticas surgidas na modernidade. Mais ainda, é uma expressão categórica da mentalidade ideológica que pervade e alastra-se na cultura ocidental nos últimos quatro séculos.

De acordo com o filosofo  Juan Antonio Widow, a mentalidade ideológica dominante na modernidade caracteriza-se por um tipo particular de discurso que se caracteriza pela  promessa de uma realidade perfeita a realizar-se num futuro indeterminado. Por outro lado, este tipo de discurso ideológico lança uma série de ameaças e advertências de feições terríficas contra aqueles que não aceitam os ideais certos, infalíveis e dogmáticos defendidos com contumácia pelos “iniciados”, pela elite de iluminados portadores da doutrina política salvífica. Ainda, a linguagem ideológica é um modo de exortação dirigida a uma coletividade indeterminada, uma proclamação de ideais abstratos e, também, uma forma de imposição arbitrária e despótica, dirigida ao sentimento e a reação emocional.

A linguagem da ideologia visa engendrar padrões de comportamento e conduta, mobilizando as massas, as confortando e criando nelas um sentido de identidade grupal através dos encantos ilusórios de um mito político. As ideologias políticas modernas configuram-se, até certo ponto, como sucedâneos das religiões tradicionais.

O messianismo ideológico moderno contrasta formidavelmente com a perspectiva clássica da política, pois, com assevera Leo Strauss, esta é “[…] livre de todo fanatismo porque sabe que o mal não pode ser erradicado e, portanto, que as expectativas da política devem ser moderadas. O espírito que a anima pode ser descrito como serenidade ou sublime sobriedade”.

Enquanto que para os antigos e medievais o conjunto dos valores morais e religiosos tradicionais de uma coletividade precisavam ser custodiados pela política, no ativismo político moderno de caráter messiânico busca-se a total transmutação dos valores de uma sociedade com a finalidade de construir uma nova ordem social e um novo homem liberto de todas as peias e limitações impostas pelas tradições religiosas e morais de uma dada comunidade.

Diante do exposto, parece-me evidente que devemos nos precaver e estarmos atentos às esperanças infundadas de redenção por meio da atividade política, bem como através do ativismo e voluntarismo impensado e irracional das massas, muitas vezes insufladas pelos demagogos e tiranos de plantão, sedentos de poder.

 

Cesar Ranquetat Júnior é Doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de Ciências Humanas na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)/Campus Itaqui

Publicado originalmente na Revista Vila Nova: http://revistavilanova.com/a-sacralizacao-da-politica/

“Estado da Arte”: Mecânica Quântica

Epistemologia e Ciência | 16/11/2015 | | IFE CAMPINAS

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O programa Estado da Arte é produzido e apresentado por Marcelo Consentino, presidente do IFE e editor da revista Dicta & Contradicta. A cada edição três estudiosos põem em foco questões seminais da história da cultura, trazendo à pauta temas consagrados pela tradição humanista.
A seguir apresentamos a edição que foi ao ar em 07 de maio de 2015

Mecânica Quântica

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Ao fim do século XIX um jovem alemão, contemplando a carreira acadêmica, foi desaconselhado a se empenhar na física. À época o edifício da mecânica clássica erguido por Newton, Maxwell e outros parecia tão bem acabado, que cientistas como Lord Kelvin acreditaram que todas as grandes ideias da física já haviam sido descobertas, só restando trabalhar adornos e pormenores. Por sorte o estudante recusou o conselho e em 1900, já professor de física em Berlim, diria a seu filho que fez uma descoberta tão importante quanto as de Newton. Por mais que soasse grandiloquente, Max Planck falava a pura verdade. Buscando sair de um dilema em relação ao fenômeno da radiação, ele sugeriria que a emissão ou absorção subatômica se dá na forma de quantidades discretas de energia ou quanta.

A mecânica quântica descreve um mundo fantástico e desconcertante, onde uma partícula elementar parece ora se propagar como uma onda, ora surgir em dois lugares ao mesmo tempo, ora desaparecer em um e reaparecer em outro, ou mesmo interagir com uma outra partícula à distância, um fenômeno que o próprio Einstein – autor de um passo decisivo na teoria quântica ao demonstrar que também a luz é composta por quanta, ou fótons – previu em hipótese, mas que preferiu rejeitar como “assustador demais” para ser validado por um físico. As teorias sobre porque as coisas são assim variam das mais extravagantes, como a de uma pluralidade de mundos simultâneos, às mais prosaicas, como uma falha nos nossos cálculos, e não surpreende que o físico teórico Richard Feynman dissesse: “creio que posso afirmar com segurança que ninguém entende a mecânica quântica”.

Apesar disso, o aparato matemático quântico ainda é incomparável na sua capacidade de previsão, cada dia mais precisa, do comportamento das partículas elementares. E malgrado todos os desafios à nossa lógica ordinária e todas as controvérsias sobre porque o universo microscópico é assim, os resultados de laboratório só fazem confirmar: ele é assim – até que se prove o contrário, a matéria da qual todas as coisas são feitas é assim: fantástica e desconcertante.


Convidados

– Maria Cristina Batoni Abdalla: professora de Teoria Geral das Partículas e Campos da Universidade Estadual Paulista e autora de O Discreto Charme das Partículas Elementares.

– Osvaldo Pessoa: professor de História e Filosofia da Ciência da Universidade de São Paulo e autor de Conceitos de Física Quântica.

– Walter Pedra: professor do Departamento de Física Matemática da Universidade de São Paulo e coordenador do grupo de pesquisa de “Termodinâmica de Sistemas Quânticos de Corpos Não-Simétricos”.


Referências

  • Teoria Quântica (Quantum Theory – A Very Short Introduction) de John Polkinghorne (L&PM Pocket).
  • A Realidade Quântica (Quantum Reality – Beyond the New Physics) de Nick Herbert (Ed. Francisco Alves).
  • Dance of the Photons – From Einstein to Quantum Teleportation de Anton Zeilinger (Farrar, Straus and Giroux).
  • Teoria Quântica – Estudos Históricos e Implicações Culturais organizado por O. Freire Jr., O. Pessoa Jr. e J.L. Bromberg (Eduebp).
  • O Discreto Charme das Partículas Elementares de Maria Cristina Abdalla (Unesp).
  • “Fisica Quantistica” na Enciclopedia Filosofica Bompiani.
  • Quantum Mechanics” na Stanford Encyclopedia of Philosophy.
  • Les indispensables de la mécanique quantique de Roland Omnés (Odile Jacob).
  • Foundation of Quantum Mechanics organizado por B. D’Espagnat (Academic Pr.).
  • Quantum Theory and Measurement de A. Wheeler e W.H. Zurek (Princenton University Press).
  • The Conceptual Development of Quantum Mechanics de Max Jammer (McGraw Hill)
  • Mysteris, Puzzles and Paradoxes in Quantum Mechanics organizado por T.J. Coutts (AIP Conference Proceedings).
  • Lectures on Quantum Mechanics” videoconferência de Leonard Susskind.
  • O Problema da Interpretação da Mecânica Quântica” videoconferência de Walter Pedra.

Produção e apresentação
Marcelo Consentino

Produção técnica
Jukebox

Fonte: http://oestadodaarte.com.br/mecanica-quantica/

Os fantásticos contos de Bernardo Veiga (por Renato Moraes)

Literatura | 09/11/2015 | | IFE RIO

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Bernardo Veiga escreveu um livro surpreendente. E muito bom! Em uma conversa que tive com ele, ele me confidenciou que não costuma ler as obras dos autores brasileiros contemporâneos. De fato, o que ele produziu não tem nada a ver com o que vem sendo escrito pelas personalidades do mundo das letras, que merecem – muitas vezes justamente, sem dúvida – o olhar elogioso da crítica. Tampouco é possível relacioná-lo com os escritores que vendem uma barbaridade no campo da fantasia, da literatura infanto-juvenil, do mistério ou do romance. Esse último pessoal não costuma receber qualquer referência séria dos jornalistas ou da academia, mas parece que não estão muito preocupados com isso.

O que Bernardo tentou fazer – e, a meu ver, com sucesso – foi criar uma fantasia com forte conteúdo simbólico. Isso, em torno de um personagem que cativa pelo seu mistério, sua integridade, suas saídas surpreendentes. Os Contos fantásticos de Abelardo não formam um todo coerente, porque a situação das personagens muda de uma estória para outra – em um momento, Abelardo era um atleta; em outro, é um aleijado; mais adiante, ele e todos nascem envolvidos em cordas; passam-se umas páginas e todos estão se atirando em um buraco… – de modo anárquico e inesperado. A imaginação de Bernardo Veiga é admirável, para dizer o mínimo.

Os contos são bastante bem escritos. Um português elegante, mas moderno e sem dificuldades para qualquer leitor mais ou menos culto. E está a serviço de uma série de descrições e narrativas curtas, normalmente de pouco mais de uma página, que vão direto ao ponto.

O livro de Bernardo não é para ser devorado, ainda que um conto chame o outro para ser lido. É preciso refletir, o que será especialmente importante para aqueles que não conhecem bem a simbologia da vida cristã e da teologia. Mas mesmo quem não compreenda as inúmeras alusões do livro, ter a oportunidade de lê-lo representará uma diversão de qualidade, que faz pensar e termina com uma sensação agradável no espírito.

Bernardo Veiga é doutorando em filosofia e tradutor de Tomás de Aquino. O pensamento pés-no-chão de Tomás, que se expressa de maneira precisa e algumas vezes árida, em nada atrapalhou o escritor fluminense a formular estórias que voam para todos os lados. Talvez a fantasia exija um apoio sólido, uma visão clara e compreensiva do mundo, a partir da qual possamos perceber as maravilhas do que não é possível explicar. Então, imaginamos algo diferente do mundo em que vivemos, mas que compartilha com ele do essencial: um ser espiritual continua sendo espiritual e apresenta as mesmas características anímicas, para o bem ou para o mal, seja ele um elfo, um anão, um orc, um vampiro ou um anjo. O bem e o mal seguem se digladiando, nunca ficando claro quem vencerá. Assim é que se escreve fantasia. Que o digam Chesterton, Tolkien e C. S. Lewis.

Seguem abaixo uma curta entrevista com Bernardo Veiga e um conto do seu livro, que ele e o editor gentilmente cederam para ser publicado em nosso site. É um dos contos mais enigmáticos do livro, que demorei a compreender – se é que o entendi… Mas serve como uma pequena amostra de Contos fantásticos de Abelardo.

Entrevista:

Qual a sua inspiração para criar o personagem Abelardo?

A ideia do livro veio em doses homeopáticas. Um dia escrevi o primeiro conto e ainda não tinha a ideia do todo, depois veio um segundo e um terceiro, e percebi que Abelardo já existia, era alguém totalmente evidente, mas que permanecia escondido. O livro é um mistério sobre Abelardo. Tudo gira em torno da sua figura e do que ele representa para os que lhe são próximos. Eu me inspirei principalmente no dilema existencialista de Kierkegaard, de como alguém pode ser movido por certezas internas incomunicáveis, que estão acima da razão e nos realizam plenamente. Diante de situações extremas, é necessário um salto no escuro, uma entrega ao desconhecido, além do mero calculismo, que nenhum pensamento nosso consegue prever.

Por que você escolheu a forma de vários contos interligados por um mesmo personagem principal?

Os contos podem ser lidos de dois modos, ou como histórias livres e cada uma tem um começo e fim nelas mesmas, ou como uma alegoria da personalidade de Abelardo. E neste caso, cada conto é uma pista da sua identidade. Eles podem ser aparentemente contraditórios, mas cada conto indica um aspecto alegórico da sua figura. Em um conto, por exemplo, Abelardo era o único que vivia fora de uma bolha, em outro, um diretor de sonhos, em outro, só sabia contar até um, e em outro sabia todas as coisas. A ideia é reunir as diferentes qualidades mesmo opostas e tentar descobrir quem ele é.

Qual a sua forma de escrever, como se dá seu processo criativo?

Uma vez ou outra escrevo quando algo me afeta pessoalmente, uma discussão mais acalorada ou alguma decepção. Geralmente a dor é produtiva; inspira mais. Mas a inspiração é só a ignição, o resto é cansativo. Na maioria das vezes, escrevo de modo chato e pouco romântico, decido que vou escrever e a ordem vem de cima; se por teimosia meu espírito decide que quer produzir, estou ferrado!, tem que sair alguma coisa. Eu me tranco no quarto, ando de um lado para outro, releio o que tinha escrito e tento produzir. Se sair um parágrafo, ou uma página, a agonia passa. E o melhor da criação – mesmo a mais simples – é o alívio dessa agonia.

Você é um estudioso de filosofia. Em que isso ajuda ou atrapalha sua escrita de ficção?

Acho que mais ajuda do que atrapalha, porque as duas tratam do mundo, mas de modos diferentes. Enquanto a filosofia tenta ser mais direta e sistemática, a arte é mais aberta e indireta. Por exemplo, a filosofia de Boécio diz da eternidade que “o instante que corre faz o tempo; o instante que permanece faz a eternidade”, mas, por exemplo, o poeta Mario Quintana diz: “a eternidade é o relógio sem ponteiros”. Ambos estão relacionando certa noção de tempo com a eternidade, mas na filosofia é necessário certo rigor de raciocínio, na arte é necessário beleza, e ambas se encontram de alguma forma na realidade das coisas. A filosofia ajuda a apontar com mais clareza o objeto, que pode ser tanto uma pedra, um tipo de personalidade, ou algo abstrato e também pode, no caso da filosofia da arte, indicar as estruturas de um determinado gênero literário, como ele se dá, como se produz determinado efeito, e só. Depois, ela observa e dá lugar à arte.

Você pretende publicar outras obras de ficção?

Sim. Estou escrevendo um livro sobre a deusa da discórdia: Éris. Na história, ela cria um conflito de quem é maior: Afrodite ou Atena, a pulsão erótica ou o cálculo racional, e tudo se resolve no mundo dos mortais. O livro é livremente inspirado no Sonho de uma noite de versão do Shakespeare, em que há poções de amor e arrebatamentos passionais imediatos pela primeira pessoa que vê. Enfim, ainda está no começo, mas vou ver no que dá.

Um conto do livro:

A guerra

Sempre que Abelardo decretava guerra, a primeira coisa que fazia era apresentar os planos de ataque ao inimigo. E o inimigo ficava atônito e não sabia como reagir, mas Abelardo insistia: “Estes são os planos. Em breve eu lhe mando o número exato de soldados, as armas e tudo mais que quiser saber”. E tudo era sincero. Realmente acontecia exatamente como Abelardo dizia, tudo conforme o horário e lugar apresentados, as tropas, os estratagemas, a espionagem. Tudo era revelado.

No decorrer da guerra, os seus súditos começaram a reclamar: “Por que você revela essas coisas? Não há mais surpresa!”. E Abelardo se calava, mantinha a firmeza e continuava a revelar os planos. E parecia muito contraditório, pois mesmo mostrando cada detalhe das estratégias, havia realmente uma guerra de verdade, disputas, mortes, mas tudo às claras.

Mas, ainda durante as batalhas, aconteceu algo mais estranho: o ini­migo decidiu também revelar cada detalhe. E isso foi muito inusitado. Que Abelardo fizesse isso, até tudo bem, enfim, era Abelardo. Mas o seu inimigo decidir fazer o mesmo, mostrar cada plano, os soldados, as armas, revelar tudo? Ambos sabiam todos os detalhes dos ataques um do outro. E nesse momento, ocorreu um pensamento comum, cada um queria aju­dar as estratégias do outro, queriam auxiliar os grandes ataques, evitar cer­tas perdas e começaram a adaptar, aconselhar e mudar os antigos planos um do outro. E o faziam com sinceridade e eficácia. Os conselhos melho­raram as batalhas, havia uma guerra mais intensa e eficaz, com redução de custo e de tempo. E um começava a elogiar o outro: “Realmente, Abelardo, obrigado pela ajuda!”. E Abelardo também retribuía.

Depois de constante ajuda mútua, quase no fim, já não havia mais distinção dos lados da guerra e a vontade dos dois parecia a mesma.

VEIGA, Bernardo. Contos fantásticos de Abelardo. São Paulo: Giostri. 2015. p.15.

Renato José de Moraes é advogado e doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Publicado originalmente em <http://www.dicta.com.br/os-fantasticos-contos-de-bernardo-veiga/>

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