Lava-jato, avante!

Opinião Pública | 28/06/2017 | | IFE CAMPINAS

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No atual debate sobre os rumos do país, é natural que haja divergências de natureza política, com exceção daquelas provenientes do único fã-clube que estima políticos bandidos. Aliás, isso é muito saudável, pois as diferenças de opinião demonstram a vitalidade e a riqueza de uma democracia, desde que sustentada por uma necessária comunhão entre política e moral, fato que Platão já havia observado durante seus embates com os sofistas.

Tal comunhão deveria consistir na conjugação entre a participação na polis, ou seja, na arena política, e a busca individual da areté, expressão que representava o conceito grego de excelência individual, alcançada mediante uma educação integral (paideia) para a formação de um cidadão virtuoso como pessoa e capaz de desempenhar qualquer função na sociedade.

Em suma, um homem perfeito e um perfeito cidadão. Essa era a garantia para que a democracia grega não degenerasse na demagogia e para que as instituições sociais fossem preservadas das tentações de um governante absoluto, realidades vistas, hoje, na Venezuela. Bom, mesmo naquela época, o próprio Platão sentiu os efeitos disso, ao sofrer nas mãos do tirano de Siracusa.

Por aqui, nessa terra onde os amadores não têm vez, vivemos um período ímpar em nossa história: temos a chance de nos livrar de uma geração de políticos que mais lembra um entulho demagogo e que viveram na cornucópia entre o público e o privado, sobretudo no que concerne à apropriação indébita de dinheiro público via caixa dois, doação ilegal e contas na Suíça. E, nesse caso, a operação Lava-Jato em cena e mostra a importância do Poder Judiciário, sobretudo dos juízes de primeira instância, nessa faxina de ética e de resgate dos valores republicanos, no sentido romano da expressão.

Quando meu pai me questionou, no segundo ano da graduação, lá nos idos de 1994 nas Arcadas do Largo, as razões do meu abandono à diplomacia em favor da judicatura, eu disse que serviria meu país melhor nessa função, porque, como diplomata, não teria independência funcional. Ficaria lambendo as botas do presidente ou do ministro do Itamarati de plantão. Como, de fato, sucedeu para os diplomatas entre 2003 e 2014.

Meu pai, como militar, estudioso e escritor de livros sobre história do Brasil para os colégios militares, para a ESG e a ECEME, respondeu-me que a minha geração seria responsável pela virada institucional do Brasil e pelo fim do histórico absolutismo do Poder Executivo no cenário político.

E que os juízes teriam um importante protagonismo nisso, pois acreditava que os outros dois poderes seriam incapazes dessa auto-depuração ética. Depois, como conhecia o filho que tinha, disse: “Vai, vai fazer a parte que lhe cabe nisso, porque eu ainda quero escrever um livro sobre esse novo capítulo da história brasileira”.

Quando ingressei na magistratura em 1998, aos 23 anos, ele foi o mais efusivo em casa e me lembrou que, para grandes poderes, há grandes responsabilidades. E recomendou, por ainda ser muito novo, muita prudência e nenhum amigo político. Hoje, ele não mais responde por seus atos. Não será capaz de escrever nem uma linha, quanto mais um novo capítulo ou mesmo um livro.

Mas sei que minha geração de juízes de primeira instância, espalhada pelos rincões do Brasil e exercendo um sadio protagonismo judicial e que não se confunde com o lamentável ativismo, simbolizada pelo juiz Sérgio Moro, está fazendo a parte que nos compete constitucionalmente, ao mesmo tempo em que cumpre a profética afirmação de meu pai.

Temos nossos problemas, um ministro do STF que fala mais que a boca, corporativismos sem mais espaço, uma minoria de maus juízes, benefícios questionáveis, alguma juizite aqui e ali, mas afirmo categoricamente que, a ser verdadeira a máxima aristotélica de que o agir segue o ser, então, a julgar pelas decisões tomadas por inúmeros juízes de várias localidades contra a corrupção política, não tenho a menor dúvida de que nossa instituição detém o maior número de quadros éticos dos três poderes.

Ao cabo, não fazemos mais do que nossa obrigação para com o cidadão e os destinos de nossa nação, sem abuso de autoridade, porque o único abuso de autoridade em moda é o de político roubar o erário público e permanecer impune. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 28/06/2017, Página A-2, Opinião.