Um hobbit para presidente

Opinião Pública | 27/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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hobbit

Quando as manifestações de rua começaram no ano passado, muitos festejaram: “O Brasil finalmente acordou”. Confesso que, pessoalmente, diante de multidões só consigo temer o caos iminente. Prefiro o Brasil que nem dormiu. Passeatas e seus gritos de ordem me deixam angustiado. Incomoda-me o comportamento estúpido das massas e a facilidade com que nos entregamos a elas. Os homens se empobrecem coletivamente. Direitos são direitos e não quero impedir ninguém de protestar (às vezes é necessário). Mas não me obriguem a aplaudir, muito menos a me emocionar com rompantes de cidadania. Há coisas mais belas na vida que a soberania popular.

Eu tenho saudades de um patriotismo que raramente se vê no Brasil. Um verdadeiro amor à pátria. Pois se um país tem cidadãos, uma pátria tem filhos. E filhos vivem e morrem pela sua pátria-mãe. Civismo sem amor é mera cidadania. Eu tenho receio de cidadãos, principalmente cidadãos conscientizados de seus direitos e prontos a exigi-los. Prefiro a honra dos soldados que lutam numa guerra justa ou a caridade dos que se entregam à política por dever. Meu avô foi um desses patriotas: vereador sem qualquer remuneração, presidente do clube, membro da irmandade da santa casa, ministro da eucaristia, sócio da associação comercial, além, é claro, de dono do seu negócio e pai da sua família.

A pergunta que insiste em importunar é: por que no tempo do meu avô não havia “black blocs”? Pode parecer ingênuo ou nostálgico para quem está acostumado ao discurso do progresso e à pedante opinião de que o hoje é sempre melhor do que o ontem. Mas, por gratidão e sabedoria, tenho por hábito dar voz aos meus mortos, convidando-os a se sentarem comigo à mesa para um café. Recentemente, entre imagens e lembranças, recolhi uma preciosa lição. Uma lição eterna, que o gênio de J. R. R. Tolkien, o autor de “Senhor dos Anéis“, retratou em seus livros.

Para ilustrar, trago um trecho da adaptação para o cinema de seu livro “O Hobbit”, recentemente lançado no Brasil. Trata-se de um diálogo entre o mago Gandalf e a Senhora Galadriel, na primeira parte da trilogia: “_ Mithrandir (o grande mago Galdalf), porque o pequeno (hobbit)? _ Eu não sei. Saruman (o mago branco) crê que só grandes forças conseguem conter o mal. Mas não é o que eu acho. Eu acho que são os pequenos detalhes… As ações diárias das pessoas, que mantêm o mal afastado. Simples ações de bondade e de amor. _Por que Bilbo Bolseiro? _Talvez por que tenho medo e ele me dá coragem”.

Quando, nas discussões públicas brasileiras, surge aquela ladainha de sempre sobre a necessidade de leis para isso e para aquilo, sobre o Estado precisar agir aqui e ali, eu sempre me lembro de Bilbo Bolseiro e da sua missão de conter o mal por meio de uma vida simples, fundada em valores firmes. Por isso, protestos me dão náuseas. Eles são, em geral, expressão dos rituais do civismo sem amor, cultuados no templo da república, com os quais se pretende expurgar todos os males do mundo. Eles compõem o cenário romântico dos “atos de cidadania”, dos que sonham com a “Queda da Bastilha” e choram pela “revolução”. Os mesmos que embebidos de ilusão, legitimam os atos de vandalismo dos “black blocs”.

Assim como Gandalf, o grande e poderoso mago, eu confio nos hobbits, os pequenos seres de vida simples. Este ano, nas eleições, eu gostaria de ter um hobbit na presidência. Nada de militantes, sociólogos ou tecnocratas. Nada de ativistas ou líderes midiáticos e populistas. Apenas um homem que lembrasse o meu avô, em cujas rugas eu vislumbrasse a vida sacrificada de um pai de família. Que fosse um homem de procissão, não de passeata. Em quem eu reconhecesse a minha miséria, a miséria de todos nós, refletida em olhos que brilhassem de esperança e disposição ao trabalho.

O problema é que um hobbit não quer ser incomodado em sua rotina, pois tudo o que deseja é cuidar da própria vida, na tranquilidade do Condado, que é a sua terra. Neste caso, teríamos que convencê-lo à aventura, como Gandalf no início do filme, pois essa é justamente a qualidade que o faz tão vocacionado à missão. Resmungão e mal humorado, desconfiado de fazer uma insanidade, imagino que ele diria sim, com a mesma coragem de Bilbo Bolseiro. E partiria, junto a outros homens de boa vontade, em uma inesperada jornada rumo às terras de Brasília, para libertá-la do poder do terrível exército dos orc´s de terno e gravata.

 

João Marcelo Sarkis, advogado, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 12 de Março de 2014, Página A2 – Opinião.