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A pátria (por Gustavo Corção)

Política e Sociologia | 13/08/2015 | | IFE CAMPINAS

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"A primeira missa no Brasil", Victor Meireles (1860)

“A primeira missa no Brasil”, Victor Meireles (1860)

 

A idéia de pátria e a correlata de patriotismo vêm sendo sabotadas, há séculos, pelas correntes históricas que nas últimas décadas formam o enorme estuário de equívocos que constituem o néctar, o uísque escocês dos “intelectuais” das chamadas esquerdas. A corrente anarco-socialista, bem como a marxista, sempre anunciaram em canto e prosa a Internacional, sem nunca suspeitarem que deste modo pretendiam combater uma exigência da alma humana tão profunda como a de querer constituir família.

À primeira vista, e numa análise sem vigor, parece que o amor da pátria exclui o resto da humanidade e assim se opõe ao mandamento de Deus. Na verdade, todo amor exclusivo será egoísta e defeituoso, já que o próprio do amor, ainda que inclua as mais densas dileções, é ser difusivo. E se não for difusivo não é amor; será quando muito egoísmo ou amor próprio.

Vejamos como se entende, dentro do imperativo de universalidade, o bom fundamento do amor da Pátria. É sabido que nenhum homem esgota em sua vida e com suas aptidões todas as virtualidades da alma humana. Para bem manifestar toda a grandeza e toda a beleza da alma humana, em todas as suas possibilidades, foi preciso que os homens se multiplicassem e se diversificassem. A perfeição do homem se vê na humanidade desdobrada. Mas não basta essa multiplicação. Para bem exibir diante do universo e das galerias angélicas toda a riqueza do animal-racional, ou da alma feita à imagem e semelhança de Deus, foi preciso ainda recorrer ao curso da história e ao contraponto das civilizações. E além dos desdobramentos e dos alongamentos individuais, foi preciso diferenciar os agrupamentos humanos em tipo, com línguas, costumes e cultura diversificados.

E este é o fundamento natural da pátria.

Faz parte da grande e inebriante aventura humana esse tipo de experiência que consiste em viver, num dado território e ao longo de uma história, uma vocação comum, uma cultura comum, que se exprime não apenas pela língua comum mas por todo o jogo de símbolos, de significações multiplicadas que resultam das alegrias comuns e dos sofrimentos comuns expressos na profundidade das almas por sinais comuns.

Quando eu penso com simplicidade no objeto do amor pátrio, eu penso numa grande comunidade que acabou de chegar na ponta de uma grande história e que acampou, se instalou numa imensa geografia. Tudo isso me envolve numa cercadura enorme, e tudo isso nos diz que somos portadores duma vocação, de uma parte, de uma tarefa na grande aventura humana. Toda essa cercadura, esse envoltório humano, cultural, sociológico, histórico, geográfico é um campo de forças que nos penetra, e que se cruza dentro de nós, e nos faz o que somos, o que sentimos e amamos. Curioso processo psicológico que sempre se repete para as coisas mais amplas e mais próximas. Nossos envoltórios, a família, o bairro, a pátria, são obras emanadas de nossas almas, e são elas que refluem e modelam nossas almas. Há por fora de nós um enorme Brasil exterior; há dentro de nós um Brasil interior de sentimentos e de virtudes que devem ser cultivadas e apuradas para que o Brasil exterior seja melhor e mais Brasil, e mais e melhor para formar as almas de seus filhos.

Precisamos cultivar essa piedade, esse respeito pelo grande quinhão que nos coube na prodigiosa aventura do gênero humano, não para nos excluirmos e nos fecharmos, mas para que nosso amor pátrio seja difusivo e se transforme em amor universal. Precisamos sentir e agir como se o mapa-múndi a cosmografia e a história fossem inconcebíveis sem a nossa presença.

Não há nenhum espasmo de eloquência convencional nem sombra de orgulho nesse reconhecimento de nosso valor: haverá até um ato de humildade acompanhado de um sentimento de responsabilidade. Aprendi essa lição do valor de cada ser dentro da Criação com um pobre cego, a quem uma senhora bondosa queria confortar e de quem lamentava a triste sorte. Agradecendo a bondade, o ceguinho confortou-a com estas palavras:

— Sem eu o mundo não estaria completo. Faltaria minha cegueira…

Tudo tem valor. Que valor tremendo, terrível, não terá essa comunidade pátria? Que aleijão enorme faria no mundo a falta desse jeitão coletivo, nosso, meu, seu, vosso, que chamamos Brasil! Esse modo de sermos, de falarmos, de sentirmos, essa esparsa alma comum: Brasil.

E para não desmerecermos em tal tarefa (a de completar o universo!) precisamos friccionar nossos sentimentos e nossas virtudes, e para isto precisamos de comemorações, de sinais e símbolos já que nesta vida terrena, como disse o apóstolo Paulo, vivemos entre sinais e enigmas. Daí a utilidade das bandeiras, dos hinos e das festividades cívicas que todos os povos normais sempre amaram. Mas a necessidade mais imperiosa e contínua que decorre da consciência patriótica é a do serviço prestado no dia a dia da vida profissional. Festejemos os dias da pátria, mas essas festividades seriam vazias e até falsas se não fossem sinais do desejo de servi-la.

Publicado originalmente em http://www.formacaopolitica.com.br/artigos/a-patria-gustavo-corcao/

Um hobbit para presidente

Opinião Pública | 27/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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hobbit

Quando as manifestações de rua começaram no ano passado, muitos festejaram: “O Brasil finalmente acordou”. Confesso que, pessoalmente, diante de multidões só consigo temer o caos iminente. Prefiro o Brasil que nem dormiu. Passeatas e seus gritos de ordem me deixam angustiado. Incomoda-me o comportamento estúpido das massas e a facilidade com que nos entregamos a elas. Os homens se empobrecem coletivamente. Direitos são direitos e não quero impedir ninguém de protestar (às vezes é necessário). Mas não me obriguem a aplaudir, muito menos a me emocionar com rompantes de cidadania. Há coisas mais belas na vida que a soberania popular.

Eu tenho saudades de um patriotismo que raramente se vê no Brasil. Um verdadeiro amor à pátria. Pois se um país tem cidadãos, uma pátria tem filhos. E filhos vivem e morrem pela sua pátria-mãe. Civismo sem amor é mera cidadania. Eu tenho receio de cidadãos, principalmente cidadãos conscientizados de seus direitos e prontos a exigi-los. Prefiro a honra dos soldados que lutam numa guerra justa ou a caridade dos que se entregam à política por dever. Meu avô foi um desses patriotas: vereador sem qualquer remuneração, presidente do clube, membro da irmandade da santa casa, ministro da eucaristia, sócio da associação comercial, além, é claro, de dono do seu negócio e pai da sua família.

A pergunta que insiste em importunar é: por que no tempo do meu avô não havia “black blocs”? Pode parecer ingênuo ou nostálgico para quem está acostumado ao discurso do progresso e à pedante opinião de que o hoje é sempre melhor do que o ontem. Mas, por gratidão e sabedoria, tenho por hábito dar voz aos meus mortos, convidando-os a se sentarem comigo à mesa para um café. Recentemente, entre imagens e lembranças, recolhi uma preciosa lição. Uma lição eterna, que o gênio de J. R. R. Tolkien, o autor de “Senhor dos Anéis“, retratou em seus livros.

Para ilustrar, trago um trecho da adaptação para o cinema de seu livro “O Hobbit”, recentemente lançado no Brasil. Trata-se de um diálogo entre o mago Gandalf e a Senhora Galadriel, na primeira parte da trilogia: “_ Mithrandir (o grande mago Galdalf), porque o pequeno (hobbit)? _ Eu não sei. Saruman (o mago branco) crê que só grandes forças conseguem conter o mal. Mas não é o que eu acho. Eu acho que são os pequenos detalhes… As ações diárias das pessoas, que mantêm o mal afastado. Simples ações de bondade e de amor. _Por que Bilbo Bolseiro? _Talvez por que tenho medo e ele me dá coragem”.

Quando, nas discussões públicas brasileiras, surge aquela ladainha de sempre sobre a necessidade de leis para isso e para aquilo, sobre o Estado precisar agir aqui e ali, eu sempre me lembro de Bilbo Bolseiro e da sua missão de conter o mal por meio de uma vida simples, fundada em valores firmes. Por isso, protestos me dão náuseas. Eles são, em geral, expressão dos rituais do civismo sem amor, cultuados no templo da república, com os quais se pretende expurgar todos os males do mundo. Eles compõem o cenário romântico dos “atos de cidadania”, dos que sonham com a “Queda da Bastilha” e choram pela “revolução”. Os mesmos que embebidos de ilusão, legitimam os atos de vandalismo dos “black blocs”.

Assim como Gandalf, o grande e poderoso mago, eu confio nos hobbits, os pequenos seres de vida simples. Este ano, nas eleições, eu gostaria de ter um hobbit na presidência. Nada de militantes, sociólogos ou tecnocratas. Nada de ativistas ou líderes midiáticos e populistas. Apenas um homem que lembrasse o meu avô, em cujas rugas eu vislumbrasse a vida sacrificada de um pai de família. Que fosse um homem de procissão, não de passeata. Em quem eu reconhecesse a minha miséria, a miséria de todos nós, refletida em olhos que brilhassem de esperança e disposição ao trabalho.

O problema é que um hobbit não quer ser incomodado em sua rotina, pois tudo o que deseja é cuidar da própria vida, na tranquilidade do Condado, que é a sua terra. Neste caso, teríamos que convencê-lo à aventura, como Gandalf no início do filme, pois essa é justamente a qualidade que o faz tão vocacionado à missão. Resmungão e mal humorado, desconfiado de fazer uma insanidade, imagino que ele diria sim, com a mesma coragem de Bilbo Bolseiro. E partiria, junto a outros homens de boa vontade, em uma inesperada jornada rumo às terras de Brasília, para libertá-la do poder do terrível exército dos orc´s de terno e gravata.

 

João Marcelo Sarkis, advogado, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 12 de Março de 2014, Página A2 – Opinião.