Vamos ao que interessa?

Opinião Pública | 06/04/2016 | | IFE CAMPINAS

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Nenhum deles tinha perfil acadêmico ou transitava pelas humanas. A maioria era, surpreendentemente, de engenheiros. Jamais imaginei receber esse tratamento de pessoas que, intelectualmente, não pertencem ao meu círculo. Aliás, faço meu mea culpa. Costumo guardar uma certa distância intelectual do mundo das exatas, por causa da absolutização da forma cartesiana com que muitos pensam, principalmente os engenheiros, crendo que, para inúmeras situações da vida, existem respostas matematizadas. Ou matematizáveis.

Nessa linha, bastaria pôr as variáveis na equação aqui e a resposta sairia ali, depois do sinal de igual. Admito que, nas humanas, também sofremos disso. São as respostas de cartilha ideológica, qualquer que seja sua cor. Tanto uma postura como a outra reduzem a realidade ao nível de profundidade de uma poça d’água. Anulam sua complexidade e o fato de que, para muitas – muitíssimas – situações, há mais de uma resposta possível.

Por outro lado, escrever em público demanda muito trabalho, algum talento e, como disse um dos leitores, uma boa dose de coragem, mormente num mundo em que as ideias foram sufragadas pelo ideário politicamente correto, do qual, para dizer o mínimo, dá-me asco.

Em minha defesa diante do tribunal da opinião pública, para usar uma expressão machadiana, acrescento que sou apático psiquicamente às vozes dos jurados dessa corte. Sou indiferente ao que dizem sobre o que penso. Explico.

Uma vez encontrei a definição perfeita da minha condição numa entrevista de Tom Stoppard, dramaturgo inglês: “O que as pessoas tendem a subestimar”, dizia ele, “é a minha capacidade para não estar assim tão interessado.” Essa capacidade talvez seja até um pouco patológica. Não sei.

Mas as coisas são como são: não me incomodar ou não estar tão preocupado em querer saber como os cabelos brancos que aparecem no espelho da manhã. Ou como o aumento em escala das olheiras. Ou como a flacidez da idade tomando conta dos músculos. A vida segue e – lembro-me de Samuel Coleridge -, os elogios que recebemos são, no fundo, uma lanterna na popa: iluminam as águas que deixamos para trás…

Por fim, pondero duas coisas ao leitor que enalteceu minha coragem, tomada de empréstimo da toga que envergo. Primeiro, acertaste no bingo. Sou um juiz igual a tantos que, na faina diária e silenciosa dos processos, colabora para deixar um país melhor que o recebeu. Por isso, orgulha-me pertencer a uma geração de juízes simbolizada pela pessoa do colega Sérgio Moro.

Ele nos fez recordar que a lei penal vale para todos. Não só o preto, o pobre e a prostituta vão para cadeia, mas também o empreiteiro, o deputado e o senador responsáveis pela corrupção do colorido partidário que for. E, também por isso, dediquei ao colega togado o artigo nominado “Duro de matar”, em relação ao qual os leitores teceram os elogios imerecidos.

Não perco a observação: para o caro leitor citado, um engenheiro, posso afirmar que, pelo que li, demonstrastes ter bastante desenvoltura no cinzelar de suas linhas. Meus parabéns! Só ressalvo o “meritíssimo” a que me referiu: está errado, porque meus amigos mais próximos me chamam de “meretríssimo”…

Segundo, deixo uma recomendação ao mesmo leitor. Não precisas tomar minhas palavras por empréstimo, como referiste. Podes tu mesmo começar a escrever as vossas até alcançar a maturidade nessa arte que Goethe chamava de “ócio trabalhoso”. Nada como a clareza germânica. Dos poetas, porque, dos filósofos, andam a pecar pela falta de cortesia nesse quesito…

E, antes de começares a escrever, convém consultar um bom psicólogo, fazer uns exames e, depois, ouvir dele que sofres de inconformismo existencial. Então, sem adiantares a dizer que não tens conhecimento, porque conhecimento não ocupa lugar, podes lançar mão da pena na folha dobrada, sem te esqueceres jamais de que escrever nos torna mais humanos. Mas não necessariamente mais virtuosos. Eis a sina de quem se mete neste ofício. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no Jornal Correio Popular, edição 6/4/2016, Página A-2, Opinião