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Comunicar e relacionar

Opinião Pública | 06/09/2017 | | IFE CAMPINAS

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Vivemos momentos de uso compulsivo de redes sociais. Relacionamo-nos com todos, mas não conhecemos ninguém. Banalizamos a capacidade de interagir com o outro, porque nossas mensagens padecem de um toque pessoal. Seja em casa, no lazer ou no trabalho: de powerpoints repletos de textões, a filmes ridículos de WhatsApp, passando pelo monitoramento da vida de nossos filhos em mensagens pelo Life360.

Na verdade, o buraco é tão fundo quanto a Deepweb: as pessoas podem ter conteúdo, mas são incapazes de se exprimir. Surge uma espécie de analfabetismo existencial, a demandar o manejo de emoticons e emojis, dispostos nas gôndolas dos canais de comunicação, para ver se justapõem-se à sua necessidade pessoal de transmitir um pensamento positivo, um desejo inconfessado ou mesmo uma palavra de baixo calão.

Já sentimos os efeitos colaterais disso tudo. Talvez o mais preocupante seja a notória capacidade dos alunos da educação fundamental e do ensino médio, além de muitos marmanjos de nível universitário, em prosseguir num caminho avesso ao da leitura. O modo como a informação chega até nós, nas redes sociais, molda não só conteúdo, quando ele existe, mas também os hábitos de inteligência.

Escritores, que, na modalidade “leitura”, são olimpianos, reconhecem não conseguir mais enfrentar Guerra e Paz. Advogados, que não ficam muito atrás nas milhagens de leitura, só recorrem aos manuais e resumos.

Engenheiros, que só liam os livros dos vestibulares, hoje, só mandam o estagiário consultar o manual de instruções do Autocad. E, em todos os casos, mesmo no formato eletrônico, os olhos surfam com rapidez e sequer são capazes de assimilar conteúdos.

Mas não é só. O que podemos esperar do restante das pessoas, submetidas ao nosso ambiente tecnicista e utilitário, com absoluta subnutrição de ideias, porém “felizes”, porque conseguem ter milhares de “amigos” curtindo, vez ou outra, o que elas manifestam espasmodicamente? E da juventude turbinada em tecnologia, que mal desconfia desta carência tremenda?

Surge um modelo novo de autismo, indivíduos imbuídos no próprio mundo, isolados da realidade. Um mundo da comunicação que isola e não permite comunicar-se como seres humanos. Contudo, a condenação da tecnologia não resolve nada. Não é possível postular um retorno às cavernas, ao pombo correio ou ao sinal de fumaça.

O desafio de nosso tempo está mesmo no conteúdo: podemos e devemos mostrar que toda essa modernidade tecnológica pode ser estupenda quando existe substância, densidade, gosto, estética e humanidade.

O que Aristóteles, Agostinho, Isidoro de Sevilha, Cervantes, Shakespeare, Austen, Newman, Chesterton, Drummond e Carpeaux poderiam ter feito se dispusessem de todos os nossos recursos? Admiramos o conteúdo de toda a produção escrita deles e de tantos outros autores, levada a cabo com tão poucos recursos.

E como vencer a batalha pelo conteúdo? São várias as respostas. Mas tem uma que precede as demais: o relacionamento humano. É algo direto que enriquece e forja a personalidade. Quando entramos em contato com pessoas desconhecidas ou pouco conhecidas, interessamo-nos pelo que são, pelo que fazem, pelo que dizem e pelo que sentem, esforçamo-nos por pensar no outro e não somente no umbigo.

Quando escutamos atentamente os outros, também nos sacrificamos pessoalmente, pois tendemos à introspecção. Quando criamos situações com o propósito de conhecer mais pessoas, também nos superamos, em virtude de nossa tendência natural à acomodação.

Em suma, o contato pessoal com o outro transforma-nos em pessoas mais humanas, sensíveis e melhores. Não há ninguém de quem não possamos aprender algo. Termino por aqui, deixando, inspirado em Eliot, uma pergunta para o leitor: “Onde está a comunicação que se perdeu nas redes sociais, as redes sociais que se perderam na falta de conteúdo?“. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 06/09/2017, Página A-2, Opinião.

Amores descartáveis

Opinião Pública | 02/03/2016 | | IFE CAMPINAS

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O problema comum vivido por elas era bem evidente: a definição de um novo tipo de relacionamento amoroso para este século, baseado numa só espécie de compromisso, o compromisso consigo mesmo. Isso é notável nos processos de separação e divórcio. Não falo de adultério ou violência doméstica. Num dado dia, o sujeito simplesmente acorda, ensaia um discurso exculpatório, olha para o outro e diz que acabou. E por quê?

Porque, nessa colcha de retalhos dos relacionamentos amorosos atuais, qualquer vínculo soa como insuficiente. O outro – minha vizinha, o amigo dela ou minha assistente – sempre pode ser mais interessante, bonito, inteligente, perspicaz, romântico, carinhoso, sincero e tantos quantos outros adjetivos que nos pareçam mais atraentes nas pessoas.

O sujeito passa a sempre buscar uma vida fantástica nas gôndolas sociais. O próximo relacionamento pode estar à sua espera na próxima festa, naquele jantar entre amigos ou no singelo deslizar de dedo de um aplicativo de rede social. De devaneio em devaneio, a cada relacionamento fugaz, nosso Lorde Byron pós-moderno, no fundo, revela o mesmo propósito e a mesma confusão: encarar o outro como uma forma de preencher o vazio existencial.

Num desses processos de família, um jovem sujeito havia investido muito dinheiro num negócio conjugal, um sonho de vida a dois. Mal dormia, teve depressão, foi contemplado com um monte de reclamações trabalhistas, passava boa parte do tempo em conversas com a clientela, o contador, o despachante aduaneiro e, também, o advogado: não é tipo de cotidiano que eu desejaria para mim. Mas se submetia a tudo isso em prol de um projeto existencial.

Até que se encantou perdidamente pela secretária e resolveu ouvir o eco do Lorde Byron que habita em cada um de nós. Ou seja, investiu todas suas energias no relacionamento com a empresa e não deixou nada para a sócia no empreendimento, sua companheira de apenas dois anos. Disse-me, na audiência, que precisava de outras emoções e, por isso, a pessoa que se sentava na frente dele não servia mais para isso. Imediatamente, veio o filme à cabeça: dali a uns anos, seria a vez da secretária.

A capacidade de se relacionar encontra sua plena expressão num amor donativo: é o amor que sabe dizer “eu sou seu”. É a reviravolta total do eu, que se faz dom ao outro, porque já sabe viver em função do outro. Cria uma relação madura, serena e forte que sabe trabalhar a si mesmo para integrar-se plenamente ao outro. Assim, pode-se fundar um vínculo estável e duradouro, na medida em que cada um se empenhe por construí-lo generosamente na própria vida.

Pessoas não são objetos. O amor não existe para satisfazer nossos devaneios byronianos. Um amor, edificado diariamente, existe para lembrar que alguém é mais importante do que nós e que, se a lâmpada de casa queimou, é preciso trocar a lâmpada e não a casa.

Curiosamente, e nos últimos anos, só houve uma série televisiva com coragem para enfrentar essa verdade. Chamava-se “The Mind of the Married Man”. Durou uma temporada, já que a atenção das massas preferia as “Spice Girls” nova-iorquinas do “Sex and the City”. Sinal dos tempos: tempos de amores descartáveis. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no Jornal Correio Popular, edição 2/3/2016, Página A-2, Opinião.