Eterno enquanto dure?

Opinião Pública | 23/10/2014 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print
Share Button

Cada vez mais cresce entre nós o que se tem denominado “cultura do provisório”, na qual nossas escolhas são pautadas pelo efêmero e até mesmo pelo fútil.  Em tempos de tantas mudanças rápidas e em muitos níveis, uma pergunta frequentemente vem à tona: será que no contexto da cultura moderna ainda são válidas as decisões definitivas de vida? Será que decisões “para sempre” são possíveis, ou temos de aceitar o “eterno enquanto dure”, como no famoso poema de Vinícius de Moraes?

Nas últimas décadas, por exemplo, vimos difundir-se na sociedade a prática do divórcio, juntamente com a ideia de que a separação é uma fase natural e inevitável da maioria dos casamentos, que apenas excepcionalmente duram “para sempre”. O compromisso definitivo é visto como algo antiquado e até impossível, fruto de um passado patriarcal que ficou para trás e que já não pode servir de modelo para os casais. Neste contexto, muitos optam simplesmente pelo “morar juntos”, sem qualquer compromisso formal. Não que a formalidade por si só seja garantia de uma relação duradoura, mas, sem dúvida, sem ela a relação pode ser feita e desfeita com muito mais simplicidade e rapidez.

As recentes alterações legislativas no direito de família, principalmente com a emenda do divórcio (EC nº. 66/2010), seguem também esta mesma direção, buscando tornar cada vez mais fácil desfazer os vínculos familiares. Sob o pretexto de proteger a liberdade e a dignidade dos casais em crise, o próprio direito que deveria tutelar e proteger a família, acaba por promover a sua desintegração. Tal qual o título da obra de uma festejada doutrinadora nacional, “Divórcio já!” é o novo grito de ordem que pretende abafar o choro e as lágrimas que entoam o dia-a-dia das varas de família, transformando em festa o que, normalmente, é uma tragédia.

Por outro lado, é claro que esta concepção acaba por influenciar também os adolescentes e jovens. A importante fase do namoro, que deve ser um período de amadurecimento com olhos para um futuro casamento, é muitas vezes vivida numa ambiente de curtição, sem qualquer responsabilidade, quando não é simplesmente substituída pela prática do “ficar”, com direito a sexo casual entre desconhecidos. Impulsionados pela ilusão de uma vida fácil, muitos até se arriscam a um projeto de “solteirice”, já não querem comprometimento algum que não seja com o próprio umbigo (ou com a genitália).

O que sustenta a “cultura do provisório”, entre outras coisas, é a crença de que a vida humana encerra-se nos nossos desejos e impulsos (sentimentalismo) e nas nossas convenções sociais (relativismo). Despido da referência de uma ordem externa e superior, o homem vê-se fechado em si mesmo (egoísmo) e amarrado pela precariedade de um mundo em que não há valores objetivos e absolutos que dão sentido às suas decisões. A partir disto, surge um modelo de felicidade baseado na busca do prazer e do bem-estar (hedonismo) e numa concepção de liberdade como possibilidade de fazer tudo aquilo que se tem vontade.

Neste âmbito, de fato, já não faz mais sentido compromissos duradouros, que vinculem de forma definitiva, porque estes só são possíveis quando baseados no verdadeiro amor, que significa sacrifício e entrega total ao outro. Se não existe uma verdade que aponta para grandes ideais e propósitos em nome dos quais vale a pena lutar e enfrentar as dificuldades para permanecer em união, então tudo é possível e temos que estar sempre abertos a mudanças e rupturas de todo tipo. As nossas mais importantes decisões ficam sujeitas aos caprichos de cada um e a consensos provisórios que duram tanto quanto as opiniões e sentimentos que os geraram. Acabamos perdidos em uma cultura frágil e imatura que, ao invés dos referenciais mínimos que precisamos para viver bem, oferece-nos a insegurança, o medo, a solidão e o vazio existencial que amargamente temos visto em nossos dias.

Por isso, se realmente queremos viver em terrenos mais firmes, que possibilitem o desenvolvimento integral do homem, então é essencial promover uma cultura baseada na verdade e na razão, naquilo que o poeta T.S. Eliot chamou de “as coisas permanentes”. Que  conduza a compromissos duradouros, baseados no amor e na vontade livre e consciente que escolhe o bem e rechaça o mal, independentemente de sentimentos e opiniões, pois reconhece uma ordem de valores e princípios absolutos e objetivos, sem os quais a vida se torna um caos. Assim, insistir em decisões definitivas é, antes de tudo, afirmar o valor da vida e dos grandes ideais, elevando o espírito humano para além das precárias condições de uma realidade provisória, para abrir um verdadeiro caminho de dignidade e felicidade.

João Marcelo Sarkis, advogado, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 23 de Setembro de 2013, Página A2 – Opinião.