Comunicar e relacionar


Vivemos momentos de uso compulsivo de redes sociais. Relacionamo-nos com todos, mas não conhecemos ninguém. Banalizamos a capacidade de interagir com o outro, porque nossas mensagens padecem de um toque pessoal. Seja em casa, no lazer ou no trabalho: de powerpoints repletos de textões, a filmes ridículos de WhatsApp, passando pelo monitoramento da vida de nossos filhos em mensagens pelo Life360.

Na verdade, o buraco é tão fundo quanto a Deepweb: as pessoas podem ter conteúdo, mas são incapazes de se exprimir. Surge uma espécie de analfabetismo existencial, a demandar o manejo de emoticons e emojis, dispostos nas gôndolas dos canais de comunicação, para ver se justapõem-se à sua necessidade pessoal de transmitir um pensamento positivo, um desejo inconfessado ou mesmo uma palavra de baixo calão.

Já sentimos os efeitos colaterais disso tudo. Talvez o mais preocupante seja a notória capacidade dos alunos da educação fundamental e do ensino médio, além de muitos marmanjos de nível universitário, em prosseguir num caminho avesso ao da leitura. O modo como a informação chega até nós, nas redes sociais, molda não só conteúdo, quando ele existe, mas também os hábitos de inteligência.

Escritores, que, na modalidade “leitura”, são olimpianos, reconhecem não conseguir mais enfrentar Guerra e Paz. Advogados, que não ficam muito atrás nas milhagens de leitura, só recorrem aos manuais e resumos.

Engenheiros, que só liam os livros dos vestibulares, hoje, só mandam o estagiário consultar o manual de instruções do Autocad. E, em todos os casos, mesmo no formato eletrônico, os olhos surfam com rapidez e sequer são capazes de assimilar conteúdos.

Mas não é só. O que podemos esperar do restante das pessoas, submetidas ao nosso ambiente tecnicista e utilitário, com absoluta subnutrição de ideias, porém “felizes”, porque conseguem ter milhares de “amigos” curtindo, vez ou outra, o que elas manifestam espasmodicamente? E da juventude turbinada em tecnologia, que mal desconfia desta carência tremenda?

Surge um modelo novo de autismo, indivíduos imbuídos no próprio mundo, isolados da realidade. Um mundo da comunicação que isola e não permite comunicar-se como seres humanos. Contudo, a condenação da tecnologia não resolve nada. Não é possível postular um retorno às cavernas, ao pombo correio ou ao sinal de fumaça.

O desafio de nosso tempo está mesmo no conteúdo: podemos e devemos mostrar que toda essa modernidade tecnológica pode ser estupenda quando existe substância, densidade, gosto, estética e humanidade.

O que Aristóteles, Agostinho, Isidoro de Sevilha, Cervantes, Shakespeare, Austen, Newman, Chesterton, Drummond e Carpeaux poderiam ter feito se dispusessem de todos os nossos recursos? Admiramos o conteúdo de toda a produção escrita deles e de tantos outros autores, levada a cabo com tão poucos recursos.

E como vencer a batalha pelo conteúdo? São várias as respostas. Mas tem uma que precede as demais: o relacionamento humano. É algo direto que enriquece e forja a personalidade. Quando entramos em contato com pessoas desconhecidas ou pouco conhecidas, interessamo-nos pelo que são, pelo que fazem, pelo que dizem e pelo que sentem, esforçamo-nos por pensar no outro e não somente no umbigo.

Quando escutamos atentamente os outros, também nos sacrificamos pessoalmente, pois tendemos à introspecção. Quando criamos situações com o propósito de conhecer mais pessoas, também nos superamos, em virtude de nossa tendência natural à acomodação.

Em suma, o contato pessoal com o outro transforma-nos em pessoas mais humanas, sensíveis e melhores. Não há ninguém de quem não possamos aprender algo. Termino por aqui, deixando, inspirado em Eliot, uma pergunta para o leitor: “Onde está a comunicação que se perdeu nas redes sociais, as redes sociais que se perderam na falta de conteúdo?“. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 06/09/2017, Página A-2, Opinião.