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A verdadeira questão é: o que é o nascituro?

Opinião Pública | 11/07/2018 | | IFE CAMPINAS

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Recentemente, as discussões em torno do aborto se tornaram ainda mais acaloradas em decorrência de alguns eventos tanto no Brasil quanto no mundo. Em março de 2018, a ministra do STF, Rosa Weber, convocou audiência pública para discutir a legalização do aborto no âmbito da tramitação da ADPF 442. Em maio, ganha destaque o referendo em que 66% dos irlandeses votaram a favor do aborto. Em junho, os deputados argentinos aprovaram projeto para legalizar o aborto no país.

Desconsiderando a triste e óbvia diferença de que no Brasil questões como essas são preferivelmente resolvidas via canetada de 11 magistrados iluminados do Poder Judiciário, ao arrepio da consulta direta ao povo ou aos seus 513 deputados e 81 senadores eleitos, todos esses eventos – ADPF brasileira, referendo irlandês e deputados argentinos – trazem em comum o mesmo rol de argumentos tão bem conhecidos e incessantemente repetidos pelos fiéis defensores do aborto.

Aqui, neste breve artigo, faço questão de levantar apenas uma das bandeiras fortes do movimento, repetidamente compartilhada nas redes sociais e inclusive abertamente destacada no voto da deputada argentina Silvia Lospennato: não se trata de discutir a vida ou não, mas de reconhecer que o aborto existe, sempre vai existir, podendo haver a diferença de ser seguro ou precário.

Este tipo de argumento remeteu-me a um diálogo fictício narrado pelo americano Gregory Koukl, no qual uma pessoa a favor do aborto (sujeito A) discute com outro contrário (sujeito B), e que julgo pertinente reproduzir aqui:

A: “O aborto é uma escolha privada entre a mulher e seu médico”. B: “Nós permitimos que pais abusem de seus filhos se for feito em privacidade?” A: “Isso não é justo. Essas crianças são seres humanos”. B: “Então a questão não é realmente sobre privacidade, mas, sim, se o feto é um ser humano”. A: “Mas muitas mulheres pobres não possuem condições financeiras de criar outros filhos”. B: “Quando seres humanos ficam caros, nós os matamos?”. A: “Bem, não, mas abortar um feto não é o mesmo que matar um humano”. B: “Então, mais uma vez, a questão real é ‘o que é o nascituro? ’ ‘O feto é realmente um ser humano?’”.

A: “Por que você insiste em ser tão simplista? Essa é uma questão muito complexa envolvendo uma mulher que tem que tomar decisões agoniantes”. B: “Concordo, a decisão pode realmente ser psicologicamente agoniante para a mãe, mas moralmente não é complexa: é errado matar um humano inocente.” A: “Matar seres humanos indefesos é uma coisa; abortar um feto é outra”. B: “Então você concorda: se no aborto realmente se mata um ser humano indefeso, então a questão não é complexa. A questão é: ‘O que é o feto?’”.

A: “Chega de sua filosofia abstrata. Vamos falar de vida real. Você realmente acha que uma mulher deveria ser forçada a trazer ao mundo uma criança indesejada?”. B: “Muitos moradores de rua são indesejados. Podemos matá-los?”. A: “Mas isso não é o mesmo.” B: “Essa é a questão, não é: eles são iguais? Se os nascituros são verdadeiramente humanos como os sem-teto, então não podemos simplesmente matá-los para resolver nosso problema. Estamos de volta à minha primeira pergunta, ‘o que é o nascituro?’”. A: “Mas ainda assim você não pode forçar sua moralidade nas mulheres”. B: “Você se sentiria justificado em ‘forçar sua moralidade’ em uma mãe que abusa fisicamente de seu filho de dois anos de idade?”. A: “Os dois casos não são iguais. Você está assumindo que o nascituro é um ser humano, igual a uma criança”. B: “E você está assumindo que ele não é”.

“Percebe, isso não é realmente sobre privacidade, dificuldades econômicas, filhos indesejados ou em forçar a moralidade. A verdadeira questão é: o que é o nascituro? Responda essa questão e você automaticamente responderá as outras.”

Defender o aborto apresentando mil e uma razões a seu favor, mas sem responder a esta pergunta essencial (ou a permeando muito superficialmente) tem sido a maior estratégia de seus defensores. Para fugir da implicação moral e ética inerente à defesa de um procedimento que extraí do útero materno um ser com até 12 semanas de existência, preferiu-se por conduzir, ardilosamente, o debate a partir do slogan “precisamos falar de aborto” quando na verdade deveria ser “precisamos falar de feto”.

Refletir sobre o nascituro é, no fundo, indagar-nos se estamos conduzindo corretamente o debate sobre o aborto. Afinal, se o feto realmente for vida, isso muda tudo, não?

Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em história pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 11/07/2018, Página A-2, Opinião.

O preço da felicidade

Opinião Pública | 17/01/2018 | | IFE CAMPINAS

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É no mínimo curioso observar que há muitas pessoas de baixa renda que são notavelmente felizes, assim como há outras de condições mais abastadas que também são visivelmente felizes. De igual forma, é comum encontrar pessoas muito infelizes em todo tipo de situação financeira. Antes de entrar em qualquer debate abstrato sobre o que é ser feliz, pode-se considerar que o famoso slogan “dinheiro não traz (compra) felicidade” guarda razão. Nunca houve, e nem haverá, nenhuma correlação obrigatória entre dinheiro e felicidade e as pessoas que descobrem tardiamente essa verdade quase sempre já estão afogadas em suas misérias pessoais, ainda que nadando em dinheiro.

Estabelecer metas pessoais, profissionais e financeiras na vida é importantíssimo. Não há nenhum mal em querer viver dignamente com boas condições materiais e ser feliz. Entretanto, é preciso cuidado, pois, hoje, em nosso mundo, uma lógica muito sedutora, mas terrivelmente perigosa, é introduzida em nossas cabeças, indicando, desde precocemente, que é preciso sucesso para ser feliz. Este “sucesso”, por sua vez, tem múltiplas facetas, simbolizado por empregos ideais, carros do sonho, casas extravagantes, a tão almejada promoção profissional ou um corpo “perfeito”.

A lógica é sedutora, pois a partir do momento em que constatamos alguma infelicidade ou desequilíbrio interior, pequeno ou grande, atribuímos que sua solução só pode estar fora, esperando pra ser conquistada, seja qual for a faceta da vez. Tudo o que mexe com a esperança humana tem um poder incrivelmente sedutor. Por outro lado, a lógica é perigosa, pois é uma mentira.

Aliás, não estou falando essas coisas sozinho e nem da boca para fora. Apenas corroboro, modestamente, o que muitos autores e estudiosos já descobriram. Gostaria apenas de trazer o exemplo de Shawn Achor, autor da obra “The Happiness Advantage” (ou pela infeliz tradução “O jeito Harvard de ser feliz”), que busca demonstrar, com base nas recentes descobertas no campo da psicologia positiva, que a lógica funciona na verdade de maneira inversa: é a felicidade que impulsiona o sucesso, e não o contrário.

Durante uma turnê de palestras na África, Shawn Achor visitou uma escola ao lado de uma favela que não tinha eletricidade e a água encanada era precária. Diante daquelas crianças, percebeu que não seria apropriado utilizar os exemplos que normalmente apresenta nas palestras sobre experiências com estudantes universitários americanos privilegiados e homens de negócios poderosos. Assim, na tentativa de criar um vínculo e encontrar um ponto em comum com seu público, perguntou em tom claramente irônico quem gostava de fazer lição de casa. Para seu espanto, 95% das crianças levantaram as mãos e abriram um sorriso sincero e entusiasmado. Mais tarde, querendo saber o porquê dessas crianças serem tão “estranhas”, explicaram-lhe que elas consideravam um privilégio fazer a lição de casa, um dos muitos privilégios que os pais não tiveram.

Diante dessa experiência marcante, Shawn começou a perceber o quanto a nossa interpretação da realidade pode alterar a experiência que temos dela. No caso, as pessoas que são gratas pelo o que têm, ainda que seja pouco, conseguem enxergar as coisas por outra perspectiva, que as permitem serem mais felizes e produtivas mesmo diante de uma realidade dura que em nada contribua para isso.

Como é belo encontrar pessoas que sabem agradecer sinceramente pelo o que têm, pelo que são e pelas pessoas que têm ao lado. Pobres financeiramente ou não, são todas ricas de espírito e a alegria que emanam através de seus sorrisos sinceros, iguais aos daquelas crianças, é simplesmente contagiante.

Por isso, penso que felicidade tem menos a ver com aquilo que temos propriamente, mas no valor que damos a elas. Nosso mundo está sedento por pessoas felizes assim.

Por fim, aproveitando o enredo, agradeço sinceramente a você, caro leitor (a) por ter me acompanhado até aqui. Um feliz 2018 a todos!

Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em história pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 17/01/2018, Página A-2, Opinião.

Diretas já?

Direito| Opinião Pública | 31/05/2017 | | IFE CAMPINAS

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Crise (econômica, política, ética) é a palavra que vem definindo o Brasil de alguns anos pra cá. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, que antes tivessem feito fama como dupla sertaneja, são a cereja da vez deste bolo chamado crise, na medida em que suas delações comprometem seriamente Michel Temer. Milhões de pessoas e diversas instituições importantes, em todo o Brasil, voltaram a pedir o mesmo de pouco tempo atrás, a renúncia do presidente ou seu afastamento compulsório, via impeachment.

É no meio deste cenário turbulento que um estranho clamor começa a surgir, pedindo eleições diretas já. O clamor é estranho, pois nossa Constituição, de 1988, traz dois dispositivos, os artigos 80 e 81, os quais expressamente estabelecem que, se a vacância dos cargos de presidente e vice-presidente ocorrer nos últimos dois anos do período presidencial (que é o caso), a eleição para ambos será realizada pelo Congresso Nacional.

Em termos práticos, isso quer dizer que caso Temer renuncie ou sofra o impeachment, o presidente da Câmara dos Deputados, cargo atualmente preenchido por Rodrigo Maia, assumirá o exercício da presidência temporariamente para que, em trinta dias, realize eleições indiretas, cujos eleitores votantes serão unicamente os membros do Congresso.

A primeira consideração que se faz diante do atual pedido de eleições diretas é a mais óbvia, de que é flagrantemente inconstitucional. Caso esse clamor fosse ouvido e de fato os brasileiros fossem convocados para votarem diretamente, antes do período eleitoral de 2018, não haveria dúvidas de que se estaria diante de um autêntico golpe.

Por mais que soe democrático o grito pelas diretas já, a verdade é que não há nada de democrático em defender que se viole a Constituição. Alegar que eleições diretas seriam o melhor para o país neste momento, além de seriamente duvidoso, tendo em vista a ausência de candidatos minimamente razoáveis no atual cenário, não pode ser argumento para que se passe por cima do texto constitucional.

A saída mais coerente para os defensores das diretas já encontra suporte em dois mecanismos. O primeiro seria utilizar o texto do parágrafo único, do artigo primeiro da Constituição, que diz que “todo poder emana do povo”, como fundamento principiológico da tese de que, se o povo quiser, pode-se, então, realizar as eleições diretas. O segundo mecanismo é via emenda constitucional, ou seja, se a Constituição diz que não pode, basta mudá-la para que diga que possa.

O primeiro expediente é, data vênia, absurdo. Utilizar do texto constitucional pra violar completamente o texto constitucional é, no mínimo, contraditório. Ademais, a expressão “todo poder emana do povo” não está isolada na Constituição, pois seu complemento esclarece que esse poder é exercido “por meio de seus representantes eleitos”. A eleição indireta prevista no artigo 81 é o perfeito exemplo desse poder do povo sendo exercido por seus representantes, seja isso o melhor ou não. Aliás, e apenas a título de argumentação, é através da interpretação desmedida de um argumento como “todo poder emana do povo”, que se poderia aprovar, mesmo sem previsão constitucional para tanto, por exemplo, a pena de morte, o uso de torturas, a discriminação de pessoas…

O segundo mecanismo transformaria o pedido de diretas já em formalmente válido e possível, mas seriamente dúbio e discutível se bem refletido, além de oportunista. Afinal, alcançar-se-ia a mudança de um dispositivo da Constituição (artigo 81) que foi propositalmente alterado na primeira oportunidade em que teria sua efetiva aplicação, tendo em vista que nunca ocorreram eleições indiretas, desde a Constituição de 1988. E pior, teria que ser alterado pelo mesmo Congresso em crise de legitimidade que realizaria as eleições indiretas. Essa troca de seis por meia dúzia evidencia como o argumento das diretas já é falacioso quando utilizado como salvação para a superação dos entraves políticos e institucionais que os brasileiros estão passando.

Quer solução para os dilemas e crises atuais? Então que se comece por respeitar e preservar a Constituição. Qualquer caminho ou atalho que fuja disso é democraticamente suspeito. Continua defendendo as diretas já? Paciência! Espere 2018. Esse é o ônus de quando se observa as regras do jogo democrático. Afinal, já se dizia que “a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas” (Winston Churchill).

Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em Direito pela PUC-Campinas, bacharel em História pela Unicamp e membro do IFE Campinas. (marcos.jimoraes@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 31/05/2017, Página A-2, Opinião.

Almas sem bússola

Opinião Pública | 21/12/2016 | | IFE CAMPINAS

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Imagem: FreeImages.com

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Era uma tarde monótona como qualquer outra quando fui arrebatado por um livro além de cativante, daqueles que prendem nossa atenção e instigam nossa imaginação. Caminhava lentamente em direção ao antigo campus central de direito da PUC-Campinas e, sem ânimo para estudar, resolvi ler um livro que peguei repentinamente antes de sair de casa.

Minha experiência com Dom Casmurro deveria ter começado dois anos antes, quando o livro constava na lista de leitura obrigatória para o vestibular. Preferi, à época, ler um resumo comentado. Quanta burrice! Sabia do que se tratava a história, mas não tinha a menor noção do que era pegar a obra de um gênio e saboreá-la, palavra por palavra. Porém, naquela monótona tarde, eu descobri. Caminhei e sentei-me nas escadarias do Planalto da Justiça, pois apreciava observar aquele lugar agitado e barulhento no centro da cidade, mas, assim que abri o livro, tudo nunca ficou tão quieto.

Cada capítulo, cada frase e cada palavra pareciam ter sido meticulosamente calculados pelo autor para, articulados, formarem uma verdadeira obra-prima. A linguagem era incrível, com uma erudição impressionante. Todas as personalidades foram engenhosamente construídas com muita maestria. Tudo em Dom Casmurro me conquistou, mas foi precisamente um aspecto do livro que me impactou profundamente.

Ao terminar de ler, confesso que fiquei atordoado por alguns dias, em uma espécie de embriaguez temporária causada pelo livro, pensando e refletindo. Cheguei a conclusão de que Dom Casmurro era uma história profundamente triste. Bentinho, o ilustre narrador da obra, era uma figura triste. Como pode um homem que teve todas as condições possíveis para se tornar a pessoa mais feliz do mundo terminar do jeito que terminou? Um velho amargurado, angustiado e solitário. Um ranzinza ciumento que terminou por amaldiçoar sua primeira e amada amiga e seu melhor amigo.

Diante de uma suposta traição, Bentinho execrou a mulher que amava, exilando-a eternamente para longe, detestou seu falecido melhor amigo, baniu de sua vida o único filho, rogando para que o mesmo contraísse a lepra e assistiu a morte chegar a cada um dos que já lhe foram queridos na vida. Reconstruiu a casa da infância, detalhe por detalhe de como a lembrava, em uma vil e desesperada tentativa de reviver um passado que não podia voltar mais. Viveu trancafiado em casa, lendo, comendo, jardinando, tendo, quando muito, algumas companheiras que nunca retornavam para uma segunda vez.

Fiquei dias pensando sobre o trágico final de Bentinho. Dei-me conta de que o principal problema de Bentinho não era, segundo ensinam os resumos de livros para vestibular, seu ciúme doentio, que lhe fez perder tudo e todos. Bento Santiago terminou infeliz porque acima de tudo não soube perdoar. Um coração agoniado como o de nosso Dom Casmurro só é possível quando se livremente escolhe conviver com os ressentimentos.

O que mais me atordoou ao refletir sobre Dom Casmurro não foi digerir sobre as angústias de Bentinho, pois sua existência, por mais bem escrita que seja, é meramente fictícia. Incomodou-me profundamente em enxergar na vida fictícia de Bentinho um retrato da vida real de muitas pessoas.

Pessoas que, como Bentinho, tiveram inúmeras oportunidades, dos mais diversos tipos e, ainda assim, livremente trilharam o caminho da própria infelicidade. Pessoas que não souberam perdoar o mal que outros lhe fizeram.
Pessoas que não souberam lidar maduramente com suas mágoas, com seus próprios erros, com seus ressentimentos, em suma, pessoas que não souberam perdoar a si mesmas.

Os orgulhosos e ressentidos encaram o perdão como uma fraqueza e o consideram como um favor que se faz aos que lhe ofenderam, porém mal sabem que perdoar é sobretudo um favor que se presta à própria alma. O ressentimento cultivado é como um veneno ao corpo, que endurece o coração, enfraquece a vontade e corrompe a alma.

Estes orgulhosos e ressentidos esquecem que, apesar de árduo e custoso, o perdão se realiza uma única vez, dando paz ao coração. Já o ressentimento, este é preciso ser renovado e alimentado todos os dias.

A partir daquela monótona tarde em que me aventurei na obra fictícia de Machado de Assis aprendi a olhar a realidade de uma forma diferente. No fundo, a nossa vida é como um barco no mar aberto. No caso de Bentinho, a lanterna era na popa e não na proa, assim, ele só conseguia iluminar as águas que deixou para trás.

Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em Direito pela PUC-Campinas, bacharel em História pela Unicamp e membro do IFE Campinas.(marcos.jimoraes@gmail.com)