Fobia, a nova censura

Opinião Pública | 08/07/2015 | | IFE CAMPINAS

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Ao caro leitor que gosta de ser muito convicto de suas ideias em público, fique muito atento com o que vão falar de você. Num passado próximo, provavelmente, você seria chamado de radical isso ou aquilo. Agora, não mais se desqualifica o outro apelando-se para os equívocos que suas ideias propagam, sobretudo quando se crê que as ideias possam não ser lá as melhores. Simplesmente, uma ideia oposta, mesmo que fundada racionalmente, deixa de “errônea” e passa a ser “anormal”. E, por ser fruto de uma espécie de ”transtorno mental”, seu remédio é a censura.

A “psiquiatrização” de pensamentos incômodos, por meio da fobia, já é um fenômeno bem alastrado no mundo ecológico. Experimente um estudioso se propor a questionar, com argumentos científicos, o aquecimento climático da Terra ou mesmo o consenso político em torno do tema: o sujeito será tachado de “negacionista”, uma espécie de pária intelectual do assunto.

Igual fenômeno é observado, em menor medida, com a negação de ”povo perseguido” aos judeus, porque a crítica é considerada uma espécie de fruto necessariamente consequente de uma ideologia fascista ou antissemita e não do exercício da liberdade de expressão, ainda que a crítica venha alicerçada com dados e comparações historiográficos.

Outros pontos de vista também são reprovados e censurados, por serem considerados manifestações de alguma nova “fobia”, por qualquer que seja a força do argumento empenhado em desfavor de uma ideia: da mais forte à mais fraca. O sujeito critica a ideologia que está por trás da emancipação gay a que assistimos com argumentos de razões públicas e, logo, passa a compor o panteão dos baluartes da homofobia. Alguém questiona o apedrejamento de mulheres adúlteras e a execução sumária de homossexuais nos países islâmicos e, como reconhecimento, torna-se um islamofóbico.

Em todos esses casos, como efeito, o rótulo virá acompanhado por um rol de demandas estridentes e destemperadas para se negar aos dissidentes do mainstream do pensamento o acesso às tribunas do debate público. Redefinir uma ideia como “fobia”, no fundo, é colocar uma pá-de-cal no diálogo. Afinal, para que entrar numa discussão com um bando de indivíduos irracionais ou perturbados? Suas opiniões, mesmo sólidas e coerentes, devem ser marginalizadas.

Surge a censura com uma forma de internamento psiquiátrico virtual, inclusive, porque, afinal, “alargar o estudo de um assunto com mais informações, sobretudo quando são inconvenientes, sempre resulta contraproducente”. É cada vez mais comum que a “terminologia psiquiátrica da fobia” não se restrinja à linguagem estritamente depreciativa ou provocadora e abarque todas as abordagens sérias que se faça sobre um tema. Mesmo que isso signifique uma espécie de efeito estufa para o livre arejar das ideias.

Antes, vivíamos na era dos “ismos” que, a juízo de muitos, eram fruto de ideologias ou pensamentos débeis que se deviam combater mediante um rigoroso debate na opinião pública. Hoje, temos as “fobias”. Naquela era, os indivíduos tomavam decisões sobre dados assuntos em virtude de umas premissas ou postulados equivocados. Na atual era, o ideário de quem reflete racional e divergentemente da maioria do pensamento hegemônico é tratado como uma patologia psíquica. Onde, numa era, haveria um livre debate e protesto públicos, além de uns tomates de vez em quando, na outra, haveria tão somente sugestões de reeducação para a cura de alguns de seu transtornado modo de pensar.

Como já não gozamos de um mínimo comum de valores morais, faltam argumentos para discutir e persuadir e, por isso, acaba-se por descer ao nível psiquiátrico do debate, a ante-sala para novas e mais insidiosas modalidades de censura do pensamento não convergente. Na arena do diálogo público, não convém aprioristicamente cerrar as ideias que podem entrar em cena daquelas que não podem. Pretender rotular de “fobia” a reflexão diversa e achar que isso não é um atentado à liberdade de expressão é entender coisa nenhuma sobre fobia e liberdade de expressão. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 8/7/ 2015, Página A-2, Opinião.

http://correio.rac.com.br/index.php?id=/colunistas/andre_fernandes