Um sentido para o natal

Opinião Pública | 09/12/2015 | | IFE CAMPINAS

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Se o melhor da festa é a espera que ela proporciona, logo, a festa, em si, não teria lá muito sentido. Mas, se o melhor da festa – a expectativa – é justamente causada por seus preparativos, como não lhe dar algum valor? Ou, então, seria a festa a consumação daquela crescente espera, cujo ápice, o dia de sua realização, corresponderia, simultaneamente, ao fim daquela expectativa e à volta da melancolia proporcionada pela repetição do cotidiano?

Em tempos de materialismo, a expressão “Feliz Natal!” foi substituída pelo simpático “Boas Festas!”. Nada mais coerente. Nada mais vazio de sentido genuinamente natalino: simboliza uma desmedida preocupação com presentes, ceia, roupa e convidados, porque, se, por um lado, essa inquietação demonstra o devido valor que atribuímos a essa festa, por outro, destituída daquele sentido transcendente, a agitação transformou-se num fim em si mesmo.

Otto Maria Carpeaux gostava de pensar o natal com um sentido de esperança transcendental. Talvez, por conta da perseguição nazista aos judeus que sucedeu à anexação da Áustria ao III Reich, quando ele por lá morava. Ou, quem sabe, por influência do cristianismo, para o qual se converteu depois de ter abandonado o judaísmo.

Não importa. Por sua influência, desde a juventude, sempre meditei o natal dessa maneira e que dá um denominador comum de sentido aos três momentos dessa festa: sua expectativa, sua realização e, sobretudo, o dia seguinte, um cenário normalmente marcado pelo mal-estar estomacal, pela ressaca ou pelo fastio material.

A esperança é um nobre tema da teologia cristã. É uma virtude teologal, ou seja, é um dom que decorre da ação divina, cujo autor é o destinatário dessa mesma esperança. Fora dela, no mundo, só há espaço para um “genérico” de esperança: a esperança humana, de credibilidade duvidosa, ao menos à luz dos estragos que o próprio homem já fez a si mesmo.

Entregue a si mesma, essa esperança vaga no vazio do desespero, carregando em si a raça dos abandonados, como dizia Horkheimer, com um certo pessimismo, provocado pelo testemunho de um período político e histórico de progressiva desumanização do homem. Mas ainda é possível se falar em esperança transcendente numa realidade social que funciona como a negação da própria esperança?

Meu avô, quando tinha quinze anos, faleceu de mal de Alzheimer, mas, durante esse doloroso processo de degeneração, ele teve um tumor cancerígeno cerebral diagnosticado. Naquela altura, eu já não mais “existia” para ele. Lembro-me de ter visto as imagens do tumor no exame que chegou às minhas mãos, tumor que não decretou seu fim, porque o Alzheimer bateu na porta antes.

Lembro-me, também, de ter buscado refúgio em Shakespeare, porque sua literatura repete a vida: Hamlet segurou o crânio de Yorick, o bobo da corte dinamarquesa, e perguntou se nós somos apenas aquilo, um monte de ossos enterrado a sete palmos do chão (Hamlet, V, 1).

Achei que um monte de ossos coberto por uma carne não podia ser a causa eficiente de tudo aquilo que meu avô fez ou me proporcionou. Deveria haver algo mais. Algo que animasse suas ações e desse um sentido maior à sua existência. Isso foi o começo da minha resposta, alcançada plenamente alguns anos depois.

A morte de meu avô apresentou-me à uma genuína esperança e deu um outro sentido à minha vida: o sentido da miséria de nossa existência que, graças à esperança transcendental, abre-se à beleza da perfeição. E que se renova todo ano, quando contemplo a miséria do presépio e a mesma esperança nas faces de cada um de seus personagens. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no Jornal Correio Popular, edição 9/12/2015, Página A-2, Opinião.