Populismo, o ópio do povo

Opinião Pública | 08/02/2017 | | IFE CAMPINAS

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O populismo político, uma lamentável faceta de nossa história institucional, parece ter emigrado para o hemisfério norte. De fato, como diz um amigo residente no Exterior, se o Brasil não virar primeiro mundo, o primeiro mundo vai virar Brasil. Passamos a exportar esse produto, além das já tradicionais commodities, com a diferença de que se trata de um bem imaterial. Um avanço em nossa pauta comercial, sem dúvida.

Como explicar essa onda populista que varre a realidade política de nossos importadores? Como fazem os ditos cientistas políticos (expressão infeliz), que demonizam os simpatizantes e eleitores dessa causa e os rotulam de toscos, nacionalistas, xenófobos, misóginos, machistas e protecionistas? Isso, de fato, não ajuda muito a compreender, no fundo, o verdadeiro problema: a crise de representação política que está no olho do furacão desse fenômeno.

O caldo de cultivo do populismo é o descontentamento social ante os problemas sociais concretos, como a corrupção e a recessão econômica, magnificado pela sensação que as elites políticas, econômicas e culturais não se ocupam dos problemas mais prosaicos do cidadão corrente: emprego, tarifa de ônibus, vaga escolar, remédio no posto, preço do feijão, imposto da cerveja, entre outros.

Nesse cenário de déficit representativo, surgem novos líderes, muitos deles carismáticos, que avocam serem portadores da representação dos interesses daqueles que se julgam esquecidos. Essa pretensão, perfeitamente legítima se veiculada pelos canais democráticos, torna-se problemática quando incorpora o sotaque demagógico, para prejuízo do debate público e, o que é pior, do próprio déficit representativo que se almeja recuperar.

Eis alguns sinais distintivos do populismo: recurso à linguagem agressiva para provocar divisão; interesse em agitar medos profundos em benefício próprio; peso maior dos slogans e clichês em relação aos argumentos; tergiversação dos fatos para manipulação da opinião pública; “sentimentalização” da política em prol de concessões ao povo, sem se afrontar os problemas de forma racional, ainda que impopular; diversionismo político com polêmicas insignificantes ou despropositadas; busca incessante da identificação com a imagem do líder; “ver sem entender”; promessas claramente irreais e busca de inimigos ou de desculpas externas.

Para uma perfeita conexão com as massas, a prosa populista recorre à dialética do “nós contra eles”. Essas ações situam-se num terreno bem claro: no meio de um ringue social, onde, de um lado, estão aqueles que não representam os eleitores e, de outro, os eleitores esquecidos. Como técnico desses, o populista manipula, volta a volta, um emaranhado de disposições, que vão desde a sensação de abandono, o desencanto, a frustração até a imagem de perda de identidade, a desmedida e o medo.

Mas não é só. Quando toma corpo, o populismo tende a contaminar a classe política que abandonou o povo e, no afã resgatar a representatividade perdida, as ideias populistas passam a ser assimiladas e praticadas de uma maneira mais sofisticada e racional. Por exemplo, a tolice do imposto sobre grandes fortunas. Populismo ilustrado sob a forma de vampirismo fiscal.

De fato, o populismo tem um mérito: sua sensibilidade é uma espécie de antena parabólica de alta resolução, pronta para captar os menores sinais das preocupações reais da população, ainda que suas respostas para tais preocupações pareçam provocar derivas toscas ou radicais.

Ao cabo, o populista é um sujeito esperto que sabe jogar com as fantasias dos esquecidos. “Ganhe o público!”, parece ser a voz interior que conduz o populista aos seus propósitos mais hiperbólicos. Por isso, não nos parece realista fazer o que fez a imprensa americana com o magnata republicano, vencedor da última disputa presidencial: silenciá-lo com uma boa dose de indiferença olímpica ou considerá-lo uma piada de mau gosto. E que Deus abençõe a América! Como nunca. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 08/02/2017, Página A-2, Opinião.