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Um tesouro a descobrir

Opinião Pública | 15/06/2016 | | IFE CAMPINAS

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Um amigo resolveu pregar uma peça e postou uma foto de uma planície toda branca e, num relance, parecia um campo coberto de neve, iluminado pelo sol a pino. Curti a foto e o elogiei dizendo que, finalmente, ele não havia publicado nenhuma vaca sendo ordenhada, um monte de saco de cebola enfileirado ou qualquer imagem de padrão agropecuário. Nada contra as vacas ou as cebolas. Tudo contra o odor campestre que ambos exalam.

Logo em seguida, veio a resposta: “Isso aí é uma plantação de algodão aqui em Brasília!”. Ele não perdoou e disse que enganar juiz não é muito difícil no Brasil. Depois, mandou uma foto do STF e perguntou para mim quando iria para lá. Respondi que não tenho amigos políticos e me sinto mais confortável entre juízes de carreira. Ele afirmou: “Você tem ótimos amigos então!”. Emendei: “E você é um deles! Desde o ginásio”.

Toda vez que o tema da amizade surge, lembro-me sempre de um amigo cético que tem uma pérola sobre o assunto: “A amizade, como o amor, não passa de um nome!”. Nominalismos à parte, quem não crê na amizade, certamente, é um indivíduo sem amigos. Por isso, vale o conselho de Cícero: “Penso que deveis perguntar sobre a amizade aos que a praticam”.

Contudo, hoje, quem for seguir a sugestão do mais ilustre orador romano, vai ter alguns problemas no caminho. Há muitos que creem ser a amizade algo supérfluo e uma coisa do passado. Os interesses econômicos e a ambição de poder do mundo dos negócios e da política limitam muito o espaço necessário para relações pessoais desinteressadas e sinceras. O mesmo vale para as órbitas social e acadêmica, onde as fogueiras das vaidades nunca se apagam. Em todos esses campos, networking é o novo nome da amizade.

Nesses meios, as pessoas costumam ser apreciadas pelo que têm e não pelo que são, ou seja, pelas vantagens materiais e imateriais que podem nos proporcionar. Ter “amigos” é uma política de trato a fim de se ter mais possibilidades de privilégios e recomendações. Desde suplente de diretor de quadra de bocha até cargo comissionado na presidência de alguma empresa pública.

Aqui em Pindorama, muitos atribuem esse trato “político” da amizade aos tempos de Pero Vaz, quando, em sua famosa carta do “Achamento”, ele já teria solicitado, para Dom Manuel, um favor para seu genro. Vista dessa forma, a amizade perde seu valor e vira uma fonte de injustiças. Históricas, inclusive.

Outro obstáculo no cultivo da amizade atende pelo nome de sociedade massificada. Adorno, lá atrás, já alertava que “nos dias atuais, falta vida e sobra coesão. Nossa sociedade sobre de uma unidade imposta, de uma aglutinação forçada e violenta. São multidões esmagadas pelo império das leis, pelas necessidades técnicas e pelas exigências materiais”.

Esse tipo de sociedade conduz seus indivíduos à despersonalização e, progressivamente, o sujeito deixa de agir como um ser singular, livre e criativo, cujo efeito mais deletério é o de perder a capacidade de se relacionar intimamente.

Surgem indivíduos gregários, solitários e que repetem, como autômatos, as formas abstratas que aprenderam, sem nenhum vigor, entusiasmo ou convicção verdadeiramente pessoal. Some-se a isso o crescente predomínio do público sobre o privado, quando não uma invasão daquele no mundo da intimidade do relacionamento pessoal. As individualidades cederam espaço para as coletividades.

Ao contrário da vida animal, é preciso que se redescubra nossa condição de pessoa e se valorize isso: no fundo, nós somos, para os outros, nossas irrepetíveis individualidades. Sem dúvida, é um bom propósito nesse ano em que reencontrei minhas turmas de ginásio do Porto Seguro e de direito do Largo de São Francisco. Resgatar a amizade, pelo que são, de cada um daqueles que escreveram no livro da minha vida. Não sem estar acompanhado de um bom destilado ou fermentado, pois, afinal, como diz outro grande amigo, nunca cultivei amigos e amigas tomando leite de vaca. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 15/6/2016, Página A-2, Opinião.