Famílias, escolas e igrejas: fundamentos de uma ecologia social saudável (parte 2, final) - por Erika Bachiochi


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No artigo anterior explorei os conceitos de ecologia humana e social como análogos próprios à ecologia natural. Neste artigo, ofereço três sugestões práticas para restaurar nossa ecologia social.

Assim como as ameaças aos nossos habitats naturais, as ameaças ao nosso ambiente moral são multifacetadas. Como lidamos com complexidade ainda maior nos seres humanos, que possuem tanto livre-arbítrio quanto concupiscência, frequentemente nos deparamos com um quadro complexo sem soluções óbvias, ao menos ao nível das leis e das políticas públicas. Então, ofereço as seguintes soluções no espírito da abordagem ecológica característica de Mary Ann Glendon de que primeiro devemos não causar dano, e então, por nossas ações,  buscar, como diz Glendon, “criar condições e mudar probabilidades” em favor do desenvolvimento completo da pessoa humana.

Para criar estas condições em nossas circunstâncias atuais, devemos priorizar nosso apoio a três segmentos importantes da sociedade: primeiro, famílias com crianças, que são em si mesmas uma educação na virtude, tanto para as crianças quanto para seus pais; segundo, escolas que intencionalmente cultivam as virtudes morais e intelectuais; e terceiro, igrejas locais como centros de revitalização ecológica.

 

Famílias: criando crianças, infundindo virtudes

 

Em um longo artigo de 1998 sobre o tema da “ecologia moral”, o cientista político Allen Hertzke perspicazmente escreveu:

A família está no centro da conexão moral ecológica, moldando e sendo moldada…sendo tanto uma causa quanto um efeito de rupturas ecológicas. O grau em que as crianças resistem às toxinas morais do ambiente externo depende extensivamente da imunização que suas famílias conseguiram proporcionar. Por outro lado, a habilidade das famílias para fazê-lo pode ser minada por forças ecológicas mais amplas. As interações são dinâmicas e interativas – em uma palavra, ecológicas”.

O trabalho de formação das crianças no lar – trabalho este que é essencial tanto à criança que recebe a formação quanto a seus pais que, levando a sério seus deveres parentais, são transformados por eles – é profundamente desvalorizado em nossa cultural atual. Com o movimento em massa de integração das mulheres à força de trabalho na última metade de século, com o assombroso nível de desemprego e subemprego entre os homens da classe trabalhadora, a com a crescente dependência de duas fontes de renda para famílias de classe média e de trabalhadores, com o elevado número de mães solteiras cuidando sozinhas de crianças, e com as valiosas e muitas vezes distintivas contribuições das mulheres para além da esfera privada, não podemos mais simplesmente apontar para os tradicionais modelos do homem-provedor e da mulher-dona-de-casa como a solução óbvia para nossa atual crise ecológica, por mais que quiséssemos. Não podemos mais presumir a sustentação familiar e comunitária que as mulheres forneceram por séculos como algo natural– de graça. Se o trabalho da família, aquele trabalho essencial de cuidar do dependente e do vulnerável, de formar as mentes e os corações tanto de filhos como de pais, já foi encarado como o mais essencial de todos os trabalhos, não o é mais.

Hoje precisamos adotar medidas fortes e afirmativas para manifestar muito mais respeito cultural pelo trabalho essencial da família: para inspirar e incentivar pais a se devotar para suas famílias; para combater as pressões financeiras e profissionais que em especial as mães sentem, uma vez que muitas das que trabalham fora priorizam o cuidado com a família; e para pensar de forma criativa sobre como a tecnologia e a engenhosidade empresarial podem ajudar a criar uma economia que está do lado de famílias com crianças, especialmente aquelas que passam por dificuldades.

Pessoas religiosas entendem melhor que ninguém que tanto as crianças quanto o trabalho voltado à família são bens públicos indispensáveis. Então, são as pessoas religiosas e as de boa vontade no mundo dos negócios e na política que devem pensar criativamente sobre como suportar, endossar, afirmar e celebrar publicamente o trabalho de cuidado e formação que ocorre em casa. Ao buscarmos meios para compensar os sacrifícios financeiros reais que pais fazem para criar bem seus filhos, reconhecemos que os serviços que os genitores prestam não servem apenas a seus filhos ou a eles mesmos, mas a toda a sociedade. Pensadores políticos como Ramesh Ponnuru e Yuval Levin têm defendido agendas reformistas que promovem suporte à famílias com crianças como algo essencial; esperamos que eles sejam mais bem acolhidos na nova administração Trump.

Enquanto esperamos uma nova abertura para soluções em políticas públicas, negócios e outras instituições privadas precisam ser pioneiros na busca por caminhos para encorajar e dar suporte à família. Como nos lembra Glendon: “O mercado, como nossa experiência democrática, depende de um certo tipo de cidadão, com certas habilidades e virtudes…depende da cultura, que por sua vez depende da criação e da educação, que por sua vez depende das famílias”. Suporte familiar inclui garantir que pais que trabalham – e, em especial, mães, que continuam assumindo uma parcela desproporcional do cuidado do lar – não sejam penalizados profissionalmente por dedicarem uma parte de suas energias ao cuidado das crianças, que é culturalmente essencial, e também dos genitores idosos. Como João Paulo II escreve na Laborem Exercens, “A verdadeira emancipação das mulheres exige que o trabalho seja estruturado de forma que as mulheres não tenham que pagar por sua emancipação…à custa da família, nas quais as mulheres, como mães, possuem um papel insubstituível”.

Descobrir meios inovadores de acomodar as necessidades da família não ajudaria apenas crianças e casamentos, mas também beneficiaria o espaço de trabalho e a cultura como um todo. Poderia servir para renovar o mundo do trabalho de forma que as pessoas seriam encaradas como prioridade, tanto como sujeitos de seus trabalhos, quanto no âmbito mais amplo da tomada de decisões de uma empresa, garantindo que a busca por eficiência e lucro não se sobreponha à questão mais humana de servir a pessoa em primeiro lugar. De forma mais prática, maior flexibilidade e respeito às demandas familiares poderia traduzir-se em taxas mais baixas de fadiga, reforço moral, e, alguns estudos mostraram, maior lucro no longo prazo.

 

O Renascimento da Educação Clássica

 

Mas politicas de encorajamento familiar por parte do governo e do setor empresarial certamente não representam tudo o que é preciso para restaurar nossa ecologia social. Pais e mães precisam de outras instituições de apoio – escolas vibrantes, igrejas e outras células da sociedade civil – para ajudá-los na formação de seus filhos nas virtudes que precisam para usar bem sua liberdade. Então, meu segundo desafio é que nós apoiemos o renascimento da educação clássica que ocorre agora por todo o país. Ao mergulhar as crianças no que a Civilização Ocidental tem de melhor a oferecer e ao intencionalmente instigar nelas as virtudes morais e intelectuais que precisam para se desenvolver, as escolas clássicas, uma a uma, recriam o ecossistema de suporte moral que os pais precisam para si e para seus filhos.

Essas escolas, como a que ajudei a fundar em 2013 em Natick, Massachusetts, têm consciência de que autogoverno requer autocontrole. Em uma era cada vez mais ligada à ideia de que o homem pode gozar de controle tecnológico sobre a natureza, ou até mesmo sobre seu próprio corpo, estas escolas, ao invés disso, ensinam as crianças que elas devem ser mestres de suas paixões, e que precisam da graça de Deus para alcançar esta maestria. Essas comunidades lutam juntas pelo bem comum e encorajam cada um a pensar mais em seus deveres sociais e menos em seus direitos. Elas reavivam os hábitos da mente e do coração necessários para a boa cidadania, tanto em nosso país e, espera-se, na eternidade. Escolas clássicas têm ávidos estudantes e pais,  fornecem um currículo incomparável, e as melhores delas ensinam educação de caráter que instruem as crianças tanto na linguagem quanto na prática da virtude. Elas, inclusive, frequentemente situam-se em prédios abandonados por escolas paroquias falidas. Mas elas precisam de mais financiamento – e precisam alcançar comunidades mais pobres.

Se o trabalho de teóricos sociais como Charles Murray e Robert Putnam e a ascendência de líderes políticos como Donald Trump e Bernie Sanders nos ensinou algo sobre o que incomoda nossa país hoje, é que a perturbação causada pela deterioração da ecologia social é tão profunda em algumas comunidades que ela ameaça a própria essência de nossa república. As causas desta deterioração ecológica são complexas, no entanto  claramente incluem eclosões tanto econômicas (por exemplo, a globalização) como culturais (como a revolução sexual). Agora é indiscutível que as classes pobres e trabalhadoras foram as mais atingidas por ambas.

 

Revitalizando igrejas locais

 

Igrejas locais e outros locais de culto foram por muito tempo os organismos sociais aos quais as pessoas se voltavam em tempos de necessidade e que outrora serviam como instituições intermediárias, integrando indivíduos de origens diversas. Já é tempo de se redescobrir em nossas igrejas a capacidade única que elas possuem de criar, conforme a frase de Glendon, comunidades “de suporte e memória mútuos”, das quais nossa república depende para sua liberdade e vitalidade, e das quais nós todos provavelmente dependemos para nossa salvação eterna.

É claro que igrejas devem sempre e primariamente ser veículos de formação espiritual e moral, e de graça sacramental; e, como tais, as igrejas têm a capacidade de restaurar comunidades através da revitalização de indivíduos. Brad Wilcox e Nichilas Wolfinger demonstraram, por exemplo, como homens afro-americanos e latinos que frequentam igrejas tem probabilidade muito maior de prosperar pessoal e profissionalmente do que seus pares não religiosos. Mas mesmo além disso, Jonathan Reyes da USCCB acredita que as igrejas poderiam atuar como centros de revitalização ecológica mediante um encontro mais efetivo daqueles em necessidade com os que querem ajudar, das próprias paróquias mais simples e suas irmãs mais ricas, mas também por meio de um engajamento intencional e mais efetivo com recursos privados, empresariais e públicos,  na comunidade toda.

Nossa ecologia social está doente. Os que entre nós vivem em comunidades mais ricas têm uma grave responsabilidade em relação aos que definham em comunidades mais pobres, não apenas de doar nosso dinheiro, mas também nossas vidas – para descobrir “mutualidade nas margens” como formulado por David Lapp. E para ser bem clara: isto não é apenas para assistir e acompanhar os pobres e marginalizados. É também para o bem da alma dos ricos, que talvez sejam tentadas a se resignar à decadência de nossa era. Se quisermos apoiar as condições sociais para a prosperidade humana – a nossa própria e daqueles a nossa volta – será preciso que cada um de nós enfrente este combate interior, dia após dia, ensinando nossas crianças como viver vidas generosas, e abdicando de nosso conforto pessoal para ajudar os outros.

Erika Bachiochi – Visiting Fellow no Ethics & Public Policy Center do Witherspoon Institute (Princenton).

Artigo originalmente publicado no site Public Discourse: Ethics, Law and the Common Good (www.thepublicdiscourse.com). Tradução e publicação autorizadas.